Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1550/15.0T8CSC.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA
NOTIFICAÇÃO
ADMINISTRAÇÃO DE UM CONDOMÍNIO
CITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I- O tribunal não pode absolver da instância um de vários réus, por verificação de uma excepção dilatória inominada, sem ouvir a autora ou os outros réus, para mais se se entende que havia uma situação de litisconsórcio necessário passivo entre os vários réus. Se o fizer, incorre em violação do princípio da proibição das decisões-surpresa (art. 3/3 do CPC).
II- Quando um despacho é proferido antes de se dar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as excepções de conhecimento oficioso que o tribunal considera existirem, ocorre uma nulidade processual (art. 195/1 do CPC). Mesmo que se considere que tal é causa de nulidade do despacho, se a parte tiver arguido a nulidade, a arguição não deve ser rejeitada com o fundamento de que se devia ter recorrido.
III- A Administração do Condomínio, actue ela como representante dos condóminos que votaram favoravelmente as deliberações a anular ou como representante do Condomínio, tem de ser devidamente identificada, sob pena de não se poder considerar que foi citada; ou seja, no caso, sendo ela uma pessoa colectiva, não pode ser citada através de uma carta enviada para a “Administração do Condomínio” sem a identificação dessa pessoa colectiva. E, assim sendo, o despacho do art. 567/1 do CPC não podia ter sido proferido, o que implica nova nulidade processual.
IV- Tendo um dos réus sido absolvido da instância por uma excepção dilatória oficiosamente decretada, os outros réus deviam ter sido notificados dessa absolvição, nesses termos, para que a partir dessa notificação se contasse o prazo para a sua contestação (art. 569/3 do CPC), o que não aconteceu por ter sido logo ordenada a notificação das partes para os termos do art. 567/2 do CPC. O que implica uma terceira nulidade processual.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

I- A 13/05/2015, M intentou “uma acção declarativa constitutiva de anulação de deliberações de uma assembleia de Condomínio” ocorrida a 17/03/2015, contra: (i) A; (ii) G; (iii) D; (iv) U; (v) I; (vi) F-Lda, “todos eles representados em juízo pela Administração do Condomínio do Edifício V, sito na Rua C, NIPC 000000000, o qual deverá ser citado para nos termos e efeitos do n.º 2 do art. 383 do CPC e n.º 6 do art. 1435 do CC. O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos […]”. Termina a petição requerendo que seja ordenada a citação dos réus para contestar, querendo, no prazo e sob legal cominação, seguindo-se os demais termos até final. A esta acção atribui o valor de 30.001€.
II- O tribunal fez a averiguação nas bases de dados das pessoas colectivas do local da sua sede e depois enviou carta registada para citação de todos os réus identificados, bem como da Administração do Condomínio, identificada e citada como ré (e para a morada Av. D). Tudo a 02/06/2015.
III- Vieram devolvidas as cartas para citação de A, G, D e Administração.
IV- O tribunal pediu a citação de A por Agente de Execução e deu conhecimento à autora da impossibilidade de citação de G, de D e da Administração.
V- A 06/07/2015, a autora faz o seguinte requerimento (que se transcreve com simplificações):
1. Na petição inicial foi indicada a morada da ré, Administração de Condomínio;             
2. Vem, na presente data, a autora ser notificada da frustração da tentativa de citação da Administração de Condomínio numa morada que lhe é completamente desconhecida;
3. Não obstante a pesquisa efectuada pela Secretaria, para efeitos do art. 246 do CPC, com vista a obter a morada da sede do Condomínio, a autora tem conhecimento que a sede da Administração do Condomínio é [a por si indicada na PI], sendo esta a morada constante das actas de Condomínio;
4. Razão pela qual, antes de se proceder à citação da Administração de Condomínio por Agente de Execução nomeado, deverá ser repetida a citação, enviando-se nova carta, para a morada indicada pela autora nos presentes autos, o que desde já se requer.
5. Quanto aos dois réus, G e D, a morada indicada pela autora para efeitos de citação encontra-se correta.
6. Nas actas de Assembleia de Condomínio consta o nome destes dois réus, como indica a respectiva fracção de que são proprietários.
7. Esclareça-se que o motivo da devolução da carta enviada ao réu G é: “Endereço insuficiente/Não atendeu”, conforme doc.1 que se junta.
8. O motivo da devolução da carta enviada ao réu D é “Desconhecido”, conforme doc.2 que se junta.
9. Em ambos os casos, não se procedeu conforme dispõe no art. 228/5 do CPC, ou seja, quando não seja possível a entrega da carta, será deixado aviso ao destinatário para proceder ao seu levantamento junto da estação de correio no prazo de oito dias.
10. Face ao exposto, requer-se que se dê cumprimento ao disposto no art. 228 do CPC devendo os réus ser citados para as moradas indicadas: […]
11. Mais se requer que seja decretada a suspensão das diligências a realizar pela AE, até que se verifique a impossibilidade de citação pela via postal.
VI- A 15/07/2015 a carta para citação da ré I também veio devolvida. Disto não é dado conhecimento à autora.
VII- A 07/08/2015 são enviadas novas cartas para citação da Administração, G e D.
VIII- A 11/08/2015, o réu A junta procuração aos autos.
IX- As cartas para G e D vêm devolvidas.
X- A carta para citação da Administração é recebida, conforme aviso de recepção junto ao PE a 26/08/2015.
XI- A 03/09/2015, a autora vem requerer a citação dos réus G e D pela AE já nomeada, o que o tribunal pede a 04/09/2015.
XII- A 11/06/2017, o tribunal entende que deve ser destituída do exercício das funções a AE e nomeado outro em substituição da anterior.
XIII- A 31/08/2017 é notificada a nomeação de novo AE e pedido ao mesmo a citação de G e D.
XIV- Por cartas datadas de 27/09/2017, mas registadas no PE a 27/10/2017, o novo AE tenta a citação de G e D.
XV- A 16/01/2018, o AE afixa nota de notificação (art. 241 do CPC) do réu G de que tinha sido citado nos termos do art. 232/4 do CPC e diz ter enviado certidão negativa do réu D, o que só faz a 17/01/2018, dela constando que o réu já não reside na morada indicada, pois que a fracção tem um novo proprietário, que é Maria M.
XVI- A 02/03/2018 é proferido o seguinte despacho: Não se mostrando citado o réu D, situação que foi já notificada à autora em 17/01/2018, aguardem os autos o impulso processual, sem prejuízo do disposto no art. 281/1 do CPC. Notifique.
XVII- A 09/03/2018 a autora vem “informar” o seguinte:
1. Aquando da entrada da petição inicial requereu a citação da Administração do Condomínio em representação dos condóminos, nos termos e para os efeitos do n.º 2 do art. 33 do CPC e n.º 6 do art. 1435 CC.
2. Assim, encontrando-se a Administração de Condomínio devidamente citada, na qualidade de representante de todos os condóminos, não existe razão para que os presentes autos fiquem a aguardar o impulso processual da Autora.
3. Contudo, caso o tribunal assim não entenda, desde já a autora informa que o réu D vendeu, em 03/02/2016, a fracção designada pela letra “D” do prédio em questão.
4. Neste pressuposto, requer-se que seja citada a nova proprietária daquela Fracção “D” – Maria M, naquela residência.
XVIII- A 12/03/2018 o réu A, notificado do requerimento da autora, vem referir o seguinte:
Ao contrário do que a autora refere, a Administração do Condomínio não foi citada na qualidade de representante dos condóminos, mas como ré, cf. citação a fls. nos presentes autos.
Assim, a Administração do Condomínio, cujo administrador não se encontra identificado, não está citada, na qualidade de representante, mas como parte na acção interposta pela autora.
XIX- A 07/05/2018, é proferido o seguinte despacho:
“As acções destinadas a anular as deliberações de assembleia de condóminos devem ser propostas contra as pessoas que nelas tiveram intervenção, sendo que o réu que falta citar foi quem teve intervenção na assembleia em causa nestes autos e não quem, alegadamente, é a actual proprietária da fracção e, assim sendo, indefiro ao requerido a fls. 133 verso.
Porém o réu que não se mostra citado, a ter vendido a sua fracção, terá deixado de ter interesse em agir, sendo que tal situação apenas pode ser apreciada se a autora demonstrar nos autos a venda que alega ter ocorrido. Assim sendo, notifique-a para, em dez dias, juntar aos autos certidão do registo predial da fracção do referido réu (fracção “D”) e cópia da escritura de compra e venda da mesma fracção. DN.”
XX- Este despacho é notificado por carta de 08/05/2018
XXI- A 11/05/2018, a autora junta os documentos determinados no despacho de 07/05/2018.
XXII- A 14/05/2018, o réu A requer a citação da Administradora do Condomínio do prédio V, a cargo de A-Lda, com sede na Av. 25, na qualidade de representante dos condóminos, porquanto “A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador …” conforme estatuído no n.º 6 do art. 1433.º do C.C. Junta: acta (eleição do/a administrador/a – de 08/03/2017).
XXIII- A 05/07/2018 (numa conclusão aberta a 25/06/2018) é proferido o seguinte despacho:
Atendendo a que o réu D deixou de ter interesse em agir, absolvo o mesmo da instância. Custas por quem ficar vencido a final. Notifique.
Notifique nos termos e para os efeitos do disposto no art. 567/2 do CPC.
XXIV- Nesse mesmo dia, a secção de processos do tribunal envia a seguinte carta para a autora, para os réus (à excepção do D) e para a Administração do Condomínio do Edifício V [para a morada indicada pela autora na PI]
Assunto: notificação de despacho – art. 567º CPC:
Fica notificado, relativamente ao processo supra identificado, de que foi proferido despacho a considerar confessados os factos articulados pelo autor, de que se junta cópia.
Mais fica notificado nos termos e para os efeitos do nº 2 do art. 567 do CPC.
XXV- As cartas para notificação da Administração, da I e do G vêm devolvidas, sendo que a enviada para a Administração tem colado um autocolante em cima da antiga morada com os dizeres: SIGA (nova morada): Av. 25. No verso da carta consta um carimbo onde é assinalado o quadrado destinado a ‘não atendeu”.
XXVI- A 29/08/2018 o réu A vem expor e requerer o seguinte:
1- O despacho [de 05/07/2018] viola o disposto no art. 3/3 do CPC, violando o princípio do contraditório, consubstanciando a prática de uma nulidade processual que influiu no exame e decisão da causa.
2. Dispõe o referido preceito que: “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo licito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
3. Assim, antes de proferir a decisão o juiz deve conceder às partes a oportunidade de se pronunciarem sobre todas as questões, ainda que de direito e de conhecimento oficioso, sendo proibidas as decisões-surpresa.
4. Pelo que compulsados os autos, a autora veio informar por requerimento de 09/03/2018, de que o réu ainda não citado, D, vendeu a fracção de que era proprietário no Edifício, já após ter sido intentada a presente acção, e em consequência requer a citação da nova proprietária da fracção.
5. Em 07/05/2018, o tribunal responde com o indeferimento da citação da actual proprietária, mais referindo: “Porém o réu que não se mostra citado, a ter vendido a sua fracção terá deixado de ter interesse em agir sendo que tal situação apenas pode ser apreciada se a autora demonstrar nos autos a venda que alega ter ocorrido. Assim sendo, notifique-a para, em 10 dias, juntar aos autos certidão do registo predial da fracção do referido R. (fracção “D”) e cópia da escritura de compra e venda da mesma fracção.”
6. A autora juntou a documentação em 11/05/2018
7. Em 05/07/2018 o tribunal emitiu o seguinte despacho que foi notificado aos réus para os efeitos do disposto no art. 567/2 do CPC. ”Atendendo a que o réu D deixou de ter interesse em agir, absolvo o mesmo da instância… Notifique nos termos e para os efeitos do disposto no art. 567/2 do CPC. “
8. O tribunal não podia ter decidido da falta de interesse em agir do réu D e a consequente absolvição da instância sem prévia audição da(s) parte(s) contrária(s), sob pena de se violação do princípio do contraditório, na vertente da proibição de decisão-surpresa.
9. Existia, o dever de audiência prévia, pois estão em causa questões de direito susceptíveis de virem a integrar a base da decisão, porquanto as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra todos os condóminos que votaram favoravelmente, porque são eles que têm interesse em contradizer a posição de quem visa destruir os efeitos de uma decisão relativa ao interesse comum subjacente àquelas deliberações, só fazendo sentido uma decisão judicial de anulação de um acto que a todos obriga igualmente se for oponível a todos os condóminos, sendo um caso de litisconsórcio necessário passivo (arts. 30, nºs 1 e 2, e 33, ambos do CPC).
10. Além de que as partes não configuraram a questão pela via adoptada pelo tribunal, pelo que cabia dar a conhecer a solução jurídica que pretendia vir a assumir para que as partes pudessem contrapor os seus argumentos, até porque ainda não estavam esgotadas as modalidades de citação ao réu em causa.
11. [transcreve-se uma longa passagem de um ac. do TRG de 19/04/2018, proc. 533/04.0TMBRG-K.G1, sobre o princípio do contraditório]
12. A não observância do contraditório, na decisão vertida no despacho de 05/07/2018, constitui uma nulidade processual, nos termos do art. 195/1 do CPC, onde se consagra que “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreve, só produz nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”.
13. Sem prescindir, também se refere que os réus condóminos citados aguardavam a citação do réu condómino em causa para apresentar a sua defesa, nos termos do art. 569/2 do CPC, pois o prazo para contestar deste último ainda não tinha iniciado, podendo os outros réus aproveitar o mesmo.
14. O despacho em apreço, tem implícito que os factos alegados pela autora se dão como confessados, por falta de contestação, quando os outros réus ainda estavam em prazo para o efeito.
15. Pelo que considerando-se a absolvição da instância do réu não citado por falta de interesse em agir, o que não se admite, mas que por mera cautela de patrocínio se equaciona, sempre se deveria aplicar por analogia o art. 569/3 do CPC.
16. Assim, os réus que ainda não haviam apresentado a sua contestação, teriam de ser notificados do referido, contando-se a partir da data da notificação o prazo para a sua contestação.
17. A omissão de notificação dos réus é uma violação do seu direito de defesa/contraditório, omissão que vai influir no exame e decisão da causa, nos termos do art. 195/1 do CPC, invocando-se a nulidade processual para os devidos e legais efeitos.
Nestes termos e nos melhores de direito, ao ter sido omitido aos réus a audiência prévia sobre a decisão da falta de interesse em agir do réu, ainda não citado, D, e a consequente absolvição da instância há uma nulidade processual por violação do princípio do contraditório conforme estatuído no art. 195/1 do CPC.
Por outro lado, considerando-se a absolvição da instância do réu não citado, por falta de interesse em agir, o que não se admite, mas por mera cautela de patrocínio se equaciona, ao ser omitida a notificação dos outros réus, nos termos do art. 569/3 do CPC que aguardavam o termo do prazo do réu, que ainda não havia sido citado, faz incorrer em outra nulidade processual por violação do direito de defesa/exercício do contraditório, influindo esta violação no exame e decisão da causa, conforme estatuído no art. 195/1 do CPC, nulidades processuais que aqui se invocam para os devidos e legais efeitos.
XXVII- A 04/09/2018, o réu A apresenta uma peça processual que no formulário respectivo é intitulada de alegações, na qual dá notícia de ter arguido nulidades processuais e, à cautela, impugna os factos e as ilações de direito constantes da petição inicial, concluindo pela improcedência da acção e pela sua absolvição do pedido.
XXVIII- Numa conclusão com data de 27/09/2018, é proferido a 10/10/2018 o seguinte despacho, depois de se aludir ao requerimento da autora de 09/03/2018 - notificado ao réu -, ao despacho de 04/05/2018, ao requerimento da autora de 11/05/2018 - notificado à autora -, ao despacho de 05/07/2018 - notificado ao réu - e ao requerimento de 29/08/2018:
“Cumpre decidir.
Prevê o art. 3/3 do CPC que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
Nos termos do art. 569, n.ºs 2 e 3, do CPC, quando termine em dias diferentes o prazo para a defesa por parte dos vários réus, a contestação de todos ou de cada um deles pode ser oferecida até ao termo do prazo que começou a correr em último lugar; se o autor desistir da instância ou do pedido relativamente a algum dos réus não citados, são os réus que ainda não contestaram notificados da desistência, contando-se a partir da data da notificação o prazo para a sua contestação.”
Como se constatou pelos despachos e requerimentos atrás mencionados, a questão da eventual extinção da instância quanto ao réu D era do conhecimento das partes que, querendo, podiam ter-se pronunciado sobre a mesma.
Relativamente ao despacho de 05/07/2018 o mesmo não foi impugnado pelo meio adequado que era a interposição de recurso.
O réu A, notificado do despacho que absolveu o réu D da instância, não apresentou contestação no prazo legal, podendo tê-lo feito.
Face ao exposto, sem prejuízo do acima referido quanto à não impugnação do despacho de 05/07/2018, indeferem-se as arguidas nulidades.
XXIX- Este despacho foi notificado à autora e ao réu A por carta elaborada a 11/10/2018.
XXX- A 30/10/2018 o réu A interpôs recurso do despacho de 10/10/12018, para que seja revogado, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
A e B – O despacho de 05/07/2018 foi proferido no âmbito duma acção de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos, oponível a todos os condóminos, consubstanciando um caso de litisconsórcio necessário passivo.
C – Não foi observado nem cumprido o contraditório nos termos do art. 3/3 do CPC, relativa à decisão de absolvição da instância do réu D por falta de interesse em agir.
D – Esse despacho foi emitido e notificado ao réu, à autora e outros réus, nos seguintes termos “Assunto: notificação do despacho – art. 567 CPC. Fica notificado, relativamente ao processo supra identificado, de que foi proferido despacho a considerar confessados os factos articulados pelo autor, de que se junta cópia. Mais fica notificado nos termos e para os efeitos do art. 567/2 do CPC.”
E – O réu, assim como os outros réus, aguardavam a citação do réu D para apresentar a sua defesa/contraditório nos autos, aquando da notificação do despacho de 05/07/2018, nos termos do art. 569/2 do CPC.
F – Direito que lhe foi coarctado pela não notificação nos termos do art. 569/3 do CPC e com a notificação imediata nos termos do art. 567/2 do CPC.
G – As omissões referidas consubstanciam nulidades por violação do direito do contraditório do réu, que influem no exame e decisão da causa, nos termos do art. 195/1 do CPC.
H – O tribunal a quo ao indeferir as nulidades invocadas violou os arts. 195/1, 3/3 e 569/-2-3, todos do CPC.
XXXI- A autora não apresentou contra-alegações.
                                                      *
Questões que importa decidir: se ocorreram ou não as nulidades invocadas no requerimento de 29/08/2018 e outras de conhecimento oficioso.
                                                      *
Os factos que importam à decisão desta questão são os que constam do relatório supra, que se estabeleceram ao abrigo dos arts. 663/2 e 607/4, ambos do CPC, com base nos elementos constantes deste apenso separado ou no processo principal a que se teve acesso através do citius.
                                                      *
Decidindo:
No despacho de 05/07/2018, n.º XXVI do relatório supra, decide-se uma excepção dilatória inominada e a absolvição de um réu da instância.
O tribunal recorrido diz, no despacho recorrido (XXVIII) que o podia fazer quando o fez porque “como se constatou pelos despachos e requerimentos atrás mencionados, a questão da eventual extinção da instância quanto ao réu D era do conhecimento das partes que, querendo, podiam ter-se pronunciado sobre a mesma.”
Mas desses requerimentos e despachos de modo algum se podia retirar a conclusão de que o tribunal considerava que o réu D devia ser absolvido da instância por falta de interesse em agir, desde logo porque o tribunal apenas referia essa falta de interesse em agir e não a consequência, e também porque o tribunal tinha dito que o tipo de acção em causa devia ser dirigido contra as pessoas que tiveram intervenção na deliberação a anular, o que pressupõe um litisconsórcio necessário passivo, que nada indicava que o tribunal fosse “dispensar”.
E, assim sendo, nem se podia dizer que a questão já tivesse sido debatida, nem que as partes, entre elas o réu A, a tivessem podia debater, ou seja, como questão que podia levar à absolvição da instância de um dos réus, para mais com a possibilidade de tal implicar (de imediato ou por via de recurso) a absolvição da instância de todos os outros réus, por preterição de litisconsórcio necessário passivo.
Conclui-se, pois, que se está perante uma decisão-surpresa, em violação do disposto no art. 3/3 do CPC, que provoca a nulidade processual por violação do contraditório, fase essencial para o exame e a decisão da causa (art. 195/1 do CPC).
                                                      *
O despacho recorrido diz então que o despacho de 05/07/2018 não foi impugnado pelo meio adequado que era a interposição de recurso.
No entanto, quando um despacho é proferido antes de se dar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre as excepções de conhecimento oficioso que o tribunal considera existirem, ocorre uma nulidade processual.
Neste sentido, diz Lebre de Freitas (CPC anotado, com Isabel Alexandre, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, Junho 2017, pág. 730:
No quadro dos vícios específicos da sentença, de que tratam os arts. 614 a 617, não entram as invalidades decorrentes do seu proferimento em momento processual inadequado. Não se trata então de vício de um acto que devesse ter lugar, mas da prática de um acto processual que não devia ter lugar no momento em que foi praticado. Assim, por exemplo, se o juiz pro­ferir a sentença antes das alegações orais das partes (art. 60-3-e), ou baseado em questão de facto ou de direito de conhecimento oficioso que as partes não tiverem tido em conta nas suas alegações e que não tiver sido ainda considerada no processo (art. 3-3), a sentença é prematura, ocorrendo anulabili­dade nos termos do art. 195-1, a arguir no prazo de 10 dias do art. 149-1. […] Neste caso, não é necessário o recurso da decisão final, com a fina­lidade de impedir o trânsito em julgado: este não se dá enquanto não for pro­ferida decisão sobre a nulidade […]”
Contra, no entanto, veja-se Miguel Teixeira de Sousa, por exemplo:
no post de 04/03/2019 publicado no blog do IPPC sob Jurisprudência 2018 (188): “a decisão-surpresa impugnada é nula por excesso de pronúncia, porque, tendo omitido a audição prévia das partes, conhece de matéria que, nessas circunstâncias, não podia ter conhecido”; no post de 28/01/2019, sob Jurisprudência 2018 (163); no post de 23/03/2015, sob Jurisprudência (105): “a omissão do convite à pronúncia das partes, e, portanto, o proferimento de uma decisão-surpresa, é um vício que afecta esta decisão (e não um vício do procedimento e, portanto, no sentido mais comum da expressão, uma nulidade processual). Há (pelo menos) dois argumentos para assim se entender: O primeiro é o de que, até haver o proferimento da decisão-surpresa, não há nenhum vício processual contra o qual a parte possa reagir; a parte pode suspeitar de que o tribunal vai aplicar um regime não discutido no processo e de que vai proferir uma decisão-surpresa; todavia, é apenas no momento do proferimento desta decisão que o vício se manifesta e se constitui; O segundo argumento é o de que o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria; a decisão padece de um vício de conteúdo e, por isso, é nula por excesso de pronúncia (art. 615/1-d CPC); estranho seria, aliás, que o vício que afecta a decisão-surpresa, sendo um vício de conteúdo, não tivesse o mesmo tratamento e não originasse as mesmas consequências dos demais vícios de conteúdo que, segundo o disposto no art. 615/1 CPC, conduzem à nulidade da sentença.”; no post de 28/12/2017, sob Jurisprudência (758); e no post de 19/03/2018, sob Jurisprudência (814)).
Pensa-se que estas posições podem ser conciliadas e que deve ser admitido quer a arguição da nulidade processual, quer o recurso do despacho, conforme a reacção processual tida pelas partes.
Já não se considera correcto que se rejeite a arguição da nulidade processual, com o fundamento de que a parte devia ter recorrido do despacho.
                                                      *
Diz ainda o tribunal: “ O réu A, notificado do despacho que absolveu o réu D da instância, não apresentou contestação no prazo legal, podendo tê-lo feito.”
Ora, isto é errado, por várias razões:
1.º Tendo já sido proferida decisão a absolver o réu D da instância, a contestação posterior do réu A não teria qualquer efeito nessa decisão.
2.º O réu A, na lógica do despacho de 05/07/2018 não podia contestar, porque já se estava, aparentemente, na fase do art. 567/2 do CPC.
3.º O réu A, à cautela, até contestou e muito dentro do prazo de 30 dias contados da notificação do despacho que absolveu o réu D da instância (veja-se o que consta do ponto XXVII).
                                                      *
Para além daquela nulidade arguida, o conhecimento da nulidade da falta de citação é de conhecimento oficioso (arts. 188/1-a, 196, 198/1 e 200/1, todos do CPC) e implica a nulidade de tudo o que se tenha processado depois da petição inicial (art. 187-a do CPC).
Ora, o processado transcrito acima demonstra que os réus ainda não foram todos citados.
Na lógica do entendimento do tribunal, como já se viu, os réus são todos os condóminos que intervieram nas deliberações em causa e têm que ser citados pessoalmente, não na pessoa da Administração.
Ora, já sem se discutir a questão do réu D, que alegadamente votou a deliberação em causa – e o facto de já não ser proprietário não retira o facto dessa intervenção na deliberação -, a ré I também a terá alegadamente votado e não se mostra citada.
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Na lógica da petição inicial (que não foi consequente: veja-se a parte final da síntese feita acima da PI e também o que consta do ponto V do relatório supra), na de parte significativa da jurisprudência e na da leitura linear da lei (art. 1433/6 do CPC), esta acção deve ser dirigida contra todos os que votaram favoravelmente as deliberações (o que, aliás, é diferente da intervenção nas deliberações a que se refere o despacho do ponto XIX), mas representados pela Administração do Condomínio. 
Segundo outra parte da jurisprudência, a acção deve ser dirigida contra o Condomínio, representado pela Administração. Estas duas posições estão expostas, por exemplo, no ac. do TRL de 07/03/2019, proc. 26294/17.4T8LSB.L1-2.
Qualquer destas duas posições exige, assim, a citação da Administração do Condomínio, não sendo necessária a citação dos condóminos (embora para a primeira os Condóminos em causa tenham de ser todos identificados).
Ora, a citação da Administração do Condomínio tem de se fazer nos termos legais, ou seja, sempre com a identificação precisa da pessoa que é destinatária da mesma. Ora, no caso, a Administração do Condomínio foi ‘citada’ como Administração do Condomínio e sem qualquer identificação dessa Administração, que era uma pessoa colectiva, tal como consta na acta (de 2015, junta aos autos com a PI), ou seja, A-Lda, com sede na Av. 25 (assim também o requerido pelo réu A, embora com referência a uma acta posterior, de 2017). Para além de ter sido ‘citada’ como qualquer outro réu, e não como Administração do Condomínio, em representação dos condóminos.
Sobre tudo isto, veja-se o ac. do TRP de 28/11/2013, 2181/12.1TBPVZ-A, de que se citam, por exemplo, as seguintes passagens:
Lebre de Freitas, A acção declarativa comum à luz do CPC de 2013, 3ª edição, Coimbra Editora, pág. 45, nota 21: “Quando a parte seja um incapaz ou um ente com personalidade meramente judiciária (arts. 12 e 13), há também que indicar, identificando-o, o seu representante, dado o disposto nos arts. 16-1, 26 e 223-1 […]”.
Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo CPC, Lex, 1997, 2ª edição, págs. 148-150: “Este ónus de indicar o representante legal do réu incapaz que é imposto ao autor é uma decorrência do ónus de preenchimento dos pressupostos processuais: como lhe incumbe assegurar todos esses pressupostos, cabe-lhe indicar o representante da parte passiva”.
O ac. do TRL de 14/05/1998, CJ, tomo 3, pág. 96: “Da especificidade da representação do condomínio resultante da propriedade horizontal […] decorre que, para cabal cumprimento do disposto no art. 467/1 do CPC, se o autor demandar o condomínio, deverá indicar o nome e a residência do administrador […], sem o que o condomínio não pode ter-se por devidamente identificado.”; acrescenta este acórdão: “Em resposta à argumentação do agravante, recorda-se que nada obriga que a administração do condomínio esteja a cargo de um dos condóminos ou que funcione no edifício em propriedade horizontal. Por isso é falacioso dizer-se, como diz o agravante no corpo da sua alegação, que a referência […] ao Condomínio de […] sendo seu legal representante a administração do condomínio, é o suficiente para a identificação do condomínio”;
Note-se que, ao que se crê, não é isto que acontece na maior parte das vezes. Mas isso só pode ser deixado passar quando a Administração do Condomínio contesta a acção e não levanta o problema. Ora, no caso dos autos, a Administração do Condomínio, que, pelo que se diz, ainda não se pode considerar citada, também ainda não contestou.
Assim, por a carta da citação da Administração do Condomínio ter sido enviada sem identificação da pessoa que é a administradora, a Administração do Condomínio não se pode considerar que está citada, pelo que ocorre a nulidade da falta da citação da Administração do Condomínio.
Como o/s réu/s, ainda não foram citados, o despacho recorrido não podia ter sido proferido e, por isso, verifica-se a nulidade processual invocada.
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O despacho de 05/07/2018 ainda dá origem a outra nulidade:
Por um lado, determina que se “notifique [o despacho] nos termos e para os efeitos do disposto no art. 567/2 do CPC” quando nem sequer deu cumprimento formal ao art. 567/1 do CPC.
Por outro, retirando do processo um réu, que ainda não tinha sido citado, não determinou que os outros réus fossem notificados de tal, para que se contasse, a partir de então, o prazo para a sua contestação, ou seja, não deu cumprimento ao disposto no art. 569/3 do CPC, embora a situação dos autos reclamasse, como diz o réu A, a mesma solução da situação prevista na norma, entendimento que aliás o tribunal sufraga no despacho recorrido, ao sugerir, como se viu acima, que o réu podia ter contestado no prazo contado desse modo.
Em suma, o tribunal determinou a prática de um acto – alegações escritas (art. 567/1 do CPC) – sem que tivesse sido praticado pelo menos um outro, necessário, antecedente na cadeia de actos processuais, de notificação dos réus da absolvição de um dos réus, para a partir de aí se contar o prazo para a contestação (notificação que não existe, nesses termos, porque os réus foram logo notificados para alegarem por escrito).
Também aqui se verifica uma nulidade processual e não uma nulidade do despacho, tal como quando o juiz dá a palavra para alegações orais quando ainda falta a produção de prova (veja-se o exemplo referido acima na passagem transcrita de Lebre de Freitas). O despacho do juiz, tanto no caso dos autos, como no exemplo, ao ordenar a prática de um acto posterior sem a prática de um acto anterior necessário, não cobre a nulidade (ou seja, não se converte num erro de julgamento, de que se tivesse que interpor recurso), porque não demonstra conhecimento do vício que está a provocar, ou seja, não está a dispensar a notificação para contestação de forma consciente (neste sentido, de novo, Lebre de Freitas: (CPC anotado, com Isabel Alexandre, vol. 1.º, 3.ª ed., Coimbra Editora, 2014, págs. 384-385), “quando um despacho judicial […] se pronuncia no sentido de não dever ser praticado certo acto prescrito por lei, a questão deixa de ter o tratamento das nulidades para seguir o regime do erro do julgamento, por a infracção passar a ser coberta pela decisão, expressa ou implícita, proferida, ficando esgotado, quanto a ela, o poder jurisdicional (art. 613-1 [do CPC]). […] Mas tenha-se em conta que não basta que um despacho judicial pressuponha o conhecimento do vício para que este se possa considerar por ele implicitamente coberto […]”
Note-se que tanto não é certo que o despacho recorrido estivesse a pronunciar-se, com conhecimento, sobre a questão da desnecessidade de notificação para contestação, que, no despacho recorrido, se diz, pelo contrário, que o réu podia ter contestado depois da notificação daquele.
Em suma, também aqui se verifica a nulidade processual pois a que impossibilidade de contestação pode influir, claramente, no exame e na decisão da causa (art. 195/1 do CPC).
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso e revoga-se o despacho recorrido, que se substitui por este que considera verificadas as nulidades arguidas, bem como a nulidade da falta de citação da Administração do Condomínio (como representante dos condóminos identificados tendo em conta os termos como a acção foi configurada pelo autora, questão que não é objecto do recurso), anulando-se, em consequência, todo o processado posterior à petição inicial.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte do réu A (não há outras), pela autora que é vencida no recurso (art. 527/2 do CPC).

Lisboa, 23/05/2019

Pedro Martins
Laurinda Gemas
Gabriela Cunha Rodrigues