Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4008/17.9YLPRT-A.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
PRESTAÇÃO DE CAUÇÃO PELO ARRENDATÁRIO
OPOSIÇÃO AO PROCEDIMENTO DE DESPEJO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: O arrendatário tem de apresentar caução do valor das rendas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, mesmo tendo um motivo legítimo, ainda que de ordem formal, para deduzir oposição ao procedimento especial de despejo.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

M…e O…, identificadas nos autos instauraram procedimento especial de despejo nos termos do artº 15 do NRAU contra C… Ldª com sede em …
No âmbito deste procedimento a requerida pretende a dispensa da prestação da caução a que alude o artº 15 –F nº 3 do NRAU
A requerente pugnou pelo indeferimento.
Foi, então, proferida esta decisão:
“Destarte, indefere-se a requerida dispensa de prestação da caução.
Notifique, sendo a requerida para no prazo de 5 dias proceder ao pagamento de uma caução no valor das rendas ( até ao valor máximo das seis rendas) nos termos previstos no artº 15-F nº3 do NRAU , sob pena de se ter por não deduzida a oposição ( artº 15-F nº 4 do NRAU)”
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A requerida impugna esta decisão, formulando estas conclusões:
1. Entendeu o douto Tribunal “a quo”, indeferir a dispensa de prestação de caução por parte da Requerida;
2. Com o fundamento de a mesma não se encontrar prevista na lei;
3. No entanto a dispensa de caução, não é algo desconhecido da lei, a mesma encontra-se prevista para outras situações, pelo que o Tribunal não se encontra impedida de utiliza-la ainda que por analogia;
4. A caução é condição “sine qua non” da admissão da Oposição ao Requerimento de Despejo;
5. Existem razões no caso em apreço que podem levar à dispensa da prestação da caução, e consequente admissão da oposição;
6. Nos termos do Art.° 15°-F n.° 3 do NRAU, deve ser prestada uma caução do valor das rendas em atraso, bem como outros encargos com o limite do valor correspondente a seis rendas;
7. A prestação de caução serve essencialmente para garantir que pelo menos no decorrer do processo de despejo exista uma garantia do senhorio de que as rendas em atraso são pagas enquanto se discute se há fundamento de despejo ou não;
8. Sucede que a Requerida não entra na análise da matéria de facto do presente pedido;
9. A Recorrente alega na sua oposição a falta de requisitos para instaurar o Despejo;
10. Requisitos esses que não foram verificados pelo Balcão Nacional do Arrendamento;
11. Tratando-se de uma questão formal, não seria necessário a prestação de uma caução, quando o procedimento de despejo está condenado ao insucesso;
12. Entende a Recorrente que esta questão está na mesma ordem de razão, que a jurisprudência formada acerca da dispensa de depósito da reclamação da conta de custas;
13. Veja-se por exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 09.02.2017: “III) - O depósito da totalidade da nota discriminativa e justificativa de custas de parte apenas se impõe quando, cumulativamente, tal nota é tempestiva e a contraparte apresenta reclamação que versa concretamente sobre os valores peticionados, nos termos do art°. 33°, n°. 2 da Portaria n°. 419-A/2009 de 17/4, na redacção introduzida pela Portaria n°. 82/2012 de 29/03. IV) - Tendo a Autora, na sua reclamação, invocado apenas a intempestividade da apresentação da nota discriminativa de custas de parte, não estava obrigada a depositar o valor total da nota, sob pena de tal conduzir a soluções manifestamente iníquas, desde logo por se impor um ónus demasiado severo para se invocar a excepção peremptória.” Disponível em www.dgsi.pt;
14. Ora trata-se de uma questão semelhante, na medida em que a Requerida apenas invoca a falta de requisitos essenciais do procedimento especial de despejo;
15. Requisitos esses que podem e devem ser verificados pelo Tribunal aquando da recepção da peça processual, devendo por essa razão ser a Recorrente dispensada da prestação de caução;
16. Nos termos do Art.° 15° n.° 2 alínea e) do NRAU (lei 6/2006, de 27 de Fevereiro), apenas pode servir de base ao procedimento de despejo, o contrato de arrendamento juntamente com a comunicação a que se refere o n.° 2 do Art.° 1084° do CC;
17. O n.° 2 do Art.° 1084° do Código Civil (CC) refere que a comunicação prevista no Art.° 1083° n.° 3 só opera se da mesma resulta a obrigação incumprida;
18. No entanto e no que respeita a comunicações, o NRAU, lei especial face à lei geral, manda aplicar as regras prevista nos Art.° 9° e 10°;
19. Nos termos do Art.º 9° n.º 7 do NRAU, dispõe que a comunicação feita nos termos do Art.° 1084° n.° 2 deve ser feita por uma das formas previstas nas três alínea, sendo a mais comum a NJA;
20. Nos termos do Art.° 9° n.° 2 do NRAU, as cartas remetidas ao arrendatário devem ser dirigidas ao local arrendado, a não ser que se convencione morada diversa;
21. A comunicação feita por NJA para morada diversa do locado não se considera validamente efectuada;
22. Em consequência não se encontra resolvido o contrato;
23. Não poderiam as Recorridas ter prosseguido com o Procedimento Especial de Despejo, apresentando um requerimento de despejo com fundamento na resolução do contrato por comunicação, que não ocorreu;
24. Em face da falta de comunicação o procedimento de despejo, não poderia ter prosseguido;
25. Estabelece o Art.º 2º da CRP, que vivemos num Estado de Direito Democrático que pugna pela “efectivação dos direitos e liberdades fundamentais”, onde se inscrevem entre outros o Acesso ao Direito e à Tutela Jurisdicional Efectiva, constitucionalmente consagrados no Art.º 20º da Lei Fundamental;
26. Nestes termos, o Acesso ao Direito é ainda consubstanciado no direito de uma justa composição do litígio;
27. O juiz tem um conjunto de poderes processuais, que lhe permitem agilizar e simplificar o processo, promovendo as necessárias diligências para o seu bom andamento;
28. Cabe, pois, ao juiz providenciar “oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais susceptíveis de sanação, determinando a realização dos actos necessários à regularização da instância.”(cfr. Artigo 6º, número 2 do Código de Processo Civil);
29. No caso em apreço, poderia o juiz poderia ter verificado a falta de requisitos para o andamento do processo, evitando assim a exigência da prestação da caução, atendendo a que a falta de requisitos é a única alegação da oposição;
30. Aliás nunca deveria ter sido notificada a Requerida, ora Recorrente para se opor a um Procedimento que não reúne os requisitos formais obrigatórios, e ainda ter que prestar uma caução;
31. Nestes termos deverá o despacho recorrido ser substituído por outro que admita a oposição sem a prestação da caução;
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Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639nº1 e 2 do  Código de Processo Civil),sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui está em causa é saber se há lugar à dispensa de prestação de caução ,já que não existem requisitos formais para instaurar o despejo
Vejamos …

O procedimento especial de despejo corresponde a um procedimento extrajudicial cuja tramitação é assegurada pelo Balcão Nacional do Arrendamento (cf. art.15º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27/02, com as alterações que lhe foram introduzidas, designadamente pela citada Lei nº 31/2012) e que, como dispõe o nº 1 do art.º 15º do citado diploma, “…se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”.
Precisando e concretizando o âmbito do aludido procedimento, dispõe o nº 2 do citado art.º 15ºque:
“Apenas podem servir de base ao procedimento especial de despejo independentemente do fim a que se destina o arrendamento:
a) Em caso de revogação, o contrato de arrendamento, acompanhado do acordo previsto no n.º 2 do artigo 1082.º do Código Civil;
b) Em caso de caducidade pelo decurso do prazo, não sendo o contrato renovável, o contrato escrito do qual conste a fixação desse prazo;
c) Em caso de cessação por oposição à renovação, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 1 do artigo 1097.º ou no n.º 1 do artigo 1098.º do Código Civil;
d) Em caso de denúncia por comunicação pelo senhorio, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista na alínea c) do artigo 1101.º ou no n.º 1 do artigo 1103.º do Código Civil ou da comunicação a que se refere a alínea a) do n.º 5 do artigo 33.º da presente lei;
e) Em caso de resolução por comunicação, o contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação prevista no n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil, bem como, quando aplicável, do comprovativo, emitido pela autoridade competente, da oposição à realização da obra;
f) Em caso de denúncia pelo arrendatário, nos termos dos n.os 3 e 4 do artigo 1098.º do Código Civil e dos artigos 34.º e 53.º da presente lei, o comprovativo da comunicação da iniciativa do senhorio e o documento de resposta do arrendatário”.
Significa isso, portanto, que o procedimento especial de despejo se destina a efectivar a cessação do arrendamento que já se operou, seja por revogação, caducidade ou denúncia, seja por resolução nos casos em que esta pode operar sem intervenção judicial, correspondendo, na prática, a um procedimento de natureza executiva ao qual servem de base os documentos que, segundo a lei anteriormente vigente, eram considerados títulos executivos.
Como refere Maria Olinda Garcia, in Arrendamento Urbano, Anotado, 3ª ed., págs.201 e 202, «A criação do procedimento especial de despejo e, consequentemente, do Balcão Nacional de Arrendamento, destinado à sua tramitação, correspondeu a uma opção de política legislativa que teve o propósito de introduzir maior celeridade em matéria de despejo dos imóveis arrendados, operando, para esse efeito, a desjudicialização desta matéria».
No caso de o arrendatário ter deduzido oposição e ter cumprido os demais requisitos que condicionam o seu recebimento, o BNA tem a função de apresentar os autos à distribuição, passando, assim, o procedimento especial de despejo para uma fase judicial, sendo que, procedendo a pretensão do senhorio, o tribunal remete ao BNA a «decisão judicial para desocupação do locado», cabendo-lhe depois o respectivo envio ao executor do despejo (cfr. os arts.15º-A e segs., e a Portaria nº9/2013, de 10/1).
O citado art.15º-F regula o direito de oposição do arrendatário à pretensão do senhorio requerente da desocupação do imóvel.
Assim, tendo o arrendatário fundamentos para demonstrar que não havia lugar a este procedimento e que, por isso, não deve haver desocupação do local arrendado, é a oposição a via processual adequada para apresentar a sua defesa. Por isso que, na hipótese de o senhorio ter invocado a resolução extrajudicial por falta de pagamento de rendas, o arrendatário poderá entender ter alguma razão para não proceder a esse pagamento.
Todavia, como refere Maria Olinda Garcia, ob.cit., pág.211, «mesmo tendo um motivo legítimo para, temporalmente, não pagar rendas, o arrendatário tem de apresentar caução do valor das rendas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas» (cfr., no mesmo sentido, Manteigas Martins, Carlos Nabais, Carla Santos Freire e José M. Raimundo, in Novo Regime do Arrendamento Urbano, Anotado e Comentado, Vida Económica, 3ª ed., pág.39, e Rui Pinto (coordenação António Menezes Cordeiro), in Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Almedina, pág.441).
É o que resulta do disposto no citado art.15º-F, nº3, nos termos do qual, nos casos previstos nos nºs 3 e 4, do art.1083º, do C.Civil, com a oposição deve o requerido proceder ao pagamento de uma caução no valor das rendas até ao valor máximo correspondente a seis rendas, salvo nos casos de apoio judiciário.
Isto é, apenas na hipótese de ter havido resolução extrajudicial por falta de pagamento de rendas, nos termos do citado art.1083º, nºs 3 e 4, é que o arrendatário tem o dever de prestar uma caução no valor das rendas ou encargos em atraso, até ao valor de seis meses de rendas, excepto tendo apoio judiciário.

Sendo que, por força do nº4, do citado art.15º-F, não se mostrando paga tal caução, se tem por não deduzida a oposição.
Assim, alegar como fundamento do não pagamento da caução a circunstância de estarem em causa razões formais que não permitem este despejo não tem base legal: não pode o apelante omitir que estamos perante uma situação objectiva de incumprimento grave por parte do inquilino, independentemente das tais razões adjectivas.
Entendemos o raciocínio do apelante, mas a caução destina-se a salvaguardar uma razão substantiva atinente ao crédito das apeladas, pelo que razões formais respeitantes ao procedimento em nada colidem com essa mesma razão.
Aliás, se estas razões formais procederem o apelante não fica desapossado. A caução ser-lhe-á restituída.
Termos em que improcedem todas as conclusões
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Síntese: o arrendatário tem de apresentar caução do valor das rendas em atraso, até ao valor máximo correspondente a seis rendas, mesmo tendo um motivo legítimo, ainda que de ordem formal, para deduzir oposição ao procedimento especial de despejo.
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Pelo exposto, acordam em negar provimento à apelação e confirmam a decisão impugnada.

Custas pelo apelante.

Lisboa, 11-10-2018
Teresa Prazeres Pais
Isoleta de Almeida e Costa
Carla Mendes