Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
812/15.0T8VFX-B.L1-6
Relator: MARIA DE DEUS CORREIA
Descritores: INSOLVÊNCIA DE PESSOAS SINGULARES
PLANO DE PAGAMENTOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Nos processos de insolvência de pessoas singulares não empresários ou titulares de pequenas empresas (art.º 249.º do CIRE), decretada a insolvência ao abrigo do disposto no art.º 17.º-G n.º3 do CIRE, não é admissível a apresentação de plano de pagamentos aos credores.
- Isto porque tal situação se distingue quer da prevista no artigo 251.º, quer da prevista no art.º 253.º, ambos do CIRE, pois apresenta uma particularidade que consiste em se ter ultrapassado já uma fase negocial, no âmbito do processo especial de revitalização que precedeu o decretamento da insolvência.
(Sumário elaborado pela Relatora
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa:



    I-RELATÓRIO:


M..., tendo sido notificada da sentença datada de 9.3.2015, que declarou a respectiva insolvência, veio, em 18.3.2015, apresentar plano de pagamentos.

Foi proferida decisão que não admitiu a apresentação de plano de pagamentos, indeferindo-se também e consequentemente a suspensão do processo de insolvência, ao abrigo do art.255º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Inconformada com essa decisão, a Insolvente veio interpor recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

«1-Por douto despacho proferido a 20 de maio de 2015, o Tribunal decidiu proferir a improcedência do incidente de apresentação de plano de pagamentos, mas cite-se: “pelo exposto não se admite a apresentação de plano de pagamentos, (…)”.

2-O presente incidente teve o seu início em 18 de março de 2015, com a apresentação da Recorrente deste incidente, o que fez nos termos e para os efeitos dos artigos 251.º e seguintes do CIRE.

3-O mesmo foi apresentado em consequência da declaração de Insolvência da Recorrente, insolvência esta requerida pelo Senhor Administrador Judicial Provisório e não pela Recorrente.

4–A Recorrente apresentou sim, um Plano Especial de Revitalização em 21/Março/2014, o que fez nos termos e para os efeitos dos art.ºs 17.ºA e seguintes do CIRE.

5-Das negociações efectuadas, bem como do plano apresentado, a Recorrente não reuniu quorum suficiente para a sua aprovação.

6-Nestes termos, a 20 de Agosto de 2014, data anterior ao parecer do Senhor Administrador Judicial Provisório (21 de Agosto de 2014), veio a Recorrente, nos termos e para os efeitos do n.º 4 do art.º 17.ºG do CIRE, pronunciar-se sobre a sua situação de solvência, não concordando com a sua apresentação à insolvência, mas alegou que caso fosse declarada insolvente iria apresentar um plano de pagamentos, nos termos e para os efeitos do art.º 251.º e seguintes do CIRE- cfr.doc. junto pelo Senhor Administrador Judicial Provisório no seu Parecer de 21 de Agosto de 2015.

7-A 21 de Agosto de 2014, o Senhor Administrador Judicial Provisório emitiu parecer nos termos e para os efeitos do art.º 17.º F do CIRE, onde entende que deveria ser declarada a insolvência da Recorrente, sem atender ao parecer da Recorrente que consta em anexo.

8-Posto isto, notificada para exercer o contraditório, a 2 de Setembro de 2014 (via CTT e correio electrónico) a Recorrente fê-lo explicando e provando que apesar da sua não aprovação e não homologação, a mesma não estava, nem está, em situação de insolvência atendendo que não reúne os requisitos mencionados pelo art.º 3.º do CIRE, mais uma vez ressalvando que caso fosse declarada insolvente, iria apresentar plano de pagamentos.

9-Requerimento este enviado (novamente) via Citius a 16 de Outubro de 2014, devido às dificuldades que se verificaram desde Agosto a Outubro de 2014, na plataforma electrónica Citius.

10-A Recorrente, ao contrário do que versa o douto despacho de que se recorre, acautelou sempre a possibilidade de ser declarada a sua insolvência, informando a todos os momentos que iria apresentar plano de pagamentos.

11-Ora, perante isto, impunha-se ao Tribunal a quo a citação da aqui Recorrente para, no prazo fixado, apresentar o plano de pagamentos, tudo nos termos do art.º 253.º do CIRE.

12-Por conseguinte, não tendo sido a Recorrente citada para o efeito, apresentou, por sua iniciativa, o respectivo plano de pagamentos ao ser notificada da sentença de declaração de insolvência de 9 de Março de 2015, sentença de que se discorda, pelo que, se interpôs tempestivamente o competente recurso.

13-A presente insolvência foi requerida, ao contrário do que consta na caracterização do processo, pelo Senhor Administrador Judicial Provisório, conforme vem expresso na sentença que veio declarar a insolvência da aqui Recorrente.

14-Em momento algum a aqui Recorrente requereu a sua declaração de insolvência, pelo contrário, conforme consta dos presentes autos nos diversos requerimentos entregues pela mesma – cfr. Requerimento enviado ao Senhor Administrador Judicial Provisório a 20 de Agosto de 2014., junto ao Apenso A dos autos principais pelo Senhor Administrador Judicial Provisório a 21 de Agosto de 2014 e em 16 de Outubro de 2014 os anteriormente enviados via CTT e via correio electrónico.

15-Ora, sendo uma insolvência requerida por um terceiro, o devedor pode apresentar o plano de pagamentos com a oposição, nos termos e para os efeitos do art.º 253.º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas. Ora, tal não ocorreu.

16-Há falta de citação, segundo o critério definido no art.º 195.º n.º1 do CPC, quando o acto tenha sido completamente omisso, isto é, quando não exista qualquer aparência de citação (alínea a), o que se verificou no presente caso.

17-Assim, a falta de citação gerou a falta de apresentação do plano de pagamentos, que não tendo sido apresentada a insolvência pela Recorrente não poderia a mesma indicar plano na petição inicial, sendo o momento próprio a oposição, que não existiu por falta de citação.

18-Neste sentido, impõe o art.º 253.º do CIRE, que passa-se a citar: “Se não tiver sido dele a iniciativa do processo de insolvência, deve constar do acto de citação do devedor pessoa singular a indicação da possibilidade de apresentação de um plano de pagamentos em alternativa à contestação, no prazo fixado por esta, verificado algum dos pressupostos referidos no n.º1 do artigo 249.º, com expressa advertência para as consequências previstas no n.º4 do art.º anterior e no artigo seguinte.”

19-Mesmo que assim não se entenda, aquando da apresentação à insolvência e se os devedores referem que pretendem apresentar um plano, mas não o fazem, ao Julgador é-lhe imposto, pelo art.º 252.º do CIRE, a notificação dos mesmos para o fazerem.

20-Ora, no caso em apreço, deveria o Tribunal a quo ter notificado a Devedora para apresentar o plano de pagamentos a que se tinha proposto, o que não fez.

21-Não obstante, a Recorrente apresentou, por sua iniciativa, o respectivo plano de pagamentos ao ser notificada da sentença de declaração de insolvência de 9 de março de 2015.

22-Pelo exposto, deverão V.Exas revogar a decisão de inadmissibilidade do plano de pagamentos e, em consequência, deverão os credores ser notificados do mesmo para se pronunciarem.»

Não foram apresentadas contra alegações:

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

            II-OS FACTOS.

Os elementos relevantes para a decisão são os que constam do relatório supra, destacando-se para melhor esclarecimento o teor do despacho recorrido:

Notificada da sentença datada de 9.3.2015, que declarou a respectiva insolvência, veio a insolvente em 18.3.2015 apresentar plano de pagamentos.
O art.251º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas prescreve que o devedor pode apresentar, com a petição inicial, um plano de pagamentos aos credores.
Caso a insolvência seja requerida, deve ser advertido dessa possibilidade, em alternativa à contestação, dispondo do mesmo prazo para esse feito.
Na situação concreta a insolvente deu início a um processo especial de revitalização que terminou sem aprovação de plano de revitalização.
Nessa sequência, o Sr. Administrador Judicial Provisório apresentou, em 21.8.2014, parecer no sentido de estar a requerente do processo especial de revitalização em situação de insolvência (cfr. fls. 130/131 do apenso A).
Antes da apresentação desse parecer a requerente do processo especial de revitalização foi ouvida e pronunciou-se.
Ora, quando deu início àquele processo a requerente/insolvente sabia que o mesmo podia redundar numa declaração de insolvência.
Sabia também, ou devia saber, porque está patrocinado por advogado, que findo o processo sem homologação de plano de revitalização necessariamente se segue uma fase em que o administrador judicial provisório se deverá pronunciar no sentido de estar ou não em situação de insolvência e que, caso o parecer seja no sentido da insolvência, tal valerá como uma apresentação à insolvência – art.17º-G, números 3 e 4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
No caso, a devedora foi contactada pelo Sr. Administrador Judicial Provisório para se pronunciar, o que fez, pelo que nessa data sabia que qualquer possibilidade estava em aberto.
Devia então (antes de 21.8.2014) ter acautelado todas as opções, designadamente a hipótese de vir a ser apresentado parecer no sentido da sua declaração de insolvência, e requerido a apresentação de plano de pagamentos, o que não fez.
Posto isto e, em conclusão, entendemos que não tendo a devedora (no lapso de tempo que mediou entre a sua notificação para se pronunciar, ao abrigo do art.17º-G n.º4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas e a data da declaração de insolvência), apresentado plano de pagamento, não pode agora fazê-lo. A lei é peremptória e determina que em caso de apresentação à insolvência este plano deve ser apresentado com a p.i., logo, antes da declaração de insolvência.
Pelo exposto não se admite a apresentação de plano de pagamentos, indeferindo-se também e consequentemente a suspensão do processo de insolvência, ao abrigo do art.255º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Notifique.”

            III-O DIREITO.

Tendo em conta as conclusões de recurso formuladas que delimitam o respectivo âmbito de cognição, a única questão a resolver consiste em saber se é admissível a apresentação pelo insolvente, de um plano de pagamentos, no âmbito dos autos de insolvência , onde já foi proferida sentença de insolvência, após processo especial de revitalização requerido pelo insolvente e em que não foi aprovado o plano de revitalização.

            Vejamos:

A Lei n.º 16/2012 de 20 de Abril alterou o Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004 de 18 de Março, instituindo, designadamente, o processo especial de revitalização.

A razão de ser e o objectivo deste processo especial de revitalização é o de “permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização.”(Vide art.º 17.º A do CIRE)[1].No âmbito deste PER, estabelecem-se, pois, negociações entre o devedor e os respectivos credores (cfr. art.º 17.º D), concluídas as quais, caso seja aprovado o plano de recuperação e venha a ser homologado, essa homologação vincula todos os credores, mesmo os que não tenham participado nas negociações (art.º 17.º F). Desta forma se conciliam os interesses dos credores e dos devedores, obtendo aqueles a satisfação dos seus créditos, na medida constante do plano de recuperação e, logrando os devedores evitar a insolvência.

Porém, se não for aprovado um plano de recuperação, uma de duas hipóteses ocorrerá: ou o devedor não se encontra ainda em situação de insolvência, e o encerramento do processo especial de revitalização acarreta tão só a extinção dos seus efeitos (n.º 2 do art.º 17.º-G) ou o devedor já está em situação de insolvência e então o juiz deverá declará-la, mediante requerimento do administrador judicial provisório, que deverá previamente ouvir o devedor e os credores (n.ºs 3 a 5 do art.º 17.º-G).

Foi esta segunda situação a que ocorreu nos presentes autos. Foi decretada a insolvência da devedora, nos termos do art.º 17.º G n.º3 do CIRE. Nestas circunstâncias, foi encerrado o processo negocial, e tendo sido decretada a insolvência, não faz sentido que, após decretada a insolvência, seja reiniciado tal processo negocial, por ser altamente improvável que tal plano de pagamentos pudesse merecer agora aprovação.

A situação ora em apreço não se reconduz, nem à previsão do art.º 251.º do CIRE que se aplica no caso de ser o devedor a requerer a insolvência, nem à situação do art.º 253.º em que o plano de pagamentos é apresentado “em alternativa à contestação”, em caso de insolvência requerida por terceiro. É que a situação, ora em apreço, distingue-se de ambas as previsões legais, pois apresenta uma particularidade que consiste em se ter ultrapassado já uma fase negocial, no âmbito do processo especial de revitalização que precedeu o decretamento da insolvência.

Neste sentido tem vindo a ser decidido por este Tribunal[2]. É certo que existe pelo menos uma decisão em sentido contrário, mas cremos que a situação concreta ali em apreço, não põe em crise a argumentação que ora se defende[3].

Improcedem, pois, as conclusões da Apelante, não merecendo censura a decisão recorrida que deve manter-se.

IV-DECISÃO.

Em face do exposto, acordamos neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.


Lisboa, 26 de Novembro de 2015


Maria de Deus Correia
Nuno Sampaio
Maria Teresa Pardal
           

[1]Serão deste diploma legal todos os preceitos que vierem a ser citados sem indicação de proveniência.
[2]Vide, a título exemplificativo, Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 29-10-2015, subscrito igualmente pela aqui Relatora, e para cujos argumentos se remete e Processo 673/15.0T8AGH-C.L1-6,  e de 23-04-2015, ambos disponíveis  em www.dgsi.pt., bem como Jurisprudência em ambos citada.
[3]Vide Acórdão da Relação de Guimarães, de 24.10.2013, processo 1368/12.1TBEPS-A.G1, onde se entendeu, fazendo apelo ao princípio da adequação formal, ser admissível que o devedor apresente proposta de plano de pagamentos na assembleia de credores subsequente a declaração de insolvência que se seguiu ao insucesso de um processo de revitalização. Porém, cabe notar que no caso apreciado pela Relação de Guimarães, tanto quanto parece decorrer do seu texto, o devedor apresentou desde logo, na aludida assembleia, um esboço do plano proposto, com o qual um dos credores manifestou concordância, e o outro credor presente não se opôs ao mesmo, solicitando um prazo de dez dias para o estudar. Poderá, assim, entender-se que havia uma perspetiva séria de os interesses em presença serem regulados por meio de uma transação (natureza jurídica atribuível ao plano de pagamentos)

Decisão Texto Integral: