Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
497/15.4T8PDL.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
ACIDENTE DE TRABALHO
IMPOSSIBILIDADE ABSOLUTA
OBJECTO DO CONTRATO
MODIFICAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: I- A caducidade do contrato de trabalho pode decorrer da
impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do trabalhador prestar trabalho (art.os 340.º e 343.º, alínea b) do CT de 2009).
II- A impossibilidade é superveniente sempre que se verificar depois de celebrado o contrato de trabalho; é absoluta, em regra, quando o trabalhador não possa prestar o trabalho a que se obrigou segundo a sua categoria profissional, atendendo à imodificabilidade do objecto do contrato decorrente do princípio geral das obrigações pacta sunt servanda (art.º 406.º, n.º 1 do CC); e é definitiva, sempre que o facto que a determinou seja previsivelmente irreversível.
III- Porém, radicando a impossibilidade do trabalhador prestar trabalho num acidente de trabalho, o objecto do contrato pode modificar-se contra a vontade do empregador na medida em que a lei lhe impõe o dever de assegurar àquele ocupação em funções compatíveis com a sua desvalorização (art.os 284.º, n.º 8 do CT de 2009 e 161.º, n.º 1 da AT de 2009).
IV- Verifica-se a impossibilidade absoluta do trabalhador prestar trabalho e por isso o empregador não está obrigado a ocupá-lo se o mesmo for pedreiro, sofreu um acidente de trabalho do qual resultou incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual e a empresa apenas dispõe de lugares correspondentes a escriturário, técnico de construção civil, engenheiro, orçamentista, medidor / preparador, encarregado geral, arvorado e, também, pedreiro e servente, naqueles casos porque o trabalhador não dispõe das capacidades técnico-profissionais necessárias para exercer essas funções e, nestoutros, porque correspondem, no essencial, às funções que já não pode fisicamente exercer.
V- Compete à empregadora o ónus de alegar e provar a inexistência na empresa de posto de trabalho compatível com a incapacidade do trabalhador (art.º 342.º, n.º 1 do CC).
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I- Relatório:


AA intentou a presente acção declarativa, com processo comum, contra BB, Ld.ª, pedindo a declaração da ilicitude do despedimento e a condenação da ré no pagamento de uma indemnização no valor equivalente a 30 dias de retribuição base por cada ano completo ou sua fracção, das retribuições intercalares, vencidas desde a data do despedimento, assim como de uma indemnização por danos não patrimoniais, com acréscimo dos juros de mora.

Para tanto, alegou o autor e ora recorrente, em síntese, que:

-em 15 de Setembro de 2006, foi contratado pela ré para, sob as ordens, direcção e fiscalização desta última, desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de 'pedreiro', mediante uma retribuição mensal;
-no dia 4 de Janeiro de 2012, sofreu um acidente no exercício de funções, ficando, após a alta clínica, a padecer de uma incapacidade permanente parcial (IPP)  de 12%, com incapacidade absoluta para o trabalho habitual (IPATH);
-em 31 de Maio de 2014, a ré comunicou por escrito a caducidade do seu contrato, alegando a impossibilidade de o mesmo continuar a prestar serviço (dado o seu estado clínico);
-mas o contrato só caduca por estas razões se o trabalhador está impossibilitado de exercer todas as actividades incluídas na sua categoria profissional, independentemente da tarefa específica que desempenhe, o que, neste caso, não sucedeu;
-nestas circunstâncias, a ré, invocando ilegitimamente a caducidade do contrato, despediu-o de forma ilícita, o que o deixou deprimido e angustiado.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Na sequência da notificação para esse efeito, a ré contestou, por impugnação e por excepção, pedindo a improcedência da acção, com a sua absolvição do pedido e a condenação do autor como litigante de má fé, alegando, em resumo, que:
-naquela parte, aceitando que entre ambas vigorou aquele contrato de trabalho e que o mesmo cessou, mas por denúncia, tendo-o cumprido e por ela sido pago até ao decurso do prazo do anunciado aviso prévio;
-nesta, invocou a peremptória da caducidade do contrato de trabalho, alegando, por um lado que, com excepção dos ocorridos em Janeiro e Fevereiro de 2008, relativamente aos demais factos alegados decorreu o prazo de caducidade da sua invocação, que é de 30 dias após o seu conhecimento e, por outro, caso fosse considerada a tese do autor, caducara o seu direito de acção por entretanto ter decorrido mais de um ano entre as datas da cessação do contrato (14-04-2010) e da citação da ré para a acção (10-02-2010).

O autor respondeu à contestação, sustentando tese oposta à nela subscrita pela ré acerca da matéria das excepções nela invocadas.

Foi lavrado despacho saneador, dispensada a condensação da matéria de facto controvertida e admitida a prova arrolada pelas partes.

Realizada a audiência de julgamento, foi em seguida proferida sentença, na qual o Mm.º Juiz julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido.

Inconformado, o autor interpôs recurso, pedindo que a sentença proferida seja revogada e substituída por outra que declare a ilicitude do seu despedimento pela ré, culminando as alegações com as seguintes conclusões:
(…)

Contra-alegou a ré, pedindo a improcedência do recurso e ar manutenção da sentença recorrida, concluindo assim as respectivas alegações:
(…)

Tendo os autos ido com vista ao Ministério Público, nos termos do art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho, a Exm.ª Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta foi do seguinte parecer:
(…)

O recorrente respondeu ao parecer do Ministério Público, no essencial reafirmando o que antes já dissera.

Colhidos os vistos,[1] cumpre agora apreciar o mérito do recurso, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[2] Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas se coloca, importa saber se:
• tendo o autor sofrido um acidente de trabalho em virtude do qual ficou a padecer de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual poderia ser reconvertido para o exercício de outra função na empresa.
***

II - Fundamentos.

1. Factos julgados provados:

1. A partir de 15 de Setembro de 2006, vigorou um acordo ajustado entre AA e BB, Ld.ª, ao abrigo do qual o primeiro, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização da segunda, prestava as funções inerentes à categoria profissional de 'pedreiro B':execução de alvenarias de tijolo, pedra ou blocos,  assentamento de mosaicos, manilhas, tubos ou cantarias, construção de muros e paredes, assentamento de blocos de cimento, colocação na betoneira de materiais de construção (areia, cimento, brita, água), enchimento das vigas, pilares, lajes e escadas com betão, rasgamento de paredes e chão, com uso de um escopro e martelo, para passagem de tubagens, fixação de caixas eléctricas nas paredes, reboco de paredes (com cimento e massames de Betão),   execução   de   betonilhas,   assentamento   de   telhas, descarregamento de materiais a partir de camiões (brita, pedra, areia, sacos de cimento), execução de cofragens com madeiras.
2. Para a realização destas tarefas, o Autor tinha de andar sobre pisos 'irregulares', carregar pesos, através de andaimes e escadas 'de mão', assim como baixar-se e mover-se de forma 'flexível'.
3. À data de 4 de Janeiro de 2012, o Autor auferia, a título de retribuição base, a quantia mensal de € 610,00, com acréscimo de € 88,00 mensais, a título de subsídio de alimentação.
4. No dia 4 de Janeiro de 2012, o Autor sofreu no seu corpo um conjunto de 'lesões', com consequentes 'sequelas', já qualificadas no Processo n.º 155/13.4TTPDL, tramitado neste Tribunal (e Secção), mediante sentença já transitada em julgado, como 'acidente de trabalho'.
5. Segundo a mesma decisão judicial, mencionada no número anterior, o Autor submeteu-se a um período de incapacidade temporária absoluta (ITA), de 4 de Janeiro de 2012 a 13 de Agosto de 2013, ficando a padecer de uma incapacidade permanente parcial (IPP) com o coeficiente de 12%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH), com alta clínica / consolidação das 'lesões' na segunda data acima indicada.
6. Na sequência da alta clínica, ocorrida em 13 de Agosto de 2013, o Autor, ainda neste mês (em datas não concretamente determinadas), voltou à execução das suas funções ao serviço da ré, durante um período de três dias.
7. Durante este período, o Autor, ao serviço da ré, nos termos definidos em 1), procedeu, pelo menos, a: carregamento de blocos e sacos de cimento, com subida de escadas / andaimes.
8. Ao fim deste período, o Autor dirigiu-se ao encarregado e informou-o que não conseguia executar as suas funções, nos termos descritos no número anterior, dadas as dores que sentia, por força das 'sequelas' mencionadas em 4) e 5).
9. Na sequência do descrito no número anterior, a ré dispensou o Autor do serviço, sem o desempenho de qualquer função, sem perda de retribuição, pretendendo apurar quais as 'tarefas e ocupação compatíveis com o estado do trabalhador'.
10. A ré comunicou o descrito no número anterior ao Autor.
11. O Autor manteve-se na situação descrita em 9) desde então até 31 de Maio de 2014.
12. Nos termos descritos nos três números anteriores, em 13 de Setembro de 2013, a ré solicitou à Direcção Regional do Emprego e Qualificação Profissional, tendo como referência a situação do Autor, um "parecer" / "nomeação de um perito sobre o emprego do trabalhador incapacitado em funções compatíveis com o seu estado",  mais referindo a ré,  nessa solicitação, que "é intenção (...) declarar nos termos do art.º 161° da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, a impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador”, "dado que é insustentável manter o vínculo laboral do mesmo com a presente incapacidade para a profissão habitual”.
13. Em 24 de Setembro de 2013, a Direcção Regional do Emprego e Qualificação Profissional enviou, por escrito, resposta à ré, informando que havia endereçado tal solicitação mencionada no número anterior ao IDSA (Segurança Social), por ser esta "a entidade competente na Região em matéria de verificação de incapacidades".
14. Em 24 de Outubro de 2013, a ré voltou a solicitar à Direcção Regional do Emprego e Qualificação Profissional, por escrito, o "parecer" mencionado em 12).
15. Em 11 de Novembro de 2013, o Autor esteve presente numa reunião, realizada na sede da ré, com intervenção de uma técnica da Direcção Regional do Emprego e Qualificação Profissional, Direcção de Serviços do Trabalho, assim como de um funcionário / representante da ré, onde se fez um levantamento das 'possibilidades' de colocar o Autor a desempenhar outras tarefas nesta empresa.

16. Na sequência desta reunião, a técnica da Direcção de Serviços do Trabalho elaborou informação com o seguinte teor:
"Da informação recolhida na empresa podemos apenas concluir que as funções desempenhadas pelo Sr. AA são funções manuais de carácter físico, que exigem mobilidade em locais de solo irregular, esforço físico e flexibilidade corporal na execução das diversas tarefas, uma vez que tem de mover-se nos locais em obras, carregar material pesado, agachar-se, subir e descer escadas e andaimes".

17. Em 10 de Abril de 2014, a ré insistiu, junto da Direcção Regional do Emprego e Qualificação Profissional, por escrito, pelo "parecer" mencionado em 12), referindo que "até à presente data o trabalhador encontra-se dispensado do trabalho a receber todos os seus direitos a cargo, exclusivamente, pela entidade empregadora" / "é intenção (...) operar a caducidade do contrato de trabalho do referido trabalhador no prazo de 15 dias, na ausência da referida avaliação, uma vez que foram ultrapassados os prazos razoáveis para a mesma".

18. Em 23 de Maio de 2014, a Direcção Regional do Emprego e Qualificação Profissional enviou à ré um "parecer" / "informação" com o seguinte teor:
"...atendendo aos elementos de facto reunidos através da avaliação feita, perspectiva-se que o sentido do parecer seja o de concluir pela impossibilidade de ocupação de um posto de trabalho pelo AA na empresa BB, Ld.ª, ao serviço da qual ocorreu o acidente de trabalho.
Devendo, no imediato ser solicitada a intervenção da Direcção de serviços do Emprego, no sentido de serem agilizados os apoios ao trabalhador para serem encontradas soluções alternativas com vista à sua reintegração e reintegração profissional, através da definição de um plano de intervenção, cfr. n.º 3 do art.º 161.º, art.º 162.º e art.º 163.º da Lei n.º 98/2009, de 04-09.
Sem prejuízo, será sempre à requerente que caberá alegar e provar a inexistência, no seio da empresa, de posto de trabalho compatível com a incapacidade diminuída do trabalhador, por se tratar de facto constitutivo do seu direito de declarar caduco o contrato de trabalho, cfr. art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil”.

