Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4450/19.0T8LSB.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: PRIVAÇÃO DO USO
RESPONSABILIDADE CIVIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Em abstrato, não recai sobre os titulares de imóveis o dever de tomarem precauções para evitar que terceiros se introduzam nos prédios seus vizinhos, a partir do seu próprio prédio.

II. Contudo, o dono da obra e o empreiteiro (neste caso, as RR.) não podem nem devem criar condições para que, em virtude das obras e para além do que seria inevitável pelo decurso das mesmas (veja-se, v.g., a necessária colocação de andaimes próximos de prédios vizinhos) o seu prédio constitua veículo privilegiado de passagem para o prédio vizinho (dos AA.), para cujo terraço é possível o acesso por meio de janela existente no edifício em obras, facilitando a introdução indesejada de terceiros na propriedade dos AA..

III. Cabia aos AA., nos termos do art.º 342.º n.º 1 do CC, o ónus da prova de que o assalto provado nos autos se deveu a ação ou omissão por parte das RR., isto é, a demonstração de que o assalto se deveu a facto ilícito e culposo das RR.

IV. Tendo-se provado que a porta do edifício onde decorriam as obras de que a 1.ª R. era a dona e a 2.ª R. era a empreiteira costumava ficar fechada e não se tendo provado que no dia do assalto as RR. haviam deixado a aludida porta aberta, a ação improcede nesta parte.

V. Em princípio, a privação do uso e fruição de uma coisa constitui um dano patrimonial, na medida em que determina uma limitação ao direito de propriedade sobre esse bem, o qual compreende, conforme a enumeração expressa operada pelo art.º 1 305.º do Código Civil, os direitos de uso, fruição e disposição da coisa.

VI. In casu, a comprovada compressão do direito ao uso integral e sem restrições de uma parte do imóvel dos AA., o respetivo terraço, cujo acesso ficou condicionado mas não impedido pelas obras levadas a cabo no prédio vizinho pelas RR., não ultrapassou os limites do normalmente tolerável, ou, pelo menos, não atingiu as proporções invocadas pelos AA. para justificar a peticionada concessão de indemnização por privação do uso da coisa.


Sumário (art.º 663.º n.º 7 do CPC)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa



I. RELATÓRIO:


1.Em 28.02.2019 A e B instauraram ação declarativa de condenação com processo comum contra C Lda e D S.A..

Os AA. alegaram, em síntese, que a 1.ª R. enquanto proprietária e a 2.ª R. enquanto empreiteira, levaram a cabo obras no Palácio (…), edifício que confina com a propriedade dos AA.. No período de execução de tais obras a casa dos AA. foi assaltada através de arrombamento das portas que dão para o terraço contíguo ao referido edifício (…), tendo sido subtraídos de casa dos AA. diversos bens, o que apenas ocorreu por as RR. não terem assegurado a segurança da obra, deixando a porta do Palácio aberta, o que permitiu o acesso à fração dos AA. No período de execução das obras o acesso ao terraço dos AA. ficou condicionado pela sujidade causada pelos trabalhos de recuperação levados a cabo no edifício contíguo, deixaram de ter acesso à máquina de lavar roupa porquanto as RR. cortaram a eletricidade. Os AA. viram-se obrigados a recorrer a notificação judicial avulsa para que as RR. retirassem os andaimes do seu terraço e procedessem à limpeza do mesmo. A falta de cuidado das RR. causou danos no terraço dos AA., toldo, equipamento e plantas que ali se encontravam. Devido à forma descuidada como agiram, não fixando os papelões sobre a estrutura de ferro que estava no terraço, um dos gatos dos AA. caiu de altura equivalente a um 2.º andar, tendo sido internado no hospital veterinário. Em virtude das obras efetuadas com a destruição e reconstrução do prédio contíguo, o interior da fração dos AA. apresenta inúmeras rachas, rasgos e outras desconformidades nos vários quartos, corredor, sala e cozinha, que terão de ser avaliados.

Consequentemente os AA. pediram a condenação das RR.:
a)-na reparação integral do terraço, com a colocação de eletricidade e canalização, da reparação da claraboia, que está a céu aberto sem qualquer proteção, devendo ser colocado um pavimento sobre esta e tratar do escoamento das águas a ela associados, com a reparação, isolamento e pintura das paredes do terraço e ainda da parede que dá para o palácio através da estrutura de ferro e limpeza total do mesmo;
b)-na reparação das rachas e demais patologias dentro da fração dos AA por via dos danos causados pela obra das RR;
c)-no pagamento de 10.220,57 € (dez mil duzentos e vinte euros e cinquenta e sete cêntimos), a título de indemnização pelos bens móveis roubados do interior da fração dos AA;
d)-no pagamento de 38.870,00 € (trinta e oito mil oitocentos e setenta euros) relativo ao valor de 26 meses do trabalho de investigação científica perdidos;
e)-no pagamento de 10.000,00 € (dez mil euros) pela perda de trabalhos de investigação e arquivos pessoais;
f)-ao pagamento dos custos de psiquiatra no valor de 130,00 € (cento e trinta euros);
g)-no pagamento de 125,46 € (cento e vinte e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), valor das custas judicias da interposição da Notificação Judicial Avulsa;
h)-no pagamento de 4.000,00 € (quatro mil euros) a título de indemnização pelos estragos causados no terraço, se não procederem à sua reparação, conforme trabalhos constantes da alínea a);
i)-no pagamento de 2.700,00 € (dois mil e setecentos euros) a título de indemnização pela privação do uso do terraço durante 18 meses;
j)-no pagamento de 183,00 € (cento e oitenta e três euros) a título de pagamento dos custos hospitalares com o gato;
k)-no pagamento de um valor pecuniário a apurar em liquidação de sentença a título de indemnização pelos estragos causados na reparação das rachas e demais danos e patologias verificadas no interior da fração dos AA em virtude das obras das efetuadas pelas Rés;
l)-no pagamento de 5.000,00 € (cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais, pelo sentimento de insegurança e medo que tem acompanhado os AA e filha desde a noite do assalto.

