Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3379/16.9T8LSB.L1-6
Relator: CARLOS M. G. DE MELO MARINHO
Descritores: REVOGAÇÃO DA AUTORIZAÇÃO A INSTITUIÇÕES DE CRÉDITO
DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: –Cabe ao Banco Central Europeu (BCE) exercer, em exclusivo, para fins de supervisão prudencial relativa à totalidade das instituições de crédito estabelecidas nos Estados-Membros participantes, as funções de concessão e revogação da «autorização a instituições de crédito»;
–Esta intervenção é equiparada à dos bancos centrais nacionais, ou seja, na situação sob análise, à do Banco de Portugal, pelo que a mesma tem a dimensão emergente do disposto no n.º 2 do art. 8.º do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25 de Outubro, produzindo «os efeitos da declaração de insolvência», aí mencionada;
–Tal consequência convoca a aplicação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e submete o exercício dos direitos dos credores à lógica e regulação «falimentar»;
–A acção de insolvência tem força centrípeta impondo a concentração da afirmação dos direitos e a decisão globalizante;
–A actual redacção do n.º 1 do art. 50.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não afasta a validade do fixado no âmbito do Acórdão uniformizador de jurisprudência, do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 1/2014;
–No caso em apreço, bem andou o Tribunal «a quo» ao subsumir a situação relativa a custas ao disposto na al. e) do n.º 2 do art. 536.º do Código de Processo Civil já que estão em causa obrigações pecuniárias e ocorreu a emissão de declaração equiparada à de insolvência do Réu sendo que, à data da propositura da ação, essa declaração não era previsível para os Demandantes;
–A intervenção do Banco de Portugal no caso BES não configura uma situação de remoção de propriedade privada sem contrapartidas, em função do interesse público, associável às noções de expropriação ou confisco sem compensação, antes materializando o exercício de funções de regulação através da assunção de opções sindicáveis perante a jurisdição administrativa que visaram repôr equilíbrios, evitar o contágio da negatividade financeira e das imparidades, blindar o restante tecido social face à desagregação interna de uma das instituições de crédito nacionais, assim não impondo ao conjunto dos cidadãos o desbaratar e a alienação de recursos preciosos e escassos para custear os riscos inerentes a actividades e decisões alheias, sempre sem prejuízo dos princípios da solidariedade e da coesão social;
–Não estamos, à míngua de outros elementos, perante vera questão de constitucionalidade não se encontrando em causa, de forma directa, o direito à propriedade privada garantido pelo art. 62.º da Constituição da República Portuguesa, não se patenteando que, «caso não tivesse sido adoptada a referida medida, os AA. tivessem tido maior protecção do dinheiro investido»;
–A intervenção do Banco de Portugal não é susceptível de ser objecto de operações de referenciação, comparação, restrição e identificação com figuras específicas e focadas de Direito comercial, sendo que circunscrever a avaliação técnica a esta visão redutora seria abstrair da necessidade de se realizar uma interpretação sistemática, englobante e articulada, conforme imposto pelo n.º 1 do art. 9.º do Código Civil; tal envolveria, também, um afrontamento e violação do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–RELATÓRIO:

                   
M... e E..., ambos com os sinais identificativos constantes dos autos, instauraram «acção declarativa de condenação com processo comum» contra BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A., NOVO BANCO, S.A., e E..., neles também melhor identificados, por intermédio da qual peticionaram a condenação solidária dos Réus a pagar-lhes indemnização por «danos patrimoniais a apurar em execução de sentença» e por «danos morais» computados em 5.000,00 €. Alegaram, para o efeito, que: são titulares das acções preferenciais identificadas na petição inicial, adquiridas nos balcões do Banco Espírito Santo (BES); foram sempre muito claros nas instruções dadas às suas gestoras no sentido de serem feitas, apenas e só, aplicações com garantia de capital, taxa de juro fixa, mesmo que com menor rentabilidade, nomeadamente depósitos a prazo; nunca poderiam imaginar que Poupança Plus 5 e 6 não eram depósitos a prazo mas acções de sociedades veículo (SPVs) com sede nas Ilhas Jersey, com aquelas designações; após a medida de resolução de 3 de Agosto de 2014, que separou o 1.º R. em «banco-bom»/«banco-mau», Novo Banco/BES, os Autores, preocupados, tentaram obter informação sobre os depósitos que tinham constituído e tentaram levantá-los, o que lhes foi negado; chegados à sua Agência de Loulé, pediram para falar com a gestora e depararam-se com a notícia de que a conta continuava «a zeros» e assim se iria manter, pelo que tinham perdido tudo; nunca pretenderam adquirir acções preferenciais de sociedades offshore sedeadas nas ilhas Jersey; outrossim, fizeram aplicações junto do 1.º Réu, no seu balcão de Loulé, como se tratasse de verdadeiros depósitos a prazo com garantia de que, nas respectivas datas de vencimento, seriam reembolsados do capital acrescido dos correspondentes juros, às taxas contratadas; o BES, não obstante conhecer o perfil e vontade dos Autores, em vez de aplicar as poupanças em depósitos a prazo, convenceu os Autores a subscrever acções preferenciais de SPV’s, dizendo que se tratava de um produto equivalente, com as mesmas garantias e segurança dos depósitos a prazo; o que os Autores subscreveram foi uma «ordem de compra» de 5.000 de acções preferenciais com a denominação Poupança Plus 6, no valor total de € 265.000,00 e, simultaneamente, uma «ordem de venda» das mesmas acções, na data prevista, pelo preço correspondente ao capital acrescido dos juros, contabilizados à taxa acordada; se os Autores soubessem que estavam a aplicar as suas poupanças de toda uma vida de trabalho em acções, nunca teriam aceite as aplicações que lhes estavam a ser propostas.

Os 2.º e 3.º Réus contestaram conjuntamente suscitando incidente de verificação do valor da causa, sustentando a sua própria ilegitimidade, pedindo a suspensão da instância com vista a facultar aos Autores a impugnação, perante os Tribunais administrativos, da medida de resolução do 1.º Réu assumida pelo Banco de Portugal e defendendo-se por impugnação. Concluíram pela improcedência dos pedidos dos Autores e pela sua absolvição da instância, pela verificação do valor da causa nos termos propostos e pela procedência da excepção de ilegitimidade passiva com a sua absolvição do pedido ou da instância.

Também o 1.º Réu contestou invocando a inexigibilidade do cumprimento das obrigações que não tenham sido transferidas em resultado da medida de resolução aplicada ao BES por Deliberação do Conselho de Administração do Banco de Portugal e impugnou a acção sustentando que o Banco Espírito Santo existente à data dos factos não é o Banco Espírito Santo Demandado, antes correspondendo ao Réu Novo Banco. Terminou pedindo que fosse «Julgada procedente a exceção perentória de inexigibilidade do cumprimento da alegada obrigação de indemnização do Réu BES absolvendo-o dos pedidos», ou, subsidiariamente, «julgada improcedente a ação, por não provada, com todas as legais consequências».

Os Autores replicaram concluindo, a final, deverem ser consideradas improcedentes as excepções invocadas pelos Réus.

Os Demandantes vieram desistir da instância relativamente ao 3.º Réu. 

Por requerimento autónomo, o BES – em Liquidação, informou que, por deliberação do Banco Central Europeu datada de 13/07/16, foi revogada a autorização para o exercício da actividade bancária do Demandado BES, tendo requerido que fosse declarada «a extinção da instância nos termos e para os  efeitos do artigo 277.°, alínea e), do Código de Processo Civil, absolvendo-se, consequentemente, o  Réu Banco Espírito Santo, SA – Em Liquidação, da instância» ou que, caso assim não se entendesse, se ordenasse «a suspensão da instância, nos termos do  disposto no artigo 272.°, n.1, do Código de Processo Civil, até que se torne definitiva a decisão do Banco  Central Europeu que revogou a autorização para o exercício da atividade do BES, sendo, logo que se verifique tal definitividade, declarada extinta a instância, nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil, absolvendo-se  o Réu Banco Espírito Santo, SA - Em Liquidação, da instância».

Os Autores pronunciaram-se sobre tal requerimento sustentando dever o mesmo ser indeferido.

Por decisão do Tribunal «a quo» foi homologada a desistência da instância supra-referida, tendo sido, também, fixado o valor da acção.

O mesmo Tribunal proferiu decisão por intermédio da qual declarou extinta a instância relativamente ao 1.º Réu, ao abrigo do disposto na al. e) do art. 277.º do Código de Processo Civil, e absolveu o 2.º Réu do pedido com fundamento em «ilegitimidade substantiva passiva».

É desta decisão que vem o presente recurso interposto por M... e E..., que alegaram e apresentaram as seguintes conclusões e pedido:
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA POR INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE QUANTO AO BES, S.A., EM LIQUIDAÇÃO
1.–Como no processo de insolvência se vai liquidar o património do devedor insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, é necessário que estes sejam contemplados e graduados nesse processo, sob pena de nada poderem vir a receber depois de excutido o património.
2.–Para os créditos serem contemplados no processo de insolvência têm naturalmente de ser reclamados (art.° 128.°), não sendo necessário uma sentença com trânsito em julgado.
3.–Mesmo o credor que tenha o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não está dispensado de reclamar o seu crédito (art°. 128/3 CIRE), porque só no processo de insolvência esse crédito pode ser executado, por se tratar de um processo de liquidação universal.
4.–A declaração de insolvência determina a apensação das acções de natureza exclusivamente patrimonial em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, bem como a suspensão e extinção das acções executivas.
5.–Mas, este regime, moldado nos princípios do processo de insolvência, não é extensível às demais acções declarativas.
6.–Se essa fosse a intenção do legislador, tê-lo-ia expressado, sem limitações, como, aliás, fez em relação às acções executivas (art.º 88.º).
7.–Se o credor, com uma acção declarativa de condenação a correr, não reclamar o seu crédito no processo de insolvência, pode ver extinta a instância por inutilidade superveniente da lide (art.º 277.º al. e) do CPC), uma vez que deixa de poder ver os seus direitos de crédito satisfeitos relativamente ao devedor insolvente.
8.–A natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a necessária ponderação de direitos litigiosos complexos ou especializados.
9.–Sendo o processo de insolvência um processo de execução universal, é natural que as acções executivas a correr se suspendam ou se extingam.
10.–Naturalmente que, se na acção declarativa, houver outros Réus, a extinção da instância opera apenas quanto ao Réu devedor insolvente, prosseguindo os seus termos contra os demais Réus, como, aliás, está consignado expressamente para as acções executivas (art.° 85.°, n.° 1 in fine e n.° 2).
11.–Se o credor reclamar o seu crédito no processo de insolvência, não há lugar a qualquer apensação, suspensão ou extinção da instância das acções declarativas de condenação a correr contra o devedor insolvente.
12.–Devendo, nesse caso, o seu crédito ser contemplado e devidamente acautelado no processo de insolvência, nomeadamente como crédito sujeito a condição suspensiva.
13.–Nesta conformidade, o art.° 181° n. 1 do CIRE dispõe que “Os créditos sob condição suspensiva são atendidos pelo seu valor nominal nos rateios parciais, devendo continuar, porém, depositadas as quantias que por estes lhes sejam atribuídas, na pendência da condição”.
14.–Com a nova redacção do n.° 1 do art.° 50.°, o legislador tomou posição clara, considerando expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão, pelo que o Acórdão Uniformizador, no domínio do actual quadro legislativo, salvo o devido respeito, perdeu actualidade e validade.
15.–Como resulta da nova redacção do preceito, a condição suspensiva não pode ser o crédito objecto do processo judicial, mas a própria decisão judicial, tanto mais que o legislador coloca em alternativa a condição suspensiva dependente de “(...) decisão judicial ou de negócio jurídico”.
16.–No actual quadro legislativo, só na falta da reclamação do crédito, se poderá entender que o credor perdeu o seu interesse na acção declarativa e consequentemente decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do art.º 287.º al. e) do CPC.
17.–Os Autores reclamaram o seu crédito, subjacente à presente acção declarativa, no processo de insolvência do R. BES, Banco Espírito Santo, S.A. - em Liquidação, como é do conhecimento deste R..
18.–Não existe qualquer violação do princípio da igualdade dos credores.
19.–A douta decisão recorrida fez uma errada interpretação dos art.s 50º e 90º do CIRE e uma errada aplicação do art.º 277º al. e) do CPC.
20.–As causas de liquidação do BES são da sua responsabilidade.
21.–Pelo que, nos termos da parte final do art.º 536º do CPC, deverá ser o BES, ou, melhor, a massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância.
ABSOLVIÇÃO DO PEDIDO CONTRA O R. NOVO BANCO, S.A.
22.–O BES, ao vender aos seus clientes, os ora Autores, as acções preferenciais da SPV Poupança Plus, actuou simultaneamente como banqueiro e como intermediário financeiro.
23.–Pelo que ficou sujeito às correspondentes obrigações e responsabilidades, nos termos do RGIF e do CVM.
24.–O BES, ao efectuar as operações de compra e revenda das referidas acções preferenciais, celebrou contratos de intermediação financeira, nos termos do art.º 321.º, n.º 1 do CVM.
25.–O art.º 74.º/RGIF estabelece que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder, tanto nas relações com os clientes como nas relações com outras instituições, com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
26.–Devendo a diligência ser apreciada de acordo como elevados padrões técnicos e comportamentais, tendo em conta o interesse dos Clientes, os riscos e a segurança das aplicações (art.º 75.º/RGIF).
27.–Em particular, as instituições de crédito devem informar os Clientes com clareza, na fase pré-contratual, fornecendo toda a informação e os elementos caracterizados dos produtos propostos (art.º 77.º e 77.º-A/RGIF).
28.–A informação respeitante a instrumentos financeiros deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art.° 7°/CVM)
29.–Existem três deveres distintos: o dever de recolha de informação e caracterização do investidor; o dever de avaliação de adequação e o dever de informação sobre a inadequação ou sobre a falta de informação obtida.
30.–A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente e ser apresentada de modo a ser compreendida pelo destinatário médio e, designadamente, não dar ênfase a quaisquer benefícios potenciais de uma actividade de intermediação financeira ou de um instrumento financeiro, sem dar igualmente uma indicação correcta e clara de quaisquer riscos relevantes e ser apresentada de modo a não ocultar ou subestimar elementos, declarações ou avisos importantes (art.°s 312. n° 2 e 312.°-A, n° 1 als. b), c) e d) do CVM).
31.–Existe uma proibição de intermediação excessiva (art.° 310° do CVM): se a operação não é adequada ao cliente – consequência de uma avaliação negativa – o intermediário financeiro não deve prestar o serviço (art.314 A n° 3 do CVM).
32.–Por força do art.° 321.°, n.° 3 do CVM, “Aos contratos de intermediação financeira é aplicável o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo para esse efeito os investidores não qualificados equiparados a consumidores.”
33.–Nos termos dos art°s. 5.° e 6.° da Lei da CCG, incumbe à instituição de crédito o dever de comunicação e informação do conteúdo dos contratos ao Cliente, para que “tendo em conta a importância do contracto e a extensão e complexidade das Cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência”.
34.–Conforme prescreve o art.° 5.°, n.° 3/CCG. “O ónus da prova da comunicação adequada e efectiva cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais”.
35.–Havendo conflito de interesses, o intermediário financeiro deve prestar informação escrita ao Cliente quanto à origem e natureza de qualquer interesse que possa ter nessa operação, para efeitos de este tomar uma decisão esclarecida e fundamentada (art.° 312, n.° 1, als. c) e n.° 2 do CVM).
36.–Os AA eram clientes do BES, pelo menos, desde 2002 e confiavam plenamente nos seus funcionários, os quais conheciam necessariamente o perfil, as necessidades e a vontade dos Autores
37.–Os funcionários do BES não podiam ignorar que os Autores, como emigrantes, tinham um perfil conservador e queriam, naturalmente, aplicar as suas poupanças, fruto de um trabalho árduo e dos maiores sacrifícios, em produtos sem risco, com capital e juros garantidos.
38.–Contudo, os funcionários do BES promoveram as aplicações, contra os interesses e vontade dos Autores, em instrumentos financeiros com risco, com a agravante de serem em entidades não financeiras e, portanto não sujeitas a supervisão prudencial.
39.–Acresce ainda, que as aplicações foram todas feitas na mesma sociedade, o que agrava o risco.
40.–E, o BES não podia ignorar que a sociedade “Poupança Plus” era uma SPV, cujos activos eram compostos exclusivamente por obrigações do próprio BES, com vencimentos em 2049 e 2051, cupão zero, sem juros, sem valor de mercado, emitidas por causa das dificuldades financeiras do BES e do Grupo GES.
41.–Por conseguinte, o BES violou o direito de informação, prestando falsas informações e promovendo, em conflito de interesses, as aplicações de fundos dos Autores numa SPV dominada pelo BES, situada nas Ilhas Jersey, com graves riscos.
42.–Existe, portanto, um comportamento ilícito do BES, presumindo-se a culpa, nos termos do art.° 304°- A n° 2 do CVM.
43.–Ao não cumprir as obrigações resultantes do estatuto com que actuou, o BES incorreu em responsabilidades contratual e pré contratual para com os Autores
44.–O BES criou nos Autores a falsa convicção de que estavam a aplicar as suas poupanças em depósitos a prazo, ou produtos equivalentes, com capital e juros garantidos.
45.–Tendo em atenção a formação e o perfil dos Autores, que não são investidores qualificados, a proposta negocial do BES não pode deixar de ser interpretada como um compromisso firme de garantia daquele retorno aos Autores no prazo convencionado, de acordo com a teoria da impressão do declaratário (art.° 236.° n.° 1/CC)
46.–Acresce que essa era a vontade efectiva dos Autores, que era do conhecimento do BES (art.° 236.° n.° 2/CC) e foram ainda essas garantias de retorno, que foram asseguradas pelo Banco, que levaram os Autores a celebrar o contrato com o BES.
47.–Trata-se, portanto, de um contrato de reporte nos termos do art.° 477.° do Código Comercial.
48.–O próprio BES reconhece, expressamente, essa responsabilidade nos art°s. 75° a 82° da sua douta contestação.
49.–A falta de reembolso das aplicações dos Autores, fruto das poupanças de toda uma vida de trabalho e sacrifícios, causou nestes um grande sofrimento.
50.–Como resulta inequivocamente da al. a) do Anexo 2 da Deliberação do BdP de 3 de Agosto de 2014, a actividade do BES, assim como todos os activos, são transferidos para o Novo Banco, sendo que as excepções pouco significado têm, como é do conhecimento geral e resulta até dos pressupostos da deliberação do BdP, tendo ficado o património do BES praticamente esvaziado de activos e com impossibilidade de reconstituição, já que a actividade bancária passou para o Novo Banco.
51.–Por outro lado, por força da mesma Deliberação, as responsabilidades do BES são transferidas para o Novo Banco, com excepção dos “Passivos Excluídos”, nos quais não se integra a responsabilidade efectiva perante os Autores, ao contrário do que a douta sentença recorrida entendeu.
52.–Não parece correcto o entendimento da douta sentença, uma vez que a responsabilidade do BES perante os Autores, é uma responsabilidade efectiva, decorrente de obrigações contratuais e pré-contratuais e não meras “responsabilidades ou contingências relativas a comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de divida”.
53.–Tanto mais que o BdP se viu na necessidade de rectificar aquela Deliberação, através de outra tomada em 29 de Dezembro de 2015, em que integra nos “Passivos Excluídos” as responsabilidades perante os AA e outros emigrantes adquirentes das acções preferenciais.
54.–A deliberação do Banco de Portugal foi tomada ao abrigo dos art.°s 145.°-G, n.° 1 e 145.°-H do RGIF. Mas, estas disposições, com a interpretação dada pela citada deliberação de 3 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/rectificação da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, constitui uma manifesta violação do art.° 62.° da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida.
55.–A interpretação dada ao art.° 101.° da Constituição, pelas citadas deliberações do BdP, é ainda inconstitucional, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, dos Autores, e as garantias dadas pelo art° 62° da Constituição.
56.–O que os Autores sustentam na presente acção é que as citadas disposições legais não podem ser interpretadas e aplicadas no sentido de o BdP ter poderes para eliminar ou restringir os direitos patrimoniais dos Autores, interpretação essa que seria inconstitucional por violação dos direitos e garantias fundamentais, nomeadamente o art.º 62.º da Constituição.
57.–O que está em causa na presente acção não é a declaração de invalidade das deliberações do BdP, mas o reconhecimento de direitos patrimoniais dos Autores contra o BES e o Novo Banco e da sua violação ao abrigo de normas do RGICSF, que se consideram inconstitucionais, como resulta da p.i.
58.–A transferência dos activos sem os passivos e responsabilidades constituiria uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do art.° 62.°, n.° 1 da Constituição, que beneficia de uma protecção constitucional idêntica aos direitos e garantias fundamentais, por ter natureza análoga, por força do art.° 17.° da Constituição.
59.–Como tal, a força jurídica que lhe é conferida pelo art.º 18.º da Constituição: Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
60.–E, conforme resulta imperativamente do art.º 18.º, n.º3 in fine da Constituição, requisito fundamental de quaisquer restrições a direitos e garantias fundamentais, é de não poderem ter por efeito “diminuir a extensão e o alcance dos preceitos constitucionais”.
61.–A interpretação do BdP às citadas normas do RGIF, constitui, ainda, uma clara violação da garantia do direito de propriedade consignada no art.º 17.º da Carta dos Direitos Fundamentais.
62.–E, a interpretação dada àquelas disposições do RGIF pela deliberação do BdP de 29 de Dezembro de 2015 viola ainda o art.º 101.º da Constituição, por atentar manifestamente contra a segurança das poupanças, in casu, dos Autores, e as garantias dadas por aquele preceito da Constituição.
63.–As citadas disposições normativas não podem ser interpretadas no sentido de o Banco de Portugal ter poderes para restringir ou eliminar direitos subjectivos, o que sempre seria inconstitucional.
64.–Acresce que, nos termos em que foi realizada, a operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do art.° 118.°, n.° 1 al. a)/CSC.
65.–Nesta conformidade, por força do art.° 122.°, n.° 2/CSC “As sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial.”
66.–Acresce que o próprio Novo Banco assumiu essa responsabilidade para com os subscritores de acções preferenciais, como resulta necessariamente do Balanço de 2014, declarando que os fundos provenientes das aplicações dos clientes nas SPV’s em causa, in casu, os Autores, aparecem no activo, como “Recursos de Clientes”, como se pode ver a págs 140/141 do Balanço de 2014.
67.–Nem se diga, como pretende o R. NB, que os interesses dos credores se encontram assegurados, atendendo ao disposto no art.° 145-D, n° 1 al. c)14 do RGIF, segundo o qual “Nenhum acionista ou credor da instituição de crédito objeto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso essa instituição tivesse entrado em liquidação”.
68.–Este raciocínio do R. NB está viciado, porque a avaliação do património de uma sociedade, para efeitos de liquidação, pressupõe o encerramento da empresa e o valor da venda dos activos, que nada tem a ver com o valor da empresa em actividade.
69.–Aliás, in casu, o BES não se encontrava em situação de insolvência na altura da resolução. Apenas não apresentava os ratios impostos pelo BdP, após as correcções de imparidades resultantes de alguns relatórios de auditorias.
70.–E a actividade bancária do BES foi transferida para o Novo Banco, que se encontra a operar e cujas acções estão à venda.
71.–Em suma, a avaliação do património do BES, segundo um critério de liquidação, afecta substancialmente os direitos dos credores, nomeadamente dos ora Autores
72.–Por outro lado, atribuir ao Fundo de Resolução a responsabilidade pela indemnização dos credores (artigo 145.2-H n.216 do RGIF15), afecta gravemente as garantias dos credores, porquanto, o Fundo de Resolução não dispõe de património líquido que possa servir de garantia aos credores, nomeadamente aos Autores
73.–Este tribunal deve deixar de aplicar qualquer deliberação do Banco de Portugal na parte em que viole normas ou princípios constitucionais.
74.–Conforme dispõe o art.° 204.° da Constituição “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados”.
75.–Na fiscalização em concreto, o juízo de constitucionalidade está sempre dependente de uma causa submetida a julgamento e pressupõe a interpretação e aplicação a uma situação concreta de uma norma ou e um princípio da Constituição, por uma entidade pública ou por sujeito privado.
76.–Compete, portanto, ao tribunal a quo um juízo de constitucionalidade sobre as normas invocadas pelo Banco de Portugal para afastar as pretensões dos Autores perante o BES e o Novo Banco, conforme alegado pelo Autores.
77.–Incumbindo aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados (art.° 202.°, n.° 2 da Constituição).
78.–E, as decisões dos tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer outras autoridades. (art.° 205.°, n° 2 da Constituição).
79.–A douta sentença recorrida violou o at° 62° da Constituição e fez uma errada interpretação do art. 576° n°s 1 e 3 do CPC.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas, Meritíssimos Desembargadores, deverá ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida e substituindo-se por outra que:
a)-julgue improcedente a excepção de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, quanto ao R. Banco Espírito Santo, S.A. - em liquidação e mande prosseguir a acção declarativa quanto a esse R.;
b)-não absolva do pedido o R. Novo Banco; e
c)-julgue procedente a presente acção e, em consequência, condene os RR. Banco Espírito Santo, S.A. – em Liquidação e Novo Banco S.A., solidariamente, a indemnizarem os Autores dos danos patrimoniais a apurar em execução de sentença e dos danos morais no valor simbólico de € 5.000,00; ou, quando assim se não entenda; ou, quando assim se não entenda,
d)-mande prosseguir a acção contra ambos os RR.
Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!

O BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A. – EM LIQUIDAÇÃO, veio responder às referidas alegações, apresentando as seguintes conclusões e pedido:
1)–O Tribunal a quo andou bem ao considerar que a presente ação perdeu a sua razão de ser no que respeita ao ora Recorrido BES, tendo em consequência, julgado extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide quanto a este Réu, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do CPC.
2)–O processo de liquidação do BES resultou da decisão do BCE que revogou a autorização para o exercício da atividade desta instituição de crédito que, nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 199/2006 de 14 de agosto, produz os efeitos da declaração de insolvência, sendo que, a requerimento do Banco de Portugal, foi proferido, no processo de liquidação judicial do BES, o despacho de prosseguimento previsto no artigo 9.°, n.° 1 do referido Decreto-Lei, cuja cópia foi, a seu tempo, junta aos autos.
3)–Nos termos dos artigos 8.°, n.° 1 e seguintes do supra mencionado D.L. 199/2006, são aplicáveis, com as necessárias adaptações, as normas do CIRE, decorrendo do artigo 90.° deste diploma legal que, durante a pendência do processo de insolvência, os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos de conformidade com os preceitos deste diploma legal, vigorando assim um princípio de concentração nesse processo de todas as questões relevantes.
4)–O n.° 1 do artigo 128.° do CIRE, por seu turno, dispõe que “dentro do prazo para o efeito fixado na sentença declaratória de insolvência, devem os credores da insolvência (...) reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham (...)”, sendo que, nos termos do n.° 3 do mesmo preceito legal, “a verificação tem por objeto todos os créditos sobre a insolvente, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo que o credor tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento”.
5)–A declaração de liquidação do BES, consubstanciada na deliberação do Banco Central Europeu que revogou a respetiva autorização para o exercício de atividade, acarreta assim a falta de interesse em agir dos Autores, ora Recorrentes, contra o BES, o que, por conseguinte, implica, em síntese, a inutilidade superveniente da presente lide no que ao BES respeita.
6)–O Supremo Tribunal de Justiça veio a aderir a esta posição, por Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.° 1/2014, publicado no DR 1ª série, n.° 39, de 25 de Fevereiro de 2014, estabelecendo que: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide (...)”, sendo que da decisão de revogação da autorização para o exercício da atividade emanada do BCE caberia recurso para o Tribunal de Justiça da União Europeia, a interpor nos termos do disposto no artigo 263.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, no prazo de dois meses, a que acresce uma dilação de 10 dias, em função da distância, nos termos do regulamento de processo do Tribunal Geral.
7)–Por ofício emitido pela Secretaria do Tribunal Geral a 28 de setembro de 2016, já junto aos autos, confirmou-se que até essa data não foi interposto nenhum recurso perante o Tribunal Geral contra a decisão do BCE, que determinou a revogação da autorização do BES e no caso concreto, o prazo, assim contado, terminou em 23 de setembro.
8)–Aquele Acórdão não perdeu a sua validade ou atualidade com a entrada em vigor da nova redação do artigo 50.º, n.º 1 do CIRE, introduzida pela Lei 16/2012, de 20 de abril, na medida em que esta alteração apenas visou aperfeiçoar o referido preceito, tendo deixado incólume os pressupostos jurídicos em que assentou o Acórdão Uniformizador.
9)–Os Recorrentes reconhecem nas suas alegações a necessidade de reclamar créditos no processo de insolvência para que os mesmos sejam contemplados neste processo, admitindo ainda que não se exige uma sentença transitada em julgado para que os mesmos sejam reconhecidos.
10)–Contudo, em clara contradição, consideram que, pese embora o CIRE disponibilize um processo para reconhecimento e impugnação de créditos reconhecidos, isto não significa que os créditos não possam ou não tenham que ser reconhecidos em processo autónomo, nomeadamente quando não se tratam de créditos comuns, em particular com origem na responsabilidade civil.
11)–Como se disse acima, não é de admitir o prosseguimento da presente ação para o reconhecimento do crédito peticionado pelos Recorrentes e, não se admitindo esta possibilidade, cai, consequentemente, o argumento dos Recorrentes de que poderia verificar-se a exigência de reconhecimento do seu crédito em processo autónomo, mesmo nos casos em que os créditos não sejam comuns e de origem na responsabilidade civil pois esta não constitui um direito potestativo de exercício necessariamente judicial e a sentença condenatória do BES que viesse a ser proferida na presente ação seria meramente declarativa de direitos, e não constitutiva dos mesmos.
12)–Os Recorrentes consideram ainda que a natureza célere e urgente do processo de insolvência é incompatível com a tramitação e a ponderação necessária de “direitos litigiosos complexos ou especializados”, pelo que, ou o processo de insolvência se transforma num emaranhar de processos, que colidiriam necessariamente com a natureza urgente do processo de insolvência (artigos 8.º e 9.º do CIRE) e prejudicaria a satisfação dos credores, que é a finalidade do processo, ou, seriam atropelados e prejudicados os direitos dos credores – ou a própria defesa do devedor insolvente – com prejuízo para a justiça e violação do princípio constitucional de um processo justo e equitativo, previsto no artigo 20.º da CRP, sendo por esta razão que o CIRE não determina a extinção das ações declarativas no Capítulo II do Título IV.
13)–A estas considerações dos Recorrentes sobrepõem-se, desde logo, os princípios da concentração e par conditio creditorium que caracterizam este processo, bem como a sua finalidade enquanto execução de vocação universal, uma vez que, os “direitos litigiosos complexos ou especializados” aos quais a Recorrente faz referência teriam sempre que ser ponderados no processo de liquidação do BES.
14)–Assim, o eventual prejuízo para a celeridade do processo de liquidação decorre da própria aplicação dos princípios que o caracterizam, designadamente o da concentração, resultando da opção do legislador de atrair todas as questões jurídica e patrimonialmente relevantes para o processo de liquidação,  pelo que a questão colocada pela Recorrente é de política legislativa e não cabe colocar nos presentes autos.
15)–Por outro lado, nem se diga que os direitos dos credores, bem como o direito constitucional a um processo justo e equitativo são postos em causa nesta solução pois prevê-se no artigo 130º do CIRE a possibilidade de impugnação judicial da lista de credores reconhecidos e não reconhecidos com  oportunidade de discutir o reconhecimento ou não reconhecimento do crédito reclamado, garantindo-se assim o direito dos Recorrentes a um processo justo e equitativo, nos termos do artigo 20.º da CRP.
16)–Os Recorrentes alegam também que o legislador não determinou no CIRE a extinção das ações declarativas devido às consequências nefastas para a celeridade do processo de insolvência, para os direitos dos credores e para a própria justiça que daquela decorreriam.
17)–É certo que o CIRE não possui qualquer disposição que determine expressamente a extinção das ações declarativas pendentes à data da declaração de insolvência, por inutilidade superveniente da lide mas, para além da pobreza do argumento “a contrario”, valem todas as razões aduzidas para a solução adotada.
18)–Por outro lado, pese embora os Recorrentes reconheçam a necessidade de reclamação de créditos no processo de insolvência, alegam que o crédito reconhecido por sentença transitada em julgado não poderá ser objeto de impugnação no processo de liquidação (insolvência), devendo ser obrigatoriamente reconhecido, sob pena de inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 205.º, n.ºs 2 e 3 da CRP.
19)–Ora, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, tal sentença apenas produziria efeitos inter partes, nos termos do artigo 619.º do CPC, “mais não constituindo do que um documento para instruir o requerimento de reclamação/verificação de créditos (artigo 128.º), não dispensando a recorrente de reclamar o seu crédito no processo de insolvência, nem a isentando da probabilidade de o ver impugnado e de ter aí de fazer a prova relativa à sua existência e conteúdo” [Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 1/2014, sob pena de violação da igualdade entre credores.
20)–Os Recorrentes consideram ainda, com base na nova redação do artigo 50.º, n.º 1 do CIRE, que não deverá ter lugar a extinção da instância desde que os credores reclamem o respetivo crédito no processo de insolvência, uma vez que este deverá ser tratado neste processo como crédito sujeito a condição suspensiva.
21)–Na verdade, não decorre do espírito nem sequer da letra do artigo 50.º do CIRE que o crédito dos Recorrentes se trate de um crédito sob condição suspensiva.
22)–Com a alteração legislativa operada pela Lei n.° 16/2001, de 20 de abril apenas se clarificou que a decisão judicial é também uma possível fonte de imposição de uma condição suspensiva ou resolutiva, ao lado da lei e do negócio jurídico e não que esta constitui o acontecimento futuro e incerto, do qual depende a constituição do crédito dos Recorrentes.
23)–Ora, no caso em apreço, em momento algum estamos perante a verificação ou não de uma condição, mas sim sobre a pendência de um litígio que afinal determinará a existência ou não de um crédito e nunca de uma condição.
24)–Com efeito, a constituição do eventual crédito dos Recorrentes assentaria em factos passados, anteriores à declaração de insolvência do BES, nomeadamente no facto ilícito, culposo e danoso por este alegadamente cometido e a sentença que na presente ação declarativa reconhecesse o crédito peticionado, limitar-se-ia assim a verificar se o crédito se constituiu ou não efetivamente e, em caso afirmativo, a declarar o direito indemnizatório dos Recorrentes, produzindo efeitos meramente declarativos.
25)–Os Recorrentes referem ainda, em defesa do prosseguimento da presente ação, que o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.° 1/2014 perdeu atualidade e validade, na medida em que respeita a uma situação decidida ao abrigo de um quadro legislativo diferente, considerando, a este propósito, que resulta da alteração da redação ao artigo 50.°, n.° 1 do CIRE que o legislador passou a considerar expressamente as decisões judiciais como condição suspensiva, até ao trânsito em julgado da decisão.
26)–Ora, o referido artigo limita-se a delimitar o conceito de crédito sob condição, para efeitos do CIRE e a alteração ao preceito pela revisão da Lei 16/2012 apenas visou aperfeiçoá-lo.
27)–Com efeito, não se tratando, como supra exposto, de um crédito sob condição suspensiva, na medida em que a sua constituição não depende de qualquer acontecimento futuro e incerto, por força da lei, negócio jurídico ou decisão judicial, baseando-se sim, em eventuais factos ilícitos passados.
28)–Os Recorrentes afirmam também que o prosseguimento da presente ação declarativa não viola o princípio da igualdade dos credores relativamente aos que apenas reclamaram créditos no processo de liquidação judicial do BES, defendendo que, no presente caso, só é possível obter o reconhecimento da existência do seu crédito através desta ação declarativa.
29)–Há aqui, desde logo, um equívoco de base na medida em que os Recorrentes baseiam a não violação do princípio da igualdade dos credores no facto de o reconhecimento do seu crédito apenas poder ser obtido na presente ação quando, na verdade, por força do princípio da concentração, o seu crédito terá necessariamente que ser reclamado e reconhecido no processo de liquidação do BES, se nele quiserem obter pagamento.
30)–Não se tratando, como supra exposto, de um crédito sob condição suspensiva, na medida em que a sua constituição não depende de qualquer acontecimento futuro e incerto, por força da lei, negócio jurídico ou decisão judicial, baseando-se sim, em eventuais factos ilícitos passados.
31)–Acresce que, contrariamente ao alegado pelos Recorrentes, a pendência de ações declarativas poderia, isso sim, colocar em crise o princípio da igualdade dos credores (par conditio creditorum).
32)–Por fim, sustentam os Recorrentes que as causas de liquidação do BES são da sua responsabilidade, devendo por esse motivo, ser este, ou a respectiva massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância, de acordo com o disposto na parte final do n.° 3 do artigo 536.° do CPC.
33)–Ora, dispõe o n.° 3 do artigo 536.° do CPC que, «[n]os restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide [i.e., em todos os casos não previstos no n.° 2 do mesmo artigo], a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas.».
34)–O que vale por dizer que, nesses casos, a responsabilidade pelas custas será sempre dos autores, ora Recorrentes, a não ser que fique demonstrado que a impossibilidade ou inutilidade superveniente é imputável ao réu, aqui Recorrido.
35)–Conforme já sobejamente referido, o Banco Central Europeu revogou, no dia 13 de julho deste ano, a autorização do Recorrido para o exercício da atividade de instituição de crédito, revogação que, de acordo com o disposto no n.° 2 do artigo 8.° do Decreto-Lei n.° 199/2006, de 25 de outubro, produziu os efeitos da declaração de insolvência; sendo certo que, foi esta a alteração de circunstâncias que fundamentou o pedido de extinção da instância formulado pelo Réu, ora Recorrido.
36)–Ora, é evidente que as decisões do Banco Central Europeu são imputáveis à própria instituição e não ao Recorrido, que a elas está sujeito enquanto entidade sob supervisão e sobre as quais não tem qualquer domínio.
37)–Por outro lado, a lei considera que a declaração de insolvência do Recorrido constitui alteração superveniente das circunstâncias não imputável às partes, reunidas as condições previstas no artigo 536.°, n.° 2, alínea e), do CPC.
38)–No caso em apreço, a ação instaurada pelos aqui Recorrentes, visa precisamente a satisfação de uma alegada obrigação pecuniária dos Réus, e do aqui Recorrido e, como se referiu, a declaração de insolvência do ora Recorrido ocorreu supervenientemente, tendo operado por via da revogação da autorização para o exercício da sua atividade.
39)–Deste modo, a aplicação ao caso vertente da alínea e) do n.° 2 do artigo 536.° do CPC, afigura-se elucidativa quanto à intenção do legislador de excluir a imputabilidade ao Recorrido da declaração da sua insolvência, bem como de excluir a imputabilidade aos autores, ora Recorrentes apenas quando estes não pudessem prever o desfecho falimentar – intenção que não deve ser ignorada na interpretação sistemática das normas em causa.
40)–Em face do exposto, porque a inutilidade superveniente da lide arguida nestes autos, resultante da revogação decidida pelo Banco Central Europeu que operou os efeitos da declaração de insolvência, não é imputável ao Recorrido, a responsabilidade pelas custas em caso de extinção da instância deverá ser repartida em partes iguais, em cumprimento do disposto na alínea e) do n.º 2 do artigo 536.º do CPC, devendo, em consequência, manter-se na íntegra a douta sentença recorrida.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso em apreço, mantendo-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, com a consequente extinção da instância no que respeita ao Recorrido.

Também o NOVO BANCO, S.A., respondeu às alegações de recurso concluindo e pedindo:
1–A lei atribui ao Banco de Portugal uma competência discricionária para, no respeito dos pressupostos de aplicação de cada uma delas, aplicar medidas de resolução, de acordo com princípios gerais da adequação e da proporcionalidade.
2–Face à deliberação do Banco de Portugal de 3 de Agosto de 2014 e considerando as aclarações supra referidas, é indubitável que o Banco de Portugal, enquanto autoridade pública de resolução, e no uso das suas competências legais, não transferiu para o NOVO BANCO a responsabilidade ou as contingências decorrentes dos créditos relativos a acções preferenciais rendidas pelo BES.
3–O valor que aparecia nas contas consolidadas de 2014 é um valor que resultava da consolidação mas nada tem a ver com qualquer reconhecimento de contrato de reporte ou de depósito a prazo.
4–A resolução bancária tem cobertura constitucional, porquanto, através, designadamente, da constituição de uma instituição de transição, permite, em especial, preservar a estabilidade do sistema financeiro no seu todo, salvaguardar as funções bancárias desempenhadas pela instituição de crédito em crise e proteger os depositantes, como, outrossim, com a resolução da instituição de crédito, tutela os contribuintes e ressalva o erário público.
5–De acordo com o juízo do Banco de Portugal, sem a resolução, o BES teria entrado em liquidação.
6–A resolução não agravou a posição jurídica que os AA. teriam se o BES tivesse entrado em liquidação. Uma vez que a lei estabelece como princípio orientador da aplicação das medidas de resolução que nenhum credor da instituição de crédito objecto de resolução pode suportar um prejuízo superior ao que suportaria caso assa instituição tivesse entrado em liquidação.

7–O regime jurídico da resolução bancária concilia, em termos de, concordância prática, os interesses e os valores constitucionais prima facie conflituantes, porquanto:
–Promove a preservação das funções bancárias da instituição de crédito objecto de resolução, assegurando a continuidade da prestação dos serviços financeiros essenciais para a economia.
–Previne a ocorrência de consequências graves para a estabilidade financeira, nomeadamente prevenindo o contágio entre entidades do sistema financeiro e mantendo a disciplina no mercado.
–Salvaguarda os interesses dos contribuintes e do erário público, minimizando o recurso a apoio público extraordinário.
– Protege os depositantes;
–Não agrava a posição jurídica dos accionistas e credores da instituição de crédito objecto de resolução – a quem cabe suportar prioritariamente os prejuízos da instituição em causa.

8–A resolução é uma figura específica do Direito Bancário, regulada por lei especial (RGICSF), que é aplicada por acto administrativo da competência do Banco de Portugal, e, que por conseguinte, não se confunde com a cisão simples da lei societária.
9–A medida de resolução integra a causa de pedir da presente acção.
10–A lei imputa expressamente aos tribunais administrativos a competência para conhecer dos litígios emergentes das decisões do Banco de Portugal que apliquem medidas de resolução, estabelecendo regras especiais para o processo e atribui ao Banco de Portugal inclusive a prerrogativa de invocar causa legítima de inexecução no caso de sentenças anulatórias.
11–Está vedado aos tribunais judiciais apreciarem a validade de actos administrativos praticados pelo Banco de Portugal, competindo essa competênçia, por determinação de lei expressa, aos tribunais administrativos.
12–Os AA. impugnaram nos tribunais administrativos a medida de resolução, em acção que se encontra pendente.
13–O Tribunal da Relação de Lisboa em Acórdão proferido no âmbito do processo n° 1387/15.6T8PRT-AL18 datado de 6 de Outubro de 2016 e publicado em www.dgsi.pt, já reconheceu que o Banco de Portugal, desde a deliberação do Conselho de Administração de 03/ 08/ 2014, teve a preocupação de delimitar estreitamente o património transferido do Banco Espírito Santo para o Novo Banco, enumerando diversas categorias contratuais e obrigacionais não objecto de transmissão.
14–O Tribunal da Relação no mesmo processo confirmou que "o debate relativo à legalidade das deliberações do Banco de Portugal, só poderá ser efectuado no âmbito da jurisdição administrativa e não pelos tribunais judiciais".
15–As deliberações do Banco de Portugal excluem a possibilidade de apreciação, nesta sede, do pedido dos AA. formulado contra o Novo Banco, porque a responsabilidade, a existir, permaneceu na esfera jurídica do BES.
16–Está aqui em causa uma excepção peremptória inominada de falta de legitimidade substantiva que determina a absolvição do pedido.
17–Na acção, tal como é configurada pelos AA. o BES seria responsável originário e o Novo Banco teria uma responsabilidade sucessiva. Existe desta forma uma dependência na responsabilidade sucessiva do Novo Banco em relação à eventual responsabilidade originária do BES.
18–Saindo o BES da acção por absolvição da instância, deixa de se poder manter uma instância tendo por objecto a discussão se o BES praticou ou não os actos e omissões que os AA. imputam ao BES e que, a serem provados, seriam actos constitutivos de uma responsabilidade originária do BES.
Termos em que deve a presente Apelação improceder, confirmando-se a decisão da Ia Instância, absolvendo-se, em consequência, o R. Novo Banco do pedido (consumpção da legitimidade pelo mérito) urna vez que o estado do processo permite, sem mais provas, o conhecimento da excepção de ilegitimidade substantiva arguida (artigo 595.°/1 CPC).

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

São as seguintes as questões a avaliar:
1.–A decisão recorrida fez uma errada interpretação dos art.s 50.º e 90.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e da al. e) do art. 277.º do Código de Processo Civil?
2.–Nos termos da parte final do art. 536º do Código de Processo Civil, deverá ser  a massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância?
3.–As responsabilidades do BES foram transferidas para o Novo Banco, com excepção dos “Passivos Excluídos”, nos quais não se integra a responsabilidade efectiva perante os Autores?
4.–Os art.s 145.°-G, n.° 1 e 145.°-H do RGIF face à interpretação dada pela deliberação de 3 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/rectificação da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, constituem violação do art. 62.° da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida, sendo inconstitucional a interpretação dada ao art. 101.° da Constituição pelas referidas deliberações do Banco de Portugal, por se atentar manifestamente contra a segurança das poupanças e as garantias dadas pelo referido art. 62.°?
5.–A transferência dos activos sem os passivos e responsabilidades constituiria uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do art. 62.°, n.° 1, da Constituição, , sendo que a interpretação do Banco de Portugal das referidas normas do RGIF constitui violação da garantia do direito de propriedade?
6.–A operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do art. 118.°, n.° 1, al. a), do Código das Sociedades Comerciais, pelo que as sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial?
7.–O Novo Banco assumiu a sua responsabilidade para com os subscritores de acções preferenciais?

II.–FUNDAMENTAÇÃO.

Fundamentação de facto.
Vêm provados os seguintes factos:

1–Por deliberação do Banco Central Europeu, de 13/07/16, foi revogada a autorização do Banco Espírito Santo, S.A. (“BES”) para o exercício da atividade de instituição de crédito.
2–Desta deliberação não foi interposto recurso para o Tribunal Geral da União Europeia.
3–Na sequência da comunicação de revogação, acima referida, o Banco de Portugal requereu a liquidação do Banco Espírito Santo, tendo este requerimento sido distribuído à 1ª Secção de Comércio da Instância Central de Lisboa, J1, com o nº 18588/16.2T8LSB.
4–Em 21/07 foi proferido despacho de prosseguimento da liquidação judicial, fixando-se o prazo de 30 dias para a reclamação de créditos.
5–Os Autores reclamaram o seu crédito na liquidação com o n° 18588/16.2T8LSB.

1–Os Autores são titulares das acções preferenciais a seguir identificadas, adquiridas nos balcões do Banco Espírito Santo (BES), ora 1° R., nos termos e condições a seguir indicados:
- Poupança Plus 6, XS0154992811, ISIN: SCBES0AE0269 ..... € 250.000,00 - Poupança Plus 5, XS0152237151, ISIN: SCBES0AE0263 .... € 15.000,00.

2–No dia 3 de Agosto de 2014 o Banco de Portugal proferiu a seguinte deliberação:

Ponto Um
Constituição do Novo Banco, SA
É constituído o Novo Banco, SA, ao abrigo do n° 5 do artigo 145°  G do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto Lei n.° 298/92, de 31 de dezembro, cujos Estatutos constam do Anexo 1 à presente deliberação.
Ponto Dois
Transferência para o Novo Banco, SA, de ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, SA
São transferidos para o Novo Banco, SA, nos termos e para os efeitos do disposto no n° 1 do artigo 145° - H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de dezembro, conjugado com o artigo 17° - A da Lei Orgânica do Banco de Portugal, os ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão do Banco Espirito Santo, SA, que constam dos Anexos 2 e 2A à presente deliberação.
Ponto Três
Designação de uma entidade independente para avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco, SA
Considerando o disposto no n.° 4 do artigo 145.° -H do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de dezembro, o Conselho de Administração designa a sociedade PricewaterhouseCoopers & Associados - Sociedade de Revisores de Contas, Lda (PwC SROC), para, no prazo de 120 dias, proceder à avaliação dos ativos, passivos, elementos extrapatrimoniais e ativos sob gestão transferidos para o Novo Banco, SA.”

3–Por deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, foi rectificado o anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, considerando excluídos os seguintes:
“(v)-Quaisquer responsabilidades ou contingências, nomeadamente as decorrentes de fraude ou da violação de disposições ou determinações regulatórias, penais ou contraordenacionais;
(vi)-Quaisquer responsabilidades ou contingências do BES relativas a acções, instrumentos ou contratos de que resultem créditos subordinados perante o BES;
(vii)-Quaisquer obrigações, garantias, responsabilidades ou contingências assumidas na comercialização, intermediação financeira e distribuição de instrumentos de dívida emitidos por entidades que integram o Grupo Espírito Santo, sem prejuízo de eventuais créditos não subordinados resultantes de estipulações contratuais anteriores a 30 de Junho de 2014, documentalmente comprovadas nos arquivos do BES, em termos que permitam o controlo e fiscalização das decisões tomadas.”

4–No dia 29 de dezembro de 2015, em sessão ordinária do Conselho de Administração do Banco de Portugal, (...) foi adotada a seguinte deliberação (deliberação contingências) relativa ao ponto da agenda “Clarificação e retransmissão de responsabilidades e contingências definidas como passivos excluídos nas subalíneas (v) a (vii) da alínea (b) do n.° 1 do Anexo 2 à Deliberação do Banco de Portugal de 3 de agosto de 2014 (20 horas), na redação que lhe foi dada pela Deliberação do Banco de Portugal de 11 de agosto de 2014 (17 horas)”:
DELIBERAÇÃO
Nos termos do n.° 1 do artigo 146.° do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 298/92, de 31 de dezembro (RGICSF), a presente deliberação é considerada urgente, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.° 1 do artigo do artigo 124.° do Código do Procedimento Administrativo, não havendo lugar a audiência prévia dos interessados.

Fundamentação de Direito.

1.–A decisão recorrida fez uma errada interpretação dos art.s 50.º e 90.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e da al. e) do art. 277.º do Código de Processo Civil?
É adequada a referência feita na sentença à aplicabilidade, in casu, da al. a) do  art. 4.º do Regulamento (UE) n.º 1024/2013 do Conselho de 15 de outubro de 2013 que confere ao BCE atribuições específicas no que diz respeito às políticas relativas à supervisão prudencial das instituições de crédito, preceito segundo o qual é atribuída ao Banco Central Europeu (BCE) a competência por este exercida, sem impugnação judicial, ao revogar a autorização do Banco Espírito Santo, S.A. para o exercício da atividade de instituição de crédito – «Nos termos do artigo 6.º, cabe ao BCE, de acordo com o n.º 3 do presente artigo, exercer em exclusivo, para fins de supervisão prudencial, as seguintes atribuições relativamente à totalidade das instituições de crédito estabelecidas nos Estados-Membros participantes: a) Conceder e revogar a autorização a instituições de crédito, sob reserva do disposto no artigo 14.º; (...)».
Por força do disposto no n.º 1 do  art. 9.º do mesmo Regulamento da União Europeia, incidente sobre a definição da dimensão jurídica dos poderes neste âmbito concedidos ao BCE, esta intervenção é equiparada à dos bancos centrais nacionais, ou seja, na situação sob análise, à do Banco de Portugal, pelo que a mesma tem a dimensão emergente do disposto no n.º 2 do  art. 8.º do Decreto-Lei n.º 199/2006, de 25 de Outubro, produzindo «os efeitos da declaração de insolvência», aí mencionada.
Esta consequência convoca a aplicação do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e submete o exercício dos direitos dos credores à lógica e regulação falimentar. Com efeito, face ao disposto no n.º 1 do  art. 8.º do referido Decreto-Lei, «a liquidação judicial das instituições de crédito fundada na revogação de autorização» (…) «faz-se nos termos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, com as especialidades constantes dos artigos seguintes».

São aplicáveis, atento ao seu relevo para a decisão e não sobreposição com o regime especial erigido por tal diploma legal, os art.s 50.º e 90.º referenciados no recurso e na pergunta formulada, que estatuem:

Artigo 50.º
Créditos sob condição
1–Para efeitos deste Código consideram-se créditos sob condição suspensiva e resolutiva, respetivamente, aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto, por força da lei, de decisão judicial ou de negócio jurídico.
2–São havidos, designadamente, como créditos sob condição suspensiva:
a)-Os resultantes da recusa de execução ou denúncia antecipada, por parte do administrador da insolvência, de contratos bilaterais em curso à data da declaração da insolvência, ou da resolução de actos em benefício da massa insolvente, enquanto não se verificar essa denúncia, recusa ou resolução;
b)-Os créditos que não possam ser exercidos contra o insolvente sem prévia excussão do património de outrem, enquanto não se verificar tal excussão;
c)-Os créditos sobre a insolvência pelos quais o insolvente não responda pessoalmente, enquanto a dívida não for exigível.

Artigo 90.º
Exercício dos créditos sobre a insolvência
Os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código, durante a pendência do processo de insolvência.
Quanto a este preceito, o mesmo afirma a força centrípeta da acção de insolvência,  impondo a concentração da afirmação dos direitos e a decisão globalizante.  Neste contexto, tem todo o sentido e coerência o mecanismo erigido pelo n.º 3 do  art. 128.º ao estabelecer que:
3.–A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
A este afloramento acresce este outro:

Artigo 85.º
Efeitos sobre as acções pendentes.
1–Declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa, e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor são apensadas ao processo de insolvência, desde que a apensação seja requerida pelo administrador da insolvência, com fundamento na conveniência para os fins do processo.
2–O juiz requisita ao tribunal ou entidade competente a remessa, para efeitos de apensação aos autos da insolvência, de todos os processos nos quais se tenha efectuado qualquer acto de apreensão ou detenção de bens compreendidos na massa insolvente.
3–O administrador da insolvência substitui o insolvente em todas as acções referidas nos números anteriores, independentemente da apensação ao processo de insolvência e do acordo da parte contrária.
Veja-se, também, quanto às acções executivas, o  art. 88.º.
Neste contexto, só poderia ter o sentido que assumiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/2014 que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: «transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.» (Proc. n.º 170/08.OTTALM.L1.S1).
Aparentemente, os Recorrentes sustentam que a actual redacção do n.º 1 do art. 50.º afastaria esta afirmação jurisprudencial por fazer referência a decisão judicial, o que colocaria qualquer crédito invocado em acção declarativa pendente – logo ainda sem sentença transitada em julgado – na categoria de crédito sob condição suspensiva. O carácter exemplificativo do n.º 2 dar-lhes-ia margem para este entendimento (sendo que, manifestamente, aí não estaria expressamente enunciada a situação em apreço). O quadro acima transcrito autorizaria, na sua tese, a manutenção do curso dos autos dirigido à obtenção da condenação da primeira Ré, apesar de a mesma se mostrar envolvida num processo falimentar, de aí dever concentrar os seus esforços de afirmação e cobrança dos créditos invocados nos autos em que se gerou o recurso e de a mesma ter sido substituída pela respectiva massa insolvente – cf., entre outros, os arts. 9.º, n.º 5, 32.º, n.º 3, 36.º, n.º 1, al. e), 38.º, n.º 3 e n.º 5, 39.º, n.º 7, al. d), 51.º,  55.º, n.º 8, 81.º, n.ºs 1, 4 e 6, 8, al. c), 89.º, n.º 2, 93.º, 102.º, 3, al. b), 125.º, 140.º, n.º 2, e 146.º. n.º 1, todos do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A este respeito, importa referir que os Recorrentes invocam, na presente acção, como causa de pedir, o conjunto dos pressupostos da responsabilidade civil contratual emergentes da violação, pela 1.ª Demandada, de sinalagmas contidos na relação contratual brandida na petição inicial. O dano seria de natureza patrimonial e extra-patrimonial.
Na economia do primeiro articulado, todos os pressupostos estão já preenchidos, apenas se relegando para execução de sentença a definição dos danos patrimoniais. Não nos encontramos, sob um tal contexto, perante um crédito ainda não materializado, mais propriamente, um negócio jurídico com a respectiva assunção de eficácia dependente da materialização de um qualquer requisito que a manteria num limbo que impediria o surgimento de tal eficácia (não fazendo sentido, face à natureza do pedido, a ponderação da existência de uma condição resolutiva).
O legislador, ao referenciar expressamente, através da Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, no n.º 1 do  art. 50.º as decisões judiciais, não afirmou, de forma alguma, que estando pendente uma acção judicial, estaria suspenso ou sob condição um determinado crédito. Tal entraria, aliás, em colisão com o regime que se patenteou emergir do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e antes justificaria uma norma autónoma que dissesse, clara e expressamente o oposto do vertido no mesmo encadeado normativo, ou seja, que, declarada a insolvência, todas as acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor ou, mesmo, contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa e todas as acções de natureza exclusivamente patrimonial intentadas pelo devedor, devem prosseguir os seus termos até final, apenas depois da sentença se devendo reclamar os créditos judicialmente reconhecidos e mantendo-se o processo de insolvência suspenso até tal momento. Seriam, manifestamente, demolidoras para a liquidação do património, verificação dos créditos e, globalmente, para a viabilidade da consecussão de resultado através do processo, as consequências de um tal regime se erigido para o processo «falimentar».
Antes se disse no preceito questionado, com clareza, que se consideram créditos sob condição suspensiva e resolutiva, «aqueles cuja constituição ou subsistência se encontrem sujeitos à verificação ou à não verificação de um acontecimento futuro e incerto», também por força «de decisão judicial». Ou seja, através da alteração legislativa concretizada através da referida lei tornou-se mais claro que uma decisão judicial pode também ela funcionar como elemento genésico de uma condição suspensiva ou resolutiva (a par da lei e do negócio jurídico).  Não mais do que isto.
Claro está que, sob este contexto normativo, nada se alterou no que tange ao objecto de «regulação» do apontado acórdão uniformizador que incidiu sobre contexto normativo totalmente diverso.
Tem, pois, inteira razão, a Recorrida 1.ª Ré, ao sustentar nas conclusões da sua resposta às alegações de recurso que: «(…) no caso em apreço, em momento algum estamos perante a verificação ou não de uma condição», mas sim sob «a pendência de um litígio que afinal determinará a existência ou não de um crédito e nunca de uma condição» e que «(...) a constituição do eventual crédito dos Recorrentes assentaria em factos passados, anteriores à declaração de insolvência do BES, nomeadamente no facto ilícito, culposo e danoso por este alegadamente cometido e a sentença que na presente ação declarativa reconhecesse o crédito peticionado, limitar-se-ia assim a verificar se o crédito se constituiu ou não efetivamente e, em caso afirmativo, a declarar o direito indemnizatório dos Recorrentes, produzindo efeitos meramente declarativos».
Não tem qualquer sentido técnico a tese dos Recorrentes.
Mostram-se adequadas ao Direito constituído as considerações tecidas na sentença que conduziram à declaração da extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, sendo plenamente aplicável a al. e) do  art. 277.º do Código de Processo Civil, que foi devidamente interpretada.
É negativa a resposta à questão proposta.

2.–Nos termos da parte final do art. 536.º do Código de Processo Civil, deverá ser  a massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância?
O Tribunal «a quo» definiu a responsabilidade por custas, no que tange à demanda dirigida à 1.ª Ré, nos seguintes termos: «Custas da acção em partes iguais pelos AA. e pela massa insolvente, tendo em conta a data de entrada da acção e a data de trânsito da declaração de insolvência - artigo 536 nº 2 e) do Código de Processo Civil, a fixar afinal tendo em conta o decaimento das partes».
Segundo os Recorrentes, as «causas de liquidação do BES são da sua responsabilidade» pelo que, «nos termos da parte final do art.º 536º do CPC, deverá ser o BES, ou, melhor, a massa insolvente, a suportar as custas da extinção da instância».
Não se divisa, porém, nem foi convincentemente explicado, como, num contexto circunstancial assinalado pelo facto de o Banco Central Europeu (BCE) ter decidido proceder à revogação da autorização concedida ao Banco Espírito Santo, S.A., para o exercício da atividade de instituição de crédito, se poderia considerar que a inutilidade superveniente da lide seria imputável a este Banco Demandado. A menos que os Recorrentes se quisessem referir a uma responsabilidade de segundo grau ou indirecta, i.e., à responsabilidade da Ré pela materialização da situação fáctica que motivou a decisão do BCE. Porém, nada emerge dos autos quer permita uma conclusão segura e firme nesse sentido, muito menos quanto a uma eventual responsabilidade parcial ou uma gradação de culpas.
Aliás, resulta claro da al. e) do n.º 2, conjugada com o corpo deste número do art. 536.º do Código de Processo Civil que, na perspectiva do legislador, a declaração de insolvência do Réu constitui alteração superveniente das circunstâncias não imputável às partes desde que se materializem as circunstâncias aí vertidas.
Num tal quadro, bem andou o Tribunal «a quo» ao subsumir a situação «tributária» ao disposto na al. e) do n.º 2 do  art. 536.º do Código de Processo Civil já que estão em causa obrigações pecuniárias e ocorreu a emissão de declaração equiparada à de insolvência do Réu sendo que, à data da propositura da ação, essa declaração não era previsível para os Demandantes.
Nenhuma razão assiste, assim, aos Recorrentes, também a este nível.
Responde-se negativamente à questão sob avaliação.

3.–As responsabilidades do BES foram transferidas para o Novo Banco, com excepção dos “Passivos Excluídos”, nos quais não se integra a responsabilidade efectiva perante os Autores?
Esta questão tem uma vertente essencialmente fáctica sendo que, quanto ao Direito constituído, relevam e assumem validade as afirmações, plenamente adequadas ao mesmo, feitas pelo Tribunal «a quo» quanto à caracterização das deliberações do Banco de Portugal e forma de impugnação judicial das mesmas.
No que tange à vertente fáctica, é seguro e patente que o facto n.º 3 acima lançado – com redacção iniciada nos seguintes termos: «Por deliberação do Banco de Portugal de 11 de Agosto de 2014, foi rectificado o anexo 2 à deliberação de 3 de Agosto, considerando excluídos os seguintes: (…) – contém em si mesmo uma resposta directa à questão proposta. Com efeito, resulta daí, com a necessária nitidez, que os créditos reclamados perante o Novo Banco se encontram entre os excluídos pela deliberação aí parcialmente transcrita.
Dispensam-se, pois, mais dilatadas considerações.
Não assiste razão aos Recorrentes neste domínio.

4.–Os art.s 145.°-G, n.° 1 e 145.°-H do RGIF face à interpretação dada pela deliberação de 3 de Agosto do Conselho de Administração do Banco de Portugal, com a clarificação/rectificação da deliberação de 29 de Dezembro de 2015, constituem violação do art. 62.° da Constituição, por se tratar de um claro confisco ou expropriação sem justa contrapartida, sendo inconstitucional a interpretação dada ao art. 101.° da Constituição pelas referidas deliberações do Banco de Portugal, por se atentar manifestamente contra a segurança das poupanças e as garantias dadas pelo referido art. 62.°?
A problemática da constitucionalidade ora suscitada vem sendo já abordada pela jurisprudência, afigurando-se válidos, face à adequação ao Direito constituído e à devida ponderação dos interesses sob colisão na situação em apreço (privados e públicos), os vários pontos do sumário Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-04-2017 (processo 31251/15.2T8LSB.L1-7, do qual foi Relatora a Exma. Juíza Desembargadora MARIA AMÉLIA RIBEIRO), com o seguinte teor:
I.–A apreciação dos pressupostos da medida da resolução, adotada pelo Banco de Portugal em 3.8.2014, é da competência da jurisdição administrativa (Artigo 145º-N do RGICSF).
II.–Todavia, neste âmbito, cabe ao tribunal cível apreciar se as disposições legais a coberto das quais o Banco de Portugal adotou a medida de resolução, nos moldes em que o fez, padecem de inconstitucionalidade.
III.–O direito de propriedade não é um direito absoluto, devendo compatibilizar-se com outras exigências constitucionais.
IV.–O artigo 62º da Constituição deixa ao legislador ordinário uma ampla margem de conformação do direito de propriedade desde que as soluções encontradas respeitem os princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade.
V.–Ponderando que a compra de papel comercial de um banco não constitui poupança que deva ser enquadrável pela tutela do artº 101º da CRP e nada tendo sido alegado no sentido que:
(i)-contrarie que a medida de resolução constituiu o meio adequado para a prossecução da tutela da estabilidade e segurança do sistema financeiro, para prevenir o risco sistémico e a corrida aos depósitos, valores e princípios constitucionalmente protegidos (Artigo 101º da Constituição) e que
(ii)-caso não tivesse sido adoptada a referida medida, os AA. tivessem tido maior protecção do dinheiro investido, não pode ter-se por violado o indicado preceito da Constituição.
 
Não nos situamos, rigorosamente, atenta a natureza dos investimentos realizados, perante situação directamentre subsumível ao disposto no  art. 101.º da Constituição da República Portuguesa que dispõe, sob a epígrafe «Sistema financeiro»: «O sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social». Antes nos situamos perante um contexto de investimento de risco colocado à margem da norma.
Não nos encontramos diante de uma situação de remoção de propriedade privada sem contrapartidas e em função de um interesse público, associável às pretendidas expropriação ou confisco sem compensação. O que temos é, antes, consequências do exercício de funções de regulação através da assunção de opções que sempre podem ser atacadas perante a jurisdição administrativa e que visaram (com adequação ou sem ela, nos termos a ponderar perante essa jurisdição) repôr equilíbrios, evitar o contágio da negatividade financeira e das imparidades, blindar o restante tecido social face à desagregação interna de uma das instituições de crédito nacionais e não impôr ao conjunto dos cidadãos o desbaratar e a alienação de recursos preciosos e escassos para custear os riscos de actividades e decisões alheias, sempre sem prejuízo dos princípios da solidariedade e da coesão social. Seguramente, as perdas invocadas pelos Demandantes não brotam da alocação dos seus recursos financeiros individuais a fins públicos mas de perdas relativas ao deficiente funcionamento do sistema bancário, eventualmente potenciado por causas exógenas, que não tiveram qualquer contrapartida ao nível dos ganhos e benefícios públicos e foram meramente objecto de blindagem para efeitos de limitação de contágios, riscos sistémicos e alienação dos prejuízos.
Não estamos, à míngua de outros elementos, perante vera questão de constitucionalidade não se encontrando em causa, de forma directa, o direito à propriedade privada garantido pelo  art. 62.º da Constituição da República Portuguesa, não se patenteando, à luz dos critérios adequadamente lançados no aresto jurisprudencial acima invocado, que, «caso não tivesse sido adoptada a referida medida, os AA. tivessem tido maior protecção do dinheiro investido»
Responde-se, consequentemente, de forma negativa ao perguntado.

5.–A transferência dos activos sem os passivos e responsabilidades constituiria uma manifesta violação de direitos patrimoniais de terceiros, que sempre estaria ferida de inconstitucionalidade, por violação do art. 62.°, n.° 1, da Constituição,  sendo que a interpretação do Banco de Portugal das referidas normas do RGIF constitui violação da garantia do direito de propriedade?
A solução a dar a esta questão assenta nos mesmos pressupostos e quadros técnicos da pergunta anterior.
Por assim ser, dão-se aqui por reproduzidos os argumentos expendidos e a resposta formulada.

6.–A operação de resolução subsume-se a uma cisão-simples, nos termos do art. 118.°, n.° 1, al. a), do Código das Sociedades Comerciais, pelo que as sociedades beneficiárias das entradas resultantes da cisão respondem solidariamente, até ao valor dessas entradas, pelas dívidas da sociedade cindida anteriores à inscrição da cisão no registo comercial?
A intervenção do Banco de Portugal que subjaz à discussão em apreço tem os contornos válida e adequadamente traçados na sentença impugnada e que seria ocioso aqui reproduzir. Só por analogia se poderiam, pois, realizar operações de referenciação, comparação, restrição e identificação com figuras específicas e focadas de Direito comercial, quer se trate das sugeridas na questão quer quaisquer outras.
Tal intervenção que, como se deixou entrever, não pode ser avaliada quanto à sua validade e sustentação jurídica nesta sede mas na administrativa, é muito mais alargada e abrangente e está muito para além da etiologia e «ontologia» que se lhe quer atribuir. Circunscrever a avaliação técnica a esta visão redutora seria abstrair da necessidade de se realizar uma interpretação sistemática, englobante e articulada, conforme imposto pelo n.º 1 do  art. 9.º do Código Civil. Envolveria, também, um afrontamento e violação do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, particularmente das normas invocadas na sentença posta em crise.
Não pode ter resposta positiva esta questão proposta pelos Recorrentes para análise.

7.–O Novo Banco assumiu a sua responsabilidade para com os subscritores de acções preferenciais?
Não foi produzida qualquer prova que permita sustentar o perguntado, sendo que os Recorrentes não se insurgiram no seu recurso quanto à cristalização fáctica, designadamente defendendo a inclusão de factos nela não incluídos e que o devessem ser.
É negativa, também, a resposta a esta questão.

III.–DECISÃO:
Pelo exposto, julgamos a apelação improcedente e, em consequência, confirmamos a sentença impugnada.
Custas pelos Apelantes.


Lisboa, 08.06.2017


Carlos M. G. de Melo Marinho (Relator)
Anabela Moreira de Sá Cesariny Calafate (1.ª Adjunta)
António Manuel Fernandes dos Santos (2.º Adjunto)
Decisão Texto Integral: