Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
709/19.5T8BRR.L1-4
Relator: JOSÉ FETEIRA
Descritores: PER
EXCEPÇÃO DILATÓRIA
IMPOSSIBILIDADE LEGAL DE INSTAURAÇÃO DA ACÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1– Tendo o trabalhador reclamado os seus créditos sobre a sua entidade empregadora no âmbito de PER promovido por esta, ao ter conhecimento dos créditos reconhecidos através da lista provisória ali apresentada pelo Administrador Judicial e se insatisfeito com a mesma, deve deduzir nesse PER oportuna impugnação, a fim de que a mesma seja submetida a apreciação jurisdicional, sendo esse, numa primeira linha, o meio adequado a defender o seu direito de crédito sobre a sua entidade empregadora.

2– Não o fazendo, não pode o trabalhador, posteriormente, instaurar ação contra a sua entidade empregadora tendo em vista o reconhecimento de créditos que reclamara ou podia ter reclamado no âmbito do referido PER, face ao disposto no art. 17º-E n.º 1 do CIRE, sem que uma tal conclusão signifique violação do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional (art. 20º da Constituição da República Portuguesa), uma vez que esse acesso se mostra consagrado na possibilidade que o trabalhador dispunha de deduzir plena reclamação de créditos no âmbito do mencionado PER.


(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa


RELATÓRIO


AAA, residente em (…), instaurou a presente ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra a BBB, com sede na Rua (…)

Pede que a ação seja julgada procedente e que, em consequência a Ré seja condenada a pagar ao Autor a quantia total de 18.731,06€ (dezoito mil setecentos e trinta e um euros e seis cêntimos), respeitante a:

a)- 2.059,11€ referente à terceira prestação do acordo de cessação do contrato de trabalho;

b)- 16.671,95€ referente aos créditos devidos a título de trabalho suplementar;

c)- E ainda ao pagamento dos juros de mora, à taxa legal aplicável ao juro civil - 4% - desde a data da citação até integral pagamento.

Como fundamento e em síntese, alega que foi admitido pela Ré em 15/12/2008, com a categoria profissional de «operador de linha de descasque e destroçamento», tendo ficado estipulado que a remuneração mensal seria de 700,00€ ilíquidos, sujeita, portanto, aos descontos legais, acrescida do subsídio de almoço no valor de 5,50€.

O vencimento mensal do Autor veio sendo atualizado, fixando-se, pelo menos desde Abril de 2011, em 750,00€ e, além do vencimento mensal, pelo menos desde abril de 2011, a Ré passou a pagar ao Autor, mensalmente, um prémio denominado “complemento de disponibilidade” no valor fixo de 200,00€, complemento que era pago ao Autor de uma forma regular e periódica, fazendo, por isso, parte da sua retribuição mensal.

Ficou igualmente convencionado que o Autor prestaria um período normal de trabalho de 8 horas diárias, com o horário de trabalho das 8h00 às 17h00, distribuídas de segunda a domingo, com dois dias de descanso semanal.

O contrato de trabalho do Autor cessou, por acordo, em 20/03/2018, tendo ficado convencionado que a Ré lhe pagaria, como compensação pecuniária de natureza global, pelos créditos salariais, férias, subsídio de férias, subsídio de Natal, subsídio de alimentação e complemento de disponibilidade, a quantia de 6.177,32€ (seis mil cento e setenta e sete euros e trinta e dois cêntimos), em três prestações mensais, iguais e sucessivas.

A Ré não pagou ao Autor a terceira prestação no montante de 2.059,11€ na data do seu vencimento, ou seja, em 31/05/2018.

O Autor prestava o seu trabalho de segunda a domingo, com dois dias de descanso semanal e, desde, pelo menos, abril de 2011 até à cessação do contrato de trabalho com a Ré, prestou diversas horas de trabalho extraordinário mas a Ré não pagou ao Autor todas as horas extraordinárias de trabalho prestadas pelo mesmo.

Designada data para audiência das partes nos termos do disposto no n.º 2 do art. 54º do Código de Processo do Trabalho (CPT) e, realizada essa audiência, não se obteve a conciliação das mesmas como forma de se pôr termo ao presente litígio.

Contestou a Ré invocando, desde logo, a exceção de remissão abdicativa de créditos decorrente de negociação havida entre as partes tendo em vista a cessação da relação laboral entre ambas existente, na qual foram calculados todos os créditos salariais, disponibilizados os valores, averiguados os dias de férias por gozar e apresentada e entregue a proposta de acordo de revogação do contrato de trabalho. Foi marcada uma reunião para o dia 20 de março na sede da Ré e, nesse dia, o Autor compareceu, tendo declarado pretender revogar o contrato de trabalho, aceitando a compensação pecuniária de natureza global pela cessação do contrato de trabalho, aceitando ainda que a Ré lhe pagasse a compensação pecuniária de natureza global no valor de 6.177,32€, (seis mil cento e setenta e sete euros e trinta e dois cêntimos) sujeito aos legais descontos, em três prestações.

O Autor recebeu as 1ª e 2ª prestações e deslocou-se à sede da Ré para proceder ao levantamento do cheque referente à 3ª prestação. Contudo, não conformado com o valor aposto no cheque, recusou-se a levantar o mesmo por entender que o valor deveria ser 2.059,11€, ao contrário de 1.725,84€.

No acordo de revogação do contrato de trabalho por mútuo acordo, o Autor declarou expressamente renunciar a quaisquer valores, fosse a que título fosse, para além da compensação pecuniária de natureza global pela cessação do seu contrato no valor de 6.177,32€ sujeita aos legais descontos, revogação com efeitos a partir de 13 de março de 2018, data em que se considera para todos os legais e devidos efeitos terem cessado todos e quaisquer direitos, deveres e garantias das partes, emergentes do referido contrato, e exprimiu a sua vontade, assinando presencialmente o referido acordo, com reconhecimento presencial da sua assinatura, assessorado pela sua advogada.

A Ré aceitou a declaração negocial do Autor, inserida no acordo de revogação do contrato de trabalho.

Todos os créditos emergentes do contrato de trabalho existente entre as partes ficaram extintos.

Alega ainda a exceção da prescrição dos créditos laborais invocados pelo Autor.

O Autor auferia a remuneração base de 750€, à qual acrescia o valor de 200€ a título de isenção de horário, mais um prémio de produção quando a produção de pellets ultrapassava as 7000 T/mês.

Não se entende como é que o Autor contabiliza as horas extraordinárias e este bem sabe que todas as horas extraordinárias lhe foram pagas no devido tempo e integralmente, tanto que nunca reclamou junto da Ré pelo seu não pagamento.

A Ré viu-se forçada a entrar em Processo Especial de Revitalização de Empresas (PER), processo que corre termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio do Barreiro – Juiz 2, sob o n.º 648/18.7T8BRR e o Autor foi aí reclamar os seus créditos.

Conclui que devem ser julgadas procedentes as invocadas exceções e a Ré absolvida do pedido e se assim não se entender, deve a ação ser julgada improcedente por não provada, tudo com custas, procuradoria condigna e demais encargos legais por conta do Autor.

Pede ainda que o Autor seja condenado como litigante de má-fé em multa e indemnização a favor da Ré em quantia a liquidar a final.

Respondeu o Autor para concluir que as exceções deduzidas pela Ré devem ser julgadas improcedentes, bem como o pedido de condenação do Autor como litigante de má-fé, devendo a ação ser julgada procedente com todas as consequências legais.

Foi proferido despacho saneador fixando-se o valor da presente causa em 18.731,06€, tendo aí sido proferida a seguinte decisão:

«Impossibilidade Legal de Instauração da Acção decorrente de PER.

I.–AAA residente em (…), intentou a presente acção Emergente de Contrato Individual de Trabalho, com processo declarativo comum, contra BBB., com sede social na Rua (…), pedindo ao tribunal que, julgando pela sua procedência, condene a Ré a pagar ao Autor a quantia de 18.731,06 €, a título de créditos laborais em dívida, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal, até integral pagamento.

A acção foi instaurada a 06/03/2019.

A 26/03/2019 realizou-se audiência de partes.

Devidamente notificada, a R. apresentou a 10/04/2019, a sua contestação, onde alega, entre o mais que se encontra em PER.

Dos documentos juntos, resulta que, por despacho de 03/09/2018, proferido no âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 548/18.7T8BRR, do 2º Juízo do Comércio do Barreiro, em que figura como devedora a aqui Ré, foi nomeado administrador judicial provisório.

A contestação foi notificada ao A., que à mesma respondeu.

II.– Conforme resulta da matéria de facto – que constitui causa de pedir – da presente acção, os créditos do A. venceram-se todos em momento anterior a 03/09/2018:

De facto, o A. por reporte à compensação pecuniária de natureza global fixa o acordo em 20/03/2018, com o pagamento das três prestações tendentes à sua execução: em 20/03/2018, 30/04/2018 e 31/05/2018.

No que tange às quantias referentes ao trabalho suplementar, reporta-os a cada um dos meses de Abril de 2011 até Setembro de 2017, certo sendo que, integrando aquelas quantias o conceito de retribuição em sentido amplo, tinham dia certo de vencimento.

Por despacho de 03/09/2018, proferido no âmbito do Processo Especial de Revitalização n.º 548/18.7T8BRR, do 2º Juízo do Comércio do Barreiro, em que figura como devedora a aqui Ré, foi nomeado administrador judicial provisório.

III.–Nos termos do disposto no art. 17º-E, do CIRE:

1- A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.

O despacho a que alude o art. 17º-C, n.º 4, do CIRE, é o despacho de nomeação do administrador judicial provisório.

Conforme se decidiu no Ac. do S.T.J., de 17/11/2016 (Dr.ª Ana Luísa Geraldes):

“III– No conceito de “acções para cobrança de dívidas” estão abrangidas não apenas as acções executivas para pagamento de quantia certa, mas também as acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito que se pretende ver reconhecido. (sublinhado nosso)

IV– Tal ocorre com a acção interposta pelo trabalhador contra a empregadora e empresa devedora (que requereu um Processo Especial de Revitalização) e na qual o A. peticiona a condenação da empresa no pagamento dos créditos laborais emergentes desse contrato, porquanto a procedência da acção tem reflexos directos no património do devedor.”

Ora, a lei determina não só que as acções para cobrança de dívidas ou com idêntica finalidade que estejam em curso contra o devedor, quando se inicia o PER, se suspendam após o despacho que nomeia administrador judicial provisório e pelo tempo que perdurarem as negociações, mas também que tal despacho obsta à instauração de tal tipo de acções e ainda que, as que estavam em curso e se suspenderam se extinguem logo que aprovado e homologado o plano de recuperação, a não ser que este preveja a sua continuação.

Dispõe o art. 17º-D, do CIRE, que:

1- Logo que seja notificado do despacho a que se refere a al. a) do n.º 3 do artigo anterior, o devedor comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu início a negociações com vista à sua revitalização, convidando-o a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do art. 24º se encontra patente na secretaria do tribunal para consulta.

2-Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal CITIUS do despacho a que se refere a alínea a) do nº 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.

3-A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis (…)

Afigura-se-nos que as consequências decorrentes do art. 17º-E n.º 1, do CIRE, apenas respeitam a acções em que se exija cobrança de créditos vencidos até à data limite que resulta do art. 17º-D n.º 2, CIRE, não sendo aplicáveis a créditos vencidos após essa data, sob pena de violação do direito à tutela jurisdicional efectiva (art. 20º CRP).

Relativamente aos créditos anteriores, na medida em que o credor pode reclamar os seus direitos no âmbito da reclamação dos créditos que tem lugar no PER, cremos ser isso bastante para considerar assegurada essa tutela. Quanto a esses não nos oferece dúvidas que se verifica a excepção dilatória inominada de impossibilidade legal originária de instauração da acção e seu prosseguimento.

Ora, no caso em análise, embora não conste destes autos qual era a data limite para a reclamação de créditos no PER, sabendo-se apenas que o Sr. administrador judicial provisório foi nomeado por despacho de 03/09/2018, o que é certo é que face à data do vencimento dos créditos aqui reclamados pelo A., aquando dessa nomeação, já os mesmos estavam vencidos há largos meses e, mesmo, anos (ocorrendo a data limite de reclamação de créditos em momento posterior, aquela impossibilidade já estava verificada no momento da instauração da presente acção).

É, assim, forçoso concluir que os eventuais créditos emergentes do acordo da cessação do contrato de trabalho e do trabalho suplementar peticionados estão abrangidos pela previsão do art. 17º-E, do CIRE, porque anteriores à data limite para a reclamação de créditos no PER.

A impossibilidade legal originária (que obste à instauração de acção) analisa-se em excepção dilatória inominada, decorrente do disposto no art. 17º-E, n.º 1, do CIRE, cuja verificação é de conhecimento oficioso e determina a absolvição da instância (neste sentido, v. Ac. da rel. de Lisboa, de 28/09/2016 – Dr.ª Maria João Romba).

Neste sentido, v. Ac. da Rel. do Porto, de 07/04/2014 (Dr. João Nunes), onde se consignou:

“I- O n.º 1, do artigo 17-E, do CIRE, abrange qualquer acção judicial (declarativa ou executiva) destinada a exigir o cumprimento de um direito e que, por isso, contenda com o património do devedor;

II- Tendo em 29-04-2013, em conformidade com o previsto na alínea a) do n.º 3, do artigo 17.º-C do CIRE, sido proferido despacho a nomear administrador judicial provisório no processo especial de revitalização requerido pela Ré, tal obstava a que em 24-05-2013 o Autor intentasse acção contra aquela a peticionar créditos laborais;

III- Tendo intentado a acção, deve a Ré ser absolvida da instância, por verificação de uma excepção dilatória inominada.”

III.Face ao exposto, julgo verificada a excepção dilatória inominada, de impossibilidade legal originária (que obste à instauração de acção) decorrente do disposto no art. 17º-E, n.º 1, do CIRE, e, em consequência, absolvo a Ré da instância.

Custas a cargo do A., nos termos do disposto no art. 536º, n.º 3, do CPC, uma vez que, à data da instauração da acção já se verificada a causa da impossibilidade legal, em análise.

Notifique.

Dê baixa.

Face ao decidido dou sem efeito a data de julgamento.»
*

Inconformado com esta decisão, dela veio o Autor interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando alegações que termina mediante a formulação das seguintes conclusões:

1–Vem o presente recurso interposto da douta sentença de fls… que julgou verificada a excepção dilatória inominada de impossibilidade legal originária, decorrente do disposto no artº.17º-E, nº.1 do CIRE e, em consequência, absolveu a Ré da instância.

2–Entende o Mmº Juiz a quo que a lei determina que, o despacho que nomeia o administrador judicial provisório, obsta à instauração das acções para cobrança de dívidas, sejam acções declarativas ou execuções. E que,

3–Relativamente aos créditos anteriores ao despacho de nomeação do administrador judicial provisório, é suficiente que o credor os possa reclamar no PER para assegurar a tutela jurisdicional dos seus direitos.

4–Atendendo a que os créditos do recorrente são anteriores àquele despacho, verifica-se a excepção dilatória de impossibilidade legal originária de instauração da acção e seu prosseguimento, porquanto, os créditos peticionados estão abrangidos pela previsão do artº.17º-E do CIRE, porque anteriores à data limite para reclamação de créditos no PER.

E,

5–Como tal, sendo a impossibilidade legal originária uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, entende o Mmº Juiz a quo absolver a Ré da instância.

6–Salvo o devido respeito, o entendimento explanado na douta sentença faria com que a lei adjectiva prevalecesse sobre a salvaguarda dos direitos substantivos.

7–É certo que foi proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório e que os créditos cujo pagamento o recorrente peticiona são anteriores à referida nomeação, no entanto,

8–O Mmº. Juiz a quo não teve em consideração foi qual o valor dos créditos reclamados no PER pelo recorrente e que valor foi reconhecido e ficou a constar no plano, relativamente ao recorrente.

9–Face ao conhecimento oficiosa da excepção, entende o recorrente ser pertinente e necessário juntar, com as presentes alegações, a reclamação de créditos apresentada pelo recorrente e a lista provisória de credores reconhecidos no PER ( Doc.1 e 2 que junta e dá por integralmente reproduzidos para os devidos e legais efeitos ).

10–Sendo certo que, a junção dos dois documentos aos autos só se revelou necessária face ao julgamento proferido pelo Mmº. Juiz.

11–Sucede que, os créditos reclamados pelo recorrente no âmbito do PER não foram reconhecidos na totalidade, tendo sido reconhecido somente a quantia de 4.118,22€, referente às duas últimas prestações do acordo de revogação do contrato de trabalho, pelo que,

12–Para poder ver reconhecido o seu direito de crédito, o recorrente não podia senão instaurar a acção.

13–O recorrente apresentou a reclamação de créditos, junto do administrador judicial provisório, em 28/03/2018, reclamando o valor total de 20.790,17€, no entanto,

14–Foi somente reconhecido ao recorrente um crédito no valor de 4.118,22€.

Como tal,

15–O plano de recuperação homologado no âmbito do Proc. nº.648/18.7T8BRR não consagra o crédito peticionado na presente acção emergente de contrato individual de trabalho.

16–O crédito ora reclamado pelo ora recorrente, pese embora seja anterior ao PER, não foi reconhecido naquele processo,

17–A presente acção foi instaurada pelo recorrente em data posterior à homologação do PER em causa, daí que

18–Salvo o devido respeito, outro não poderá ser o entendimento senão que não tem aplicação o artº.17º-E, nº.1 do CIRE.

19–Acompanhando a posição do Mmº. Juiz a quo nenhuma tutela seria conferida ao recorrente, se o crédito não foi reconhecido no PER e se não o pode ver satisfeito nem pelo devedor, nem pelo plano.

20–Nesse sentido vai o entendimento de Nuno Salazar e David Sequeira Dinis in PER, O Processo Especial de Revitalização, pág. 99 a 102 segundo os quais “…havendo controvérsia quanto à existência de determinada dívida, esta certamente não terá sido reconhecida para efeitos dos pagamentos previstos no plano de recuperação, (…) o credor cuja dívida é controvertida não poderá ficar privado da acção declarativa na qual reclama o reconhecimento da existência do seu crédito. Com efeito, ao referido credor cujo crédito não foi reconhecido e cuja impugnação não foi decidida oportunamente, apenas resta a acção declarativa. Só esta lhe permitirá ver reconhecida a sua condição de credor, assim passando a estar abrangido pelo plano de pagamentos previsto no plano de recuperação.”

21–Tal argumento é reforçado pela previsão do nº.7 do artº.17º-G que estipula que caso o processo de revitalização seja convertido em processo de insolvência, a existência de lista definitiva de créditos no PER não impede que venham a ser reclamados outros créditos.

22–O facto da decisão que homologa o plano vincular todos os credores não significa que os mesmos fiquem impedidos de obter o reconhecimento dos créditos que não reclamaram para poder exigir, pelo menos, o seu pagamento de acordo com as condições constantes do plano.

23–A sentença de que ora se recorre viola as regras e princípios gerais do direito, pois consubstancia uma injusta e desproporcionada restrição dos direitos dos credores, violando assim o princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional consagrado no artº.20º.

24–A este propósito, Catarina Serra (Revitalização – a designação e o misterioso objeto designado…, I Congresso do Direito de Insolvência, Almedina, 2013, pág 98-100) salienta que a desadequação desta norma do PER é especialmente visível no caso dos créditos litigiosos, onde, para os seus autores, é o recurso ao PER uma hipótese realmente temível, nomeadamente porque além de se lhes não aproveitar, ainda possui um efeito demolidor das suas pretensões (…), sendo que, no caso dos créditos contestados, o devedor pode nem fazer a comunicação do n.º 1 do artigo 17.º-D, sem falar da oportunidade de participação nas negociações, deixando-os de fora”.

25–Tal entendimento encontra-se também vertido no douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 04/04/2017, disponível in www.dgsi.pt, que refere que Nestes casos de créditos litigiosos ou contestados deve ser permitido aos autores de ações declarativas verem (ou não) reconhecidos os seus créditos, assegurando-se a celeridade na definição dos seus efetivos direitos, assim como o seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva, tal como prevê o artigo 20.º da CRP. A prossecução de tais ações declarativas em nada prejudica o PER e as negociações que aí foram estabelecidas, uma vez que, como se refere no Acórdão da Relação de Lisboa de 11/07/2013, disponível em www.dgsi.pt, configuram apenas um crédito potencial e não um crédito declarado, sendo exatamente esta a sua finalidade.”

26–Sendo assim, no nosso humilde entendimento, o obstáculo à instauração de acções para cobrança de dívidas contra o devedor e a suspensão de acções já instauradas apenas perdura enquanto se mantiverem as negociações entre o devedor e os credores, porquanto, tem de ser permitido ao credor o recurso ao Tribunal a fim de ver reconhecido o seu direito, sob pena de se coartarem os direitos do credor.

27–Nessa medida, atendendo a que, nos presentes autos, o recorrente peticiona somente créditos que não se encontram reconhecidos no PER, não se verifica a impossibilidade legal originária de instauração da acção e, como tal, não procede a verificada excepção.

28–Tendo o douto Tribunal a quo feito uma errada interpretação da norma vertida no artº.17º-E nº.1 do CIRE e, consequentemente, violado o artº.20º da CRP.

Termos em que requer a V. Exas. se dignem dar provimento ao presente recurso, revogando a sentença proferida pelo Tribunal a quo, pois só assim se fará a costumada Justiça.

Juntou dois documentos com as suas alegações de recurso.

*

Contra-alegou a Ré, extraindo as seguintes conclusões:

1.- A Recorrida invocou em sede de contestação as Excepções: Remissão Abdicativa, Extinção da Dívida pelo Pagamento Integral e a Prescrição dos Créditos Laborais peticionados pelo A. a título de trabalho suplementar.

2.- Alegou e junto prova documental do PER aos autos, Despacho proferido no âmbito do Processo Especial de Revitalização Processo n.º 648/18.7T8BRR- que corre termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo de Comércio do Barreiro – Juiz 2,

3.- Informou os autos que o A., aqui Recorrente, reclamou créditos no âmbito do P.E.R.

4.- A Douta sentença julgou verificada a Excepção Dilatória Inominada, de impossibilidade legal originária, que obsta à instauração da acção, decorrente do disposto no artigo 17º- E n.º1 do CIRE, absolvendo a Ré da instância.

5.- Bem decidiu o tribunal a quo, porquanto não obstante a discussão da existência do crédito do Recorrente, esse crédito é anterior, e é anterior ao despacho de nomeação do administrador judicial provisório 07-03-2018, e anterior à data limite para a reclamação de créditos no PER. 27-03-2018, como decorre do n.º2 do art. 17º- D do CIRE.

6.- Os efeitos processuais deste preceito legal obstam à instauração de quaisquer acções para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o período das negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade, nos termos do art.º 17.º E, n.º 1 do CIRE.

7.- Impedimento abrange não só as ações executivas para pagamento de quantia certa mas também as ações declarativas para cumprimento de obrigações pecuniárias, acções declarativas em que se pretenda obter a condenação do devedor no pagamento de um crédito.

8.- O Recorrente reclamou créditos no âmbito do PER no dia 28-03-2018.

9.- Na lista provisória de credores o seu crédito foi reconhecido no valor de 4.118,22€.

10.- O Recorrente não satisfeito com o valor do crédito reconhecido, podia e devia ter lançado mão da impugnação da lista provisória de credores, sendo a instância própria e o meio jurisdicional apto a defender o seu direito de crédito e acesso ao direito e à tutela jurisdicional.

11.- Como tal, não colhe o argumento de que o “Recorrente para ver reconhecido o seu direito de crédito, o recorrente não podia senão instaurar a acção”, ponto 12 do recurso,

12.- Como também não colhe o argumento de que a douta Sentença “viola as regras e princípios gerais do direito, pois consubstancia uma injustiça e desproporcionada restrição dos direitos dos credores, violando assim o princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional consagrado no art. 20º.” ponto 23 do recurso.

13.- Como decorre do n.º 3 do art.º 17.º D do CIRE, o credor, aqui recorrente teve oportunidade de deduzir impugnação, sendo a sede para provar os fundamentos da impugnação, devendo pois juntar a reclamação de créditos e os documentos necessários para provar os fundamentos da sua impugnação.

14.- Tendo o Recorrente, pese embora, apresentado reclamação de créditos, optou por não deduzir impugnação da lista provisória de créditos onde foi reconhecido o seu crédito em valor diferente do pretendido.

15.- Ora, os créditos peticionados na acção já existiam à data do despacho de nomeação do administrador judicial provisório (7/3/2018), e à data da reclamação de créditos no PER, cujo prazo terminou a 27/03/2018, tendo o recorrente apresentado reclamação de créditos no dia 28/3/2018 e aceite,

16.- Tendo tido o recorrente oportunidade de deduzir impugnação da lista provisória de credores, caso não concordasse com crédito que foi reconhecido,

17.- Não existiram impugnações, a lista provisória tornou-se definitiva, e aprovado e homologado o plano de recuperação a 03/09/2018,

18.- Conclui-se, sem margem para dúvidas, que caem na previsão do artº 17º-E, nº 1 do C.I.R.E.

19.- Tendo decidido bem o Tribunal a quo pela impossibilidade legal originaria (que obste à instauração de acção).

20.- Que analisa-se em excepção dilatória inominada, decorrente do disposto no artº 17º-E, nº 1 do C.I.R.E., cuja verificação é do conhecimento oficioso e determina a absolvição da instância da Recorrida.

Nestes temos e nos melhores de Direito deve ser julgado improcedente o presente Recurso de Apelação, mantendo-se a Sentença recorrida.

ASSIM, SE FAZENDO A NECESSÁRIA A ACOSTUMADA JUSTIÇA
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Foi proferido despacho de admissão do recurso em causa, com adequado regime de subida e efeito.

Remetidos os autos para esta 2ª instância e mantida a admissão do recurso, determinou-se que se desse cumprimento ao disposto no n.º 3 do art. 87º do CPT, tendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitido o douto parecer de fls. 198 no sentido da procedência do mesmo.

Colhidos os vistos dos Exmos. Desembargadores Adjuntos, cumpre, agora, apreciar e decidir do mérito do recurso em causa.
*

APRECIAÇÃO

Dado que são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto perante o Tribunal ad quem, em face das que são extraídas pelo Autor/apelante no recurso interposto para este Tribunal da Relação, colocam-se à apreciação deste Tribunal da Relação as seguintes questões:

Questão prévia:

Da admissibilidade dos documentos juntos com a alegação de recurso.

Questão de recurso:

Da verificação (ou não) da exceção dilatória inominada de impossibilidade legal originária de instauração da ação, decorrente do disposto no artº.17º-E, nº.1 do CIRE e consequente absolvição da Ré da instância.
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Questão prévia da admissibilidade dos documentos juntos com a alegação de recurso.
Como referimos, com as suas alegações de recurso, juntou o Autor/apelante dois documentos aos presentes autos, mais concretamente a reclamação de créditos que em 28 de março de 2018 deduziu no Processo Especial de Revitalização (PER) da Ré, processo n.º 648/18.7T8BRR que corre termos no Juízo do Comércio do Barreiro, e a lista provisória de credores elaborada pelo Administrador Judicial e junta ao aludido processo em 19 de abril de 2018, referindo o Autor/apelante que a junção de tais documentos aos presentes autos apenas se ficou a dever ao julgamento proferido pelo Mmº. Juiz.

Vejamos!

Sob a epígrafe «[j]unção de documentos e pareceres», isto na fase de recurso de apelação, estabelece o art. 651º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) – aqui aplicável por força do art. 87º n.º 1 do CPT – que «[a]s partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância».

As situações excecionais previstas no art. 425º do CPC reportam-se, por sua vez e apenas, à junção de documentos, em caso de recurso, cuja apresentação não tivesse sido possível até ao encerramento da discussão da causa em 1ª instância.

Ora, no caso vertente, atendendo às datas dos documentos em causa, verifica-se que os mesmos poderiam ter sido juntos pelo Autor com a resposta formulada à contestação apresentada pela Ré, ou seja, antes da prolação da decisão recorrida. Com efeito, tendo a aludida resposta sido formulada pelo Autor em 3 de maio de 2019 e sendo certo que a Ré aludia ao referido processo de revitalização na contestação que apresentara em 10 de abril de 2019, a verdade é que os documentos agora apresentados com as alegações de recurso foram juntos a esse processo de revitalização pelo aqui Autor e pelo administrador judicial provisório nomeado nesse processo, respetivamente, em 28 de março de 2018 e em 19 de abril de 2018.

Ainda assim, não podemos deixar de concluir que a junção dos aludidos documentos se tornou necessária face ao teor da decisão recorrida e que anteriormente reproduzimos. Com efeito, tendo em consideração o teor dos articulados produzidos pelas partes nos presentes autos e o teor dessa decisão, não podemos deixar de entender que a mesma se baseou ou fundamentou em regras de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes, pelo menos o aqui Autor, não contava.

Decide-se, pois, admitir a junção dos aludidos documentos, os quais serão, oportunamente, considerados na apreciação do recurso em causa nos presentes autos.
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Fundamentos de facto

Dão-se aqui por reproduzidas as incidências processuais explanadas no precedente relatório, em particular a decisão recorrida que ali reproduzimos.

Resulta ainda de documentos juntos aos presentes autos e que não foram impugnados, que:

- Em 20/03/2018 foi celebrado entre a Ré e o Autor um denominado «Acordo de Revogação de Contrato de Trabalho por Mútuo Acordo», mediante o qual declararam revogar, por mútuo acordo, o contrato de trabalho entre ambos celebrado em 15 de dezembro de 2008, com efeitos a partir de 13 de março de 2018, «data em que se considera para todos os legais e devidos efeitos terem cessado todos e quaisquer direitos, deveres e garantias, emergentes do referido contrato» (Cláusula 1ª) e se estipulou que «[o] segundo outorgante recebe da primeira outorgante, a quantia de 6.177,32€ (seis mil cento e setenta e sete euros e trinta e dois cêntimos), como compensação pecuniária de natureza global pela cessação do seu contrato de trabalho que inclui os créditos salariais, subsídio de férias, subsídio de natal, proporcionais de férias e de subsídio de férias e de natal, subsídio de alimentação, complemento de disponibilidade, bem como a compensação pela cessação do contrato, da qual dá quitação em documento separado, quantia essa que será paga em três prestações, sendo a primeira paga no valor de 2.470,77€ (porque acresce vencimento referente ao mês de Março mais o complemento de disponibilidade correspondente), e as duas seguintes prestações mensais, iguais e sucessivas no valor de 2.059,11€, sujeito aos legais descontos, sendo a primeira prestação paga em 20 de Março, a segunda prestação em 30 de Abril e a última prestação em 31 de Maio de 2018» (Cláusula 2ª).

- Em 03/09/2018 foi proferida sentença no processo especial de revitalização (CIRE) Processo n.º 648/18.7T8BRR que corre termos pelo Juízo do Comércio do Barreiro – J2 – e que homologou o plano de revitalização da devedora BBB.

- Em 28/03/2018 AAA deduziu, no mencionado processo de revitalização, a reclamação de créditos junta com as alegações de recurso (fls. 153 a 162 veros), reclamação que aqui se dá por reproduzida.

- Em 19/04/2018 o Administrador Judicial Provisório nomeado no aludido processo de revitalização, apresentou a lista provisória de créditos junta com as alegações de recurso, na qual figura como credor AAA com um crédito de € 4.118,22 sobre o devedor BBB.
- A presente ação deu entrada em juízo em 06/03/2019.
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Fundamentos de direito

Da verificação (ou não) da exceção dilatória inominada de impossibilidade legal originária de instauração da ação, decorrente do disposto no artº.17º-E, nº.1 do CIRE e consequente absolvição da Ré da instância.
A este respeito e em síntese, alega o Autor/apelante que os créditos por si reclamados no âmbito do PER, no valor global de € 20.790,17, não foram reconhecidos na totalidade mas somente a quantia de € 4.118,22 e que para poder ver reconhecido o seu direito de crédito não podia, senão, instaurar a presente ação, não tendo aplicação, no presente caso, o disposto no art. 17º-E, n.º 1 do CIRE.