2.A 1.ª R. contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação. Por exceção a R. invocou a cumulação ilegal de pedidos, a ilegitimidade processual dos AA. para os pedidos deduzidos sob as alíneas f) e l), a ineptidão da PI e a ilegitimidade da R. quanto a todos os pedidos. Mais impugnou os factos e danos alegados pelos AA., entendendo que não se verificavam os pressupostos de que dependia a responsabilidade civil da R. e invocando, caso se considerasse que existia dano e responsabilidade da Ré, a culpa dos lesados, peticionando a condenação dos mesmos como litigantes de má-fé.
3.Também a 2.ª R. contestou, impugnando os factos alegados pelos AA. e concluindo pela sua absolvição dos pedidos.
4.Os AA. pronunciaram-se contra as exceções e a imputação de litigância de má-fé, concluindo pela sua improcedência.
5.Realizou-se audiência prévia, na qual foram julgadas improcedentes as exceções deduzidas, identificou-se o objeto do litígio e enunciaram-se os temas da prova.
6.Também na audiência prévia os AA. reduziram o pedido, por inutilidade superveniente advinda do facto de a 2.ª R. ter procedido à reparação do terraço, tendo consequentemente sido eliminados os pedidos formulados sob as alíneas a) e h).
7.Realizou-se audiência final e em 17.6.2021 foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, decide-se:
a)- Julgar a presente acção improcedente e consequentemente, absolver as RR. dos pedidos contra si formulados.
b)- Julgar improcedente o pedido de condenação dos AA. como litigante de má-fé, absolvendo-os do pedido contra si formulado.
Custas pelos AA.
8.Os AA. apelaram da sentença, tendo apresentado alegações em que formularam as seguintes conclusões:
A.Analisada a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, concatenada com a demais prova documental constante dos autos, verifica-se que houve erro de julgamento no que concerne às conclusões sobre a apreciação da prova produzida, pois esta impunha decisões diferentes.
B.O Palácio (…) é propriedade da 1ª Ré, que adjudicou À 2ª Ré as obras de requalificação do mesmo, cfr. factos provados nº 3 e nº 4;
C.O Palácio (…) confina com a propriedade dos AA, sendo a tardoz do mesmo virada para o terraço da fração dos AA, cfr. facto provado nº 4;
D.A fração dos AA foi assaltada no dia 26 de junho de 2017, por desconhecidos que se introduziram na fração dos AA. através das portas que dão para o seu terraço contíguo com o Palácio (…), cfr. facto provado nº 9;
E.Do interior da fração dos AA foram levados vários bens móveis, nomeadamente jóias, computador e disco externo, cfr. facto provado nº 9 e nº 11;
F.Os AA chamaram a polícia local para tomar conta da ocorrência que se encontra junto aos autos como doc. 7, cfr. facto provado 10;
G.Os agentes da PSP e os Autores constataram que uma das janelas do Palácio (…) que dá para o terraço dos Autores se encontrava aberta, cfr. facto provado nº 14;
H.Os agentes da PSP e os Autores dirigiram-se à porta de entrada do Palácio e constataram que esta se encontrava aberta, cfr. facto provado nº 15;
I.No auto de notícia lavrado pelos agentes da PSP, junto aos autos como doc. 7, refere que “o prédio ao lado encontra-se em obras e a porta da entrada estava destrancada, por onde possivelmente o (s) suspeito (s) terão entrado na residência, cfr. facto provado nº 16; 19
J.O (s) suspeito (s) terão entrado pelo portão do palácio e lograram alcançar uma janela do Palácio que dá para o terraço dos AA. e através da porta do terraço entraram na fração dos AA., cfr. facto provado nº 17;
K.O tribunal a quo não podia dar como não provado que, “Porém, não lograram os AA. provar que a porta principal do Palácio se encontrasse aberta por qualquer ação ou omissão de qualquer das Rés”
L.O tribunal a quo deu também como não provado que “Não se logrou apurar se a porta estava aberta/destrancada porque alguma das Rés o não fez nesse dia ou por ter sido aberta pelo (s) assaltante (s), pelo que não pode concluir-se pela existência de qualquer ação ou omissão ilícita (deixara porta aberta) que pudesse ser violador dos direitos de personalidade dos AA.;
M.Consta na sentença que a porta costumava estar fechada, cfr. pág. 19 da mesma;
N.A testemunha Nuno (…) apresentada pelas AA confirmou que a porta era fechada todos os dias pelo encarregado da obra, cfr. pág. 20 da sentença;
O.A porta principal do Palácio na noite do assalto não foi arrombada, mas encontrava-se sim, aberta/destrancada, conforme consta no auto de notícia junto como doc. 7 da PI, o qual não foi colocado em causa;
P.A única forma de alcançar o terraço dos AA. é através do acesso pelo Palácio (…)”, conforme depoimento da testemunha Alberto (…) (ouvido em audiência de julgamento de 22.04.2021, com início às 16:25:08 e término ás 16:59:16) onde questionado sobre os acessos ao terraço dos AA., respondeu: “com um escadote pode-se tentar aceder dos lotes vizinhos, não, acesso não há (00:05.00).
Q.A testemunha Alberto (…) no seu depoimento referiu “que apenas pelo palácio (…) é fácil o acesso ao terraço dos AA. já que toda a volta há uma diferença de cota de cerca de 6 metros”, cfr. pág. 16 da sentença;
R.A porta do Palácio só poderia estar aberta/destrancada na noite do assalto por responsabilidade das Rés;
S.Por outro lado, só as Rés estavam na posse das chaves do Palácio, logo a entrada de assaltante (s) deve-se à omissão do dever de cuidado por parte das Rés;
T.Deveria ter sido considerado provado que as Rés tiveram responsabilidade por a porta do Palácio se encontrar aberta na noite do assalto, com a seguinte redação: “A porta do Palácio encontrava-se aberta/destrancada na noite do assalto”.
U.O que só pode ter ocorrido por responsabilidade direta da 1ª Ré e/ou 2ª Ré, seja por ação ou por omissão do dever de cuidado.
V.A sentença do tribunal a quo dá como não provado que os AA tivessem ficado privados do uso do terraço:
Contudo, resultou não provado que desde o início da obra de requalificação do Palácio (…) os AA. tivessem ficado privados do uso do terraço
W.Porém, nas declarações de parte da A. (ouvida em sede de audiência de julgamento em 22.04.2021, com início às 09:54:16 e término às 11:55:33), confirmam que os AA ficaram privados do uso do terraço, vide supra página 11.
X.A privação do uso do terraço por parte dos AA foi também confirmada pela testemunha Isabel (…) (ouvida em audiência de julgamento em 22.04.2021 teve início às 14:24:36 e término às 15:25:33) conforme já transcrito supra a páginas 12 e 13.
Y.Em relação à privação do uso do terraço a sentença do tribunal a quo deveria dar como provado que:
A partir de julho de 2017 o acesso ao terraço dos AA foi impedido pela sujidade causada pelos trabalhos de recuperação.
E ainda que:
Provado que os AA ficaram privados do uso do terraço desde o início da requalificação do Palácio (…) até à presente data”.
Z.O direito de vizinhança tem suscitado a produção de jurisprudência afirmando que a sua aplicação passa por um direito à proteção do proprietário;
AA.A proteção do proprietário é fundamentada numa responsabilização do proprietário do prédio vizinho por todos os atos e omissões que provoquem uma rutura do equilíbrio imobiliário existente e que exprimam ou realizem a violação de um dever geral de prevenção do perigo;
BB.As Rés violaram um dever geral de prevenção do perigo com a responsabilização da porta do Palácio ter ficado aberta/destrancada na noite do assalto;
CC.Esta violação do dever geral de prevenção sustenta a obrigação de indemnizar com base na responsabilidade civil;
DD.As Rés caíram assim no âmbito de aplicação do art. 483º do CC, devendo ser condenadas a pagar aos AA as quantias de:
a)-10.220,57 € (dez mil duzentos e vinte euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de indemnização pelos móveis roubados do interior da fração, de acordo com os factos provados nº 18 e 19;
b)-38.870,00 € (trinta e oito mil oitocentos e setenta euros) relativo ao valor de 26 meses de trabalho de investigação científica perdidos, de acordo com os factos provados nº 7, 8,12, 13, 20 e 22; 21
c)-10.000,00€ (dez mil euros) pela perda de trabalhos de investigação e arquivo pessoais, conforme os factos provados nº 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30;
d)-5.000,00 € (cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais, pelo sentimento de insegurança e medo que tem acompanhado os AA e filha desde a noite do assalto, conforme facto provado nº 32
EE.A privação do uso e fruição do terraço quando integrado no direito de propriedade configura, por si só, um dano indemnizável, independentemente da utilização que se faça, ou não, do bem em causa durante o período de privação;
FF.Nesse sentido deverão as Rés ser condenadas ao pagamento de:
A)-2.700,00 € (dois mil e setecentos euros) a título de indemnização pela privação do uso do terraço durante 18 meses.
GG.Por dever de patrocínio e mera cautela e tendo em conta a tese de que basta o lesado demonstrar que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante, para ser indemnizado pela privação do uso,
HH.Como ficou cabalmente demonstrado pela prova produzida em audiência de julgamento, os AA. sempre usaram e fruíram do terraço até ao começo das obras de requalificação do Palácio, pelo que tal tese também lhes confere o direito a serem indemnizados pela privação do uso do terraço.

Os apelantes terminaram pedindo que a sentença recorrida fosse revogada e substituída por outra que condenasse a Recorrida a pagar aos Recorrentes:
a)-10.220,57 € (dez mil duzentos e vinte euros e cinquenta e sete cêntimos) a título de indemnização pelos móveis roubados do interior da fração, de acordo com os factos provados nº 18 e 19;
b)-38.870,00 € (trinta e oito mil oitocentos e setenta euros) relativo ao valor de 26 meses de trabalho de investigação científica perdidos, de acordo com os factos provados nº 7, 8,12, 13, 20 e 22;
c)-10.000,00€ (dez mil euros) pela perda de trabalhos de investigação e arquivo pessoais, conforme os factos provados nº 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30;
d)-5.000,00 € (cinco mil euros) a título de indemnização por danos morais, pelo sentimento de insegurança e medo que tem acompanhado os AA e filha desde a noite do assalto, conforme facto provado nº 32;
e)-2.700,00 € (dois mil e setecentos euros) a título de indemnização pela privação do uso do terraço durante 18 meses.

9.A 1. ª R. contra-alegou, tendo rematado com as seguintes conclusões:
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso:
(a)-Ser liminarmente rejeitado, por ser manifestamente inadmissível, por incumprimento do ónus de impugnação, nos termos do disposto no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2 do CPC; e,
Caso assim se não entenda,
(b)-Ser julgado totalmente improcedente, por não provado, devendo manter-se, na íntegra, a decisão recorrida,
POIS SÓ ASSIM SE FARÁ A COSTUMADA JUSTIÇA!

10.Foram colhidos os vistos legais.

II.FUNDAMENTAÇÃO
1.Este recurso tem por objeto as seguintes questões: impugnação da matéria de facto; responsabilidade civil das RR. pelos danos invocados no recurso.
2. Primeira questão (impugnação da matéria de facto)
2.1.-O tribunal a quo deu como provada a seguinte

Matéria de facto
1.Os Autores são os únicos e legítimos proprietários do imóvel que constitui a fracção autónoma “C” do prédio com o artigo matricial (…) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa, sita na Rua (…) nº ..., 1º, (…) Lisboa – conforme certidão predial (…) e caderneta predial, que se juntam e se dão por reproduzidos para todos os efeitos legais, como Docs.1 e 2.
2.A Primeira Ré C Lda é uma sociedade comercial que tem por objecto social “a compra e venda de imóveis e revenda dos imóveis adquiridos para esse fim” bem como “outros serviços de apoio prestados às empresas”.
3.A ré C é legítima proprietária do prédio sito na Rua (…) n.º ... a ..., (…), descrito na Conservatória do Registo predial de Lisboa sob o n.º (…), inscrito na matriz predial urbana sob o n.º (…) da freguesia de (…), imóvel classificado como de interesse público conhecido como “palácio …” ou “palácio (…)”.
4.O referido Palácio (…), confina com a propriedade dos requerentes, sendo a tardoz do mesmo palácio virada para o terraço da fração dos AA. supra referida.
5.A Ré C procedeu a obras de reabilitação e ampliação no referido Palácio, tendo sido as mesmas aprovadas por Despacho do Sr. Vereador MS de (…) e tituladas pelo Alvará de Licenciamento de obras de Ampliação n.º (…) emitido pelo Departamento de Reabilitação Urbana – Divisão de Licenciamento urbanístico da Direcção Municipal de Urbanismo da Câmara Municipal de Lisboa.
6.A Ré C adjudicou à Segunda Ré, D Constructora, S.A. as obras de requalificação do Palácio (…).
7.A Autora A foi bolseira da FCT (Fundação para a Ciência e Tecnologia) para efeitos de pós-doutoramento entre 15 de Fevereiro de 2015 e Fevereiro de 2019, conforme cópias dos contratos que se juntam e se dão por reproduzido para todos os efeitos legais, como Doc.s 3 a 6 da PI.
8.A referida bolsa de investigação foi financiada por fundos nacionais do Ministério da Educação e ciência em 19.440,00€ no ano de 2015, 18690,00€ no ano de 2016, 17.940,00€ no ano de 2017, 17.940,00€ no ano de 2018, cfr. Doc.s 3 a 6.
9.Em 26 de Junho de 2017 a fracção dos Autores foi assaltada, por desconhecidos que se introduziram na fracção dos AA. através das portas que dão para o seu terraço, contíguo com o referido Palácio (…), e do interior da sua habitação foram levados vários bens móveis, nomeadamente jóias e computador.
10.Os Autores quando chegaram a casa e foram confrontados com o assalto à sua residência, de imediato chamaram a polícia ao local, que lavrou o auto de notícia que se encontra junto como doc. 7 da PI e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
11.Entre os bens furtados encontrava-se o computador pessoal da Autora e ainda um disco externo, junto ao mesmo.
12.A Autora trabalha no seu computador onde vai inserindo o seu trabalho de investigação, e regularmente, de seis em seis meses, vai fazendo o back up para um disco externo dado o trabalho acumulado de investigação e ainda como directora de um grupo de teatro em vésperas de estreia de uma peça teatral.
13.A Autora A, é igualmente directora artística/encenadora e produtora da Companhia de Teatro (…), estando toda a informação sobre os espectáculos no seu computador ou no back up – disco rígido, tanto mais que estava em preparação de uma estreia teatral, que ocorreu a 6 de Julho de 2017, conforme doc. 8 da PI.
14.Os agentes da PSP e os Autores tendo constatado que uma das janelas do palácio que dá para o pátio do terraço dos Autores se encontrava aberta, dirigiram-se à porta de entrada do palácio.
15.Aí constataram que a porta de entrada do palácio se encontrava aberta, ao contrário do que vinha ocorrendo, pois esta costumava estar fechada.
16.Consta do auto de notícia junto como doc. 7 da PI, designadamente que “de referir que o prédio ao lado encontra-se em obras e a porta da entrada estava destrancada, por onde possivelmente o (s) suspeito (s) terão entrado na residência”
17.O(s) suspeito(s) terá entrado pelo portão do palácio, logrado alcançar uma janela que dá para o terraço dos AA e através da porta do terraço penetraram na fracção.
18.No referido assalto foram subtraídos aos AA. os objectos constantes do doc. 11, oportunamente entregue na PSP cujo valor ascende 20.295,00 € (vinte mil duzentos e noventa e cinco euros), sem contar com o computador que possuía uma cobertura própria de seguro.
19.Os AA accionaram o seguro do recheio da casa, tendo a seguradora pagou 10.074,57 € (dez mil setenta e quatro euros e cinquenta e sete cêntimos).
20.No computador da Autora encontrava-se todo o trabalho de pós-doutoramento da mesma, fruto de 26 meses de investigação.
21.As jóias furtadas tinham elevado valor sentimental para a Autora.
22.A AA. tem vindo a refazer lentamente o trabalho de investigação perdido.
23.A Autora estava em preparação de um espectáculo teatral sobre uma obra de (…), que viria a estrear a 6 de julho de 2017, cfr. doc. 8.
24.Todo o material promocional da peça que iria estrear dali a duas semanas, nomeadamente fotografias, comunicados de imprensa e contactos, encontrava-se no computador da A.
25.O que obrigou a Autora ao trabalho adicional de tentativa de recolha de todos os elementos em falta para a promoção da estreia teatral.
26.E, ainda, no mesmo se encontrava o trabalho da A. de criação e edição do livro de sua autoria “(…)” com subsequente exposição com digressão nacional e internacional apoiada pela Fundação Calouste Gulbenkian, cuja perda foi total.
27.Mais constando a concepção, investigação e preparação de edição de um “(…)”.
28.Bem como a concepção e investigação para o ciclo de “Clássicos em Cena”, assim como o original de uma obra teatral inédita de sua autoria com o título “(…) cuja perda total também ocorreu.
29.Acresce que com o furto do computador a A. perdeu também uma série de artigos científicos em fase de preparação e a publicar, designadamente para a Academia de Ciências e para a Academia da Marinha.
30.Para além da perda de fotos e vídeos pessoais, de investigação e artísticos, únicos e fundamentais em termos de memória e documentação digital e audiovisual.
31.Os AA. ficaram em choque ao constatarem a perda de todo este acervo de documentação e arquivos pessoais, que constituiu uma perda profissional e emocional de muito difícil recuperação.
32.Os Autores têm uma filha, que não se encontrava em casa na altura do assalto, mas que, a partir dessa data, ficou em estado de grande ansiedade e temor sempre que tinha de ficar sozinha em casa, com consequências gravosas para o seu equilíbrio e saúde psicológica.
33.Os Autores, com data de 7 de Julho de 2017, enviaram à Ré C, na pessoa de David (…), a carta cuja cópia se encontra junta como doc. 14 e aqui se dá por reproduzida, em que expuseram a situação ocorrida e manifestaram o prejuízo por eles sofridos, não só a nível económico como a título de danos morais, instando a discutirem o ressarcimento dos danos por eles sofridos.
34.A Ré C respondeu tão só que “os trabalhos de requalificação imobiliária (…) decorrem em pleno cumprimento de todas as regras de segurança em execução de obra actualmente em vigor”, conforme cópia da carta que se encontra junta como doc. 15 e se dá por reproduzida.
35.No dia seguinte ao assalto, a porta de entrada do palácio (…) já se encontrava fechada.
36.As obras do Palácio (…) terão tido início em Julho de 2017 e a partir daí o acesso ao terraço dos AA foi condicionado pela sujidade causada pelos trabalhos de recuperação.
37.Na sequência de uma reunião, os AA permitiram a instalação de andaimes no seu terraço para finalizarem a obra na empena voltada à fracção dos AA., tendo sido assegurado aos AA. que retirariam os andaimes até Dezembro de 2017, prazo esse que não vieram a cumprir.
38.Os AA. têm a sua máquina de lavar roupa num anexo situado no terraço, ao qual as rés cortaram o fornecimento de energia.
39.Os AA. recorreram a uma notificação judicial avulsa para as Rés retirarem os andaimes e limparem o terraço, com o que despenderam o valor de 125,46 € (cento e vinte cinco euros e quarenta e seis cêntimos) -Docs. 21, 22 e 23.
40.Um dos gatos dos AA, de seu nome Pierrit, sofreu uma queda grave por via da falta de fixação dos papelões de proteção sobre a estrutura de ferro que estava no terraço.
41.Devido a essa queda, o animal teve de ser internado no hospital veterinário de S. Bento, despendendo os AA. o montante de 183,00 € (cento e oitenta e três euros) - Doc.s 37, 38, 39 e 40.
42.O prédio dos AA. já antes das obras no Palácio, propriedade da ré C, apresentava sinais evidentes de rachas, fissuras, rasgos, infiltrações e outras patologias, constantes do relatório de vistoria junto como doc. 8 da contestação da 1ª Ré que aqui se dá por reproduzido.
43.A Ré D, S.A. apenas contratou um serviço de segurança privada em 20.10.2017, com a finalidade de zelar pela segurança dos materiais, equipamentos e ferramentas da ré depositadas na obra – doc. 1 da contestação da 2ª Ré.
44.A ré D desligou os cabos de electricidade e procedeu ao corte de energia eléctrica no anexo que os AA. têm no terraço para evitar problemas com a segurança de pessoas e bens.
45.Os AA. foram avisados e concordaram com tal corte de energia.

