Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1298/11.4TVLSB.L1-1
Relator: MANUELA ESPADANEIRA LOPES
Descritores: EMPREITADA
INSOLVÊNCIA
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
ELIMINAÇÃO DE DEFEITOS DA OBRA
COMPENSAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- A excepção de não cumprimento do contrato consiste num meio de defesa destinado a assegurar o respeito pelo princípio do cumprimento simultâneo.
II- Sendo procedente a excepção de não cumprimento, a condenação do réu fica subordinada à condição de cumprimento por parte do autor.
III- Verificando-se o incumprimento por parte do dono da obra respeitante ao pagamento de parte do preço e do empreiteiro no que concerne à correcção dos defeitos deve ter lugar a condenação em simultâneo.
IV- Tendo ocorrido a declaração de insolvência do empreiteiro no decurso da acção e verificando-se o incumprimento pela sua parte, deve haver lugar à condenação do dono da obra no pagamento da parte do preço em falta deduzida da quantia necessária para eliminação dos defeitos e demais despesas suportadas por este por factos imputáveis ao empreiteiro.
V- O instituto da condenação por litigância de má fé envolve um juízo de censura que assenta na violação de deveres de probidade, cooperação e de boa fé a que as partes estão vinculadas.
VI- O responsável pela multa e pela indemnização devidas por força da condenação em litigância de má fé é o lesante.
VII- Ocorrendo a substituição processual da primitiva parte pela respectiva massa insolvente e tendo os actos susceptíveis de dar lugar à condenação como litigante de má fé sido praticados por aquela, não pode ser a massa insolvente condenada na multa e na indemnização devidas pela prática de tais actos. 
Decisão Texto Parcial:Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

I-Relatório
A…, actualmente Massa Insolvente da sociedade em causa, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinária, contra B… e C…, pedindo que estes sejam condenados a pagar-lhe a quantia de € 355.906,29, acrescida de juros de mora vincendos, calculados à taxa legal comercial sobre o capital de € 337.078,66.
Alegou, em síntese, que:
- Foi adjudicada à A., à data sociedade …, pelo R. marido, através de contrato de empreitada celebrado em 15.09.2008, a execução dos trabalhos de construção de um edifício unifamiliar, em terreno destinado a habitação, sito na Av. Pinhal do Arneiro, Lote 238, Verdizela, Seixal, propriedade deste e da R. mulher;
- Os trabalhos adjudicados pelo réu marido à autora foram contratados em regime de empreitada por preço global;
- A conceção e elaboração dos projetos de arquitetura e especialidades constituiu responsabilidade do réu marido;
- A autora executou todos os trabalhos adjudicados em cumprimento dos projetos que lhe foram apresentados;
- A título de preço para os trabalhos objeto da empreitada contratada foi ajustado entre as partes o preço global de € 237.191,98, acrescido de IVA à taxa legal em vigor;
- A Autora e o Réu marido acordaram ainda o pagamento do preço em dez prestações mensais e sucessivas, (….);
- Os réus adjudicaram ainda à autora um conjunto de trabalhos extracontratuais no valor de € 41.296,39, os quais foram executados pela autora;
- Apesar de a autora ter emitido as faturas e interpelado os réus, estes não procederam ao pagamento da quantia de € 337.078,66;
(…).
Regularmente citados, os RR. contestaram, concluindo pela sua absolvição do pedido, bem como pela procedência do pedido reconvencional com a consequente condenação da ré no pagamento da quantia de € 20.707,34, acrescida de juros de mora até integral pagamento.
Pediram a condenação da autora como litigante de má fé em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00.
Mais requereram a suspensão da instância até ser proferida decisão no processo que corria termos sob o nº 1685/11.8TVLSB termos na 3ª secção da 4ª Vara Cível de Lisboa.
Alegaram, em síntese, que:
- Os réus propuseram a acção judicial imediatamente supra referida peticionando a condenação da ora autora na eliminação dos defeitos que pudessem ser suprimidos ou a proceder a nova construção, ou subsidiariamente, a condenação da mesma a pagar aos ora réus uma indemnização de € 75.044,00, ou a liquidar em incidente, que abranja os custos da reparação e eliminação dos defeitos e à construção de nova obra caso não  totalidade dos respetivos recibos;  (…)- A autora não efectuou obras contratadas no valor de global de € 60.276,29; - Os réus detêm um saldo credor sobre a autora no montante de € 11.199,44; - A ACT aplicou ao réu marido uma coima no valor de € 9.507,40 pela falta de coordenador de obra, inexistência de proteções coletivas nas escadas e falta de segurança nas obras em curso.
- No mais, impugnaram os factos articulados pela autora.
A A. replicou, pedindo a improcedência da reconvenção e o indeferimento da suspensão da instância. Mais pediu a condenação dos réus como litigantes de má fé em multa e indemnização não inferior a € 10.000,00.
Alegaram, para tanto e em síntese, que:
- As patologias construtivas existentes emergem de erro de projeto e não de execução deficiente da autora;
- A autora executou os trabalhos empreitados em cumprimento com o projeto aprovado e sob instruções e fiscalização do dono de obra, que os aceitou e recebeu.  
A fls. 195/197 dos autos, os réus pediram a improcedência do incidente de litigância de má fé.
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Por despacho proferido a fls. 217 dos autos, foi ordenada a apensação aos presentes autos dos autos que, sob o nº 1685/11.8TVLSB, corriam termos na 3ª secção da 3ª Vara Cível de Lisboa. 
Em cumprimento deste despacho, foi apensada a ação declarativa com processo ordinário que B… e C… propuseram contra a actual “Massa Insolvente A…, pedindo a condenação da ré a reparar e eliminar os defeitos elencados que pudessem ser suprimidos e/ou proceder a nova construção no caso contrário, ou subsidiariamente a condenação da ré a pagar aos autores uma indemnização no montante de € 75.044,00, acrescido de Iva à taxa legal em vigor que abranja os custos da reparação e eliminação dos defeitos e/ou à construção de nova obra caso não pudessem ser suprimidos, ou, para o caso de assim não se entendesse, a condenação da ré a pagar aos autores uma indemnização a liquidar em execução de sentença que abrangesse os custos de reparação e eliminação dos defeitos e/ou a construção de nova obra caso não possam ser suprimidos.
Alegaram nesta acção que:
- Apesar de em finais de agosto de 2010 a ré tenha comunicado aos autores que a obra estava concluída, grande parte da construção e trabalhos exteriores não estavam acabados e padeciam de patologias;
- Os autores enviaram à ré, e esta recebeu com data de 18.10.2010, carta com a denúncia das patologias a corrigir.
Citada para contestar nos autos apensos, a ré apresentou a sua contestação, a fls. 718/724 dos autos, pedindo a improcedência da acção e impugnando os factos articulados pelos autores.
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Em face da declaração de insolvência da A…, por decisão proferida a fls. 444/445 dos autos, foi julgada extinta a instância referente os pedidos formulados por B… e C… contra A….na acção inicialmente instaurada sob o nº 1685/11.8TVLSB, por inutilidade superveniente da lide.
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Realizada a audiência final, foi proferida sentença que condenou os RR. a pagar à A. a quantia de € 50.547,36, acrescida de juros de mora calculados à taxa legal de 4% ao ano desde a data da citação e até integral pagamento e absolveu os RR. do mais que era peticionado.
Mais julgou extinta a instância do pedido reconvencional por inutilidade superveniente da lide.
Julgou improcedentes os incidentes de litigância de má fé e, em consequência, absolveu a A. e os RR. dos pedidos reciprocamente formulados.
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Inconformados os RR. interpuseram recurso dessa sentença, apresentando as seguintes CONCLUSÕES, que se reproduzem:
1-  (……)
Por outro lado, 
23- Os RR invocaram a excepção do não cumprimento em virtude da obra apresentar defeitos, isto é, a autora/empreiteira não cumpriu pontualmente o contrato de empreitada a que obrigou.
 (….)Ora, no caso em apreço, os defeitos da obra cuja prova foi efectuada podem ser suprimidos, razão pela qual não poderão os réus a invocar o não pagamento do remanescente do preço acordado, sendo que até já há muito usufruem da moradia (cf. Facto nº 65) sem que tenham procedido ao pagamento da totalidade do preço.
(….)28- A autora recusou-se a admitir e a efectuar as obras necessárias para a eliminação dos defeitos e vícios que a moradia padece, conforme se extrai do depoimento do mencionado Arqº …
9- E difícil se torna agora a exigência por parte dos RR para a autora suprimir os defeitos da obra, em virtude de esta, entretanto, ter sido declarada insolvente.
30- (….)
32- Pela que a invocação da excepção e os efeitos jurídicos da mesma, não constituem abuso de direito, atendendo ao valor global da empreitada, ao valor comprovadamente pago pelos RR e à natureza dos defeitos existentes e dados como provados.
33- Os RR demonstram provar a denúncia dos defeitos e a exigência do direito que pretendiam exercer, pelo que a excepcio, deverá proceder.
34- Seguindo de perto o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22/1/2013, (…)
36- Não tomou posição a Mma Juíza deste facto uma vez que a sociedade autora foi declarada insolvente por sentença proferida em 24/02/2014 pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, invocando o não menos douto Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 1/2014 publicado no DR I série, nº 39 em 25/2/2014.
37- No entanto, tal facto, também não implica que os RR não disponham de um crédito sobre a insolvência. 
38- Face aos reconhecidos defeitos da obra e no direito dos RR no sentido que lhes assiste o direito a que os mesmos sejam suprimidos, a douta sentença deveria condenar a autora a eliminar os vícios construtivos, permitindo à Senhora Administradora declarar se optaria pela execução ou recusar o seu cumprimento.
(…)41- Assim e em qualquer dos casos e nos termos do artº 102º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), os RR dispõe de um crédito sobre a insolvência.
42- Nos termos da alínea c) do nº 3 do citado artº 102º os RR têm o direito a exigir, como crédito sobre a insolvência, o valor da prestação do devedor, na parte incumprida, deduzido do valor da contraprestação correspondente que ainda não tenha sido realizada.
43- Sendo que, nos termos da alínea e) do nº 3 do mesmo preceito qualquer das partes pode declarar a compensação das obrigações referidas na alínea c) até à concorrência dos respectivos valores.
-(….)
Alterando-se a matéria de facto e de direito como se espera, a acção devia, como deve, ser julgada totalmente improcedente, por não provada e provada a excepção do não cumprimento.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
***
A Mmª Juiz a quo proferiu despacho admitindo o recurso.
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Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.
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II – Questões a decidir:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações do recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do mesmo Código). Acresce que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido.
Assim, face das conclusões apresentadas pela recorrente são as seguintes as questões que importa analisar e decidir:
a) A impugnação da matéria de facto;
b) Da excepção de não cumprimento;
c) Das consequências da declaração de insolvência da devedora relativamente ao pedido reconvencional de condenação no pagamento de quantia certa;
d) Da litigância de má fé e da responsabilidade da parte em caso de substituição processual.   
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III-Fundamentação
A) Matéria de Facto decidida na 1ª Instância
Na sentença sob recurso foi considerada como provada a seguinte factualidade:
1) A autora tem por objeto social o exercício da atividade industrial de construção civil, obras públicas e particulares (Facto assente A).
2) No exercício da sua atividade foram-lhe adjudicados pelo réu marido, através de contrato de empreitada celebrado a 15.09.2008, a execução de trabalhos de construção de um edifício unifamiliar, em terreno destinado a habitação, sito na …, propriedade destes, nos termos constantes do documento de fls. 11 a 16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (Facto assente B).
3) Os trabalhos adjudicados pelo réu marido à autora foram contratados em regime de empreitada por preço global – Doc. Nº 1, cláusula 6ª (Facto assente C).  
(….).
6) A título de preço para os trabalhos objeto da empreitada contratada foi ajustada entre as partes o preço global de € 237.191,98, acrescido de Iva à taxa legal em vigor (Facto assente F).
(…)
15) Os réus adjudicaram ainda à autora um conjunto de trabalhos extracontratuais descritos a fls. 17 a 20 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido, no valor de € 41.296,39 (Resq. Facto controv. 1º e 2º).
16) A autora comunicou aos réus a conclusão dos trabalhos em finais de outubro de 2009 (Resp. facto controv. 15º).
17) A autora solicitou o pagamento do preço aos réus (Resp. facto controv. 16º).
23) Em 13 de Maio de 2009 os réus entregaram à autora o cheque nº 5400000382 sacado sobre o banco Totta, no valor de € 38.413,52 (Resp. facto controv. 24º).
24) Em 8 de Julho de 2009 os réus entregaram à autora um cheque nº 8700000152 sacado sobre o banco “Totta”, no valor de € 50.000,00 (Resp. facto controv. 25º).
25) Em 10 de Setembro de 2009, os réus transferiram para a conta bancária de … a quantia de € 10.000,00 (Resp. facto controv. 27º).
26) Em 12 de Janeiro de 2009 os réus entregaram à autora o cheque nº 9000001963 sacado sobre o “Santander Totta”, no valor de € 19.072,01 (Resp. facto controv. 28º).
27) Em 12 de Fevereiro de 2009 os réus entregaram à autora o cheque nº 6100000634 sacado sobre o “Santander Totta”, no valor de € 8.748,27 (Resp. facto controv. 30º).
28) Em 19 de Março de 2009 os réus entregaram à autora ao cheque nº 1600000639 sacado sobre o “Santander Totta”, no valor de € 32.668,61 (Resp. facto controv. 31º).
29(….).
(…) Após intervenção pela autora e, em Fevereiro de 2015, a cave, no espaço destinado a arrecadação/arrumo ainda regista ocorrência de infiltrações (Resp. facto controv. 75º).
(…) Os réus requereram uma vistoria camarária, a qual foi efetuada e emitido o respetivo auto de vistoria em 11.01.2011 (Resp. facto controv. 132º).
60) No “Auto de Vistoria de Salubridade”, datada de 11.01.2011, e  (…)no auto e
No “Auto de Vistoria de Salubridade”, datado de 01.03.2011, e cuja cópia consta a fls. 201/202 dos autos apensos e cujo teor se dá por reproduzido,  (…) (…)”.(Resp. facto controv. 145º a 150º).
63) Em Agosto de 2010, quando a autora solicitou o pagamento do remanescente do preço aos réus e estes recusaram alegando os problemas surgidos na obra (Resp. facto controv. 152º).
64) Os réus pagaram a quantia de € 9.507,40 relativa a coimas e despesas aplicadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho, conforme consta a fls. 136 a 175 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido (Resp. facto controv. 153º a 157º).
(…)
Relativamente aos Factos Não Provados ficou a constar o seguinte:
“II- Factos não provados:
A)  (……)
B) Da Impugnação da Decisão sobre a matéria de Facto
Nos termos do Artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil:
«Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.”
No que toca à especificação dos meios probatórios: «Quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (Artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Existe divergência jurisprudencial no que concerne a saber se os requisitos do ónus impugnatório previstos no artigo 640º, nº1, devem figurar apenas no corpo das alegações ou se também devem ser levados às conclusões sob pena da rejeição do recurso (cf. artigos 635º, nº2 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil). O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se nos seguintes termos: No Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.2.2015, Tomé Gomes, 299/05, afirma-se que «(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória.»
No Acórdão de 11.4.2016, Ana Luísa Geraldes, 449/410, defendeu-se que servindo as conclusões para delimitar o objeto do recurso, deverão nelas ser identificados com precisão os pontos de factos que são objeto de impugnação; quanto aos demais requisitos do ónus impugnatório, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso. As conclusões do recurso não têm de reproduzir todos os elementos do corpo da alegação – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.1.2015, Clara Sottomayor, 1060/07.
Como se defendeu no Acórdão do mesmo Tribunal de 29.10.2015, Lopes do Rego, 233/09, se a falta de indicação exacta das passagens da gravação não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo Tribunal da Relação, a rejeição do recurso com tal fundamento constituirá solução excessivamente formal e sem justificação razoável – cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29.10.2015, Lopes do Rego, 233/09.
O ónus imposto ao recorrente na al. b) do nº1 do Artigo 640º do Código de Processo Civil não se satisfaz com a simples afirmação de que a decisão devia ser diversa, antes exige que se afirme e especifique qual a resposta que havia de ser dada em concreto a cada um dos diversos pontos da matéria de facto controvertida e impugnados, pois só desta forma se coloca ao tribunal de recurso uma concreta e objetiva questão para apreciar – cfr Acórdão da Relação do Porto de 16.5.2005, Cunha Barbosa, 0550879.
De igual modo, não cumpre o ónus do artigo 640º, nº1, do C.P.Civil, o recorrente que faz uma transcrição integral dos depoimentos que culmina com uma alegação genérica de erro na decisão da matéria de facto - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9.7.2015, Abrantes Geraldes, 961/10.
Sustentaram os apelantes que, face ao teor dos documentos nºs 4 a 14 juntos com a contestação, aos depoimentos das testemunhas … e … e às regras da experiência, a factualidade constante dos nºs  (….) deve ser considerada provada.
Vejamos.
No nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art.º 607º, n.º 5 do Código de Processo Civil, segundo o qual: “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes.”
Assim, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g. força probatória plena dos documentos autênticos - cfr. art.º 371º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr a este respeito Prof. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, IV vol., Coimbra Editora, 1987, pág. 566 e seg. e   Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).
Por seu lado, para a formação da convicção do juiz concorre a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas, podendo nos termos dos art.º 349º e 351º do Código Civil socorrer-se de presunções judiciais, que são ilações que o julgador tira de factos conhecidos para firmar factos desconhecidos: o seu funcionamento depende da conexão entre factos, em que a verificação de factos provados, atentas as regras da experiência comum, os princípios da lógica corrente e os dados da intuição humana, faz admitir a existência de factos não provados.
Ouvido na íntegra o depoimento de …, que foi sócio e funcionário da sociedade A…. desde 2006 a 2012, referiu que os pagamentos mensais acordados entre a sociedade empreiteira e os AA. donos da obra, a partir de Março de 2009 deixaram de ser regularmente efectuados por estes. Disse que os trabalhos acordados, incluindo os trabalhos a mais, terminaram em Outubro de 2009, que foi emitida a totalidade das facturas e que só foram efectuados pagamentos de cerca de 170 mil euros.
A testemunha em causa admitiu que todos os cheques destinados ao pagamento do preço poderão não ter “chegado à sua mão”, tendo referido sempre que a totalidade do preço não foi paga pelos RR.
Por sua vez, a testemunha …, empregada de escritório do R./apelante, declarou inicialmente que o total dos cheques emitidos e da transferência bancária efectuada com vista ao pagamento dos trabalhos realizados na moradia foram no valor de € 249.830,40. Todavia, o depoimento da mesma não foi esclarecedor no que concerne à razão pela qual foram emitidos cheques por sociedades das quais o R. era sócio para o pagamento de trabalhos prestados num imóvel propriedade deste e a testemunha também não revelou ter conhecimento directo dos termos da relação contratual existente entre as partes, nem do modo como os pagamentos foram efectuados.
Por seu lado, a administradora da insolvência da A. declarou que, no âmbito da insolvência, procedeu à conferência de cheques e valores com os extractos bancários da A. e que não constam os valores dos cheques referidos a fls 119 e 123 dos autos.
Compulsados os autos, verifica-se que os cheques em causa constam como tendo sido emitidos ao portador e considerando o que consta dos mesmos, bem como o declarado pelas testemunhas, não foi realizada prova que tais cheques tenham sido entregues à sociedade A. Nenhuma das testemunhas demonstrou conhecimento directo de tal factualidade e do verso dos cheques em causa não é possível descortinar a favor de quem é que os mesmos foram depositados.
Invocaram ainda os apelantes que o tribunal a quo deveria ter considerado provados os factos em causa por recurso a presunções judiciais.
Como se refere no Ac. da Rel. de Guimarães, de 31/03/2016, relator: António Santos, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt, «(…) em sede de julgamento da factualidade controvertida, é sabido que, ao julgador, vedado não está , de todo, o recurso a presunções judiciais, nos termos dos artºs 349º a 351º, ambos do CC, impondo--se designadamente ao Juiz o recurso às regras da experiência, sendo que, o uso destas últimas (14 - cfr. Ac. do STJ de 6/7/2011, Proc. nº 3612/07.6TBLRA.C2.S1, in www.dgsi.pt.), consubstancia também “(…) critério de julgamento, aplicável na resolução de questões de facto, não na interpretação e aplicação de normas legais, que fortalece o princípio da livre apreciação da prova, como meio de descoberta da verdade, apenas subordinado à razão e à lógica”.
As presunções judiciais, como se viu supra, traduzem-se num juízo de indução extraído de um facto conhecido para o facto essencial desconhecido, à luz das regras da experiência, sendo admitida nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal.
Salvo o devido respeito, não há quaisquer factos provados dos quais seja possível concluir que os cheques supra referidos foram entregues à sociedade dona da obra para efeitos de pagamento do preço acordado pelos trabalhos em causa nestes autos.
Deste modo, contrariamente ao sustentado pelos apelantes, a factualidade plasmada nos artigos 26º e 29º da Base Instrutória não se encontra provada.
Invocaram também os mesmos que, embora não tenha sido confirmado pelas testemunhas, resulta do documento nºs 16 junto com a petição inicial respeitante aos autos que inicialmente tiveram o nº 1685/11.8TVLSB e cuja apensação foi determinada aos presentes autos que a eliminação das deficiências existentes na obra importa, pelo menos, no valor de € 75.044,00.
Como os próprios apelantes referem, as testemunhas não revelaram qualquer conhecimento acerca do valor em que importará a reparação do que consta dos pontos 33 a 56 dos factos provados e tal também não resulta do relatório pericial elaborado em Fevereiro de 2015 constante de fls 482/518 e com base no qual o tribunal a quo formou a respectiva convicção para a prova da factualidade que ficou plasmada nos aludidos pontos da matéria de facto.
O documento nº 16 junto com a petição inicial respeitante aos autos que tiveram inicialmente o nº 1685/11.8TVLSB é um orçamento do qual consta que foi elaborado pela sociedade … A pessoa que ali é referida como tendo sido quem subscreveu o mesmo – … - não foi ouvida como testemunha e o teor do documento, nomeadamente os valores ali referidos, que foram impugnados, não foram confirmados por qualquer das testemunhas.
O documento em causa trata-se de um documento particular e quanto a estes estabelece o art. 374º, nº 1, do C.Civil, que “a letra e a assinatura, ou só a assinatura, de um documento particular consideram-se verdadeiras, quando reconhecidas ou não impugnadas pela parte contra quem o documento é apresentado, ou quando este declare não saber se lhe pertencem, apesar de lhe serem atribuídas, ou quando sejam havidas legal ou judicialmente como verdadeiras”.
Relativamente à sua força probatória dispõe o art. 376º do C.Civil que “o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações nele atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento” (nº 1), sendo que “os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que forem contrários aos interesses do declarante” (nº 2).
Como refere José Lebre de Freitas, in A Falsidade no Direito Probatório, Coimbra, 1984, pags. 55 e 56: “A força probatória do documento particular circunscreve-se, assim, no âmbito das declarações (de ciência ou de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor. Tal como no documento autêntico, a prova plena estabelecida pelo documento respeita ao plano da formação da declaração, não ao da sua validade ou eficácia. Mas, diferentemente do documento autêntico, que provém duma entidade dotada de fé pública, o documento particular não prova plenamente os factos que nele sejam narrados como praticados pelo seu autor ou como objecto da sua percepção directa. O âmbito da sua força probatória é, pois, bem mais restrito”.
Nessa medida, mesmo que demonstrada a autoria de um documento, daí não resulta necessariamente que os factos compreendidos nas declarações dele constantes se hajam de considerar provados, que o mesmo é dizer que daí não advém que os documentos provem plenamente os factos neles referidos.
É que a força ou eficácia probatória plena atribuída pelo nº 1 do art. 376º do C.Civil às declarações documentadas limita-se à materialidade, isto é, à existência dessas declarações, não abrangendo a exactidão das mesmas – cfr Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra, 1985, pag. 523 (nota 3) e ainda Ac. STJ de 03/05/77, in BMJ nº 267, pag. 125 (relator Alves Pinto).
Na verdade, mesmo que um documento particular goze de força probatória plena, tal valor reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondiam à realidade dos respectivos factos materiais – cfr Ac. STJ de 09/11/94, relator Fernando Simão, in CJSTJ, Ano III, 3, pág. 282.
Deste modo e tendo o teor do documento em apreço sido impugnado pela sociedade Empevic na contestação apresentada nos referidos autos e não tendo sido efectuada qualquer prova que os valores ali aludidos correspondam aos montantes em que importará a realização dos trabalhos também ali referenciados, não se encontra provado qual o valor a que ascenderá a realização dos trabalhos em causa.
Assim, não existe fundamento para proceder à alteração da decisão do tribunal a quo no que concerne à matéria de facto provada e não provada.
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Decidida que se encontra a impugnação da matéria de facto e fixada a mesma em conformidade com o referido, passemos a conhecer das questões suscitadas pelos apelantes em termos de Direito.
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C) O Direito
Alegaram os apelantes que a excepção de não cumprimento por si alegada na contestação deve proceder em virtude de a obra apresentar defeitos, os quais são da responsabilidade da sociedade A.
Ficou demonstrado que no exercício da actividade da A. de construção civil, obras públicas e particulares foram-lhe adjudicados pelo réu marido, através de contrato de empreitada celebrado a 15.09.2008, a execução de trabalhos de construção de um edifício unifamiliar, em terreno destinado a habitação, sito na …, propriedade destes, nos termos constantes do documento de fls. 11 a 16.
Os trabalhos adjudicados pelo réu marido à autora foram contratados em regime de empreitada por preço global e após intervenção pela autora e, em fevereiro de 2015, a cave, no espaço destinado a arrecadação/arrumo ainda regista ocorrência de infiltrações. As infiltrações cuja existência é reconhecível sob a forma de manchas nos elementos da construção são consequência de um sistema de impermeabilização e drenagem exterior ineficaz ou inexistente.  
Como consequência das infiltrações existentes o ar interior possui uma humidade relativa elevada, com possibilidade de ocorrência de condensações.
Entre a tubagem de esgoto e o teto da cave existe uma zona de falta de pintura, na zona da sala, junto à soleira, visualiza-se a existência de uma infiltração na parede.
A construção apresenta algumas deficiências ao nível de tetos e paredes e ainda da verticalidade destas e em especial no teto da sala, mas que não são visíveis a olho nu.
Nos pisos superiores da moradia algumas portas de roupeiro continuam com deficiente montagem.  
Existem ligeiros descolamentos de algumas aduelas, algumas fissuras nas paredes que são correntes em qualquer construção de alvenaria decorridos alguns anos.
Persistem ainda algumas infiltrações nos muros onde é visível a pintura a empolar, bem como manchas na pintura. Existe deficiente drenagem de águas na varanda do piso 2, alçado poente, apresentando a mesma manchas na pintura, encontrando-se a pingadeira partida.  
O terraço existente na fachada norte ao nível do piso 2 apresenta empoçamentos. Existe uma pedra da soleira a desagregar-se e outra pedra partida no capeamento do muro.
Não foi executada pingadeira na pala existente na entrada da habitação, existindo alguns fungos e escorrências junto ao capeamento denotando falta de manutenção da pintura.  
Existem algumas manchas na pintura exterior, bem como empolamento da tinta que evidencia a presença de água entre o revestimento em reboco e a tinta exterior e junto à cobertura existem algumas bolhas de água na tinta e que são consequência da natureza e tipo de tinta aplicada.
No alçado sul duas grelhas de ventilação proveniente da cave são diferentes e existe uma fissura no muro exterior junto à entrada principal da moradia.
O portão de entrada apresenta corrosão em determinadas zonas e existe corrosão no portão de correr, no acesso à garagem, na zona em que não é galvanizado. O portão de correr no acesso à garagem tem pontos de pintura a “descamar”.
A proteção envolvente do elemento metálico no perfil dentado que aciona o mecanismo de abertura do portão de garagem está estalado, os desenhos de pormenor da fossa séptica no projeto inicial e nas telas finais não prevêem a existência de chaminés para ventilação. Os gases gerados no interior da fossa séptica são altamente voláteis e arrastam, no seu movimento para o exterior, microrganismos existentes no interior da fossa.
Não existem dúvidas quanto à qualificação da relação jurídico-contratual a que as partes se vincularam. Entre ambas foi celebrado um contrato de empreitada, que é uma modalidade de contrato de prestação de serviços – art.1155º do Código Civil.
Nos termos do art. 1207º do Código Civil – “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.
O contrato de empreitada é, pois, bilateral, oneroso e sinalagmático.
Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados –“O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.” – art. 1208º do Código Civil e, do lado do dono dela, a obrigação de, caso a aceite, pagar o preço. - “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.”- nº2 do art. 1211º do citado diploma.
Foi acordado o preço global de € 237.191,98, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, a ser pago em 10 prestações, mensais e sucessivas, com início em 25.10.2008 e termo em 25.07.2009, sendo a primeira no montante de € 9.140,54, a segunda de € 35.550,58, a terceira de € 21.833,51, a quarta de € 10.014,96, a quinta de € 39.561,77, a sexta de € 11.806,05, a sétima de € 32.169,49, a oitava de € 40.300,77, a nona de € 24.043,41 e a décima de € 12.770,90.
Os RR. pagaram a quantia total de € 227.941,01, encontrando-se ainda por pagar a quantia de € 50.547,36.
Em Agosto de 2010, quando a A. solicitou o pagamento do remanescente do preço aos réus e estes recusaram alegando os problemas surgidos na obra.  
Os RR. invocaram a excepção de não cumprimento do contrato - art. 428º, nº1, do Código Civil – para recusar o pagamento da quantia ainda em dívida.
A excepção de inadimplência consiste na recusa de executar a prestação por parte de um dos contraentes quando o outro a reclama, sem que, por seu turno, tenha ele próprio executado a sua contraprestação. Traduz-se no direito que tem qualquer das partes de uma relação sinalagmática de recusar o cumprimento enquanto a outra, por seu lado, não efectue a prestação correspondente a que se encontra vinculada - artº 428º, nº1, do C. Civil.
A exceptio non adimpleti contractus a que refere o citado artigo pode ter lugar nos contratos com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra, como acontece no caso em questão.
Trata-se de uma excepção dilatória de direito material ou substantivo, porque corolário do sinalagma funcional que a legitima: é excepção material porque fundada em razões de direito substantivo, e dilatória, porque não exclui definitivamente o direito do autor, apenas o paralisa temporariamente – cfr, entre outros, Ac. da Relação de Coimbra, de 21/10/2003, Processo 432/03, in http://www.dgsi.pt/jtrc.
Como regra, ao autor que exige o cumprimento, opõe o réu o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que a prestação de uma das partes tem a sua causa na prestação da outra.
O excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento, apenas recusa a sua prestação até à realização da contraprestação pela outra parte, que se encontra assim numa situação de não ter ainda realizado uma prestação quando já o devia ter feito, ou seja, numa situação de incumprimento da sua obrigação.
A exceptio aplica-se quando não estejam fixados prazos diferentes para as prestações; mas é evidente que, mesmo estando o cumprimento das obrigações sujeito a prazos diferentes, poderá sempre ser invocada pelo contraente cuja prestação deva ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro – cfr Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª ed., pág. 381 e Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª edição, pág. 319, nota (4).
O instituto da "excepção de não cumprimento do contrato" opera não só perante o incumprimento total do contrato, mas também perante o incumprimento parcial ou o seu cumprimento defeituoso.
Para que obstem ao válido exercício da excepção de incumprimento é necessário que o cumprimento ou oferta de cumprimento simultâneo seja feita em termos completos e rigorosos, podendo tal meio de defesa ser validamente exercido por qualquer um dos sujeitos, quando a contraparte apenas cumprir ou lhe oferecer o cumprimento em termos parciais ou defeituosos - é a chamada exceptio non rite adimpleti contractus, que confere ao demandado a possibilidade de recusar a sua prestação enquanto a outra não for completada ou rectificada – cfr Antunes Varela, ob. cit., págs. 318 e segs. .
Assim, se o contraente que tiver de cumprir primeiro oferecer uma prestação parcial ou defeituosa, a contraparte pode opor-se e recusar a sua prestação até que aquela seja oferecida por inteiro ou até que sejam eliminados os defeitos ou substituída a prestação. Consta da sentença em recurso que: “Sem dúvida que, considerando o caso em análise, resultou provado que a obra padece de alguns problemas (Cf factos 33 a 56), nomeadamente de algumas infiltrações na zona dos arrumos na cave da moradia e na parede exterior.
Contudo, de acordo com o disposto no arº 1221º do C´d. Civil, se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação. Ora, no caso em apreço, os defeitos da obra cuja prova foi efectuada podem ser suprimidos, razão pela qual não poderão os réus a invocar o não pagamento do remanescente do preço acordado, sendo que até já há muito usufruem da moradia (cf. Facto nº 65) sem que tenham procedido ao pagamento da totalidade do preço.”
É certo que se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra deve começar por exigir do empreiteiro a sua eliminação e que os defeitos que resultaram demonstrados podem ser suprimidos.
Mas é igualmente certo que os RR. peticionaram a sua eliminação, conforme resulta da petição inicial dos autos que começaram por correr termos sob o nº 1685/11.8TVLSB e que foram apensados à presente a acção.
Por força da declaração de insolvência da sociedade “A…”, a qual foi decretada por sentença proferida em 24/02/2014, pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, a fls. 444/445 destes autos foi proferida decisão que julgou extinta a instância relativamente aos pedidos ali formulados pelos RR. contra a referida sociedade por inutilidade superveniente da lide.
Com efeito, em virtude da situação de insolvência tornou-se impossível a realização da prestação por parte da empreiteira. Estando-se perante uma obrigação de resultado – a eliminação dos defeitos – a mesma é desde a decisão que decretou a insolvência da sociedade empreiteira factual e juridicamente impossível.
Contrariamente ao invocado pelos apelantes, não pode ter lugar a condenação da R. a eliminar os vícios, desde logo porque, por decisão transitada em julgado, foi julgada extinta a instância no que concerne a tal pretensão de reparação dos defeitos.
Todavia, não podendo os Réus obter à custa da Autora e, agora da Massa Insolvente, a eliminação destes defeitos, nem tão pouco o pagamento da quantia sucedânea e necessária para tal eliminação, nem por isso deixam de ser considerados credores de uma indemnização – art. 1223º do Código Civil – no valor correspondente às despesas que tiverem que realizar para ver eliminados os defeitos denunciados através da propositura da referida acção, em valor este não quantificado e a apurar em incidente de liquidação, sendo que o facto de os RR. já residirem na moradia não significa que aos mesmos deixe de assistir o direito à reparação.
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Invocaram ainda os RR. que o tribunal a quo julgou extinto o pedido reconvencional por inutilidade superveniente da lide, devido à declaração de insolvência da empreiteira decretada na pendência desta acção, mas que tal não significa que os RR./ora apelantes não disponham de um crédito sobre a insolvência no valor de € 9.507,40. Sustentaram que têm direito a deduzir esse crédito na quantia que ainda se encontre em dívida pela sua parte.
Sobre os efeitos gerais limitativos da declaração de insolvência em relação ao insolvente rege o art. 81º, nº1, do Dec. Lei nº 53/2004, de 18 de Março – CIRE -, que a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência.
O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de carácter patrimonial que interessem à insolvência – nº 4 do artigo supra citado.
Assim, em consequência da declaração de insolvência de uma sociedade, os seus órgãos estatutários ficam privados do poder de disposição e de administração do respectivo património presente ou futuro, o que consubstancia uma limitação decorrente do facto de, declarada a insolvência, ser o interesse dos credores que fica em causa, com o que se esbate a autonomia do insolvente em relação ao seu património, que juridicamente se transmuta na massa insolvente, limitação esta que se funda na ideia resultante de uma avaliação objectiva da incapacidade revelada pelo insolvente na conveniente gestão do seu património. Esta limitação é estabelecida no interesse dos credores, no sentido de que o insolvente não pode praticar actos efectiváveis sobre os bens da massa insolvente ou à custa deles, enquanto tal massa insolvente subsistir, e ela subsiste até que seja extinta ou até que os créditos em causa sejam realizados.
Com efeito, a finalidade do processo de insolvência, enquanto execução de vocação universal – art. 1.º /1 do CIRE – postula a observância do princípio ‘par conditio creditorum’, que visa, como é consabido, a salvaguarda da igualdade (de oportunidade) de todos os credores perante a insuficiência do património do devedor, afastando, assim, a possibilidade de conluios ou quaisquer outros expedientes susceptíveis de prejudicar parte (algum/alguns) dos credores concorrentes.
Afirma-se o regime da plenitude da instância falimentar em relação às acções em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente intentadas contra o devedor ou mesmo contra terceiro, cujo resultado possa influenciar o valor da massa.
Qualquer acção declarativa, designadamente a que vise o reconhecimento de um direito de crédito e a condenação de quem foi declarado insolvente a pagar, tem indirectamente a ver com os bens apreendidos para a massa falida.
Neste sentido foi proferido o Acórdão UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA nº 1/2014, publicado em Diário da República de 25.02.2014 - Acórdão STJ - com a seguinte síntese decisória:
«Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C».
De tudo o exposto conclui-se que não pode, com efeito, a A. ser condenada a pagar aos RR. qualquer quantia a título de pedido reconvencional, pelo que a instância relativamente a tal pedido não podia deixar de ser considerada extinta por inutilidade superveniente da lide, como foi.
Todavia, ficou demonstrado que os RR. pagaram a quantia de € 9.507,40 relativa a coimas e despesas aplicadas pela Autoridade para as Condições do Trabalho, conforme consta de fls 136 a 175 dos autos. Resulta destes documentos que as coimas em causa foram pagas pelos donos da obra por violação de condições de segurança relativas à obra de construção em causa, nomeadamente, consistentes na falta de nomeação de um coordenador da obra, em matéria de segurança e saúde, na fase de execução e falta de comunicação prévia de abertura de estaleiro, inexistindo protecções colectivas nas escadas interiores e bordaduras das lajes do 1º piso e por estarem em curso trabalhos de reboco, sem que estivessem reunidas as condições de segurança.
Do estabelecido pelas partes aquando da celebração do contrato de empreitada, mais concretamente do orçamento com base no qual foi estabelecido o preço global da empreitada – rubrica 12 – documento de fls 61 e ss dos autos que tiveram início sob o nº 1298/11.4TVLSB -, resulta que a responsabilidade pelo cumprimento das condições de segurança da obra era da empreiteira, condições essas cujo incumprimento deu origem à aplicação das referidas coimas aos RR., enquanto donos da obra.
Os donos da obra reclamaram o pagamento desta quantia da empreiteira em reconvenção, não se reconhecendo devedores à A. de qualquer quantia por força dos defeitos existentes na obra.
Aquando da dedução do pedido reconvencional, os RR. não podiam antever que a A. viesse a ser declarada insolvente e, em face do que se apurou, não podem deixar de ser considerados credores de indemnização por força da quantia que suportaram devido a factos imputáveis à sociedade insolvente.
Ao deduzir ao pedido reconvencional, os RR., embora não tenham invocado expressamente a compensação, declararam junto da empreiteira querer receber da mesma a quantia em causa.
Relativamente aos requisitos da compensação rege o artigo 847º do C. Civil, os quais in casu se verificam e quanto à admissibilidade da compensação de créditos após a declaração de insolvência seguimos de perto o Ac. da RC de 19/03/19, relatora Silvia Pires, o qual pode ser consultado in www.dgsi.pt. e no qual se refere:
«A divergência doutrinal sobre a admissibilidade de compensação de créditos no processo de insolvência encontra-se descrita de forma clara, e que aqui seguimos, na Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico Empresariais [3] - Soraia Cristina Silva Picoito, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico Empresariais, FDUL, Janeiro de 2017 acessível em http://repositorio.ul.pt/bitstream/10451/31908/1/ulfd133610_tese.pdf., nos seguintes termos:
… podemos admitir que existem duas posições dominantes na doutrina acerca da admissibilidade da compensação no processo de insolvência:
1) Uma primeira corrente de Autores, entre os quais VAZ SERRA, ANA PRATA, JORGE MORAIS CARVALHO E RUI SIMÕES, ISABEL MOUSINHO DE FIGUEIREDO, HUGO ROSA FERREIRA, GONÇALO ANDADRE E CASTRO e CATARINA SERRA, que, não analisando a compensação em bloco, distinguem as alíneas a) e b) do art. 99.º do CIRE. Relativamente à admissão da compensação nos termos previstos pela al. a) do art. 99.º n.º 1 do CIRE, a maioria da doutrina considera não existir uma violação do princípio da igualdade de credores. O tratamento diferenciado que estes credores recebem é justificado pela posição materialmente diferente em que se encontram em relação aos demais credores e pelo facto de o seu direito se ter constituído num momento anterior ao direito dos credores comuns. A admissão da compensação é, neste caso, uma concretização do princípio da igualdade de credores, pelo que o seu tratamento diferenciado é justificado; No que concerne à admissão da compensação nos termos da alínea b), esta corrente de Autores considera que essa violação não é excessiva, mas sim justificada. O tratamento diferenciado dos credores compensantes decorre da concretização da justiça e igualdade no caso concreto, e resulta de uma ponderação dos vários direitos e interesses em causa. Do ponto de vista teórico, é uma opção legislativa entre uma solução que favorece os credores da massa ou uma solução que favorece o credor-devedor. Parece-nos ser esta a corrente doutrinária maioritária.
