Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
26145/20.2T8LSB.L1-2
Relator: VAZ GOMES
Descritores: ADMINISTRADOR DO CONDOMÍNIO
IMPUGNAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: IAs recentes alterações introduzidas ao art.º 1437, do CCiv, pela Lei 8/2022, de 10/1, não resolvem a questão da legitimidade processual nas acções de anulação de deliberações da Assembleia de Condóminos que está prevista no art.º 1433 e não no art.º 1437 do CCiv; das actas da AR designadamente do projecto 718/XIV/2 do PSD e das discussões seguintes nada se colhe sobre a questão em concreto da impugnação das deliberações da Assembleia de Condóminos.

IIImpõe-se uma interpretação do preceito que tenha presente as alterações que entretanto foram introduzidas e a actualização do pensamento legislativo devendo o inciso constante do n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil «a representação judiciária dos condóminos contra quem as ações são propostas» passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que «a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas)», já que o condomínio é o conjunto organizado dos condóminos.

IIISe ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art.º 1436.º, al. h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa


IRELATÓRIO


APELANTE/AUTOR: AA (advogado em causa própria)
APELADO/RÉU: CONDOMÍNIO do PRÉDIO sito na AVª. ..... Nº ... E ..._A LISBOA (citado não contestou).
Valor da acção: o indicado na petição inicial de 30.000,01 euros (despacho de 18/3/2019, de fls. 564 e ss, ref.ª 384840266)

I.1.Inconformada com a decisão de 25/6/2021 que, julgando que o interesse em contradizer a acção em que se pede a anulação de deliberações de assembleias de condóminos são os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações, só a eles pertencendo a legitimidade passiva, intervindo o senhor administrador do condomínio ou a pessoa designada pela assembleia geral para esse efeito (art.º 1433/6 do CCiv) em representação judiciária dos mesmos, consequentemente  julgou o condomínio parte ilegítima, absolvendo-o da instância, dela apelou o Autor em cujas alegações conclui, em suma:
1)A sentença é nula por falta de especificação dos fundamentos de factos nos termos da alínea b), do n.º 1, do art.º 615, do Código de Processo Civil e, por falta de fundamentação de direito, na medida em que não permite que se entenda o motivo jurídico pelo qual aderiu a uma corrente jurisprudencial e repudiou outra que é largamente maioritária, omissão que assim se invoca nos termos e para os efeitos da citada alínea b) do n.º 1 d art.º 615.[Conclusões a) a b)]
2)O Tribunal não fez como devia uma leitura do n.º 6, do art.º 1433, do CCiv, actualista e conjugada com os demais preceitos aplicáveis ao instituto jurídico da administração do condomínio, tendo, pelo contrário cingido a sua interpretação à letra da lei e descurando todos os demais elementos interpretativos, tendo violado o disposto nos art.ºs 12/e), 278/1/d, 576/2, 577/e e 578 do Código de Processo Civil e bem assim como o disposto nos art.ºs 1430/1, 1431, 1432, 1433/6, 1435, 1436/h 1437 e 1438 todos do Código Civil.[Conclusões c) a e)]
Termina pedindo seja declarada nula a sentença ou sua substituição por outra que julgue o réu parte legítima.

I.2.Não houve contra-alegações.

I.3.Nada obsta ao conhecimento do mérito do recurso.

I.4.São as seguintes as questões a dirimir:
a)-Saber se ocorre, na decisão recorrida, a nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e falta de fundamentação de direito.
b)-Saber se ocorre, na decisão recorrida, erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art.ºs 12/e), 278/1/d, 576/2, 577/e e 578 do Código de Processo Civil e bem assim como o disposto nos art.ºs 1430/1, 1431, 1432, 1433/6, 1435, 1436/h 1437 e 1438 todos do Código Civil.

II–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

É do seguinte teor a decisão recorrida:
“(...)O Autor, invocando a respectiva qualidade de proprietário de fracção autónoma no prédio urbano sito na Avª. ....., nºs ... e ...-A, Lisboa, intenta contra o respectivo Condomínio a presente acção declarativa para anulação de deliberações de assembleia de condóminos.
Configurando-se a verificação de excepção dilatória insuprível de ilegitimidade passiva do Réu, foi concedido prazo ao Autor para se pronunciar.
O Autor, invocando, em síntese, corrente jurisprudencial e de doutrina em sentido contrário, veio pronunciar-se no sentido da legitimidade do Réu.
Nos termos decorrentes do artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil, a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
Assim a parte ou partes contra quem é instaurada a acção são os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações, pertencendo a estes a legitimidade passiva, sendo apenas a representação judiciária dos mesmos a cargo do administrador do condomínio ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
De entre condóminos, os que votaram contra a deliberação são quem tem o interesse em contradizer – artigo 30.º, n.º 1, do Código de Processo Civil Segundo ABRANTES GERALDES (em Temas da Reforma Processo Civil, IV Volume, 3.ª Edição Revista e Actualizada, páginas 104 e 105, e interpretação relativa à providencia cautelar de suspensão de deliberação de assembleia de condóminos, mas que é extensível, atenta o carácter instrumental, à correspondente acção principal de anulação de deliberações de assembleia de condóminos), resulta do artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil que a legitimidade passiva pertence aos condóminos que tenham aprovado a deliberação (veja-se, neste sentido, entre outros, Acórdãos, do Supremo Tribunal de Justiça de 14/02/1991 e de 06/11/2008, do Tribunal da Relação do Porto de 08/03/2016, e do Tribunal da Relação de Lisboa de 12/2/2009, todos disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt, sob, respectivamente, os números de processo, 080355, 08B2784, 1440/14.3TBSTB.P1, e 271/2009-6.).
Face ao citado teor normativo e aderindo aos fundamentos desta corrente jurisprudencial neste sentido, a legitimidade passiva pertence aos condóminos que votaram favoravelmente as deliberações, e não ao Condomínio Não podendo assim o Condomínio ser parte por não ter legitimidade para tal, verifica-se excepção dilatória insuprível de ilegitimidade do Réu, de conhecimento oficioso e consubstanciadora de absolvição do Réu da instância Artigos 278.º, n.º 1, al d), 576.º, n.º 2, 577.º, al. e), e 578.º, do Código de Processo Civil.
Julgo assim verificada a excepção dilatória de ilegitimidade do Réu e, em consequência, absolvo o mesmo da instância.(...)”

IIIFUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.1.Conforme resulta do disposto nos art.ºs 608, n.º 2, 5, 635, n.º 4, 649, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2.Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3.Saber se ocorre na decisão recorrida a nulidade por falta de especificação dos fundamentos de facto e falta de fundamentação de direito.
III.3.1.-Por fundamentação “deve entender-se o exame prático da prova produzida, a especificação dos factos provados, nomeadamente os admitidos por acordo ou por confissão, as razões que justificam a aplicação da lei aos factos e a conclusão resultante da conjugação dos factos provados com a lei aplicável. Nisto consiste a fundamentação da sentença (cfr. Aliás com o art.º 607/3 do C.P.C. para a sentença judicial)[2]. A nível da sentença proferida por um tribunal estadual a fundamentação exerce não só uma função endoprocessual de permito o fácil exercício de meios de impugnação através do conhecimento dos motivos da decisão como extraprocessusal de viabilizar o controlo do modo como os órgãos jurisdicionais exercem o poder que lhes está atribuído pela comunidade e opinião pública.[3] O art.º 615/1/b fere de nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão.
III.3.2.- “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou a mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.”[4]
III.3.3.-E este entendimento tem vindo a ser sufragado pela jurisprudência do STJ, uniformemente: Acórdãos de 24/05/2003 in BMJ 327/663, de 05/01/1984 in BMJ 333/398, de 14/01/1993, in BMJ 423/519, entre outros.
III.3.4.-Tratando-se de conhecimento oficioso de excepção dilatória de ilegitimidade passiva, estando em causa o interesse relevante em contradizer, que se afere pelo prejuízo que da procedência da excepção advém, o n.º do art.º 30, ficciona que são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida tal como é configurada pelo autor pelo que, para tanto, basta aferir do pedido e da causa de pedir tal como apresentando na petição inicial. Verdade que a decisão recorrida é muito sucinta na enunciação da relação material controvertida apresentada na petição inicial, posto que se limita a dizer que “o Autor invocando a respetiva qualidade de proprietário da fracção autónoma do prédio urbano sito na Avª. ..... n.ºs ... a ..._A - Lisboa intenta contra o respectivo condomínio a presente acção declarativa para anulação de deliberações de assembleia de condóminos”, sem indicar o conteúdo da deliberação e a razão da sua invalidade nem os condóminos que votaram a favor. Contudo, a enunciação da causa de pedir e do pedido assim feita, sucinta que é, corresponde ao figurino desta acção e permite aferir da legitimidade processual, designadamente da legitimidade passiva neste tipo de acções; por outro lado, a decisão recorrida explica, também de forma sucinta, porque razão é que a acção deveria ter sido intentada contra os condóminos que votaram a decisão que fez vencimento, trazendo à colação o disposto no n.º 6, do art.º 1433, do CCiv, pelo que a decisão também está fundamentada de direito. Não ocorre assim qualquer nulidade da decisão.
III.4.Saber se ocorre na decisão recorrida erro de interpretação e de aplicação do disposto nos art.ºs 12/e), 278/1/d, 576/2, 577/e e 578 do Código de Processo Civil e bem assim como o disposto nos art.ºs 1430/1, 1431, 1432, 1433/6, 1435, 1436/h 1437 e 1438 todos do Código Civil.
III.4.1.-É hoje bem conhecida a profunda divergência jurisprudencial que existe, em especial nos tribunais superiores e mesmo na doutrina sobre a questão aqui em apreço. Enquanto uma orientação vai no sentido de que as acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o próprio condomínio representado pelo respetivo administrador, tendo em conta o preceituado no artigo 12.º, alínea e), do CPC, conjugado com o disposto nos artigos 1437.º, n.ºs 1 a 3, e 1436.º, alínea h), apelando aos critérios interpretativos do art.º 9.º, n.º 3, todos do CC, outra orientação sustenta que o artigo 1433.º, n.º 6, do CC, embora o não refira expressamente, oferece um vector decisivo no sentido de afastar a legitimidade do próprio condomínio e de afirmar a legitimidade dos condóminos, tornando inquestionável que a ação terá necessariamente de ser proposta contra todos aqueles que votaram a favor da aprovação da deliberação cuja anulação se pretende, ainda que representados pelo administrador ou porventura por pessoa que a assembleia designe para o efeito. São, fundamentalmente, estas as duas teses em confronto sobre a legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações condominiais. No sentido da legitimidade dos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação objecto de anulação, embora representados pelo administrador, sustentada na decisão recorrida, podem ver-se, entre outros, os seguintes acórdãos do STJ de 2/2/2006, processo n.º 05B4296; de 29/11/2006, processo n.º 06A2913; de 20/9/2007, proc.º n.º 07B787 (agravo n.º 787/07 – 2.ª Secção, com dois votos de vencido, sendo um do Conselheiro Quirino Soares, que segue a tese da legitimidade do condomínio e outro do Conselheiro Santos Bernardino, relativamente a um procedimento processual, mas também no sentido da legitimidade dos condóminos); de 24/6/2008, agravo n.º 1755/08, com um voto de vencido do Conselheiro Urbano Dias, e de 6/11/2008, proc.º n.º 08B2784, todos disponíveis em www.dgsi.pt.

III.4.2.-No sentido da legitimidade do condomínio, podemos ver, entre outros, os seguintes acórdãos do STJ:
- de 5/5/2005, agravo n.º 1114/05 - 7.ª Secção, com o seguinte sumário:
I- A legitimidade processual passiva nas acções de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos pertence ao condomínio, pois a decisão judicial que anular a deliberação será oponível àquele, integrado por todos os condóminos (art.ºs 1433, n.º 6, do CC e 6, al. e), do CPC).
II- Em tais acções, deverá o administrador ser citado como representante legal do condomínio (art.º 231, n.º 1, do CPC).
III- …”
- De 10/1/2006, revista n.º 3727/05 – 6.ª Secção, com o seguinte sumário:
I- A al. e) do art.º 6 do CPC revisto, veio atribuir personalidade judiciária aos condomínios nas acções em que por ele pode intervir o administrador, nos termos do art.º 1433, n.º 6, do CC.
II- Assim, diversamente do que acontecia anteriormente à reforma do processo civil, o conjunto de condóminos (o condomínio) pode ser directamente demandado quando, estejam em causa deliberações da assembleia, devendo ser citado o administrador como representante legal do condomínio - art.º 231, n.º 1, do CPC.”
- De 14/6/2007, agravo n.º 502/07 - 2.ª Secção, com o seguinte sumário:
I- A deliberação social que se pretende impugnar exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos individualmente considerados; pelo que, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador.
II- O titular do interesse relevante para efeito de legitimidade é o condomínio, sendo, na acção, representado pelo administrador; este, enquanto representante judiciário, age em nome e no interesse do colectivo dos condóminos, do condomínio.”
- De 29/5/2007, revista n.º 1484/07- 1.ª Secção, com o seguinte sumário:
“É ao administrador que cabe a representação do condomínio com vista a assegurar o contraditório numa acção de impugnação de deliberações, a menos que a assembleia designe outra pessoa para tal.”
- De 14/6/2007, agravo n.º 502/07 - 2.ª Secção, com o seguinte sumário:
I- A deliberação social que se pretende impugnar exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos individualmente considerados; pelo que, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador.
II- O titular do interesse relevante para efeito de legitimidade é o condomínio, sendo, na acção, representado pelo administrador; este, enquanto representante judiciário, age em nome e no interesse do colectivo dos condóminos, do condomínio.”
- De 25/9/2012, revista n.º 3592/09.5TBPTM.E1.S1- 6.ª Secção, com o seguinte sumário:
 I- O condomínio é um ente colectivo, constituído pelo conjunto dos condóminos, que manifesta a sua vontade através das deliberações da assembleia dos condóminos e do respectivo administrador – arts. 1430.º, n.º 1, 1432.º, 1435.º e 1436.º do CC.
II- As deliberações impugnadas da assembleia dos condóminos não são pessoais de cada condómino, mas do condomínio, como ente colectivo, que as aprovou em assembleia convocada para o efeito, nos termos legais e regulamentares.
III- Numa acção de impugnação de deliberações da assembleia dos condóminos o condomínio pode estar em juízo, representado pelo respectivo administrador.”
- E de 24/11/2020, revista n.º 23992/18.9T8LSB.L1.S1 – 6.ª Secção com o seguinte sumário:
I–O condomínio é um ente colectivo, constituído pelo conjunto dos condóminos, que manifesta a sua vontade através das deliberações da assembleia dos condóminos.
II–A deliberação tomada pela assembleia de condóminos exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos individualmente considerados, designadamente dos que a aprovaram.
III–A própria essência de uma deliberação constitui um conteúdo autonomizado da vontade dos sujeitos individuais que nela intervieram e para ela contribuíram, configurando-se não como uma soma das vontades singulares, mas como uma realidade autónoma e distinta.
IV–Na acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, a legitimidade passiva pertence ao condomínio, representado pelo respectivo administrador”.
III.4.3.-Na doutrina, também existem divergências de entendimento, havendo quem sustente a legitimidade passiva do condomínio, representado pelo administrador, baseando-se essencialmente numa interpretação actualista do art.º 1433.º, n.º 6, do Código Civil e quem defenda a legitimidade passiva dos condóminos invocando elementos literais e históricos da interpretação do preceito em causa que, para alguns autores, justificam que se demandem os condóminos que votaram favoravelmente a deliberação impugnada e, para outros, também os que não se opuseram ou não estiveram presentes, havendo ainda autores que desvalorizam a questão, admitindo como possível a demanda directa desses condóminos, mas bastando-se a lei com a citação do administrador.

III.4.4.-Assim:
No sentido da legitimidade passiva dos condóminos, pronunciaram-se:
- o Conselheiro Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, vol. IV, 4.ª Edição, Almedina, págs. 107 a 110, onde, em sede de comentário ao procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, em particular de suspensão das deliberações da assembleia de condóminos, refere:
A legitimidade processual é directamente aferida através da lei substantiva, sendo apenas conferida aos condóminos que não tenham aprovado, expressa ou tacitamente, as deliberações. Já quanto à legitimidade passiva, diversamente do que ocorre com as sociedades, não pertence à entidade a quem a lei reconhece personalidade judiciária (condomínio urbano, nos termos do art. 6.º, al. e), do CPC), mas aos condóminos, que tenham aprovado a deliberação, conforme resulta do art. 1433.º, n.º 6, do CC” (pág. 108 e 109)”;
- Abílio Neto, in Manual da Propriedade Horizontal, Ediforum, 4.ª Edição, págs. 729 a 733, onde, após uma síntese das três soluções possíveis de resposta à questão da legitimidade passiva nas acções de anulação das deliberações condominiais e respectivos argumentos, sustenta que:
“Tomando posição nesta vexata questio, diremos que o legislador, até ao presente, nunca reconheceu ao condomínio – e só a ele lhe competia fazê-lo – personalidade jurídica (…)
Apesar disso, a partir da entrada em vigor da Reforma Processual de 95/96, reconheceu expressamente ao “condomínio resultante da propriedade horizontal” personalidade judiciária, embora, não em toda a sua amplitude, mas apenas “relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”, expressões estas que o legislador de 2013, reanalisando certamente a questão em toda a sua profundidade (…) manteve na integralidade a solução que vinha do passado, e daí, a exclusão da competência do administrador para, em representação do condomínio, ser demandado nas acções de invalidade das deliberações das assembleia de condóminos.
E nestas circunstâncias, não há porque invocar uma interpretação actualista da lei, quando temos uma lei nova que confirma a anterior.
Convimos que a tese negatória da personalidade judiciária do condomínio induz dificuldades práticas relevantes, mas essa questão reclama uma solução de lege ferenda, através, eventualmente, da generalização da norma restritiva existente ou declarativa que a norma actual abarca as acções de anulação das deliberações condominiais.
Até lá, temos por certo que as acções destinada a apreciar a validade ou a eficácia das deliberações tomadas pelos condóminos em assembleia geral reportam-se à formação da vontade no âmbito interno deste órgão, seja quanto ao objecto seja quanto à forma, cujo resultado dimana do sentido do voto expresso por cada um dos condóminos participantes, nada tendo a ver com as competências do administrador, enquanto órgão executivo. É isso que explica que só sejam demandados os condóminos que contribuíram de forma clara e positiva, através do voto, para o resultado que se tem por inválido, sem curar de todos os demais cujo comportamento em nada contribuiu para aquele resultado.” (pág. 731).
III.4.5.-Perfilhando a tese da legitimidade passiva do condomínio, representado pelo administrador, pronunciaram-se:
- Sandra Passinhas, in A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal, Almedina, 2.ª edição, págs. 338 a 347, onde em sede de comentário ao art.º 1433.º, n.º 6, do CC, sustenta, na pág. 346, queA deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados ou dos que aprovaram a deliberação). E, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador. A redacção do artigo 1433.º, n.º 4, é anterior à reforma de 94 e não foi objecto de actualização”.
- Jorge Alberto Aragão Seia, in Propriedade Horizontal – Condóminos e Condomínio, Almedina, 2.ª Edição, págs. 182 a 191, onde em sede de comentário ao art.º 1433.º do CC, sustenta, concretamente nas págs.190 e 191, que:
Resulta do n.º 6 do preceito em anotação que a legitimidade passiva para as acções de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos – a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções… -, que são efectivamente os titulares do interesse directo em contradizer, pois a deliberação, enquanto não for anulada, vincula todo o condomínio; a decisão que julgar procedente a impugnação continua a vinculá-lo.
É por isso que o n.º 6 impõe que a representação judiciária dos condóminos compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia nomear para o efeito.
(…)
O representante age apenas em nome e no interesse do condomínio, ou seja do conjunto dos condóminos, não necessitando de apresentar procuração individual dos condóminos mas apenas acta da assembleia geral, que o nomeou administrador ou representante especial.
Nos termos do disposto no n.º 1 do art. 231.º, do CPC, é o representante legal do condomínio assim encontrado que deverá ser citado para a acção.
(…)
No caso de haver incompatibilidade entre o administrador e o condomínio e este não ter nomeado representante especial deverá ser citado o condómino cuja fracção ou fracções representem a maior percentagem do capital investido e que haja votado favoravelmente a deliberação – n.º 1 do artigo 1435.º-A.”
- Miguel Mesquita, A Personalidade Judiciária do Condomínio nas Acções de Impugnação de Deliberações da Assembleia de Condóminos, in Cadernos de Direito Privado, n.º 35, Julho/Setembro 2011, págs. 41 a 56, onde refere na pág. 54:
A solução para o problema passa, precisamente, em nosso entender, pela interpretação actualista do art. 1433.º, n.º 6, do CC. Vejamos porquê. Esta norma – cuja redacção deriva do DL n.º 267/94, de 25/10 – foi redigida numa época em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte activa ou passiva num processo cível. A causa dizia respeito ao condomínio? Pois bem, tornava-se indispensável a intervenção, do lado activo ou do lado passivo, de todos os condóminos.
Só muito mais tarde, a Reforma processual de 1995/1996 veio estender, no art. 6.º, alínea e), a personalidade judiciária ao condomínio. E o art. 231.º, n.º 1, cuja redacção deriva da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador). Quer dizer, o condomínio é parte, e parte legítima, assumindo o administrador o papel de representante de uma entidade desprovida de personalidade jurídica, sendo incorrecto, por isso, afirmar-se que a legitimidade pertence ao administrador.
Torna-se, assim, necessário levar a cabo uma interpretação actualista do citado art. 1433.º, n.º 6, do CC, substituindo a expressão condóminos pela palavra condomínio.
(…)
À luz da interpretação por nós propugnada, é citado aquele a quem cabe a representação judiciária do condomínio e não dos condóminos.”
- Gonçalo Oliveira Magalhães, A Personalidade Judiciária do Condomínio e a sua Representação em Juízo, Julgar, n.º 23 (2014), Almedina, págs. 55 a 66 (também online), que, embora proceda ao enquadramento do tema da personalidade judiciária do condomínio e foque o problema da representação do condomínio em juízo, designadamente, a propósito dos casos previstos no art.º 1437.º do CC, não se refere expressamente à questão da legitimidade passiva nas acções de anulação de deliberações do condomínio, nem analisa o art.º 1433.º, n.º 6, do CC, limitando-se a referir, de forma genérica:
O legislador, ciente de que o condomínio constitui um centro autónomo de imputação de efeitos jurídicos, dota-o de organicidade e, muito embora não lhe atribua personalidade jurídica, admite que ele pode ser parte nas acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador” (págs. 61 e 62).
- José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, Coimbra Editora, pág. 41, n.º 5, onde em comentário ao art.º 12.º do CPC, escreveram:A alínea e) concede personalidade judiciária ao condomínio, relativamente às ações em que, por ele, pode intervir o administrador, nos termos dos arts. 1433-6 CC (como réu) e 1437 CC (como autor ou réu), o que já resultava, pelo menos, desta última disposição.”
III.4.6.-Da letra da lei não resulta posição expressa sobre a legitimidade passiva, tão-só quanto à legitimidade activa, no n.º 1 do artigo 1433º: “qualquer condómino que as não tenha aprovado”. O n.º 6 refere-se-lhes apenas como “condóminos contra quem são propostas as acções”, nada referindo quanto à posição que esse condómino manifestou – ou não – quanto à deliberação posta à votação e aprovada. Pelo que, não havendo indicação da lei em contrário, tais condóminos poderão ser todos os demais. Será necessária a demanda de todos os demais condóminos para assegurar o efeito útil de caso julgado da decisão que vier a ser proferida sobre a anulação da deliberação em causa?
III.4.7.-A deliberação dos condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431.º e 1432.º do Código Civil), órgão a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da assembleia de condóminos (artigos 1435.º a 1438.º, todos do Código Civil). A deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, aquela expressa em regra pela maioria de votos nos termos do art.º 1432/3 e 4 do CCiv (de capital investido ou dos votos presentes com mínimo de ¼ do valor total do prédio), salvas as outras maiorias ou mesmo unanimidade legalmente exigidas em certas matéria, e uma vez tomadas a deliberação exprime a vontade dos condóminos cuja execução cabe ao administrador,  estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.
III.4.8.-O legislador (art.º 1433/6) não afirma que a representação judiciária do condomínio contra quem é intentada a ação incumbe ao administrador, mas, ao invés, que este representa os condóminos.
III.4.9.-A redação deste preceito deriva do Decreto-Lei n.º 267/94, de 25/10, e foi redigida num momento histórico em que o condomínio não gozava de personalidade judiciária, ou seja, não podia, enquanto tal, ser parte ativa ou passiva num processo cível. Só com a Reforma de 1995/1996, o artigo 6.º, alínea e), do CPC de 1961 estendeu a personalidade judiciária ao condomínio. E o artigo 231.º, n.º 1, do CPC de 1961 (atual artigo 223.º, n.º 1, do CPC de 2013), cuja redação resulta da mesma Reforma, acrescentou que o condomínio é citado ou notificado na pessoa do seu legal representante (o administrador).
III.4.10.-Convém registar que as recentes alterações introduzidas ao art.º 1437, do CCiv, pela Lei 8/2022, de 10/1, não resolve a questão da legitimidade processual nas acções de anulação que está no art.º 1433 e não no art.º 1437 do CCiv, das actas da AR designadamente do projecto 718/XIV/2 do PSD e das discussões seguintes nada se colhe sobre a questão em concreto da impugnação das deliberações da Assembleia de Condóminos, sabe-se que o condomínio não tem personalidade jurídica, teria sido bem fácil efetivar a resolução da legitimidade passiva, bastaria que a redacção do n.º 6, do art.º 1433, fosse alterada nos seguintes termos: “as acções de impugnação de deliberações da assembleia são interpostas contra o conjunto dos condóminos, nos termos do art.º 1437, do CCiv, ou, sendo o impugnante o próprio administrador, a pessoa que a assembleia designar para esse efeito” Impõe-se uma interpretação do preceito que tenha presente as alterações que entretanto foram introduzidas e a actualização do pensamento legislativo devendo o inciso constante do n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil «a representação judiciária dos condóminos contra quem as ações são propostas» passar a ser interpretado extensivamente, por forma a ver nele escrito que «a representação judiciária do conjunto dos condóminos contra quem as acções são propostas)», já que o condomínio é o conjunto organizado dos condóminos. Se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do art.º 1436.º, al. h), do Código Civil), por igualdade de razão, cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio[5]. E percebe-se que assim seja por exemplo quanto munido de título executivo o administrador demande em execução o condómino faltoso e incumpridor da sua prestação perante o condomínio mesmo na circunstância em que em embargos deduzidos à execução contra ele movida pelo condomínio aquele excepcione a invalidade da deliberação que suporta o título executivo, nenhum sentido fazendo “repristinar” a vontade de cada um dos  condóminos que votaram favoravelmente a deliberação, citando-os do lado do exequente. No caso concreto o Condomínio citado, não contestou, a administração do condomínio por via do representante da empresa de administração de condomínios limitou-se a enviar um e-mail onde solicita “informação de se já foi proferida sentença sobre o processo 26145/20.2.2t8lsb e caso seja solicita que nos remeta sentença da mesma...”. Admitindo a regularidade da citação do Condomínio, face à não contestação os autos devem prosseguir os seus termos, no tribunal recorrido.

IVDECISÃO

Pelas razões expostas acordam os juízes em julgar procedente a apelação, consequentemente revogam a decisão recorrida que se substitui por estoutra que julga o condomínio réu parte legítima, devendo os autos prosseguir os seus termos.
As custas são da responsabilidade do apelado condomínio representado pelos seus administradores-indicados na petição inicial- que decai e porque decai (art.º 527/1 e 2)



Lxa.,28 de Abril de 2022  



João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro



[1]Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pela Lei 41/2013 de 26/7, atento o disposto nos art.º 5/1, 8, e 7/1 (a contrario sensu) e 8 da mesma Lei que estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente, atendendo a que a acção foi autuada e distribuída ao J20, da Instância Local Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa em 8/12/2020 e a data da decisão recorrida que é de 25/6/2020; ao Código referido, na redacção dada pela Lei 41/2013, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2]PEREIRA BARROCAS, Manuel, “Manual de Arbitragem, Almedina 2.ª edição, págs. 503/504
[3]CORREIA DE MENDONÇA, Luís e MOURAZ LOPES “Julgar : contributo para uma análise estrutura da sentença…”CEJ 2004, 203e ss
[4]Alberto dos Reis, Código do Processo Civil Anotado, vol. V, Coimbra editora, reimpressão, 1981, pág..140.
[5]Conferir nesse sentido, entre outros, e mais recentemente, os Acórdãos da Relação de Lisboa de 11/7/2019 no processo 9441/17.3t8lsb.l1.2, relatado por Gabriela Rodrigues que foi desta secção, e o do Supremo Tribunal de Justiça de 4/5/2021 no processo 3107/19.7 t8brg.g1.s1, relatado por Fernando Samões, ambos
disponíveis no sítio www.dgsi.pt.