Na sentença o tribunal a quo enunciou os seguintes

Factos não provados
a)-Que a porta Palácio (…) costumava estar trancada com correntes.
b)-Que a fracção dos AA. foi assaltada através de arrombamento das portas que dão para o terraço.
c)-Que a filha dos AA. passou a ser seguida por um psiquiatra, na sequência do assalto, com o que os AA. despenderam 130,00 € (cento e trinta euros).
d)-Que no dia seguinte ao assalto, a porta de entrada do palácio (…) já se encontrava trancada e com um segurança de serviço.
e)-Que desde o início da obra de requalificação do palácio (…) até à presente data que os AA ficaram privados do uso do seu terraço.
f)-Que decorrente das obras efectuadas com a destruição e reconstrução do prédio contíguo, o Palácio (…), o interior da fracção dos AA. apresenta inúmeras rachas, rasgos e outras desconformidades.
g)-Que as RR. tenham declarado que iriam proceder à reparação dos estragos no interior da fracção dos AA., tendo feito um levantamento da situação, mas logo que se viram sem necessidade de utilização do terraço dos AA., ignoraram esse compromisso.
h)-Que as Patologias na fracção dos AA. se estenderam pelos vários quartos, corredor, sala e cozinha.
i)-Que as Rés tenham desligado a electricidade do terraço e da máquina de lavar dos AA, sem qualquer explicação.
j)-Que o gato dos AA. caiu por via da falta de fixação dos papelões de protecção sobre a estrutura de ferro que estava no terraço.

2.2. O Direito
Nos termos do n.º 1 do art.º 662.º do CPCa Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

Pretendendo o recorrente impugnar a decisão relativa à matéria de facto, deverá, nos termos do art.º 640.º do CPC, sob pena de rejeição, especificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
In casu, a discordância dos apelantes quanto à matéria de facto incide sobre dois aspetos: a responsabilidade das RR. pelo assalto ocorrido na fração dos AA.; a privação do uso do terraço dos AA..

No que concerne ao assalto à fração dos AA., os AA./apelantes afirmam, na síntese contida nas conclusões da apelação, o seguinte:
K.O tribunal a quo não podia dar como não provado que, “Porém, não lograram os AA. provar que a porta principal do Palácio se encontrasse aberta por qualquer ação ou omissão de qualquer das Rés”
L.O tribunal a quo deu também como não provado que “Não se logrou apurar se a porta estava aberta/destrancada porque alguma das Rés o não fez nesse dia ou por ter sido aberta pelo (s) assaltante (s), pelo que não pode concluir-se pela existência de qualquer ação ou omissão ilícita (deixar a porta aberta) que pudesse ser violador dos direitos de personalidade dos AA.;”
Neste segmento da apelação os recorrentes manifestam a sua discordância em relação a juízos conclusivos que o tribunal a quo formulou a jusante da decisão de facto (juízos conclusivos expressos em sede de fundamentação de direito), a partir do material fáctico dado (a montante, na decisão de facto) como provado e não provado. Ora, esses juízos conclusivos não são suscetíveis de ataque (pelo menos diretamente) em sede de impugnação da decisão de facto. A impugnação da decisão de facto terá como objeto os concretos pontos de facto que se considera incorretamente julgados (alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC). E será a partir do quadro formado pelos concretos pontos de facto julgados provados e não provados que, depois, se poderá censurar as conclusões a que o tribunal chegou, em sede de fundamentação de direito, acerca da procedência ou improcedência dos pedidos.
No que diz respeito à suposta impugnação da decisão de facto contida nas conclusões K) e L) da apelação (sendo certo, como se sabe, que – exceção feita às questões de conhecimento oficioso - o objeto do recurso é delimitado pelas respetivas conclusões – artigos 663.º n.º 2, 635.º n.º 4 e 608.º n.º 2 do CPC – delimitação essa aplicável, com as devidas adaptações, à impugnação da decisão de facto – neste sentido cfr., v.g., acórdão do STJ, de 18.02.2016, processo 558/12.1TTCBR.C1.S1, consultável, tal como todos os acórdãos adiante citados, salvo ressalva em sentido contrário, em www.dgsi.pt), a impugnação é, pois, improcedente.

Porém, na conclusão T) da apelação os recorrentes concretizam qual o facto que, no seu entender, deveria ter sido dado como provado:
A porta do Palácio encontrava-se aberta/destrancada na noite do assalto”.

Para tal os recorrentes invocaram factos dados como provados na sentença (máxime factos provados n.ºs 4, 9, 10, 14, 15, 16, 17), o teor do auto de notícia que constitui o documento n.º 7 da p.i. e o depoimento das testemunhas Iúri (…), Nuno (…), Diogo (…) e Alberto (…).
Por sua vez a recorrida invoca, nesta matéria, também o depoimento da testemunha Mário (…) e, bem assim, as declarações prestadas pelos AA. na audiência final.

Face ao já dado como provado nos números 14 a 17 dos factos provados, dos quais resulta que após o assalto se verificou que a porta de entrada do palácio se encontrava aberta (e, consequentemente, também destrancada), o facto que os recorrentes ora pretendem que se dê como provado só tem relevância se significar que a aludida porta já se encontrava aberta/destrancada antes do assalto.

É isso que há, então, que ora apreciar em sede de reavaliação da prova.

E desde já se diga que, ponderados os elementos constantes dos autos e a prova indicada, cremos que o tribunal a quo decidiu bem.

Efetivamente, no auto de notícia que constitui o documento n.º 7 da petição inicial apenas se constata que no momento em que, após o assalto, a força policial se dirigiu ao palácio, a porta da entrada estava “destrancada”.

A testemunha Iúri (…), agente da PSP, era o condutor da patrulha que tomou nota da ocorrência, não lhe competindo lavrar o respetivo auto, pelo que não esteve muito atento aos pormenores, dos quais já não se recordava, como fez questão de frisar. Tinha ideia de que a porta da habitação que estava em reconstrução estava aberta. Mas não se recorda como era a porta, sendo certo que não entrou no edifício. Também não se recordava se o colega havia entrado ou não.

A testemunha Nuno (…), engenheiro civil, que à data dos factos era o coordenador da obra em questão, disse que ao fim do dia eram fechadas as portas da obra. Aquando do assalto informaram-no de que tinha ocorrido um assalto, inclusivamente uma das portas tinha sido aberta, forçada ou arrombada. Do lado da rua das (…) havia três portões grandes, que davam acesso ao interior do palácio. Na altura a preocupação essencial foi averiguar se tinha sido furtada alguma coisa da obra, sendo certo que se estava ainda numa fase muito preliminar dos trabalhos, com pequenas demolições e pesquisa arqueológica, não existindo no local materiais de muito valor.

A testemunha Diogo (…), engenheiro civil que fazia parte da direção da obra e acompanhou esta até finais de janeiro, inícios de fevereiro de 2018, declarou que um dia de manhã, ao chegar à obra, lhe disseram que tinha havido um assalto no edifício ao lado. O palácio tinha três portas, todas para o mesmo lado. Na ocasião estava-se numa fase inicial dos trabalhos, realizando-se pequenas demolições e trabalhos de arqueologia. Não havia no local materiais de especial valor. Ao fim do dia as portas ficavam sempre fechadas. “O que acontecia é que nós trancávamos a porta sempre que saíamos, estava sempre fechada.”
Advogado: “Sabe se a porta do palácio chegou a ser arrombada nesse dia?
Testemunha: “Não. Mas sei que não desapareceu nada da obra.”
Advogado: “A porta principal normalmente como é que era trancada?
Testemunha: “Não me recordo. Mas era com cadeado, se não me engano. Mas não lhe consigo precisar.”

A testemunha Alberto (…), proprietário de uma fração do prédio dos AA., onde explora alojamento turístico, disse que antes das obras nunca viu ninguém no palácio, nem se lembra de ver as suas portas abertas. Havia o portão que era o original, que estava fechado com uma corrente, durante as obras. Antes das obras o portão estava fechado, com uma fechadura. Durante as obras já não havia um portão regular, com fechadura, como era dantes.

A testemunha Mário (…), sócio-gerente de uma sociedade alimentar que tem uma loja no prédio dos AA., disse que antes das obras o palácio parecia um edifício abandonado, que tinha umas portas grandes, antigas, degradadas, sempre fechadas. Essas portas mantiveram-se as mesmas durante as obras. Quando a testemunha saía da loja ao fim do dia ia para o lado contrário, pelo que não lhe era possível dizer se as portas do palácio ficavam abertas ou fechadas.

Nas declarações que prestou na audiência final a Autora confirmou que por norma as portas do palácio estavam fechadas. Porém, quando deram pelo assalto na sua casa e foram à rua, verificaram que a porta do meio (do palácio) estava aberta. Perguntada sobre se o portão do palácio estaria aberto por causa das obras ou por ter sido arrombado, disse que não fazia ideia nenhuma.

Nas declarações que prestou na audiência final o Autor disse que quando as obras começaram no palácio, parecia que a situação estava controlada. Havia poucas pessoas a trabalhar e os portões do palácio ao fim do dia eram sempre fechados. Aquando do assalto foram com os polícias à rua e perceberam que o portão do meio (do palácio) estava aberto.

A prova produzida apenas permite concluir que após o assalto um dos portões de entrada no Palácio (…) estava aberto. Mas nada se sabe sobre se os assaltantes encontraram o portão aberto antes do assalto, ou se foram eles que o abriram e de que modo.
Assim, e sendo certo que nesta matéria o ónus da prova recai sobre os AA., nada mais resta do que manter a decisão de facto tal como está, no que diz respeito a esta questão (artigos 343.º n.º 1 do Código Civil e 414.º do CPC).

No que concerne à privação do uso do terraço pelos AA.

Na sentença recorrida foi dado como provado, a este respeito, o seguinte:
36.- As obras do Palácio (…) terão tido início em Julho de 2017 e a partir daí o acesso ao terraço dos AA foi condicionado pela sujidade causada pelos trabalhos de recuperação.
37.- Na sequência de uma reunião, os AA permitiram a instalação de andaimes no seu terraço para finalizarem a obra na empena voltada à fracção dos AA., tendo sido assegurado aos AA. que retirariam os andaimes até Dezembro de 2017, prazo esse que não vieram a cumprir.
38.- Os AA. têm a sua máquina de lavar roupa num anexo situado no terraço, ao qual as rés cortaram o fornecimento de energia.
39.- Os AA. recorreram a uma notificação judicial avulsa para as Rés retirarem os andaimes e limparem o terraço, com o que despenderam o valor de 125,46 € (cento e vinte cinco euros e quarenta e seis cêntimos) -Docs. 21, 22 e 23”;
44.- A ré D desligou os cabos de electricidade e procedeu ao corte de energia eléctrica no anexo que os AA. têm no terraço para evitar problemas com a segurança de pessoas e bens.
45.- Os AA. foram avisados e concordaram com tal corte de energia”.

Também no que concerne a esta temática na sentença deu-se como não provado o seguinte:
e)- Que desde o início da obra de requalificação do palácio (…) até à presente data que os AA ficaram privados do uso do seu terraço”.

Os apelantes insurgem-se contra o assim decidido, defendendo que seja dado como provado o seguinte:
A partir de julho de 2017 o acesso ao terraço dos AA. foi impedido pela sujidade causada pelos trabalhos de recuperação”;
E ainda que:
Os AA. ficaram privados do uso do terraço desde o início da requalificação do Palácio (…) até à presente data”, sendo a “presente data” a data da entrada da ação em juízo (conforme os apelantes esclarecem na nota 8 da apelação), isto é, 28.02.2019.

Para fundamentar esta asserção de facto os apelantes indicam, além dos factos dados como provados supra indicados, as declarações da Autora e o depoimento das testemunhas Isabel (…) e Alberto (…). A apelada 1.ª R. invoca ainda as declarações do Autor e os depoimentos das testemunhas Nuno (…), Bruno (…), Diogo (…) e João (…).

Na decisão recorrida o tribunal a quo fundamentou o dado como provado sob o n.º 36 e o dado como não provado sob a alínea e) pela seguinte forma:
Considerou-se provado o facto 36 em face do depoimento de parte dos AA. corroborado pelos depoimentos das testemunhas Maria Isabel (…), Miguel (…), Alcina (…), Alberto (…) e Mário (…), todos tendo confirmado a existência e poeiras, entulho, barulho, trabalhadores no terraço, andaimes (primeiro suspensos e depois assentes no terraço) que, não impedindo completamente o acesso ao terraço, condicionam a sua utilização, motivo pelo qual se considerou não provado o facto referido em e)”.

Também aqui nos parece que o tribunal a quo ajuizou bem.

Nas declarações que prestou na audiência final a Autora expressou o incómodo que as obras implicaram, deixando o terraço de ser o local aprazível onde, quando fazia bom tempo, a A. gostava de trabalhar, tratar das suas plantas, mirar o Tejo, conviver com a família e os amigos, além de proceder à lavagem da roupa. Tal depoimento foi corroborado pelo Autor, pela testemunha Maria Isabel (…), amiga da A. e visita da casa, assim como (de forma mais genérica) pela testemunha Alcina (…) (vizinha que ia ao terraço tratar das plantas e dar de comer aos gatos, na ausência dos AA.) e bem assim pela suprarreferida testemunha Alberto (…) (também de forma mais vaga, por não ser visita da casa dos AA. e não ter exata ideia das condições em que decorreram as obras ao nível do terraço da casa daqueles).

Porém, decorre dos depoimentos ouvidos que o terraço em causa tem cerca de 100 m2 (depoimento da A.) e que o edifício onde se realizaram as aludidas obras (palácio (…)) confinava com o terraço apenas por um dos seus extremos (além dos depoimentos, assim decorre das fotografias n.ºs 236 a 239, que integram o documento n.º 8 junto com a contestação da 1.ª R.).

Pesem embora os incómodos decorrentes das obras, iniciadas em julho de 2017, o próprio Autor, no seu depoimento, ao narrar o momento em que a 2.ª R. terá iniciado a colocação de andaimes suspensos na empena do palácio virada para o terraço, contou que foi a Autora quem deu por tal facto, no dia 26 de abril de 2018, quando se encontrava no terraço onde tinha procedido à lavagem de roupas e à sua colocação para secagem – isto é, em abril de 2018, nove meses após o início das obras, a Autora estava a utilizar o terraço.

É certo que as aludidas obras impuseram restrições à utilização habitual e regular do terraço, mas sem que estivesse vedado o respetivo acesso e a sua utilização, pelo menos parcial, mesmo aquando da colocação de andaimes no próprio chão do terraço. Andaimes esses que foram colocados no terraço em finais de 2018, após autorização dos AA., segundo o depoimento das testemunhas Nuno (…), Bruno (…) e João (…) (engenheiro civil, responsável pelas obras da 2.ª R. na área de Lisboa), conjugado com as declarações do A. (que declarou que os andaimes foram colocados no início de dezembro) e o teor da notificação judicial avulsa das RR. realizada em 05.02.2019 (no artigo 17.º da notificação refere-se que os andaimes estavam instalados havia três meses).

Há, pois, manifesto lapso na sentença recorrida (como aliás é referido pela 1.ª R. na contra-alegação do recurso), quando no n.º 37 dos factos provados se refere o mês de dezembro de 2017, e não o mês de dezembro de 2018, como sendo a data prevista para o termo da instalação dos andaimes. Tal lapso está evidenciado, na sentença, pela própria reprodução, que aí consta, das declarações do A. e do depoimento das testemunhas Bruno (…) e João (…), reprodução essa em que consta a referência ao ano de 2018 (sendo que o engenheiro Bruno (…) iniciou as funções de direção da obra sub judice em março de 2018).

Deverá, pois, ser retificado o n.º 37 dos factos provados.

No mais, improcede a referida impugnação da decisão de facto.

Em suma, a impugnação da decisão de facto improcede na totalidade.

Porém, por padecer de evidente lapso, retifica-se o n.º 37 dos factos provados, devendo substituir-se a referência ao ano de 2017 pela referência ao ano de 2018, passando o referido número da matéria de facto a ter a seguinte redação:
37.- Na sequência de uma reunião, os AA permitiram a instalação de andaimes no seu terraço para finalizarem a obra na empena voltada à fracção dos AA., tendo sido assegurado aos AA. que retirariam os andaimes até Dezembro de 2018, prazo esse que não vieram a cumprir.

3.Segunda questão (responsabilidade civil das RR.)
3.1.-No seu recurso os apelantes reiteram a pretensão de serem indemnizados pelas RR. por determinados danos emergentes do assalto de que a sua fração foi alvo, assim como pela alegada privação do uso do seu terraço decorrente das obras realizadas no Palácio (...) .
3.2.-Da responsabilidade civil emergente do assalto à fração dos AA.
Segundo os apelantes, foi por negligência das RR. que a fração dos AA. foi assaltada. As RR. não teriam tomado as precauções necessárias para evitar que alguém se introduzisse no interior do Palácio de (…), onde decorriam as obras de que a 1.ª R. era a dona e a 2.ª R. a empreiteira, e a partir daí utilizasse uma janela que proporcionava acesso ao terraço dos AA., para o qual dava a porta da cozinha por onde o ou os assaltantes entraram. Segundo os apelantes, que em arrimo da sua posição citam diversa jurisprudência, as RR. omitiram um dever geral de prevenção do perigo, incorrendo na obrigação de indemnização dos AA. com base na responsabilidade civil, mostrando-se preenchida a previsão do art.º 483.º do Código Civil.

Vejamos.

Nada temos a contrapor relativamente às considerações jurisprudenciais citadas pelos apelantes.

É um facto que as normas legais atinentes ao conteúdo e ao exercício do direito de propriedade, máxime quando incidente sobre imóveis, impõem aos respetivos titulares restrições decorrentes da tutela de interesses igualmente ou superiormente relevantes, seja, v.g., o direito de propriedade dos titulares dos prédios vizinhos, seja os direitos de personalidade que possam ser ilicitamente afetados por ação ou omissão do proprietário. A partir de normas como as previstas nos artigos 492.º, 493.º, 1346.º a 1352.º do Código Civil pode equacionar-se a aplicação de um princípio geral de preservação do equilíbrio imobiliário entre prédios vizinhos, que constitui expressão de um dever geral de prevenção do perigo, dever esse que igualmente constitui instrumento de tutela de bens de personalidade (art.º 70.º do CC).
Nesse sentido discorrem os acórdãos citados pelos apelantes (acórdão da Relação do Porto, de 24.01.2012, processo 116/09.8TBMCD.P1; acórdão do STJ, de 14.02.2017, processo 528/09.7TCFUN.L2.S1; acórdão do STJ, de 29.3.2012, processo 6150/06.2TBALM.L1.S1; acórdão do STJ, de 25.10.2018, processo 2511/10.0TBPTM.E2.S1; acórdão do STJ, de 02.6.2009, processo 560/2001.S1).

Os quais se arrimam na doutrina de Antunes Varela (RLJ, comentário ao acórdão do STJ de 26.3.1980, n.º 67, ano 114.º, pp. 77-79), Oliveira Ascensão (ROA, n.º 67, volume I, janeiro 2007, “A preservação do equilíbrio imobiliário como princípio orientador da relação de vizinhança”), José Alberto González (cfr. Direito da Responsabilidade Civil, Qui Juris, 2017, pp. 468 e 469)

Sendo certo que, como se pondera no último dos acórdãos supracitados, o dever genérico de prevenção do perigo que existe relativamente aos donos de coisas públicas ou privadas, ainda que imóveis, deve aferir-se, quanto ao grau de exigência do obrigado à prevenção do perigo (na tomada de medidas aptas a evitar o maior ou menor risco de “acidente” que a coisa representa), pela maior ou menor probabilidade do risco de “acidente”. “Quanto mais intenso for o perigo mais intensa é a obrigação de o prevenir adequadamente, e, em caso de omissão, mais exigente deve ser o juízo de censura”.

Os casos tidos em vista nos acórdãos citados pelos apelantes referiam-se, maioritariamente, a trabalhos de construção civil que viriam a causar danos em prédios vizinhos, por falta de cuidado dos proprietários responsáveis pelas obras (colocação de terras soltas que vieram a danificar a casa vizinha em virtude de enxurrada; demolição de parede contígua à de moradia geminada, causando infiltrações nesta; desmoronamento de prédio em consequência de obras de remodelação e ampliação do edifício vizinho). No caso do último acórdão citado (acórdão do STJ, de 02.6.2009), tratava-se da existência de uma vala não assinalada que atravessava um caminho localizado em propriedade particular que não estava vedada ao público e onde veio a cair um automóvel.

Trata-se, cremos, de situações relevantemente diversas da que constitui objeto destes autos.

Em abstrato, não recai sobre os titulares de imóveis o dever de tomar precauções para evitar que terceiros se introduzam nos prédios seus vizinhos, a partir do seu próprio prédio. O direito de tapagem, reconhecido no art.º 1356.º do Código Civil, visa garantir a segurança e privacidade do proprietário que o exerce, e não a do proprietário vizinho.

Nesta perspetiva, não existe norma legal (ou contratual) que impusesse às RR. a obrigação de zelarem por que a casa dos AA. não fosse vítima da intrusão de terceiros.

Responsáveis pela tomada de medidas para evitar tal intrusão eram, no sentido de nisso serem os interessados, os AA.

Por sua vez as RR. seriam as responsáveis, por nisso serem as interessadas, enquanto titulares dos respetivos direitos a tutelar, pelos cuidados a tomar para evitar a entrada de intrusos no Palácio (…).

No mais, é evidente que as RR. não poderiam nem deveriam criar condições para que, em virtude das obras e para além do que seria inevitável pelo decurso das mesmas (veja-se, v.g., a necessária colocação de andaimes próximos de prédios vizinhos) o seu prédio constituísse veículo privilegiado de passagem para o prédio dos AA., facilitando a introdução indesejada de terceiros na propriedade dos AA.

Ora, a porta do palácio onde decorriam as obras de que a 1.ª R. era a dona e a 2.ª R. era a empreiteira costumava ficar fechada (n.º 15 dos factos provados, parte final).

E não se provou que no dia do assalto as RR. deixaram a aludida porta aberta.

Cabia às AA., nos termos do art.º 342.º n.º 1 do CC, o ónus da prova de que o aludido assalto se deveu a ação ou omissão por parte das RR., isto é, a demonstração de que o assalto se deveu a facto ilícito e culposo das RR. (artigos 483.º, 486.º e 487.º n.º 1 do CC).

Tal demonstração não foi feita.

Pelo que, nesta parte, a apelação improcede.

3.3.Da privação do uso do terraço dos AA.
Os apelantes reclamam indemnização pelo dano patrimonial consubstanciado na privação da utilização do seu terraço. Citando doutrina (Abrantes Geraldes, cfr. Indemnização do dano da privação do uso, Almedina, 2001; Menezes Leitão, cfr. Direito das Obrigações, vol. I, 15.ª edição, 2021, Almedina, páginas 333 e 334) e diversa jurisprudência (acórdão da Relação de Lisboa, de 11.12.2019, processo 3088/19.7YRLSB-2; acórdão do STJ, de 12.01.2010, processo 314/06.6TBCSC.S1; acórdão do STJ, de 05.7.2018, processo 176/13.7T2AVR.P1.S1) os apelantes alegam que em virtude da conduta das RR. ficaram privados do uso do seu terraço durante 18 meses, o que só por si constitui dano ressarcível, equitativamente computável no valor de € 2 700,00, (correspondente a € 150,00 por mês).

Embora centrada, em virtude da sua preponderância casuística, maioritariamente na privação do uso de viaturas automóveis, a jurisprudência tem-se dividido, nesta matéria (da ilícita privação da possibilidade de uso de coisas pelo respetivo proprietário) em três posições principais:
- a tese de que a privação do uso de uma coisa constitui um dano autónomo e patrimonial suscetível de avaliação, independentemente da utilização que se faça ou não (ou que se faria) do bem em causa durante o período de privação (tese defendida pelos acórdãos citados pelos apelantes – no mesmo sentido, numa situação envolvendo um imóvel, cfr., v.g., acórdão do STJ, de 17.11.2021, processo 6686/18.2T8GMR.G1.S1);
- a tese de que a atribuição de uma tal indemnização depende da prova do dano concreto, ou seja, para a determinação do dano o lesado deve concretizar e demonstrar a situação hipotética que existiria se não fosse a privação do uso da coisa, no sentido de ter tido efetiva repercussão negativa no património do lesado (neste sentido cfr., v.g., acórdão do STJ, de 12.01.2012, processo 1875/06.5TBVNO.C1.S1 e acórdão do STJ de 03.10.2013, processo 9074/09.8T2SNT.L1.S1, ambos citados na sentença recorrida);
- uma tese intermédia, nos termos da qual apesar de a prova da privação da coisa, pura e simples, não bastar para o reconhecimento de dano ressarcível, também não é de exigir a prova efetiva do dano concreto, bastando, antes, que o lesado demonstre que pretende (ou pretendia, no caso de uma privação já finda) usar a coisa, ou seja, que dela pretende ou pretendia retirar as utilidades (ou algumas delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela atuação ilícita do lesante (neste sentido cfr., v.g., acórdão do STJ de 26.01.2021, processo 6122/17.1 T8FNC.L1.S1 e acórdão do STJ, de 28.01.2021, processo 14232/17.9T8LSB.L1.S1).

Na sentença recorrida, após se pender para a segunda das teses acima referidas, exarou-se o seguinte:
Ora, com interesse específico para a questão, apenas resultou provado o seguinte:
- a partir de Julho de 2017 o acesso ao terraço dos AA. foi condicionado pela sujidade causada pelos trabalhos de recuperação.
Porém, não se provando que ficou impedida a utilização, nem qual a perda de utilidade sofrida, há que concluir pela inexistência de dano e, consequentemente, pela inexistência de obrigação de indemnizar.
Sempre se dirá que os condicionamentos de utilização de um terraço, provocados pelas obras, licitas, no prédio vizinho, podendo ser um incómodo, terão que ser, ainda, suportáveis, no âmbito das relações de vizinhança, da mesma forma que qualquer cidadão terá que suportar o trânsito acrescido decorrente de obras na via pública ou mesmo o corte de vias.
Improcede, assim, também, o pedido formulado sob a al. i)”.

Vejamos.

Em princípio, a privação do uso e fruição de uma coisa constitui um dano patrimonial, na medida em que determina uma limitação ao direito de propriedade sobre esse bem, o qual compreende, conforme a enumeração expressa operada pelo art.º 1 305.º do Código Civil, os direitos de uso, fruição e disposição da coisa.

Os AA. são proprietários de uma fração autónoma, destinada a habitação, da qual faz parte um terraço localizado nas traseiras do edifício respetivo (cfr. n.ºs 1, 4, 9 dos factos provados).

Não está em causa, nestes autos, a privação da possibilidade de uso do imóvel de que os AA. são proprietários (ou seja, a privação do uso de uma coisa), mas de uma parte do mesmo, neste caso o terraço (isto é, a privação de parte da coisa).

Provou-se que:
36.-As obras do Palácio (…) terão tido início em Julho de 2017 e a partir daí o acesso ao terraço dos AA foi condicionado pela sujidade causada pelos trabalhos de recuperação.
37.-Na sequência de uma reunião, os AA permitiram a instalação de andaimes no seu terraço para finalizarem a obra na empena voltada à fracção dos AA., tendo sido assegurado aos AA. que retirariam os andaimes até Dezembro de 2018, prazo esse que não vieram a cumprir.
38.-Os AA. têm a sua máquina de lavar roupa num anexo situado no terraço, ao qual as rés cortaram o fornecimento de energia.
44.-A ré D desligou os cabos de electricidade e procedeu ao corte de energia eléctrica no anexo que os AA. têm no terraço para evitar problemas com a segurança de pessoas e bens.
45.-Os AA. foram avisados e concordaram com tal corte de energia.

E deu-se como não provado que “desde o início da obra de requalificação do palácio (…) até à presente data que os AA ficaram privados do uso do seu terraço” (alínea e) dos factos não provados).

Dos factos provados resulta que os AA. antes das obras sub judice davam uso ao aludido terraço, nomeadamente para utilização da máquina de lavar roupa.

Porém, embora o uso do terraço tivesse ficado condicionado (pela sujidade causada pelos trabalhos de recuperação levados a cabo pelas RR. no edifício vizinho ao prédio dos AA. e pelo corte de energia elétrica do anexo existente no terraço), não ficou (completamente) impedido. Sendo certo que não ficou provado o período de tempo em que decorreu a privação da utilização da eletricidade no mencionado anexo, nem as concretas limitações de utilização do terraço, no que concerne ao como e ao quando.

De resto, os AA. autorizaram a colocação dos andaimes no terraço e, bem assim, o corte de eletricidade do anexo (n.ºs 37 e 45 dos factos provados).

Assim, os inconvenientes resultantes desses factos emergem de conduta lícita, porque autorizada pelos AA..

É certo que a produção de danos causados por factos lícitos, mesmo autorizados (os factos) pelo lesado, podem dar azo à obrigação de indemnização. Veja-se o disposto no art.º 1349.º do Código Civil:
1.-Se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável levantar andaime, colocar objectos sobre prédio alheio, fazer passar por ele os materiais para a obra ou praticar outros actos análogos, é o dono do prédio obrigado a consentir nesses actos.
2.-(…)
3.- Em qualquer dos casos previstos neste artigo, o proprietário tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido”.

O art.º 1349.º do CC consagra, pois, uma situação de responsabilidade por facto danoso lícito.

Os AA. peticionaram indemnização por diversos estragos causados pelas RR. no terraço da sua fração, emergentes das obras por aquelas realizadas no edifício vizinho, indemnização essa a ser efetuada por reconstituição natural, mediante a reparação integral do terraço (alínea a) do petitório) ou, subsidiariamente, mediante o pagamento de uma quantia pecuniária (alínea h) do petitório).

As RR. terão procedido à peticionada reparação dos estragos causados no terraço, pois, invocando tal facto, os AA. desistiram dos mencionados pedidos a) e h) (cfr. n.º 6 do Relatório supra).

No mais, no que diz respeito ao terraço, parte do imóvel dos AA., tão só se provaram os inconvenientes supra mencionados, decorrentes das obras de reabilitação realizadas pelas RR..

Atuará aqui aquilo a que José Alberto González apelida de princípio da tolerância:
Com efeito, existindo diversos proprietários ou titulares de outros direitos de gozo sobre imóveis geograficamente próximos, o respetivo exercício não pode deixar de repercutir-se entre si, em maior ou menor medida. Neste pressuposto, a questão reside na determinação do ponto até ao qual a interferência é aceitável ou daquele a partir do qual já não é objetivamente razoável impô-la aos demais. É nisto que, no essencial, consiste a determinação da tolerância que é legítimo infligir para que o exercício de direitos em colisão seja viável, respeitando os princípios da paridade jurídica e da igualdade” (Direito da responsabilidade civil, ob. cit., p. 465).

A intervenção do princípio da tolerância normal representa uma aplicação da regra contida no art.º 335.º n.º 1 do CC (José Alberto González, ob. cit., p. 466):
Havendo colisão de direitos iguais ou da mesma espécie, devem os titulares ceder na medida do necessário para que todos produzam igualmente o seu efeito, sem maior detrimento para qualquer das partes”.

In casu, a comprovada compressão do direito ao uso integral e sem restrições de uma parte do imóvel dos AA., o respetivo terraço, cujo acesso ficou condicionado mas não impedido pelas obras levadas a cabo no prédio vizinho pelas RR., não ultrapassou, cremos, os limites do normalmente tolerável, ou, pelo menos, não atingiu as proporções invocadas pelos AA. para justificar a peticionada concessão de indemnização por privação do uso da coisa.

Nesta parte, pois, a apelação também é improcedente.

III.DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a apelação improcedente e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida.
As custas da apelação, na vertente das custas de parte, são a cargo dos apelantes, que nela decaíram (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).



Lisboa, 13.01.2022



Jorge Leal
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva