Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6982/12.2YYLSB-A.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: DOCUMENTO PARTICULAR
FORÇA PROBATÓRIA
CONTRATO DE MÚTUO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos do art. 374º, nº1, do C.C faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da sua falsidade (art. 376º, nº1, CC);
Está, portanto, excluída a livre valoração pelo tribunal, por ser dotado de força probatória plena (cf. arts. 358º, nº2, 374º, nº1 e 376º, nºs 1 e 2, CC);
Os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante (art. 376º, nº2, CC);
Num contrato de mútuo, a declaração atribuída à mutuária de que, no acto da assinatura, recebeu uma cópia do contrato, apenas poderia ter sido posta em causa através da arguição e prova da sua falsidade. Fora desta situação faz prova plena dos factos nela contidos, pelo que não pode deixar de se dar como plenamente provada a referida factualidade.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, no Tribunal da Relação de Lisboa.


I-Relatório:


1.Por apenso aos autos de execução comum para pagamento de quantia certa que BANCO W., S.A. intentou contra G. DO C. SOUSA G., veio a executada deduzir a presente oposição à execução e à penhora.

Alegou, em resumo, que:

A pedido de um amigo e convicta de que estava a prestar uma fiança, a ora opoente assinou o contrato de mútuo destinado a financiar a aquisição de uma viatura automóvel, sem ter a consciência de que se estava a obrigar, como mutuária, tanto mais que nunca estabeleceu qualquer contacto com o vendedor, para a aquisição do veículo.

Tão pouco se apercebeu de que tinha autorizado o débito bancário das prestações do mútuo, através da sua conta bancária, sendo certo que também não ficou na posse de uma cópia do contrato.

Por tudo isso, ao aperceber-se de que o seu amigo a tinha enganado, e por se sentir vítima de burla, participou a ocorrência à PSP.

Deduziu também oposição à penhora, alegando que, recebendo o equivalente ao salário mínimo nacional (EUR 485,00) não devia ter sido penhorado um terço do seu vencimento, como veio a acontecer, nos meses de Junho e Novembro de 2012.

Pede, por isso, a devolução das quantias indevidamente penhoradas, no total de EUR 270,70.

2.Liminarmente admitida a oposição, foi a exequente notificada para contestar, o que fez, tendo pugnado pela improcedência da oposição.

3.Realizado o julgamento, foi, a final, proferida sentença que, julgando procedente a oposição, julgou extinta a execução.

4.Inconformada, apelou a exequente, e, em conclusão, disse:

a)A exequente é uma instituição financeira de crédito, dedicando-se no âmbito da sua atividade, a financiar a aquisição de bens de consumo;
b)Os autos têm origem num contrato de mútuo celebrado entre exequente e executada, em 16 de Agosto de 2010, com o número 2042300, cujo objeto foi o veículo de marca Peugeot, 307, matrícula 94-...-66;
c)Do documento supra consta, logo antes da assinatura da Executada, que:
“ O(s) Mutuário(s) declara(m) ter(m) (...) e cópia do presente contrato”;
d)Foi deduzida oposição à Execução pela Executada com fundamento, entre outros, de não ter ficado na posse de uma cópia do contrato;
e)Em sede de julgamento a testemunha Lisa de B...M...[1] e Elisabete R...F..., apresentadas pelo aqui Recorrente, explicou a dinâmica da celebração dos contratos e entrega de cópia dos mesmos aos mutuários;
f)No que à entrega da cópia do contrato no âmbito dos contratos de crédito a consumidores diz respeito, estabelece o nº2 do artº.12º do Decreto- Lei nº 133/2009 de 2 de Junho que “a todos os contraentes, incluindo os garantes, deve ser entregue, no momento da respectiva assinatura, um exemplar devidamente assinado do contrato de crédito”;
g)A declaração aposta no contrato que a executada recebeu uma cópia do contrato é, per si, suficiente para se concluir que a mesma recebeu a dita cópia;
h)Pois não é aceitável, para um homem médio e de acordo com a experiência comum, que alguém assine um documento que não esteja conforme a realidade e muito menos que assine sem ler e analisar;
i)Contudo, dita o nº5 do artº.13º do normativo legal acima indicado que “a inobservância dos requisitos constantes do artigo anterior presume-se imputável ao credor e a invalidade do contrato só pode ser invocada pelo consumidor”;
j)Assim, a invalidade do contrato de mútuo sempre terá obrigatoriamente de ser invocada pela executada, não sendo do conhecimento oficioso do Tribunal;
k)No caso em concreto, a executada limita-se a alegar que não recebeu a cópia do contrato e não invoca a nulidade do contrato, nem qualquer outra invalidade / vício do mesmo;
l)Pelo que, encontra-se vedado ao Tribunal a quo a apreciação oficiosa da nulidade ou de qualquer outro vício do contrato celebrado, por falta da concreta e expressa alegação da Executada;
m)Por outro lado o Tribunal a quo não observou a prova documental junto aos autos e muito menos a prova testemunhal realizada em sede de Audiência de Discussão e Julgamento onde as testemunhas apresentadas esclareceram o Tribunal que após a aprovação do crédito os contratos são remetidos, via e-mail, aos parceiros comerciais/fornecedores do bem;
n)O desconhecimento do teor do contrato não foi alegado, pelo contrário, e conforme decorre do despacho de arquivamento do processo crime, a executada esteve presente em várias reuniões relacionadas com a celebração do contrato de mútuo colocado em crise nesta instância, bem como foi vista a circular no veículo objeto do contrato, após a sua aquisição;
o)A executada esteve sempre consciente do teor do contrato que celebrou;
p)O Tribunal a quo não analisou criticamente a prova produzida, não indicou de onde retirou as suas ilações, não especifica quais os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção e, consequentemente, para a decisão que defere a pretensão da Executada;
q)O Tribunal a quo violou o disposto nos nº4 do artº.607º do CPC;
h)Analisada que seja a prova documental [Cf. Doc.1 junto com o requerimento executivo nos autos principais e ponto 2, 3 e 4 da matéria de facto provada da sentença proferida a fls. e despacho de fls.90 a 94 dos presentes autos] e testemunhal [depoimento gravado entre as 11h30 e as 11h56, 13m:23s e 11h58 e as 12h08, 41m:00s, respectivamente] realizada nos presentes autos deverá ser revogada a sentença proferida e substituída por outra que indefira liminarmente a oposição deduzida, por violar o disposto nos nº4 do artº.607º do CPC e, consequentemente, ordene a prossecução da execução.

5.Não foram apresentadas contra-alegações.

6.Sendo pelo teor das conclusões das alegações apresentadas pela recorrente que se delimita o objeto do recurso (salvo quando estão em causa questões de conhecimento oficioso) importa apreciar e decidir se a decisão de facto deve ser alterada, se o contrato de mútuo enferma de nulidade, e se foi indevidamente penhorado o salário auferido pela executada.

7.Os factos.

7.1.É a seguinte a factualidade dada como provada:

1.O Exequente é uma instituição Financeira de Crédito, dedicando-se no âmbito da sua atividade, a financiar a aquisição de bens de consumo duradouros;

2.O ora Opoente e a Exequente subscreveram o documento de que foi junta cópia a folhas 6 a 8 dos autos de execução, que se dá por integralmente reproduzido, intitulado “Contrato de Mútuo”, ao qual foi atribuído o n.º de contrato 2042300;

3.No referido documento encontra-se referido sob o título “Descrição do Equipamento” o veículo de marca Peugeot, modelo 307 Break 1.6HDI Premium, matrícula 94-...-66, constando do mesmo a indicação do fornecedor como sendo a “Diferent Choice, Lda.” e o preço de €15.300,00 (quinze mil e trezentos euros);

4.O documento encontra-se datado de 16 de Agosto de 2010;

5.Consta do documento que o montante total mutuado, no valor de €15.782,83 (quinze mil, setecentos e oitenta e dois euros e oitenta e três cêntimos) deveria ser reembolsado em cento e vinte prestações mensais, no valor de €241,07 (duzentos e quarenta e um euros e sete cêntimos), vencendo-se a primeira em 05.09.2010 e a última em 05.08.2020;

6.A ora Executada apenas procedeu ao pagamento de uma prestação no valor de €241,07 (duzentos e quarenta e um euros e sete cêntimos) que foi debitada na conta da Caixa Geral de Depósitos, S.A., sedeada na Cova da Piedade, de que é titular;

7.Para além desse montante foram ainda debitados cem euros;

8.A ora Executada apresentou, em 02,09.2010, junto da Polícia de Segurança Pública do Montijo, uma denúncia por burla, relativa à aquisição do veículo de matrícula 94-...-66, à qual foi atribuído o NUIPC774/10.0PAMTJ, processo no âmbito do qual foi proferida a decisão cuja cópia se encontra junta a folhas 90 a 94 destes autos que se dá por integralmente reproduzida;

9.O fornecedor do veículo automóvel referido supra foi a “Different Choice, Lda”, através do estabelecimento “Bernacar”;

10.À data da subscrição do documento referido a ora Executada auferia mensalmente €485,00 (quatrocentos e oitenta e cinco euros) ao serviço do Departamento de Gestão de Recursos Humanos da Câmara Municipal do Montijo;

11.No âmbito da execução de que os presentes autos são dependência em Junho e Novembro de 2012 foram pela Câmara Municipal do Montijo retidos os valores de €135,98 e €134,72;

12. Nesses meses, a ora Executada apenas auferiu as quantias de €208,15 e 232,59, respetivamente;

13.O Exequente dirigiu à ora Executada as cartas cujas cópias foram juntas a folhas 9 e 10 destes autos, datadas de 10 de Fevereiro de 2011 e 24 de Março de 2011, para a morada ali indicada, cartas cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

14.“No acto da assinatura do contrato de mútuo, junto a fls. 150-151, a mutuária recebeu uma cópia daquele contrato.” [2]
7.2.Com relevo para a decisão deste recurso, o Tribunal a quo considerou não provado que a exequente tivesse fornecido à ora executada cópia do contrato de financiamento referido nos autos, por ter entendido, como consta da motivação, que a prova produzida, testemunhal e documental, não permite comprovar aquela factualidade.

8.Da nulidade da sentença.

A apelante alega que o Tribunal a quo não podia ter conhecido da nulidade do contrato de mútuo, uma vez que aquele vício não foi invocado pela ora opoente.

Está, assim, a invocar a nulidade de sentença prevista no art.º. 615º, nº1, al. d), do CPC (correspondente ao anterior art.º. 668º, nº1, al. d)).

Vejamos:
Ao contrato dos autos é, efetivamente, aplicável o regime jurídico aprovado pelo DL nº 133/2009, de 2 de Junho, em cujo art.º. 12º, nº2, se exige a entrega de um exemplar do contrato de crédito a todos os contraentes.

A inobservância desta formalidade acarreta a nulidade do contrato, presumindo-se a omissão imputável ao credor (art.º. 13º, nºs 1 e nº5, 1ª parte, do DL citado). Trata-se, no entanto, de uma nulidade atípica, uma vez que só pode ser invocada pelo consumidor (art.º. 13º, nº5, in fine).

Ora, no caso em apreço, ao contrário do que se afirma, tendo sido expressamente alegado pela opoente/mutuária que não recebeu uma cópia do contrato (cf. art.º. 15º, da petição inicial, desta oposição), é indiscutível que o Tribunal a quo podia conhecer da nulidade invocada.

Improcede, pois, a pretensão da apelante.

9.Da alteração da decisão de facto.

Neste recurso, a apelante sustenta que o Tribunal a quo violou o disposto no nº4, do art.º. 607º, do CPC (em parte correspondente ao anterior art.º. 653º, nº2), por não ter analisado criticamente a prova produzida, nem especificado os fundamentos que foram decisivos para formar a sua convicção.

Está, no fundo, a solicitar que esta Relação faça uso dos poderes que lhe são conferidos pelo art.º. 662º, nº2, al. d), do CPC (v. art.º. 712º, do anterior CPC).

Contudo, sem razão.
Na verdade, dando cabal cumprimento ao disposto no art.º. 607º, nº4, do CPC, a decisão proferida sobre a matéria de facto encontra-se devidamente fundamentada, tendo a MM Juíza a quo analisado detalhadamente a prova, quer documental, quer testemunhal, cotejando os elementos fornecidos ao tribunal e dando a conhecer as razões determinantes para formar a sua convicção.

É, portanto, completamente infundada a alegação/pretensão da apelante.

Por outro lado, invocando a prova produzida, concretamente o documento de fls. 150-151 deste processo, bem como os depoimentos prestados pelas testemunhas Iva M...C... e Elisabete F..., a apelante pretende que se altere a decisão de facto, dando-se como provado que foi entregue à ora apelada uma cópia do contrato celebrado entre a exequente e a executada.

Vejamos, então:
Está dado como provado que a ora apelada, como mutuária, e a apelante, como mutuante, assinaram o documento junto a fls. 150-151 destes autos, intitulado “Contrato de Mútuo”, datado de 16-08-2010.

Desse documento consta, além do mais, a declaração, atribuída à mutuária de “(…) ter tomado conhecimento e aceite sem reservas, as condições particulares e condições gerais e ter recebido (…) uma cópia do presente contrato.”

Na oposição, a executada negou ter ficado na posse de uma cópia do contrato.

No contexto do caso, tal alegação carece, porém, de relevância.

Com efeito:

A executada/opoente não só não impugnou a veracidade da letra e da assinatura aposta no contrato, como expressamente reconhece ter subscrito o documento em questão.

Tratando-se de um documento particular (cf. art.º. 363º, nº1, do CC), impõe-se, pois, considerar reconhecida a sua autoria (cf. art.374º, nº1, do CC).

Ora, o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos do art. 374º, nº1, CC faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da sua falsidade (art. 376º, nº1, CC).

Está, portanto, excluída a livre valoração pelo tribunal, por ser dotado de força probatória plena (cf. arts. 358º, nº2, 374º, nº1 e 376º, nºs 1 e 2, CC).

Por sua vez, os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na medida em que sejam contrários aos interesses do declarante (art. 376º, nº2, CC).

Ou seja:

Estando estabelecida a autoria de um documento particular contendo uma declaração contrária aos interesses do declarante, essa declaração envolve uma confissão, motivo pelo qual assume força probatória plena nas relações entre o declarante e o declaratário.

No caso concreto, a declaração de que foi entregue ao mutuário uma cópia do contrato apenas poderia ter sido posta em causa através da arguição e prova da sua falsidade. Fora desta situação, faz prova plena dos factos nela contidos, nos termos supra referidos, pelo que não pode deixar de se dar como (plenamente) provada a referida factualidade.[3]

Note-se que nem sequer foi alegado, e muito menos demonstrado,  circunstancialismo que permita integrar a previsão do art.º. 373º, nº3, do CC, caso em que a eficácia da subscrição ficaria  condicionada pela respectiva confirmação notarial.

Assim, e como esse escreveu no ac. do STJ de 2/5/2012, processo 44768/09.9YIPRT.P1.S1, relatado pelo Juíz Conselheiro Alves Velho, www.itij.ptdo ponto de vista da formação da convicção do juíz e julgamento da matéria de facto, quando se trate de documentos – autênticos ou particulares – que satisfaçam todos os “requisitos exigidos na lei”, vigora o princípio da prova legal. Na falta deles, o conteúdo dos documentos está sujeito ao sistema da prova livre. Vale isto por dizer que, perante documentos com força probatória legal o julgador está vinculado ao valor e força que a lei (pré)fixa, que tem de respeitar, não podendo deixar de admitir como provados os factos nos exatos termos em que emergem dos documentos.”

Por seu turno, a prova testemunhal contra facto plenamente provado, está vedada pelo art. 393º, nº2, CC, salvo se visasse a simples interpretação do contexto do documento (nº3, do mesmo artigo), o que não está aqui em causa.[4]

Desta forma, e mesmo que a prova testemunhal não fornecesse elementos suficientes para comprovar a matéria em causa, a verdade é que, “havendo colisão entre o resultado da prova testemunhal e um documento particular ou autêntico, na parte em que estes estão dotados de força probatória plena, prevalecerá nesse confronto o documento particular ou autêntico.”[5]

Neste contexto, não pode deixar de se alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, de forma a dar como provado que:
“No acto da assinatura do contrato de mútuo, junto a fls. 150-151, a mutuária recebeu uma cópia daquele contrato.”