Alega ainda que se se acompanhasse a posição defendida na decisão recorrida, nenhuma tutela lhe seria conferida e que, de acordo com doutrina que invoca, ao credor cujo crédito não foi reconhecido e cuja impugnação não foi decidida oportunamente, apenas resta a ação declarativa, porquanto, só esta lhe permitirá ver reconhecida a sua condição de credor, passando a estar abrangido pelo plano de pagamentos previsto no plano de recuperação, argumento que é reforçado pelo previsto no n.º 7 do art. 17º-G do CIRE e que o facto da decisão que homologa o plano vincular todos os credores, não significa que os mesmos fiquem impedidos de obter reconhecimento dos créditos que não reclamaram para poder exigir, pelo menos, o seu pagamento de acordo com as condições constantes do plano, pelo que a decisão recorrida viola as regras e princípios gerais do direito, consubstancia uma injusta e desproporcionada restrição dos direitos dos credores e viola o princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional consagrado no art. 20º da Constituição da República.

Defende, para além disto, que o obstáculo à instauração de ações para cobrança de dívidas contra o devedor e a suspensão das ações já instauradas apenas perdura enquanto se mantiverem as negociações entre devedor e credores (no âmbito do PER), devendo ser permitido ao credor o recurso ao tribunal a fim de ver reconhecido o seu direito sob pena de se coartarem os direitos deste.

Vejamos!

Com interesse na apreciação da suscitada questão de recurso importa ter presente o disposto, desde logo, no art. 17º-A n.º 1 do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18.03, com o aditamento feito pela al. b) do art. 4º da Lei n.º 16/2012 de 20.04, ao estipular que «[o] processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização», sendo que, de acordo com o estabelecido no art. 17º-B do mesmo diploma, «… encontra-se em situação económica difícil a empresa que enfrentar dificuldade séria para cumprir pontualmente as suas obrigações, designadamente por ter falta de liquidez ou por não conseguir obter crédito».

Por sua vez e no que aqui releva, dispõe o art. 17º-C ainda do mesmo Código que:

«1-O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade da empresa e de credor ou credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10 /prct. de créditos não subordinados, relacionados ao abrigo da alínea b) do n.º 3, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recuperação.
2A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.
3 A empresa apresenta no tribunal competente para declarar a sua insolvência requerimento comunicando a manifestação de vontade referida no n.º 1, acompanhado dos seguintes elementos:
a)- A declaração escrita referida nos números anteriores;
b)- Cópia dos documentos elencados no n.º 1 do artigo 24.º, as quais ficam patentes na secretaria para consulta dos credores durante todo o processo;
c)- Proposta de plano de recuperação acompanhada, pelo menos, da descrição da situação patrimonial, financeira e reditícia da empresa.

4 Recebido o requerimento referido no número anterior, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as devidas adaptações.

(…)».

Estipula-se, por sua vez, no n.º 2 do art. 17º-D ainda do mesmo Código que, «[q]ualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos», enquanto no n.º 3 se dispõe que «[a] lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.» e no n.º 4 do mesmo preceito estipula-se que «n]ão sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva.».

Ainda com relevo na apreciação do recurso em causa, dispõe, por seu turno, o n.º 1 do art. 17º-E do mesmo CIRE que «[a] decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.».

Ainda com interesse e sob a epígrafe «[c]onclusão das negociações com a aprovação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa» dispõe o n.º 7 do art. 17º-F do mesmo CIRE que «[o] juiz decide se deve homologar o plano de recuperação ou recusar a sua homologação, nos 10 dias seguintes à receção da documentação mencionada nos números anteriores, aplicando, com as necessárias adaptações, as regras previstas no título IX, em especial o disposto nos artigos 194.º a 197.º, no n.º 1 do artigo 198.º e nos artigos 200.º a 202.º, 215.º e 216.º», enquanto no n.º 8 se estipula que «[c]aso o juiz não homologue o acordo aplica-se o disposto nos n.os 2 a 4, 6 e 7 do artigo 17.º-G.» e se dispõe no n.º 10 que «[a] decisão de homologação vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do artigo 17.º-C, e é notificada, publicitada e registada pela secretaria do tribunal.».

Finalmente, quando se conclua o processo negocial no âmbito do PER, sem a aprovação de um plano de recuperação, dispõe no n.º 7 do art. 17º-G do mesmo Código que «[h]avendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina-se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do n.º 2 do artigo 17.º-D.».

Ora, perante estas normas legais e tendo em consideração os fundamentos de facto anteriormente alinhados, verificamos que se não pode reconhecer razão ao Autor/apelante no recurso agora interposto, não merecendo censura a decisão recorrida que, por isso mesmo, será de manter.

Na verdade, dos fundamentos de facto acima mencionados, decorre desde logo que, tendo existido um contrato de trabalho entre ambas as partes celebrado em 15/12/2008, a ele puseram fim mediante mútuo acordo de revogação de contrato, acordo celebrado em 20/03/2018 mas para produzir efeitos a partir de 13/03/2018, data a partir da qual ambas as partes contratantes consideraram cessados todos e quaisquer direitos, deveres e garantias emergentes de tal contrato de trabalho, estipulando na cláusula 2ª desse acordo a atribuição pela ora Ré ao aqui Autor de uma compensação pecuniária de natureza global, no valor de € 6.177,32 pela cessação do aludido contrato.

Decorre também dos fundamentos de facto mencionados supra, que a aqui Ré BBB se submeteu a um processo especial de revitalização (PER), processo que corre termos pelo Juízo do Comércio do Tribunal Judicial da Comarca do Barreiro, sob o n.º 648/18.7T8BRR, no qual o aqui Autor AAA em 28/03/2018 deduziu reclamação de créditos no montante global de € 20.790,17, sendo a importância de € 4.118,22 a título de compensação pecuniária de natureza global pela cessação de contrato de trabalho e o remanescente de € 16.671,95 a título de trabalho suplementar por ele prestado ao serviço daquela e que lhe não teria sido pago, resultando dos mesmos factos que, em 19/04/2018, o Administrador Judicial Provisório nomeado no aludido processo de revitalização (PER), apresentou lista provisória de créditos, na qual também figura o aqui Autor AAA com um crédito de € 4.118,22 sobre a devedora e ora Ré BBB.

Não alega o aqui Autor AAA, nem resulta dos documentos juntos ao processo, que este tenha deduzido qualquer impugnação sobre a lista provisória de créditos apresentada pelo Administrador Judicial Provisório no mencionado PER e a verdade é que, em 03/09/2018 foi proferida sentença nesse processo especial de revitalização, através da qual foi homologado o plano de revitalização da devedora BBB.

Mediante a presente ação, instaurada em 06/03/2019 pelo Autor AAA contra a Ré BBB, aquele invoca créditos devidos por esta no montante global de € 18.731,06, sendo que o valor de € 16.671,95 diz respeito a créditos decorrentes da prestação de trabalho suplementar entre abril de 2011 e setembro de 2017 (crédito de valor igual ao que, a esse título, figurava da reclamação apresentada pelo aqui Autor no aludido PER) e o valor de € 2.059,11 se reporta à terceira prestação do acordo de revogação de contrato de trabalho estabelecido entre ambas as partes. Trata-se, por isso, de créditos todos eles anteriores ao aludido PER, mormente à reclamação de créditos que nele foi apresentada pelo aqui Autor Fernando Carvalheira ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 17º-D do CIRE e numa altura em que, forçosamente, já teria sido proferido, nesse processo de revitalização, o despacho de nomeação de administrador judicial provisório a que se alude no n.º 4 do art. 17º-C do mesmo CIRE, uma vez que esta nomeação precede a abertura de prazo para reclamação de créditos no PER.

Ora, estipula-se, claramente no art. 17º-E n.º 1 do CIRE que «[a] decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.» (realce e sublinhado nossos).

Está fora de dúvida que a presente ação declarativa de condenação instaurada em 06/03/2019 pelo Autor AAA contra a Ré BBB se inscreve no âmbito das ações para cobrança de dívidas a que se alude neste último preceito legal. É pacífica a jurisprudência dos nossos tribunais, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça nesse sentido (v. entre muitos outros, o Acórdão do STJ de 17.11.2016 proferido no processo n.º 43/13.4TTPRT.P1.S1 e acessível em www.dgsi.pt).

Por outro lado, tendo o aqui Autor/apelante AAA deduzido a já mencionada reclamação de créditos (decorrente da prestação de trabalho suplementar ou extraordinário entre abril de 2011 e setembro de 2017, bem como da compensação de natureza global pela cessação de contrato de trabalho) no âmbito do PER que corre termos pelo Juízo do Comércio do Tribunal Judicial da Comarca do Barreiro, sob o n.º 648/18.7T8BRR, ao ter conhecimento dos créditos reconhecidos através da lista provisória ali apresentada pelo Administrador Judicial, se insatisfeito com a mesma, deveria ter deduzido oportuna impugnação, a fim de que a mesma fosse submetida a apreciação jurisdicional, sendo esse, portanto e numa primeira linha, o meio adequado a defender o seu invocado direito de crédito sobre a Ré.

Não o tendo feito, como tudo leva a crer ter sucedido, sibi imputet, não podendo vir agora o Autor instaurar a presente ação contra a Ré tendo em vista o reconhecimento dos créditos que invoca sobre esta, de forma a obter o consequente pagamento dos mesmos, isto, como se referiu, face ao disposto no referido art. 17º-E n.º 1 do CIRE, sem que uma tal conclusão signifique violação do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional (art. 20º da Constituição da República Portuguesa), uma vez que esse acesso se mostra consagrado na possibilidade que o Autor dispunha de deduzir plena reclamação de créditos no âmbito do mencionado PER, o que, aliás, fez, com a consequente possibilidade de impugnação da lista provisória de créditos aí apresentada pelo administrador judicial provisório se discordasse da mesma, sob pena de, não o fazendo, ver transformada em definitiva a referida lista, com as consequências daí decorrentes, designadamente a aprovação e subsequente homologação de plano de recuperação conducente à revitalização da empresa, decisão que, nos termos do n.º 10 do art. 17º-F do CIRE vincula a empresa e os credores, mesmo que não hajam reclamado os seus créditos ou participado nas negociações, relativamente aos créditos constituídos à data em que foi proferida a decisão prevista no n.º 4 do art. 17º-C, como no caso presente se verificava face à anterioridade dos créditos invocados pelo Autor na presente ação, não assumindo qualquer relevância no caso, a alusão que este faz nas suas alegações e conclusões de recurso ao disposto no n.º 7 do art. 17º-G do mesmo CIRE.

Improcede, pois, o recurso em causa, não merecendo censura a decisão recorrida.
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DECISÃO

Nestes termos, acordam os juízes que integram a Secção Social deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo do Autor/apelante.


Lisboa, 2019-12-18


José António Santos Feteira
Filomena Maria Moreira Manso
José Manuel Duro Mateus Cardoso