Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
134/10.3TBCTX-D.L1-7
Relator: MICAELA SOUSA
Descritores: INCIDENTE DE HABILITAÇÃO
ADQUIRENTE OU CESSIONÁRIO
PRESSUPOSTOS
VALIDADE DA TRANSMISSÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1–No âmbito do incidente de habilitação do adquirente ou cessionário, apresentado o respectivo requerimento, a parte contrária é notificada para contestar, podendo na contestação impugnar a validade do acto, com qualquer fundamento de nulidade ou de anulabilidade da lei substantiva ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo, estando a contestação limitada aos factos atinentes à validade formal ou material do acto de cessão ou de transmissão, ou à circunstância de ele apenas visar dificultar a posição do contestante na causa principal, nos termos do artigo 356º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil.

2–A admissibilidade da habilitação do adquirente depende da verificação dos seguintes pressupostos: pendência de uma acção; existência de uma coisa ou de um direito litigioso; transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da acção, por acto entre vivos e conhecimento da transmissão durante a acção.

3–Ainda que não seja deduzida contestação no incidente de habilitação de cessionário, o juiz terá sempre de apreciar se a transmissão é válida, quer em relação ao objecto, quer em relação à qualidade das pessoas que nela intervieram, analisando se foi feita a prova legalmente exigida do acto fundante da cessão.

4–O ónus da prova dos factos tendentes a demonstrar a existência do contrato de cessão e o seu objecto relevante recai sobre o requerente, sendo que a prova do contrato de cessão é documental, não tendo, contudo, de expressar o exacto montante da obrigação ao tempo da transmissão, mas devendo identificar o crédito a fim de se conhecer o objecto da cessão.


Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


I–RELATÓRIO


A (BANCO SANTANDER TOTTA,S.A.) apresentou requerimento executivo, com data de 28 de Janeiro de 2010, que deu origem aos autos de execução n.º 134/10.3TBCTX, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Execução de Loures – J3 para pagamento de quantia certa contra B ( Jorge ......), C ( Elias ......), e D ( Maria ......) com base em título executivo constituído por dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança n.ºs 4......50 e 4......40, outorgados em 4 de Dezembro de 2003, entre a exequente e os executados, através dos quais lhes mutuou as quantias de 150 000,00 € e 49 279,00 €, que estes se obrigaram a restituir, o capital e juros, de acordo com o estipulado em tais contratos; os executados deixaram de cumprir as suas obrigações, tendo os contratos sido denunciados em 8 de Maio de 2009, correspondendo a quantia exequenda ao total de 187 798,89 € (capital de 143 896,75 € e valor dependente cálculo aritmético de 43 902,14 €).

O exequente indicou à penhora o prédio urbano descrito sob o n.º 1..., freguesia de A..... C....., Conservatória do Registo Predial de A_____, inscrito na matriz sob o artigo 3... (cf. Ref. Elect. 404370 dos autos de execução).

Em 17 de Novembro de 2015, o exequente deduziu requerimento de intervenção principal provocada contra Fábio ...... e Francisco ......, menor, em representação de Cristina ......, falecida em 30 de Julho de 2007, com quem aquele outorgou também os contratos de mútuo que constituem o título executivo no processo de execução, referindo que a intervenção da Cristina ......, ou dos seus herdeiros, se justificava por esta ser co-titular do prédio hipotecado que assegura o pagamento do mútuo, pelo que requereu a intervenção dos identificados Fábio ...... e Francisco ......, enquanto herdeiros daquela, pretendendo que a execução passasse a prosseguir também contra estes (cf. Ref. Elect. 126211365 dos autos de execução.

Em 7 de Janeiro de 2019, o exequente A. apresentou nos autos de execução o seguinte requerimento (cf. Ref. Elect. 7822424 dos autos de execução):
A., exequente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do despacho com a referência n.º 139002169, vem, mui respeitosamente, requerer a V. Exa. a desistência do incidente de intervenção principal provocada de Fábio ...... e Francisco ...... por si requerido.

Assim, requer a V. Exa. se digne homologar a desistência.”

Em 14 de Maio de 2019 foi proferida a seguinte decisão nos autos de execução (cf. Ref. Elect. 141145371 dos autos de execução):
“Requerimento de 07-01-2019 apresentado pelo exequente:
Nos termos do art. 283º, n.º 1 do Código de Processo Civil, o autor, pode, em qualquer altura do processo desistir de todo o pedido, ou de parte dele, extinguindo-se dessa forma o direito que se pretendia fazer valer (art. 285º, n.º 1 do Código de Processo Civil), dada a qualidade do interveniente e a disponibilidade do direito peticionado, julgo válida a desistência do pedido, nos termos dos artigos 283º, n.º 1, 285º, n.º 1, 286º, n.º 2, 287º 289º, n.º 1 a contrario sensu e 290º, todos do Código de Processo Civil.
Custas do incidente a cargo da exequente (artigo 537º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.”

Em 11 de Março de 2019, E deduziu, por apenso aos autos de execução acima identificados, o presente incidente de habilitação de cessionário, alegando que por escritura de cessão de créditos outorgada no dia 13 de Dezembro de 2017, o exequente, A., lhe cedeu os créditos que detinha sobre os requeridos e todas as garantias e acessórios, incluindo hipotecas, tendo procedido já ao registo das hipotecas a seu favor, pelo que requereu a sua habilitação, nos termos dos art.ºs 353º e 263º do Código de Processo Civil[1], para prosseguir os presentes autos, em substituição do Banco, requerendo a notificação dos requeridos para contestar (cf. Ref. Elect. 8083147).

Os requeridos foram notificados para contestar não tendo deduzido oposição (cf. Ref. Elect. 141241413, 141241417, 141241418, 141241419).
Em 10 de Fevereiro de 2020 foi proferida a seguinte decisão (cf. Ref. Elect. 143888681):
“Compulsados os autos principais, constata-se que a instância executiva se encontra extinta, por decisão judicial proferida em 17.05.2019.
A extinção da acção principal tem como consequência directa a inutilidade do presente incidente de habilitação, na medida em que este pressupunha a existência de uma acção pendente (cfr. artigo 292.º e 356.º, n.º 1 do Código de Processo Civil).
Assim, face ao exposto, julga-se extinto o presente incidente de habilitação por inutilidade superveniente artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil.
Custas pela requerente.
Registe e Notifique.”

Em 11 de Março de 2020, a requerente E. dirigiu um requerimento aos autos solicitando a rectificação da decisão proferida em 10 de Fevereiro de 2020, nos termos dos art.ºs 613º, n.º 2 e 614º do CPC, considerando que o seu conteúdo resultou de um lapso manifesto, porquanto o que existiu no processo de execução foi um despacho de extinção do incidente de intervenção principal provocada, não existindo qualquer despacho de extinção da instância executiva proferido em 17 de Maio de 2019 (cf. Ref. Elect. 9472380).

Ainda em 11 de Março de 2020, a requerente, simultaneamente, para o caso de não ser atendido o pedido de rectificação, interpôs recurso da decisão proferida em 10 de Fevereiro de 2020, cujas alegações concluiu do seguinte modo:
1.Por sentença de 10.2.2020, foi ordenada a extinção, por inutilidade superveniente da lide, do incidente de habilitação de cessionário requerido por E como cessionária do Exequente A.
2.O Tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão considerando que, “Compulsados os autos principais, constata-se que a instância executiva se encontra extinta, por decisão judicial proferida em 17.05.2019”.
3.A ora recorrente E requereu a rectificação da decisão, por resultar de um lapso manifesto e, por cautela de patrocínio, interpôs recurso da sentença de extinção do incidente de habilitação, por violação do princípio da economia processual, do disposto no artº 356º CPC e por estar em contradição com o despacho proferido nos autos principais em 14.5.2019 que homologou a desistência do incidente de intervenção provocada.
4.De facto, não existe qualquer decisão judicial proferida em 17.05.2019 nos autos principais.
5.E não existe qualquer decisão de extinção da execução correspondente aos autos principais.
6.Também não se verifica qualquer inutilidade do presente incidente de habilitação mesmo que se considere que está na dependência do processo principal.
7.Todos os requisitos de admissibilidade do incidente de habilitação estão reunidos: pendência da acção, existência de uma coisa ou de um direito litigioso e transmissão, por ato entre vivos, dessa coisa ou direito em litígio na pendência da acção.
8.Estando a execução pendente, não existe qualquer fundamento para a extinção deste incidente processual de habilitação de cessionário como Exequente.
9.O incidente de habilitação deve pois prosseguir os seus trâmites atendendo a que versa sobre a legitimidade do cessionário se substituir ao cedente na relação processual em curso.
Concluiu pugnando pela revogação da decisão recorrida com as legais consequências.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Em 21 de Março de 2020 foi proferido despacho que considerou que já tinha sido proferida decisão final no presente incidente, pelo que se encontrava esgotado o poder jurisdicional, razão pela qual não foi tomada posição sobre a pretendida rectificação (cf. Ref. Elect. 144282048).

Em 1 de Março de 2021 foi proferido despacho nos autos principais que consignou que a decisão proferida em 14 de Maio de 2019 de homologação da desistência do pedido de intervenção principal e consequente extinção da instância tem a ver com o requerimento apresentado pelo exequente em 7 de Janeiro de 2019 e com os requeridos Fábio ...... e Francisco ......, pelo que tal extinção se reporta a estes, determinando-se comunicação ao agente de execução nesse sentido (cf. Ref. Elect. 146547615 dos autos de execução).

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II–OBJECTO DO RECURSO

Nos termos dos art.ºs 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1 do CPC, é pelas conclusões do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do presente recurso, sem prejuízo das questões de que este tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso. De notar, também, que o tribunal de recurso deve desatender as conclusões que não encontrem correspondência com a motivação - cf. A. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2016, 3ª edição, pág. 95.
Assim, perante as conclusões da alegação da requerente/apelante há apenas que apreciar se se verificava a inutilidade superveniente do incidente de habilitação de cessionário por extinção da instância executiva e, assim não sucedendo, apreciar do mérito do incidente.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

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IIIFUNDAMENTAÇÃO

3.1.–FUNDAMENTOS DE FACTO
Com interesse para a decisão relevam as ocorrências processuais que se evidenciam do relatório supra e os seguintes factos que resultam dos documentos juntos aos autos com o requerimento inicial:
1. Com data de 13 de Dezembro de 2017, no Cartório Notarial sito na Avª. ..... ....., n.º ..., 1º andar ..., -L_____, a cargo da notária MR ......, a folhas ... a folhas ... do Livro de Notas para escrituras diversas número ... e ... e ..., o A, representado por MJ ...... e RA ......, como primeiro outorgante, “LIN 1”, representada por JM ......, como segunda outorgante, e E, representada por Armando ...... e Rui ......, como terceira outorgante, designada como compradora, declarou o primeiro ser titular de um conjunto de créditos, no valor nominal total de cento e vinte e cinco milhões duzentos e vinte e três mil três euros e oitenta e cinco cêntimos, identificados no documento complementar, do qual fazem parte o Anexo I – LIN 1 e Anexo 1-B LIN 1, que identificam os créditos que se cedem à sociedade “LIN 1” e o Anexo 2 – E e Anexo 2-B E, que identificam os créditos que se cedem à sociedade E estes com o valor nominal total correspondente a cinquenta e oito milhões oitocentos e dezanove mil oitocentos e quarenta e três euros e vinte e três cêntimos, fazendo ainda parte do documento complementar o Anexo 3 – Geral, no qual se descrevem todos os créditos, com a identificação dos devedores e montantes em dívida e ainda o Anexo 4, no qual estão identificados os imóveis hipotecados e vendidos em processo judicial, cujos créditos cedidos se encontram garantidos pelo produto da venda; mais declarou que os créditos se encontram garantidos, entre outras garantias, pelas hipotecas constituídas sobre os imóveis identificados no referido documento complementar, da verba um à verba quinhentos e seis e que em algumas dessas hipotecas ainda consta como sujeito activo o Banif – Banco Internacional do Funchal, S. A., não se encontrando ainda efectuado o registo de transmissão do crédito a favor do banco, cuja transmissão ocorreu por força das deliberações do Banco de Portugal, comprometendo-se o primeiro outorgante a solicitar todos os registos de transmissão em falta. Declararam os representados do primeiro outorgante que, pela presente escritura, e pelo preço de dezoito milhões novecentos e oitenta e sete mil setecentos e trinta e sete euros e setenta e um cêntimos, o Banco cede à sociedade “LIN 1”, os créditos identificados nos Anexos – Anexo 1 – LIN 1 e Anexo 1B – LIN 1, que fazem parte do referido documento complementar e que pelo preço de sete milhões duzentos e setenta e quatro mil e novecentos euros, o Banco cede à sociedade E, os créditos identificados nos Anexos – Anexo 2 – E e Anexo 2-B E, que fazem parte integrante do referido documento complementar, os quais se encontram garantidos, entre outras garantias, por hipotecas, as quais estão devidamente identificadas nas verbas quarenta e oito a cinquenta, inclusive, trezentos e vinte e três, trezentos e vinte e nove a trezentos e setenta e oito inclusive, trezentos e noventa e sete a quatrocentos e sessenta e cinco inclusive, quatrocentos e sessenta e nove a quatrocentos e oitenta e um inclusive e quatrocentos e oitenta e cinco a quinhentos e seis inclusive. Mais declararam, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 582º do Código Civil, que as cessões dos créditos importam a transmissão para os compradores de todos os acessórios dos créditos ora transmitidos, incluindo, sem limitar os juros vincendos e os juros vencidos devidos e não pagos, remuneratórios e moratórios, comissões e quaisquer outros montantes devidos pelos devedores ao Banco, nos termos dos respectivos contratos, como, nomeadamente, direitos de que o Banco seja titular ao abrigo de apólices de seguro, direitos de indemnização do Banco decorrentes dos contratos e qualquer direito de reembolso de quantias mutuadas, casos os contratos sejam considerados nulos, total ou parcialmente e que as cessões dos créditos importam também a transmissão para os compradores das garantias respeitantes aos contratos, bem como quaisquer outras garantias eventualmente constituídas para garantia dos créditos. O Banco garante a existência e a exigibilidade dos créditos ora transmitidos, mas não presta qualquer garantia, explícita ou implícita, quanto à solvência dos devedores e, consequentemente, quanto ao efectivo pagamento dos créditos cedidos. Pelos segundo e terceiro outorgantes foi dito que os compradores aceitam as presentes cessões dos créditos e garantias nos termos exarados na escritura e condições previstos no documento complementar anexo à escritura.
2.No documento complementar anexo à escritura consta, no elenco dos devedores, o seguinte: XXXII – Devedor: B e Cristina M..... - Verba 4... - o prédio urbano situado em C... C... (EN 365-2), Rua S... Q..., n.º .., freguesia de A... C..., concelho de A_____, descrito na Conservatória do Registo Predial de A_____, sob o número 1... da referida freguesia, com a aquisição de metade registada a favor de Cristina ......, pela inscrição correspondente à Ap. 12 de 2003/11/06 e da outra metade a favor do Banco Santander Totta, S. A., pela inscrição correspondente à Ap. 10 de 2014/10/24, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 3.... Hipotecas: Ap. 13 de 2003/11/06 (Banco Santander Totta, S. A.) e Ap. 14 de 2003/11/06 (Banco Santander Totta, S. A.). Outros ónus: Ap. 527 de 2011/02/15 (Penhora do Banco Santander Totta, S. A. – quanto a metade de B).
3.Conforme certidão do registo predial junta aos autos, a aquisição de metade do direito de propriedade sobre o prédio identificado em 2. mostra-se inscrita a favor de E, conforme Ap. 1589 de 2018/11/16; constam ainda os Averb. – Ap. 1850 e 1851 de 2019/02/25 às Ap. 13 e 14 de 2003/11/06 – Hipoteca voluntária, a favor de E. – Transmissão de crédito.
4.No Anexo 3 – Geral do documento complementar referido em 1. consta entre a lista de devedores, como devedor, J., e os montantes em dívida.