19. Em 5 de Junho de 2014, a ré enviou ao Autor, mediante carta registada com aviso de recepção, comunicação escrita com o seguinte teor:

"A BB, Ld.ª, na qualidade de entidade empregadora vem, nos termos da alínea b) do art.º 343° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, com as posteriores alterações, comunicar a V. Excia. o seguinte:
No dia 3 de Janeiro de 2012, V. Excia., enquanto trabalhador, sofreu um acidente de trabalho resultando do mesmo uma incapacidade para a sua profissão habitual.
Assim, uma vez que se verifica a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de V. Excia. prestar o seu trabalho, nos termos da alínea b) do art.º 343° do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, conjugado com o art.º 161.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, invocando-se a impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador,  comunicamos que o seu contrato cessa por caducidade nos termos supra referidos com efeitos na presente data.
Deverá dirigir-se à sede da empresa a fim de receber os créditos laborais devidos e correspondente documento do fundo de desemprego".

20. Em 13 de Junho de 2014, a ré enviou ao Autor, mediante carta registada com aviso de recepção, o "parecer" identificado em 12) e 18) e 'declaração de situação de desemprego'.
21. Em 17 de Junho de 2014, o Autor recebeu e descontou um cheque emitido pela ré, sacado sobre o Banco Santander Totta, com o n.º 8600002068, no valor de € 1010,35, por conta das retribuições e subsídios vencidos até então.
22. Em 26 de Junho de 2013, os serviços da Segurança Social haviam comunicado à ré a sobreposição de descontos do Autor, com referência ao mês de Agosto de 2009.

23. Na sequência da comunicação mencionada no número anterior, a ré procedeu aos seguintes descontos na retribuição do Autor, correspondentes a um período total de 20 dias de serviço:
a) Março de 2014: €36,12;
b) Abril de 2014: €51,61;
c) Maio de 2014:€ 124,88.

24. Em 17 de Julho de 2014, a ré enviou ao Autor uma comunicação escrita com o seguinte teor:
"De acordo com informação da Segurança Social, no mês de Agosto de 2013, houve sobreposição de descontos para a segurança social (22 dias de retribuição e 13 de ITA), pelo que somos credores de V. Excia. no valor correspondente de €371,32.
Propomos a V. Excia. um encontro de contas entre o valor que reclama em falta pela cessação do contrato de trabalho, no valor de € 165,22 e o valor que somos credores por pagamento indevido aquando da baixa por acidente de trabalho.
Deste modo, resulta da diferença entre estes valores, um crédito a favor desta entidade, no valor de € 206,10.
Assim, solicita-se a V. Excia que se dirija à sede da empresa a fim de regularizarmos esta situação".

25. Na sequência do descrito em 19), o Autor sentiu-se angustiado por não poder satisfazer os 'encargos financeiros' do seu agregado familiar.
26. O Autor, no presente, presta funções noutra empresa, não concretamente identificada, ao serviço da qual anda sobre pisos 'irregulares' e carrega pesos.
27. No período de 13 de Agosto de 2013 a 31 de Maio de 2014, a ré tinha ao serviço 19 funcionários (distribuídos da seguinte forma em concreto: 1 escriturário, 4 técnicos de construção civil, 1 engenheiro, 1 orçamentista, 1 medidor / preparador, 1 encarregado geral, 4 arvorados, 5 pedreiros e 1 servente.
Tendo presente a documentação junta ao processo, e compulsados os autos com o n.º 155/13.4TTPDL (cuja tramitação correu neste Tribunal), apura-se ainda que: - de acordo com a sentença proferida no processo acima identificado, já transitada em julgado, o Autor, como consequência do descrito em 4), sofreu fractura cominutiva do calcâneo esquerdo, com rigidez acentuada da articulação sub-astragalina do pé correspondente.

3. O direito.

3.1.1. Previamente a tudo o mais importa deixar a advertência de que a lei aplicável é o Código do Trabalho de 2009 e a Lei dos Acidentes de Trabalho de 2009, atendendo a que os factos relevantes se cristalizaram no período da sua vigência (anos de 2012 a 2014) e ao disposto nos art.os 1.º e 7.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro,[3] 187.º e 188.º da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro e 2.º, n.º 2 da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro.

Posto isto, vejamos então se, tendo o autor sofrido um acidente de trabalho em virtude do qual ficou a padecer de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, poderia ser reconvertido para o exercício de outra função na empresa, como pretende o recorrente, assim impedindo a caducidade do contrato de trabalho que mantinha com a recorrida.

Dispõe o art.º 343.º do Código do Trabalho que "o contrato de trabalho caduca nos termos gerais, nomeadamente: b) Por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva, de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de o empregador o receber".

Por sua vez, diz o art.º 284.º, n.º 8 do mesmo diploma que "o empregador deve assegurar a trabalhador afectado de lesão provocada por acidente de trabalho ou doença profissional que reduza a sua capacidade de trabalho ou de ganho a ocupação em funções compatíveis".[4]

Finalmente, estabelece o art.º 161.º, n.º 1 da Lei dos Acidentes de Trabalho de 2009 que "quando o empregador declare a impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador, a situação deve ser avaliada e confirmada pelo serviço público competente na área do emprego e formação profissional nos termos previstos no presente capítulo".

São, pois, três os requisitos legais para que possa operar a caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade de o trabalhador cumprir a sua prestação de trabalho: ser superveniente, absoluta e definitiva. Neste particular, portanto, a impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva do cumprimento do contrato funciona no direito laboral tal qual no civil comum (nos termos a que aludem os art.os 790.º, 791.º e 793.º do Código Civil).[5]

No caso, não se suscitam dúvidas relevantes acerca da verificação do primeiro e terceiro daqueles requisitos da impossibilidade de cumprimento do contrato por parte do recorrente.

De todo o modo, diremos que a impossibilidade do trabalhador prestar o seu trabalho é superveniente sempre resulte de facto posterior à celebração do contrato de trabalho e é definitiva na medida em que não seja meramente temporária mas previsivelmente irreversível.[6]

Ora, o recorrente começou a trabalhar por conta da recorrida em 15-09-2010 e sofreu o acidente de trabalho em 04-01-2012, pelo que daí se conclui a superveniência do facto. Por outro lado, teve alta clínica em 13-08-2013, tendo ficado afectado de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, o que significa que se não prevê, segundo os dados da ciência médica contemporânea, ser possível reverter o seu estado clínico, daí decorrendo a definitividade do facto.

Porém, como bem referiu o Mm.º Juiz a quo, poder-se-ia colocar dificuldades acerca do segundo requisito de operatividade da caducidade, ou seja, do carácter absoluto da impossibilidade do recorrente prestar trabalho para a recorrida.

Ora, o contrato de trabalho é, quanto ao trabalhador, intuitu personæ, pelo que a impossibilidade absoluta dele prestar trabalho significa que não pode efectuar a prestação a que está obrigado (não bastando para isso uma mera dificultas praestandi).[7] E isso tem que ser visto em função da categoria profissional que lhe competir no seio da empresa, pois que, como nos demais contratos, o objecto do contrato de trabalho não pode ser modificado sem o acordo de ambas as partes:[8] se a capacidade residual lhe permitir prestar tarefas no âmbito da sua categoria profissional, não há razões para a caducidade operar mas já assim será se tal lhe não for possível.[9] A explicação disso é adiantada por Pedro Romano Martinez: "Como a impossibilidade absoluta se tem de reportar às actividades contratualmente devidas, caso o trabalhador não se encontre em condições de as executar, o contrato caduca, pois não há um dever genérico de o empregador modificar o objecto negocial em função das limitações do trabalhador".[10] Na mesma linha, doutrina Maria do Rosário Palma Ramalho, em aberta crítica à interpretação restritiva que na matéria é feita pela jurisprudência: "… se o trabalhador foi contratado para um posto de trabalho determinado e deixa de poder desempenhar a função correspondente, o contrato perde a sua razão de ser e deverá caducar".[11] Nesta onda navega ainda Pedro Furtado Martins, de acordo com o qual "a verificação da caducidade do contrato de trabalho por impossibilidade para prestar o trabalho deponde da prévia delimitação da prestação laboral cuja viabilidade de execução se discute. Não está em causa saber se o trabalhador tem capacidade para desempenhar uma qualquer actividade profissional por conta de outrem. mas sim determinar se lhe é possível realizar a prestação contratual a que se obrigou. A impossibilidade de execução da prestação laborai reporta-se, pois. à actividade contratualmente devida, àquele conjunto de tarefas ou género de trabalho que é delimitado através da categoria profissional. O que importa é saber se o trabalhador se encontra em condições de executar a prestação a que se obrigou, tal como ela é definida através da categoria profissional, e não outra que se encontra fora do programa contratual e cuja execução pressupõe a alteração desse programa, ou seja. uma modificação do contrato de trabalho. Noutra formulação, dir-se-á que o que interessa é determinar se o vínculo laboral, na sua concreta configuração, é ainda viável, o que depende da possibilidade de o trabalhador prestar a actividade inerente à respectiva categoria profissional, única que é objecto do seu contrato, e não da simples circunstância de ele ser considerado, em termos gerais, apto para o exercício de uma qualquer actividade profissional".[12] Por fim, por este caminho também seguiu esta Relação de Lisboa, ao decidir, em acórdão de 27-05-2015, que "a impossibilidade absoluta há-de reportar-se às funções compreendidas na categoria profissional detida pela trabalhadora, não estando a entidade patronal obrigada a reclassificá-la, uma vez que tal implicava a alteração do objecto contratual que só pode ocorrer com o acordo de ambas as partes".[13]

Que dizer face a isto? Ora bem, no que concerne aos factos que em geral possam causar a impossibilidade absoluta do trabalhador prestar trabalho, parece-nos inquestionável que ao empregador não pode ser imposta a modificabilidade do contrato de trabalho; porém, já quando a causa radique em acidente de trabalho, a solução aprece-nos ser diferente.

Com efeito, vimos atrás que o art.º 284.º, n.º 8 do Código do Trabalho estabelece que "o empregador deve assegurar a trabalhador afectado de lesão provocada por acidente de trabalho ou doença profissional que reduza a sua capacidade de trabalho ou de ganho a ocupação em funções compatíveis".[14] E o art.º 161.º, n.º 1 da Lei dos Acidentes de Trabalho de 2009 que "quando o empregador declare a impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador, a situação deve ser avaliada e confirmada pelo serviço público competente na área do emprego e formação profissional nos termos previstos no presente capítulo".

Face a isto impõe-se concluir, com Pedro Furtado Martins, que "verificada a impossibilidade definitiva para realizar o trabalho devido, a cessação do vínculo laboral dai resultante só será evitada se se entender que o empregador está obrigado a propor a modificação da categoria, sob pena de não poder invocar a caducidade do contrato de trabalho. Ora, a verdade é que no nosso ordenamento uma tal obrigação tem carácter excepcional, só existindo quando for expressamente prevista. É o que sucede em matéria de acidentes de trabalho e nas situações de despedimento por inadaptação do trabalhador".[15]

Baixando agora ao caso concreto, vimos que o recorrente "prestava as funções inerentes à categoria profissional de 'pedreiro B': execução de alvenarias de tijolo, pedra ou blocos, assentamento de mosaicos, manilhas, tubos ou cantarias, construção de muros e paredes, assentamento de blocos de cimento, colocação na betoneira de materiais de construção (areia, cimento, brita, água), enchimento das vigas, pilares, lajes e escadas com betão, rasgamento de paredes e chão, com uso de um escopro e martelo, para passagem de tubagens, fixação de caixas eléctricas nas paredes, reboco de paredes (com cimento e massames de Betão), execução de betonilhas, assentamento de telhas, descarregamento de materiais a partir de camiões (brita, pedra, areia, sacos de cimento), execução de cofragens com madeiras. 2. Para a realização destas tarefas, o Autor tinha de andar sobre pisos 'irregulares', carregar pesos, através de andaimes e escadas 'de mão', assim como baixar-se e mover-se de forma 'flexível'" e que após ter tido alta do acidente de trabalho que sofreu quando prestava o seu trabalho para a recorrida se apresentou à mesma para reiniciar a sua prestação e fê-lo durante o período de três dias, após o que, "dirigiu-se ao encarregado e informou-o que não conseguia executar as suas funções, nos termos descritos no número anterior, dadas as dores que sentia, por força das sequelas [dele] resultantes". Na sequência disso, "a ré dispensou o autor do serviço, sem o desempenho de qualquer função, sem perda de retribuição, pretendendo apurar quais as 'tarefas e ocupação compatíveis com o estado do trabalhador'" o qual "manteve-se na situação descrita … desde então até 31 de Maio de 2014".

Por outro lado, "em 13 de Setembro de 2013, a ré solicitou à Direcção Regional do Emprego e Qualificação Profissional, tendo como referência a situação do autor, um "parecer" / "nomeação de um perito sobre o emprego do trabalhador incapacitado em funções compatíveis com o seu estado" referindo ainda que "é intenção (...) declarar (…) a impossibilidade de assegurar ocupação e função compatível com o estado do trabalhador". E o certo é que, em 23 de Maio de 2014, a Direcção Regional do Emprego e Qualificação Profissional enviou à ré um parecer com o seguinte teor: "Atendendo aos elementos de facto reunidos através da avaliação feita, perspectiva-se que o sentido do parecer seja o de concluir pela impossibilidade de ocupação de um posto de trabalho pelo AA na empresa BB, Ld.ª, ao serviço da qual ocorreu o acidente de trabalho".

A isso acresce que a recorrida provou, como lhe competia,[16] que não dispunha então de qualquer posto de trabalho compatível com a situação do recorrente. Com efeito, resultou provado que "no período de 13 de Agosto de 2013 a 31 de Maio de 2014, a Ré tinha ao serviço 19 funcionários, distribuídos da seguinte forma em concreto: 1 escriturário, 4 técnicos de construção civil, 1 engenheiro, 1 orçamentista, 1 medidor / preparador, 1 encarregado geral, 4 arvorados, 5 pedreiros e 1 servente".

Assim sendo, se atendermos às capacidades profissionais do recorrente, afigura-se apodíctico afirmar que o recorrente apenas estaria habilitado a exercer as funções de pedreiro e de servente e não também qualquer uma das outras existentes na empresa da recorrida. Ora, para exercer as tarefas inerentes a essas funções estava o recorrente absoluta e definitivamente impossibilitado, o que nos empurra para a conclusão de que a caducidade do contrato era a única decisão passível de ser retirada dos factos provados. Daí que nenhuma censura nos mereça a sentença recorrida, que por isso deve ser confirmada.
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III - Decisão.
Termos em que se acorda julgar o recurso improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais).

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Lisboa, 13-01-2016.


António José Alves Duarte
Eduardo José Oliveira Azevedo
Maria Celina de Jesus de Nóbrega


[1]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[3]Que aprovou e determinou a aplicação do Código do Trabalho de 2009 mas ressalvou os factos integralmente passados no domínio do anterior.
[4]O que encontra eco no art.º 44.º, n.º 1 da Lei dos Acidentes de Trabalho de 2009.
[5]A este propósito, Pedro Romano Martinez Direito do Trabalho, 7.ª edição, Almedina, 2015, página 924 e, na jurisprudência, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 20-05-2009, no processo n.º 08S3258, de 25-01-2012, no processo n.º 344/07.0TTEVR.E1.S1 e de 10-07-2013, no processo n.º 101/12.2TTABT.S1, publicados em http://www.dgsi.pt. Embora, refira-se, que no direito com
[6]Pedro Romano Martinez Direito do Trabalho, 7.ª edição, Almedina, 2015, página 924 e Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, 2014, página 920.
[7]Pedro Romano Martinez Direito do Trabalho, 7.ª edição, Almedina, 2015, página 924.
[8]Art.º 406.º, n.º 1 do Código Civil.
[9]Pedro Romano Martinez Direito do Trabalho, 7.ª edição, Almedina, 2015, página 929: "Importa distinguir se as tarefas que o trabalhador, apesar de incapacitado, pode desempenhar se incluem ou não na sua categoria contratual. (…) Diferentemente, na eventualidade de a incapacidade do trabalhador abranger todas as actividades compreendidas na sua categoria, a subsistência Já relação laboral pressuporia uma alteração do objecto do contrato. Nada obsta a um acordo no sentido de se proceder a uma requalificação do trabalhador a subsistência da ar a subsistência da relação laboral, mas sobre o empregador não impende o dever de modificar o objecto do contrato em função das limitações do trabalhador".
[10]Em Direito do Trabalho, 7.ª edição, Almedina, 2015, página 930.
[11]No Tratado de Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, 2014, página 921.
[12]Em Cessação do Contrato de Trabalho. 2.ª edição, Principia, 2002, página 39 e seguintes, apud Abílio Neto, Código do Trabalho Anotado, 4.ª edição, Ediforum, Lisboa, 2013, página 752.
[13]Acórdão da Relação de Lisboa, de 27-05-2015, no processo n.º 16/14.0TTVFX.L1-4, publicado em http://www.dgsi.pt.
[14]O que encontra eco no art.º 44.º, n.º 1 da Lei dos Acidentes de Trabalho de 2009.
[15]Na ob. e loc. citados.
[16]Em consonância com o disposto no art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil. Neste sentido, vd. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 25-01-2012, no processo n.º 344/07.0TTEVR.E1.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.

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