10.Enquadramento jurídico.

Na sentença recorrida considerou-se que o contrato de mútuo outorgado com a mutuária/opoente se encontrava ferido de nulidade, nos termos previstos nos arts. 12º e 13º, do DL  nº 133/2009, de 2 de Junho, por não lhe ter sido entregue um exemplar do contrato, no ato da sua assinatura.

Sucede que a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, tal como decorre do supra exposto, impõe necessariamente uma solução diversa.

Efetivamente, estando provado que “no acto da assinatura do contrato de mútuo, junto a fls. 150-151, a mutuária recebeu uma cópia daquele contrato”, é manifesto não se poder imputar ao contrato celebrado entre as partes a nulidade decorrente da inobservância da formalidade prescrita no art.º12º, nº2, do DL nº 133/2009, de 2 de Junho.

Procede, pois, o recurso.

A sentença recorrida considerou prejudicado o conhecimento da oposição à penhora, deduzida cumulativamente com a oposição à execução, ao abrigo do disposto no anterior art.º 813º, nº2, do CPC, uma vez que, julgando procedente a oposição à execução, ordenou a sua extinção.

A procedência da apelação impõe, agora, que se conheça da oposição à penhora, uma vez que esta Relação dispõe de todos os elementos para o poder fazer (cf. art.º665º, nº2, do CPC).

Vejamos, então.

Atento o disposto no art.º. 824º, nº1, al. a), do anterior CPC (por ser o aplicável, atenta a data da instauração da execução e da penhora), são impenhoráveis dois terços dos vencimentos auferidos pelo executado.

Esta impenhorabilidade tem como limite mínimo, quando o executado não tenha outro rendimento e o crédito exequendo não seja de alimentos, o montante equivalente a um salário mínimo nacional (cf. nº2, daquele artigo).

Sendo esta a situação da executada (cf. ponto 10, 11 e 12, dos factos provados), é manifesto que o seu vencimento, equivalente ao salário mínimo nacional[6], não podia ter sido objeto de penhora.

Procede, assim, a oposição à penhora, verificado que está o fundamento previsto no art.º. 863º-A, nº1, al. a), do anterior CPC.

Por conseguinte, deve ordenar-se a devolução/restituição à executada das quantias indevidamente penhoradas, ou seja, EUR 270,70 (v. ponto 11, dos factos provados).

11.Nestes termos, concedendo provimento ao recurso, acorda-se em:
-Julgar improcedente a oposição à execução e ordenar o seu prosseguimento;
-Julgar procedente a oposição à penhora e ordenar a restituição à executada da quantia de EUR 270,70.
Custas pelas partes, na proporção do decaimento.


Lisboa, 26-04-2016


Maria do Rosário Morgado
Rosa Ribeiro Coelho
Maria Amélia Ribeiro


[1]Em audiência foram apenas ouvidas duas testemunhas: Iva M...C... e Elisabete F.... Desta forma, só, por manifesto lapso, nas conclusões do recurso, a apelante invoca o depoimento de Lisa M..., de cuja audição havia prescindido. Assim, só por manifesto lapso se escreveu o nome desta testemunha, tudo levando a crer que se estava a querer referir à testemunha Iva M...C..., como, aliás, consta do corpo das suas alegações.
[2]Cf. infra ponto 9.
[3]Neste sentido, v. o ac. Rel. Guimarães de 12/11/2013, processo 1939/10, www.itij.pt; em sentido contrário, v. ac. Rel. Coimbra de 26/2/2008, www.itij.pt.
[4]Neste sentido, podem ver-se o ac. STJ de 7/10/2004, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Salvador da Costa, JusNet 4701/2004 e o Ac. STJ de 17/4/2007, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Nuno Vasconcelos Cameira, JusNet 3013/2007.
[5]Luís Filipe Pires de Sousa, Prova Testemunhal, Almedina, 2013, 347.
[6]V. art.º. 1º, do Decreto-Lei n.º 143/2010, de 31 de Dezembro.