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3.2.–APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO

Da aplicação da lei no tempo
Conforme se retira do acima expendido, a execução a que se encontram apensos os presentes autos de incidente de habilitação de cessionário foi intentada em 28 de Janeiro de 2010.
Em 1 de Setembro de 2013 entrou em vigor o Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (cf. art. 8º deste diploma legal).
Dispõe o art. 6º, n.º 1 da Lei 41/2013, de 26 de Junho que o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo a tal lei, se aplica, com as necessárias adaptações, a todas as execuções pendentes à data da sua entrada em vigor.
Por sua vez, o n.º 4 do mencionado art.º 6º prescreve que o disposto no Código de Processo Civil de 2013, aprovado em anexo a tal lei, relativamente aos procedimentos e incidentes de natureza declarativa apenas se aplica aos que sejam deduzidos a partir da data de entrada em vigor daquela Lei 41/2013.
O presente incidente foi deduzido em 11 de Março de 2019, pelo que lhe é aplicável o regime decorrente do CPC de 2013.

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A requerente/apelante pretende ver revogada a decisão impugnada, que declarou extinto o incidente de habilitação de cessionário por inutilidade superveniente, com fundamento na alegada extinção da instância executiva, argumentando que a execução não foi declarada extinta, porquanto a extinção ocorrida foi determinada em relação ao incidente de intervenção principal que a exequente deduzira para fazer intervir na execução os herdeiros de Cristina ....., para além do que o exequente, A. nunca desistiu da instância ou do pedido executivos, sendo que se verificam todos os requisitos de admissibilidade do incidente de habilitação (pendência da acção executiva, existência de um direito litigioso e transmissão, por acto entre vivos, desse direito), pelo que lhe deve ser dado prosseguimento.

Em face do relatório supra resulta claro que o despacho proferido em 14 de Maio de 2019 (e não em 17 de Maio de 2019, como referido na decisão recorrida) teve por objecto e pronunciou-se sobre o requerimento do exequente apresentado em 7 de Janeiro de 2019, por meio do qual este desistiu do incidente de intervenção provocada de terceiros que havia deduzido, como, aliás, se consignou expressamente no intróito de tal decisão.

Por sua vez, a leitura da decisão homologatória permite constatar que, a final, foram fixadas custas do incidente e não relativamente à acção executiva, o que corrobora o entendimento que não estava em causa a extinção da instância executiva.

Acresce que, compulsado o histórico no sistema Citius dos autos de execução, não se vislumbra qualquer requerimento do exequente a solicitar a desistência da instância ou do pedido executivos, assim como não se localizou qualquer decisão judicial ou por parte do agente de execução que tenha colocado termo à acção executiva.

Como tal, importa reconhecer que a execução se encontra pendente (cf. art.ºs 259º, n.º 1 e 277º do CPC).

Um dos princípios estruturantes da lei processual civil portuguesa é o princípio da estabilidade de instância, consagrado no art.º 260º do CPC, onde se estabelece que, citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei.

Todavia, por força da normalidade da vida podem ocorrer vícios na propositura da acção, pelo que o referido normativo legal logo prescreve que o mencionado princípio sofre a ressalva da previsão legal de excepções.

Assim, quer porque aquando da propositura da acção não figuraram como demandantes ou demandados todos os sujeitos da relação material controvertida em juízo, ou nela não foram considerados os interesses de terceiros, titulares de relações jurídicas conexas com a controvertida, que levam a que as partes ou esses terceiros possam ter interesse que a relação jurídica destes seja julgada conjuntamente com aquela que se encontra em juízo (situações que serão solucionadas com recurso aos mecanismos dos incidentes da intervenção de terceiros – cf. art.ºs 261º e 311º a 341º do CPC), quer porque na pendência da causa podem ocorrer múltiplos fenómenos, como seja a morte ou a extinção de uma das partes ou a transmissão, por acto inter vivos, da coisa ou do direito em litígio (havendo lugar à substituição processual da parte (cf. art.ºs 262º, a) e 351º e seguintes do CPC), o princípio da estabilidade da instância sofre excepções ao nível do pedido e da causa de pedir (cf. art.ºs 264º e 265º do CPC) ou das partes (cf. art.ºs 261º a 263º do CPC).

Em face das ocorrências que podem ter lugar e em tendo presente os reflexos que têm, ou podem ter, no processo em curso, o legislador previu e regulou as consequências jurídicas delas decorrentes e os mecanismos processuais disponíveis para obviar a tais consequências e, bem assim, acautelar os interesses do transmitente e/ou do adquirente da coisa ou do direito em litígio.

O incidente da habilitação é o mecanismo processual que o legislador coloca à disposição das partes para em caso de morte de parte, pessoa singular, ou de extinção de parte, pessoa colectiva (seja autor ou réu), ou em caso de transmissão da coisa ou direito em litigio, colocar o sucessor na posição jurídico-processual que antes era ocupada pela parte falecida ou extinta ou para colocar o adquirente da coisa ou do direito em litígio na posição jurídico-processual que antes era ocupada pelo transmitente.

Assim, em processo civil, a habilitação tem por objectivo necessário colocar o sucessor no lugar que o falecido ou o transmitente ocupava no processo pendente, e certificar que determinada pessoa sucedeu a outra na posição jurídica em que esta se encontrava.

A habilitação consiste, pois, na prova da aquisição, por sucessão ou transmissão, da titularidade de um direito ou de um complexo de direitos ou outra situação jurídica ou complexo de situações jurídicas e, enquanto habilitação-incidente[2], implica a modificação da instância quanto às pessoas, ou seja, a substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio por sucessão ou por acto entre vivos (cf. art.º 262º, a) do CPC), o que constitui uma excepção ao princípio da estabilidade da instância, segundo a qual a instância é susceptível de se modificar quanto às pessoas, ou por via da substituição de alguma das partes na relação substantiva em litígio – cf. Salvador da Costa, Incidentes da Instância, 2ª Edição, pp. 207-208.

Ocorrida uma cessão de créditos, como ora é invocada in casu, quer o cedente quer o cessionário podem, facultativamente, deduzir incidente de habilitação, nos termos do disposto nos art.ºs 262º e 356º do CPC.

Enquanto não ocorrer a substituição do cedente pelo cessionário o transmitente continua a ter legitimidade para a causa e se nunca ocorrer a habilitação do adquirente/cessionário, a sentença produz caso julgado em relação a este, nos termos do art. 263º, n.ºs 1 e 3 do CPC.

A substituição dos sujeitos (partes) da relação jurídica substantiva não produz, de forma automática ou necessária, a modificação subjectiva da instância ou relação jurídica processual, pelo que não constitui causa autónoma de suspensão da instância, já que a parte primitiva conserva a sua legitimidade (processual) originária (anterior ao acto da transmissão) – cf. Francisco Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Volume I, 2ª Edição, 2018, pp. 520-521.

Com a dedução do incidente de habilitação do cessionário pretende-se apenas a modificação dos sujeitos na lide, pelo que os seus efeitos são de natureza meramente processual, ou seja, não comporta a discussão e decisão sobre o direito que constituiu o próprio objecto da causa.

Como se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 24-04-2019, processo n.º 4490/16.1T8GMR-A.G1:
“[…] a habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou direito em litígio por ato entre vivos, a que se reporta o art. 356º do CPC, tem natureza facultativa, dado que a transmissão da coisa ou do direito para terceiro não opera a suspensão da causa pendente, sequer nela tem quaisquer efeitos jurídicos, continuando, reafirma-se, o transmitente a ter legitimidade para a causa até ao seu termo, produzindo a sentença que venha a ser proferida no processo os seus efeitos jurídicos, incluindo o de caso julgado em relação ao terceiro adquirente da coisa ou do direito em litigio, com a já enunciada exceção prevista na parte final do n.º 3 do art. 263º do CPC.

Deste modo, enquanto a habilitação com fundamento em morte ou extinção da parte é obrigatória e daí que, inclusivamente, se confira legitimidade para promover o incidente de habilitação a qualquer parte sobreviva da causa pendente ou a qualquer sucessor da parte falecida ou extinta (n.º 1 do art. 351º do CPC), já a habilitação do adquirente ou cessionário da coisa ou do direito em litígio é facultativa, e apenas dispõem de legitimidade para deduzir o incidente de habilitação o transmitente ou cedente, o adquirente ou cessionário ou a parte contrária (n.º 2 do art. 356º).
Essas pessoas que dispõem de legitimidade para promover o incidente de habilitação do adquirente ou cessionário podem naturalmente promover ou não essa habilitação, conforme os seus interesses.

No entanto, caso não o façam, daí não decorre qualquer consequência ao normal prosseguimento da causa e para os efeitos jurídicos da sentença que nela venha a ser proferida (com a já enunciada exceção quanto ao registo).

Acresce dizer que ainda que as pessoas com legitimidade para deduzir o incidente, o deduzam e possam ter interesse na substituição processual do anterior titular da coisa ou do direito em litígio (que figura na causa) pelo atual titular dessa coisa ou direito, esse seu interesse pode vir a ser desconsiderado, no confronto com os interesses da parte contrária que figura no processo, isto é, “quem na lide está em posição contrária ao cedente ou transmitente ou ao adquirente ou cessionário””

Em face do disposto no art.º 356º, n.º 1, a) do CPC, apresentado o requerimento de habilitação, a parte contrária é notificada para contestar; na contestação pode o notificado impugnar a validade do acto, com qualquer fundamento de nulidade ou de anulabilidade da lei substantiva ou alegar que a transmissão foi feita para tornar mais difícil a sua posição no processo, pelo que a contestação neste incidente, atento as respectivas finalidades, está “limitada ao referido núcleo de factos relativos à validade formal ou material do acto de cessão ou de transmissão, ou à circunstância de ele apenas visar a dificultação da posição do contestante na causa principal” – cf. Salvador da Costa, op. cit., pág. 242.

Em termos substantivos, a cessão de créditos encontra-se regulada nos art.ºs 577º e seguintes do Código Civil que estatui: “1. O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor. 2. A convenção pela qual se proíba ou restrinja a possibilidade da cessão não é oponível ao cessionário, salvo se este a conhecia no momento da cessão.”

O art.º 581º do Código Civil permite excepcionalmente a cessão de créditos litigiosos, designadamente, quando a cessão se fizer ao credor em cumprimento do que lhe é devido – cf. alínea c) do aludido normativo legal.

Acrescenta o n.º 1 do art.º 582º do Código Civil, relativamente à transmissão de garantias e outros acessórios, que “na falta de convenção em contrário, a cessão do crédito importa a transmissão, para o cessionário, das garantias e outros acessórios do direito transmitido, que não sejam inseparáveis da pessoa do cedente”, sendo que, no que concerne aos efeitos em relação ao devedor, o art.º 583º do mencionado diploma legal prescreve que: “1. A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite. 2. Se, porém, antes da notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão”.

Como se referiu, como excepção ao princípio da estabilidade da instância, o incidente de habilitação enquanto habilitação-incidente (em contraposição à habilitação-acção e habilitação-legitimidade), visa substituir a parte primitiva, transmitente, pelo adquirente do crédito ou bem litigioso, que tenha tido lugar na pendência da acção.

No caso sub judice, figura como exequente nos autos principais o A., provindo o crédito exequendo de dois contratos de mútuo com hipoteca e fiança celebrados entre aqueles e os executados, que por estes foram incumpridos, correspondendo a quantia exequenda ao capital em dívida e juros devidos.

Alega a habilitanda/recorrente que por escritura de cessão de créditos outorgada no dia 13 de Dezembro de 2017, no cartório notarial sito na Avª. ... ..., n.º ...., 1º andar ..., L_____, a cargo da notária MR....., a folhas ... a folhas ... do Livro de Notas para escrituras diversas número ... e ... e ..., o A. lhe cedeu os créditos que detinha sobre os executados, aqui requeridos/recorridos, e todas as garantias e acessórios inerentes, incluindo as hipotecas, tendo procedido à junção do documento que corporiza a invocada escritura pública e, bem assim, certidão do registo predical comprovativa do registo da hipoteca a seu favor.

Notificada a parte contrária para contestar, não foi deduzida qualquer oposição.

O tribunal recorrido absteve-se de apreciar o mérito do incidente e declarou a extinção da instância incidental por inutilidade superveniente da lide, louvando-se na invocada extinção da acção executiva, relativamente à qual a requerente pretendia passar a figurar como exequente ocupando a posição do cedente do direito exequendo.

Em consonância com o acima expendido, demonstrado está que não se verificou qualquer desistência por parte do exequente da instância executiva ou do pedido executivo, nem esta foi declarada extinta por qualquer outro motivo, encontrando-se, pois, pendente.
Importa ter presente que a admissibilidade da habilitação do adquirente depende da verificação dos seguintes pressupostos: pendência de uma acção; existência de uma coisa ou de um direito litigioso; transmissão da coisa ou direito litigioso na pendência da acção, por acto entre vivos e conhecimento da transmissão durante a acção – cf. A. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 413; neste sentido, cf. acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 21-06-2018, processo n.º 7153/15.1T8GMR-B.G1; do Tribunal da Relação de Coimbra de 9-05-2017, processo n.º 1062/14.9TBPBL-B.C1 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 2-12-2015, processo n.º 691/11.7TYLSB-C.L1-2.

Ora, a decisão impugnada enveredou pela extinção do incidente de habilitação de adquirente por entender que não se mostrava o primeiro requisito, ou seja, a pendência da execução. Com efeito, extinta que se mostre a instância na causa principal tem-se por inadmissível o incidente de habilitação do cessionário, pois nessa circunstância não faz qualquer sentido falar-se em modificação subjectiva da instância – cf. Salvador da Costa, op. cit., pág. 242.

Verificando-se que assim não é, impõe-se, como é evidente, revogar a decisão recorrida, porquanto o motivo invocado não tem correspondência com a realidade emergente dos autos, devendo o incidente prosseguir com a apreciação do mérito do incidente, o que cumpre a esta Relação apreciar, nos termos do art.º 665º, n.º 2 do CPC.

Pendente a execução, e prosseguindo esta os seus normais termos, a questão a dirimir é então a de apurar se o crédito em execução foi efectivamente objecto de cedência/transmissão operada pelo contrato de cessão de créditos celebrado em 13 de Dezembro de 2017, tendo como outorgantes, entre outros, a ora requerente/recorrente Pinpropco, Lda. (cessionária) e o A. (cedente).

Já acima se referiu que o juiz apenas poderá julgar improcedente a habilitação com um ou ambos dos fundamentos supra indicados (a invalidade do acto ou o ter a transmissão tido lugar para tornar mais difícil a posição do requerido no processo).

No caso em apreço, os requeridos foram notificados e não vieram contestar, não tendo suscitado seja a invalidade do acto, seja que a transmissão foi feita para agravar a sua posição de parte, sendo certo que esta última questão não é passível de conhecimento oficioso – cf. A. Abrantes Geraldes et al, op. cit., pág. 413.

De todo o modo, o tribunal está obrigado a conhecer oficiosamente dos fundamentos de nulidade do acto de transmissão, mas não lhe é permitido o conhecimento ex officio dos fundamentos de anulabilidade (cf. art.º 287º, n.º 1 do Código Civil) ou se esse acto foi praticado com o propósito malicioso de dificultar a posição processual da parte contrária, fundamentos esses que carecem de ser arguidos pelo interessado para que o tribunal deles possa conhecer – cf. art.º 356º, n.º 1, a) e b), parte final, do CPC; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 23-04-2020, processo n.º 5239/16.4T8GMR-A.G1.

Assim, o que não pode é o juiz abster-se de apreciar se a transmissão é válida, quer em relação ao objecto, quer em relação à qualidade das pessoas que nela intervieram, apreciando se foi feita a prova legalmente exigida do acto fundante da cessão – cf. Prof. José Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 3º, Coimbra 1946, pág. 78; A. Abrantes Geraldes et al, op. cit., pág. 413; cf. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-12-2019, processo n.º 2454/12.3T2SNT-B.L1-2.

A eficácia da transmissão depende da sua validade face às normas de direito substantivo, sendo que o art.º 577º, n.º 1 do Código Civil estabelece o princípio geral da cedibilidade dos créditos, independentemente do consentimento do devedor (não são cedíveis créditos relativamente aos quais exista proibição legal absoluta ou relativa [em função dos intervenientes ou pela natureza do vínculo - créditos de personalidade, créditos intuitu personae, créditos acessórios, situações inexigíveis]).

A cessão do direito de crédito não está sujeita a formalidades especiais, podendo fazer-se por termo no processo, como decorre do disposto no art.º 356º, n.º 1, a) do CPC, salvo no caso do art.º 578º, n.º 2 do Código Civil, ou seja, quanto esteja em causa a cessão de créditos hipotecários, que deve constar de escritura pública ou de documento autenticado[3].

Incumbe ao requerente o ónus da prova dos factos tendentes a demonstrar a existência do contrato de cessão e o seu objecto relevante. “A prova do contrato de cessão é documental e pode consistir - um título escrito) que prove a cessão (seja o contrato escrito de cessão, seja outro título/declaração de aquisição ou cessão, seja o termo de cessão lavrado no processo) – não tendo de expressar o exato montante da obrigação ao tempo da transmissão, mas devendo identificar o crédito de molde a permitir saber qual o objecto da cessão” – cf. A. Abrantes Geraldes et al, op. cit., pág. 413; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-03-2021, processo n.º 7428/12.1TCLRS-C.L1-6.

Ora, no caso, a requerente juntou a escritura pública mencionada no ponto 1. dos factos provados que, para além de cumprir a exigência de forma legal decorrente do disposto n.º 2 do art. 578º do Código Civil, demonstra, de forma clara e cabal, que foi celebrada entre as partes (a cedente/exequente A.) e a cessionária, aqui recorrente, um contrato de cessão de crédito, resultando do respectivo documento complementar mencionado no ponto 2. que essa cessão teve por objecto os créditos em causa nos autos principais – como resulta das menções efectuadas nos documentos juntos.

Tal alegação, aliás, mostra-se ainda corroborada pelas inscrições no registo predial, pois que, tendo o facto “cessão de crédito” sido inscrito no registo, decorre das respectivas certidões que tal facto se mostra inscrito por referência ao bem imóvel hipotecado para garantia do crédito do exequente e que foi indicado à penhora na execução.

Em consonância, cabendo ao Tribunal verificar se a transmissão ou cessão é válida, ou seja, se foi junta a prova documental legalmente exigida do acto determinante da cessão e se essa cessão abrange o crédito que a cedente detém sobre o devedor, in casu, compulsados os documentos juntos aos autos, é possível concluir que deles decorre a necessária prova de que assim é.

Note-se, ademais, que a jurisprudência tem vindo a admitir que a apresentação parcial do documento complementar, atento o elevado número de registos de créditos cedidos que por norma tem lugar nessas situações.

Daí que, além da demonstração por referência ao devedor em causa na habilitação, o requerente/habilitando tem de provar a existência e validade (formal e substantiva) dos termos do acordo que, no caso, é a fonte do seu direito (no caso concreto, o contrato de cessão de créditos hipotecário celebrado por escritura pública junto aos autos), não sendo necessário que identifique o montante exacto do crédito cedido (e que no documento complementar esse valor seja mencionado), havendo apenas que identificar o crédito em termos de os interessados saberem qual o objecto da cessão, pelo que a cessão é válida, podendo dar lugar a habilitação do cessionário em processo executivo, mesmo sem indicação exacta daquele montante, que pode ser objecto de discussão como o podia ser entre o cedente e o devedor – cf. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8-02-2021, processo n.º 3248/12.1YYPRT-C.P1.

Atente-se que face à junção da referida prova documental, os requeridos não deduziram qualquer impugnação quanto ao respectivo teor e, consequentemente, quanto ao alegado pela requerente cessionária no requerimento inicial, isto é, que contratos mencionados no documento complementar e relativo à verba n.º 499 são os que estão na origem do crédito exequendo e, como tal, este se encontra abrangido pelo contrato de cessão de créditos celebrado entre a exequente e a requerente da habilitação.

Acresce que não foi suscitado qualquer vício susceptível de inquinar a validade substantiva da cessão de créditos.

Conclui-se, assim, pela procedência do incidente de habilitação, considerando-se demonstrada a validade formal e substancial da cessão de créditos, devendo a adquirente ser habilitada a intervir nos autos principais ocupando a posição da ali exequente.

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Das Custas
De acordo com o disposto no art. 527º, n.º 1 do CPC, a decisão que julgue a acção ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito. O n.º 2 acrescenta que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Nos termos do art. 1º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais, considera-se processo autónomo para efeitos de custas, cada recurso, desde que origine tributação própria.

Dado que os requeridos não influenciaram a decisão recorrida nem a decisão deste recurso, não podem ser considerados vencidos para os efeitos previstos no art. 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Por sua vez, quem do recurso tirou proveito e, por isso, seria responsável pelo pagamento das respectivas custas, seria a recorrente.

No entanto, estando paga a taxa de justiça devida pela interposição do recurso porque a recorrente procedeu ao seu pagamento (cf. Ref. Elect. 9472380) e ninguém contra-alegou, e como o recurso não envolveu a realização de despesas (encargos), não há lugar ao pagamento de custas (cf. art. 529º, n.º 4 do CPC).

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IV–DECISÃO

Pelo exposto, acordam as juízas desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa, em:
a)-julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão recorrida que declarou extinta a instância incidental por inutilidade superveniente da lide;
b)-julgar procedente o incidente de habilitação de cessionário e declarar a requerente E habilitada a intervir nos autos de execução n.º 134/10.3TBCTX, que correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte - Juízo de Execução de Loures – J3, como cessionária da posição do exequente, A.
Sem custas.
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Lisboa, 7 de Dezembro de 2021[4]



Micaela Marisa da Silva Sousa
Cristina Silva Maximiano
Amélia Alves Ribeiro



[1]Adiante designado pela sigla CPC.
[2]A habilitação pode surgir como requisito de legitimidade, como objecto de um processo autónomo ou como incidente relacionado com determinada acção ou incidente, ou seja, neste último caso como incidente de uma dada acção (ou outro incidente) já pendente, face ao óbito ou à extinção de uma das partes, em ordem a colocar os respectivos sucessores na mesma posição do falecido ou entidade extinta para com eles prosseguir a acção (cf. art.ºs 351º e seguintes do CPC).
[3]Sendo que, no caso, não sendo a cessionária uma instituição de crédito, sociedade financeira ou uma sociedade de titularização de créditos, como a própria deu conta no requerimento de 21 de Setembro de 2020 dos autos de execução (Ref. Elect. 10032492), não se aplica o disposto no regime simplificado para a cessão de créditos em massa aprovado pelo DL n.º 42/2019, de 28 de Março.
[4]Acórdão assinado digitalmente – cf. certificados apostos no canto superior esquerdo da primeira página.