2) Uma segunda corrente de Autores, entre os quais LUÍS MENEZES LEITÃO, MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, LUÍS A. CARVALHO FERNANDES E JOÃO LABAREDA, consideram que existe efectivamente uma violação ao princípio da igualdade de credores decorrente da admissibilidade da compensação no processo de insolvência, e essa violação não se afigura admissível. O tratamento diferenciado destes credores não é admissível porque mais do que diferenciar ele tutela excessivamente estes credores. Tal resultado não se coaduna com o espírito concursal e paritário que caracteriza o processo insolvêncial.
De acordo com a autora citada a alínea a) do n.º 1 do art.º 99º do CIRE encontra-se em consonância com o art. 853.º n.º 2 do Código Civil, que determina que a compensação não pode operar com prejuízo de direito de terceiros constituídos antes de os créditos se tornarem compensáveis. Nascendo o princípio da igualdade de credores apenas com a declaração de insolvência, ainda que o credor compensante fique efectivamente numa situação mais vantajosa em relação aos demais credores comuns, a verdade é que o direito destes credores compensantes foi constituído num momento anterior ao direito a um tratamento igualitário dos demais credores comuns, que são, neste caso, terceiros com direitos constituídos apenas num momento posterior ao direito de compensar.
Para a mesma autora, a admissão da compensação após a declaração de insolvência nos termos do art. 99.º n.º 1 al. b) consubstancia, de certa forma, também ela uma concretização da igualdade de credores, que determina o tratamento igual para situações iguais, e diferenciado para situações diferenciadas. O que o princípio da igualdade de credores não comporta são discriminações injustificadas e infundadas, o que não é o caso, como se pode retirar das várias manifestações por parte da doutrina.
Entendemos, na esteira do defendido por Catarina Serra [4] - A falência no quadro da tutela jurisdicional dos direitos de crédito - O problema da natureza do processo de liquidação aplicável à insolvência no Direito Português, ed. 2009, pág. 154-155, Coimbra Editora - que a admissibilidade da compensação na insolvência é justificada, nos termos que Soraia Picoito [5] - ob. citada - o descreve:
No concurso de credores, como em qualquer processo singular, está em causa “o direito de crédito de cada credor contra o devedor, a relação substancial existente entre cada credor e o devedor, que não se altera, por força do concurso de credores. O que pode alterar-se, sim, é o resultado prático do exercício do poder de execução: por causa do concurso, a satisfação integral do credor pode não ser viável, estando sujeita às limitações em consequência da existência, da quantidade e do valor dos direitos dos restantes credores”
A autora esclarece que o conflito que ocorre no concurso de credores é um conflito económico e não jurídico. Ora, seguindo o seu raciocínio, também no processo de insolvência, enquanto processo concursal e universal (atende à realização dos direitos de todos os credores do devedor insolvente) orientado pelo princípio da igualdade dos credores, não deve ser quebrada a relação existente entre cada credor e o seu devedor. E, por isso, o direito a compensar pode ser admitido na insolvência. De acordo com a autora, “a regra (par conditio creditorum) já não é nem absoluta nem inderrogável, e é sim uma norma técnica de organização do concurso; resulta de uma opção do legislador e pode, portanto, ser derrogada na medida da funcionalidade dos processos, sendo certo que, muitas vezes, estes a reduzem a mecanismos de satisfação exclusiva dos credores privilegiados ou - mais realisticamente - de algumas categorias de credores privilegiados”.
A autora parece conceber a admissibilidade da compensação da insolvência apoiada no próprio princípio da igualdade de credores: “o que é igual deve ser tratado de forma igual, o que é desigual deve ser tratado de forma desigual. Ao lado do princípio da justiça assente numa igualdade formal está o mandamento da discriminação como elemento conflituante da justiça (…). A avaliação do sistema de satisfação do direito da insolvência à luz do princípio da par conditio creditorum impõe apenas que a discriminação seja justificada em cada caso concreto”.
Concordando com todos estes argumentos, concluímos pela admissibilidade da compensação do crédito do Réu sobre a Autora pois apesar de limitativa do princípio da igualdade de credores, não é totalmente excessiva, mas equilibrada: de facto, exigir ao titular de um contra-crédito que pague à massa insolvente, sujeitando-se a receber na medida das (habitualmente fracas) forças dessa massa é uma violência injustificada.[6] Vaz Serra in Compensação, B. M. J., n.º 31, 1952, pág. 125 citado por Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões no Código de Insolvência e Recuperação de Empresas Anotado, pág. 287, 2013, Almedina.
Quando esse credor, antes da insolvência do devedor, sabia que se verificavam os requisitos da compensação nunca pensaria ser obrigado a pagar a sua dívida e, mesmo que a verificação dos requisitos não fosse anterior, será de proteger a posição da parte cujo crédito reuniria em primeiro lugar tais requisitos. Essa parte também teria a expectativa conferida pela possibilidade da compensação. [7] - Neste sentido, Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões na obra citada, pág. 287.
Conclui-se, deste modo, que a admissibilidade da compensação de créditos após a declaração insolvência, desde que verificados os requisitos exigidos não é violadora do princípio da igualdade dos credores.»
Atento tudo o que ficou referido, há que reconhecer o direito dos RR. a deduzirem na quantia que devem à massa insolvente da sociedade empreiteira A…, ora A., a quantia que suportaram com as coimas aplicadas pela ACT - € 9.507,40 – e as despesas que tiverem de suportar para eliminação dos defeitos da obra, considerando o limite de € 75.044,00, acrescido de IVA à taxa de 23%, quantia a liquidar em incidente posterior.
 Contrariamente ao invocado pelos apelantes, os autos não fornecem quaisquer elementos que permitam desde já determinar o valor em que importará a eliminação dos defeitos que resultaram demonstrados nos pontos 33 a 55 dos factos provados, ainda que com recurso à equidade, pelo que há que relegar para incidente de liquidação o apuramento da quantia em causa.
Relativamente à quantia a liquidar posteriormente, os juros serão devidos desde a data da notificação para a liquidação e até ao trânsito em julgado da decisão do incidente em causa – artº 805º, nº 3 do mesmo código.
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Sustentaram ainda os recorrentes que deve ser revogada a decisão proferida pelo tribunal a quo que julgou improcedente o pedido formulado pelos mesmos de condenação da A. como litigante de má fé.
Invocaram que na petição inicial a autora alegou que nada recebeu dos RR relativamente à empreitada e reafirmou o mesmo facto na réplica e que resultou provado que a autora, pelo menos recebeu dos RR., antes da propositura da acção judicial a quantia de € 227.941,01. Sustentaram que a autora dolosamente deduziu pretensão cuja falta de fundamento não ignorava e alterou a verdade dos factos e omitiu factos relevantes para a decisão da causa.
De harmonia como art. 542º do CPC – anteriormente artº 456º - a parte que tiver litigado com má-fé será condenada em multa e numa indemnização à parte contrária se esta a pedir.
Estabelece este normativo:
«Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão».
Os comportamentos que a lei tipifica como integrando má fé são:
a) dedução de pretensão ou oposição cuja falta de fundamento, de facto ou de direito, a parte não devia ignorar, ou seja, a parte deve ponderar a razoabilidade da pretensão, evitando-a se não houver fundamento sério para a mesma;
b) alteração da verdade dos factos ou omissão de factos relevantes para a decisão da causa, v.g., mentira da parte, negação de factos pessoais que se provam, apresentação de versão de acidente que a parte sabia ser falsa;
c) omissão grave do dever de cooperação;
d) instrumentalização manifestamente reprovável do processo ou dos meios processuais com vista a impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão (Artigo 542º, nº2, do Código de Processo Civil).
O princípio da boa-fé não é exclusivo do direito substantivo, também podendo ser violado numa perspectiva da actuação processual, mormente, pelo recurso a juízo através de acções ou procedimentos cautelares abusivos. Configura-se, nesse caso, a existência do abuso do direito de acção, a culpa in agendo e faz-se apelo à prudência normal (cfr. Ac. STJ, de 4-11-2008 – proc. n.º 08A3127 - rel. Fonseca Ramos). De outra forma, a parte que perde a acção, a menos que a questão fosse exclusivamente de direito, seria invariavelmente condenada enquanto litigante de má fé (o sistema de condenação automática da parte perdedora como litigante de má fé já vigorou no direito português – cfr. Cordeiro, António Menezes, 2006, Litigância de Má Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa in Agendo, Coimbra, Almedina, p. 17).
É a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente, que configura a litigância de má-fé nos termos do artigo 542º. O dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjectivos. Em suma, é a violação do dever geral de probidade, consagrado no artigo 8º do Código de Processo Civil, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé.
Litiga de má-fé a parte que alega, mas não demonstra, uma versão que é contraditória da contraparte, provando-se, em contrapartida, esta que inclui factos que a primeira, pessoalmente, conhecia – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.10.2004, Laura Leonardo, www.dgsi.pt.
No caso dos autos, verifica-se que a sociedade E.. Lda, instaurou a presente acção contra os RR. peticionando que os mesmos fossem condenados a pagar-lhe a quantia de € 355.906,29, acrescida de juros de mora vincendos à taxa supletiva comercial sobre o capital de € 337.078,66.
Alegou para tanto que, a pedido do R. marido, realizou os trabalhos de construção de uma moradia, tendo sido ajustado entre as partes o preço global de € 237.191,98, acrescido de IVA à taxa em vigor. Sustentou igualmente que os RR. até à data da instauração da acção não lhe tinham pago qualquer quantia.
Na contestação, os RR. alegaram que já tinham pago à sociedade, a título de preço relativo à empreitada, a quantia total de € 249.830,40. Invocaram que a sociedade A. litigava de má fé e peticionaram a condenação da mesma, nessa qualidade, em multa e indemnização a seu favor.
Na réplica, a mesma sociedade …, reafirmou que, “por conta da empreitada objecto destes autos, os RR. nenhum pagamento fizeram à A” e que os pagamentos a que os mesmos aludiam na contestação não tinham “qualquer nexo causal com a questão em apreço”.
Realizada a audiência final, veio a ficar demonstrado que os RR. entregaram à sociedade A. as quantias referidas nos pontos 20- a 28- dos factos provados, no valor total de € 227.941,01 e que as mesmas se destinaram exclusivamente ao pagamento da empreitada contratada e ao saldo das obras as mais e a menos.
Ao interpor a presente acção nos termos em que o fez, sustentado que os RR. não lhe tinham pago qualquer quantia relativa ao preço da empreitada, a sociedade …, alterou a verdade relativamente a factos que eram do seu conhecimento pessoal, tendo deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar. Não se pode deixar de considerar que a mesma actuou com dolo, o que daria lugar à condenação da sociedade em causa como litigante de má fé.
Todavia, como resulta da informação obtida junto do portal Citius e que se encontra a fls 443, a sociedade A…, foi declarada insolvente por sentença proferida em 24/02/2014 no âmbito dos autos nº 171/14.9TYLSB do 4º Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa.
Em virtude de tal facto, passou a ter intervenção nestes autos a respectiva massa insolvente, representada pela Administradora de Insolvência, situação que ainda se mantêm.
O responsável pela multa e pela indemnização devidas por força da condenação em litigância de má fé é o lesante. Como refere Paula Costa e Silva, in A Litigância de Má Fé, Coimbra Editora, 2008, pág. 595, “não será substancialmente justo fazer responder por uma intervenção aquele que não tem qualquer domínio ou controlo sobre ela”. Como sustenta a mesma autora, a responsabilidade decorrente da litigância de má fé é uma responsabilidade civil processual.
Em consequência da privação do poder de disposição e de administração dos bens que integram a massa insolvente, o devedor perde a sua legitimidade processual e, por isso, nas ações patrimoniais pendentes em que seja autor ou réu, o administrador da insolvência substitui (por força da lei) o insolvente. Trata-se de uma substituição automática, sem necessidade de qualquer habilitação, substituição essa que ocorreu nos autos.
A substituição processual ocorre “quando intervém no processo, como parte, quem não é o sujeito da relação material litigada.
O substituto actua no processo em seu nome (e não em nome de outrem, como sucede com o representante) e no seu próprio interesse, mas litiga sobre direito alheio.
A parte na ação é o substituto e não a pessoa substituída, o titular da relação  material ou substantiva” – Antunes Varela/J.Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pp. 732-733.   
Quem passou a intervir como parte activa e se mantém como tal, em substituição da primitiva A. …, foi a massa insolvente. Os actos integradores de litigância de má fé foram praticados pela sociedade e não pela actual A. - massa insolvente.
Atento o que fica referido, não pode haver lugar à condenação da A. Massa Insolvente como litigante de Má-fé, uma vez que esta não teve qualquer domínio sobre os factos praticados pela sociedade e que dariam lugar à responsabilidade esta.
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IV- Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta 1ª Secção em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação e, em consequência, revogar parcialmente a douta sentença recorrida, condenando-se agora os Réus a pagar à Autora/Massa Insolvente o saldo do que resultar de liquidação de sentença, entre a quantia em falta para totalizar o preço da empreitada, no valor total de € 50.547,36, por um lado e a quantia de € 9.507,40, acrescida do valor das obras a realizar para eliminação dos defeitos referidos nos pontos 33- a 55- dos Factos Provados, por outro lado, se o saldo que existir for favorável à Autora.
Relativamente à quantia a liquidar e caso exista saldo favorável à A., serão devidos juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, desde a data da notificação para a liquidação e até ao trânsito em julgado da decisão do incidente em causa.
No mais, acordam em manter a sentença recorrida.
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Custas da acção por A. e RR. na proporção, respectivamente, de metade, mantendo-se quanto às custas da reconvenção e do incidente de litigância de má fé o decidido na 1ª instância.
Registe e Notifique.

Lisboa, 14-01-2020
Manuela Espadaneira Lopes
Fernando Barroso Cabanelas
Paula Cardoso
Decisão Texto Integral: