Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3220/16.2T8PDL.L1-8
Relator: LUÍS CORREIA DE MENDONÇA
Descritores: REPÚDIO DE HERANÇA
MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: Deve autorizar-se o pai, enquanto representante do filho, a repudiar a herança deficitária da mãe, por tal ser do interesse do menor.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


E, viúvo, pai de A, nascido a 16-12-1999, veio requerer a reapreciação da pretensão do requerente de autorização para, em representação do menor, repudiar a herança deixada pela mãe deste, F, falecida a 17-07-2014.

Foi julgada improcedente a acção, por manifestamente infundada.
Inconformado, interpôs o requerente competente recurso, cuja minuta concluiu da seguinte forma:
‘’A)-“Não impondo a lei sucessão hereditária apenas de passivo sem que haja activo”, tal pode ser feito quer pela não aceitação, quer pelo repúdio da herança;
B)-O repúdio da herança é assim, e também neste caso, um legítimo direito que, em nome dos menores, assiste ao ora Requerente;
C)-Para o que também deve constar na matéria provada o valor do montante em dívida declarado na Insolvência, 186.496,69€ (cento e oitenta e seis mil, quatrocentos e noventa e seis euros e sessenta e nove cêntimos), conforme doc. 8 junto com a PI;
D)-A douta sentença viola assim, entre outros, os artigos 2030º, 2049º e 2062º e seguintes do Código Civil.

Nestes termos, e nos melhores de direito que este Venerando Tribunal doutamente suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência ser, a douta Sentença, de que ora se recorre, revogada e substituída por outra que aditando o valor em dívida ao ponto 3 da matéria dada por provada, autorize o ora Requerente a repudiar a herança, em nome dos filhos, de modo a estes ficarem com a situação definitivamente resolvida e clarificada sobretudo perante os credores da sua falecida mãe’’

O MP apresentou contra-alegações em que pugna pela confirmação da decisão.

Constitui única questão decidenda saber se deve ou não ser concedida autorização ao requerente para repudiar a herança de sua mulher, como representante do seu filho menor A.    

São os seguintes os elementos de dados de facto considerados assentes no primeiro grau:
1)-A nasceu a 16-12-1999 e é filho de E e de F;
2)-F faleceu a 17-07-2014, no estado de casada com E;
3)-Por sentença proferida em 22-10-2013, transitada em julgado em 7-11-2013, pelo extinto 5º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ponta Delgada, no âmbito do processo de insolvência n.º 1825/13.2TBPDL, E e F foram declarados insolventes;
4)-Na sentença mencionada em 3), foi decretada ainda a apreensão dos bens dos devedores E e de F;
5)-Em 29-11-2013 foram apreendidos os bens imóveis a seguir identificados, propriedade de E e de F, a favor da respetiva massa insolvente, designadamente a fração urbana, designada pela letra “B”, correspondente aos rés-do-chão esquerdo-frente, do prédio sito na Rua…com o valor de 65.000,00€, e o prédio rústico situado na Canada do Diogo, …no valor de 15.000,00 €.
6.–Os bens dos devedores identificados em 5) foram adjudicados ao credor hipotecário Banco…pelos valores de 57.000,00€ e de 8.000,00€, respetivamente, pelo menos a 3-12-2015.
7.–A 31-1-2017 foi declarado o encerramento da liquidação, e ordenado o cumprimento do artigo 182, n.º 1, do CIRE (rateio).

De acordo com o artigo 2.º, n.º 1, al. b), do DL n.º 272/2001, de 13 de Outubro, são da competência exclusiva do MP as decisões relativas a pedidos de autorização para a prática de actos pelo representante legal do incapaz quando legalmente exigida.

O artigo 3.º, n.º 6 da mesma lei assegura ao requerente (ou a qualquer outro interessado que tenha apresentado oposição) a reapreciação da pretensão através da propositura da correspondente acção no tribunal competente.

É essa reapreciação que está em causa nestes autos.

A qualidade de sucessor implica a aceitação da sucessão com efeitos a retroagirem-se à data da abertura (artigo 2050.º CC- serão deste código os artigos ulteriormente citados sem qualquer outra menção).

O instituto da aceitação relaciona-se quer com uma postura afectiva do sucessor no que tange à personalidade e às relações com o de cujus mas, e com maior frequência, ao conjunto de obrigações e direitos inerentes à herança.

Há, por consequência, que tomar uma de duas atitudes: ou aceitação ou repúdio.

Sabido é que o titular de direitos pode, em princípio, exercê-los pessoalmente. Os menores, porém, carecem de capacidade para o exercício de direitos (artigo 123.º), o que não obsta ao normal desenvolvimento da sua vida jurídica, mediante o recurso ao poder paternal e, na falta deste, à tutela (artigo 124.º).

Compete assim aos pais a representação dos filhos menores, naturalmente que no interesse destes (artigo 1878.º). Reconhecendo que nem sempre os progenitores têm condições para desempenharem o papel que se espera deles de protectores do património dos filhos, o artigo 1889.º elenca um conjunto de actos que estão dependentes de autorização do tribunal de entre os quais repudiar herança ou legado (n.º 1, al. j)).

O repúdio da herança é utilizado quando alguém quer afastar-se da sucessão de uma herança da qual não está interessado. Este desinteresse pode resultar de razões de ordem pessoal (v.g. evitar conflitos com outros interessados) ou razões de ordem económica (v. g. evitar o cumprimento de dívidas da herança).

Repúdio da herança é, pois, o acto, pelo qual o herdeiro responde negativamente ao chamamento declarando que rejeita os bens colocados à sua disposição (artigo 2062.º).

É exactamente aquela autorização para o repúdio da herança de E que o apelante pretende obter.

Nem sempre é fácil apurar no repúdio da herança se há ou não interesse do menor.

O primeiro grau entendeu inexistir tal interesse: ‘’Ora, se os filhos da falecida não vão suceder no património da falecida (cfr. artigo 2030º do C.C.), por inexistir ativo a partilhar, não impondo a lei a sucessão hereditária apenas de passivo sem que haja ativo, e considerando que a chamada dos herdeiros de E para efeitos de representação no processo de insolvência não tem o significação de assunção das dívidas da responsabilidade desta, não existe qualquer interesse processual ou substantivo no repúdio de herança, sem objeto, por parte dos filhos da falecida, em razão do que se julga improcedente, por manifestamente infundada, a presente ação’’.

Diferente é, como vimos a posição do apelante.

Julgamos que assiste razão ao recorrente. Requerente e mulher foram declarados insolventes por terem um passivo superior a € 186.496,69. Os dois únicos bens (imóveis) apreendidos foram adjudicados ao Banco pelo valor de € 57.000,00 e € 8.000,00 respectivamente.

Estamos na presença de uma herança deficitária. Como ensina O. Ascensão ‘’herança deficitária é aquela cujo passivo excede o activo – podendo chegar-se ao caso limite de haver só passivo’’(Direito Civil, Sucessões, 4.ª ed. Coimbra, 1989: 293).

Nesta hipótese a sucessão também se verifica, ‘’pois o acento tónico, mesmo à face do artigo 2024, está no chamamento das relações jurídicas patrimoniais’’ e não na devolução dos bens (op. cit:294).

Quer as situações activas, quer as passivas, compõem igualmente a herança (op. cit:41).

Se o chamado não repudiar ficam em aberto todas as situações passivas que se não devam extinguir por morte da autora da sucessão; dito de outro modo as divídas mantêm-se.

Cremos, pois, que existe interesse do menor em repudiar a herança deficitária de sua mãe.

Pelo exposto, acordamos em julgar procedente a apelação e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida, que se substitui por outra que autoriza o requerente, como representante do seu filho A, a repudiar a herança deixada por F.
Sem custas.



Lisboa, 28.09.2017



Luís Correia de Mendonça
Maria Amélia Ameixoeira
Rui Moura
Decisão Texto Integral: