Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
123024/16.5YIPRT.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: CONTRATO DE LOCAÇÃO
DISPONIBILIZAÇÃO DOS EQUIPAMENTOS
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Entre as partes foi outorgado um contrato de locação à luz do artº 1022 do CC. Persistindo a dúvida quanto à disponibilização do equipamento, nos termos do artº 444 do CPC esta será resolvida contra a A., à luz do artº 342 nº1 e 1031 al a), ambos do CC.

Assim sendo, é lícito à Ré resolver o contrato.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


G…S.A., com sede em…, veio apresentar requerimento de injunção que seguiu termos como acção declarativa de condenação, com processo comum, contra Y…S.A., com sede em..,pedindo a condenação da Ré a pagar a quantia de € 23.394,17, acrescida de juros de mora no valor de € 3.264,72, e de € 115,01 a título de outras quantias.

Para tanto alegou, em síntese, que celebrou com a Ré um contrato de aluguer com o n.º 111-8758 e do qual fazem parte integrante as Condições Gerais de Locação, a Confirmação de Aceitação e os Termos e Condições Gerais Relativos ao Seguro de Propriedade, por via do qual a Autora cedeu o gozo à Ré o equipamento por esta escolhido e apenas por si inspeccionado.

Em contrapartida da cedência do gozo do referido equipamento, a Ré assumiu a obrigação de pagar à Autora 20 rendas mensais, iguais e sucessivas, no valor de € 934,92, acrescido de IVA.

Acordaram ainda Ré e Autora que a locatária aceita assinar e remeter imediatamente ao locador a confirmação de aceitação, confirmando a aceitação, inspecção e as perfeitas condições do bem locado imediatamente após receber o bem locado, assegurando que este funciona e não tem defeitos e que verificou que o estado do bem se encontra em conformidade com o contrato.
Ficando convencionado que, com a assinatura da Confirmação de Aceitação pela Locatária/Ré a Autora/Locadora pagaria o preço de compra ao fornecedor.

A Autora cumpriu o contrato, tendo adquirido (por compra) e pago ao fornecedor o equipamento pretendido pela Ré e, na qualidade de proprietária desse bem, cedeu, temporariamente, o seu gozo à Ré, tendo emitido e enviado à Ré, que as recebeu, as facturas correspondentes ao valor do aluguer contratado.

A Ré não cumpriu o contrato tendo deixado de efectuar o pagamento dos valores dos alugueres contratados, bem como dos custos e despesas inerentes ao contrato.

Consequência directa do incumprimento do contrato – falta de pagamento dos alugueres – a Autora resolveu o contrato de locação, o que fez por carta registada datada de 11/05/2015, que enviou à Ré e que esta recebeu.

Para além da comunicação da resolução do contrato, a Autora reclamou, por via da aludida carta, à Ré, o pagamento das facturas vencidas (179584/2014 € 370,54, 212253/2014 € 12,30, 185177/2014 €1149,95, 24562/2015 € 12,30, 29792/2015 € 1149,95) e, com base no previsto nas condições gerais e em consequência da cessação antecipada do contrato, o valor de 20.699,13€, equivalente a todos os alugueres que eram devidos até ao termo do contrato.

Interpelada a Ré não realizou o pagamento devido.
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Citada a Ré apresentou a contestação de fls. 6 e seguintes, por excepção e por impugnação.

A Ré veio suscitar a incompetência territorial deste Tribunal.

Em adição, veio ainda alegar que pretendia proceder à aquisição de duas máquinas de etiquetas para uso na sua actividade industrial e comercial de confecção de têxteis e afins.

Para tanto, foi contactada pelo representante da empresa R…LDA, que lhe apresentou as máquinas que se coadunavam com a sua pretensão e que se comprometeu a fornece-las por intermédio de um aluguer/Renting.

O representante da referida empresa transmitiu à Ré que trataria de todos os contratos com vista à locação e que esta teria que os assinar para que viesse a ser aprovado o “crédito” e as máquinas disponibilizadas e entregues.

Crendo no fornecedor do bem assinou toda a documentação que lhe foi apresentada com a mencionada finalidade e ficou a aguardar pela entrega das máquinas de etiquetas mas que nunca foram entregues ou disponibilizadas até à presente data.

Perante a falta de entrega e fornecimento do bem, a Ré negou justificadamente o pagamento de qualquer quantia a título de rendas ou de outra natureza relacionada com os contratos de locação.

De tudo a Ré deu conhecimento à Autora, por correspondência datada de 29.12.2014 e enviada por email, a resolver o contrato.

A Autora não pode resolver um contrato já resolvido pela Ré.

Conclui pugnando pela improcedência da acção.
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Os factos apurados.

1) A Autora dedica-se principalmente à aquisição de equipamentos informáticos, software e outros bens com o propósito de os alugar.
2) A Ré pretendia proceder à aquisição de duas impressoras de etiquetas para uso na sua actividade industrial e comercial de confecção de artigos de vestuário.
3) A Ré foi contactada por representante da empresa R…,L.DA., com sede em…, que lhe apresentou as máquinas que se coadunavam com a sua pretensão e que se comprometeu a fornece-las para serem disponibilizadas (pela Autora) à Ré por intermédio de um aluguer/Renting.
4) Foi o representante da R…L.DA. que apresentou ao legal representante da Ré o contrato de locação dos autos (a que corresponde a cópia inserta a fls. 106 a 111), para assinatura, que foi subscrito pelo legal representante da Ré, com data de 02.12.2014, e seguidamente enviado pela sobredita fornecedora à Autora para aprovação.
5) A Ré assinou toda a documentação que lhe foi apresentada (pela fornecedora dos bens) com a mencionada finalidade.
6) Aquando da subscrição do contrato pela Ré esta não contactou com a Autora.
7) A Autora, na qualidade de locadora, celebrou com a Ré, na qualidade de locatária, o Contrato de Locação o n.º 111-8758, datado de 02/12/2014, com as Condições Gerais de Locação e a confirmação de aceitação de fls. 106 a 111, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
8) Consta da confirmação de aceitação de fls. 107 que a mesma é efectuada nos termos da Secção 6 e 22 das Condições Gerais de Locação.
9) Consta da Condição Geral de Locação 6.1 (fls. 109) que «O locatário aceita assinar a confirmação de aceitação, confirmando a aceitação, inspecção e as perfeitas condições do bem locado imediatamente após receber o bem locado, assegurando que este funciona e não tem defeitos e que verificou que o estado do bem se encontra em conformidade com o contrato».
10) Consta da Condição Geral de Locação 22.1 (fls. 110) «Eu/Nós recebemos o bem locado identificado supra na data de aceitação».
11) No contrato celebrado entre Autora e Ré, imediatamente abaixo do campo destinado à confirmação de aceitação (fls. 107), na página 2/8 mostra-se exarado: «Atenção: O locador irá pagar o preço de aquisição do bem locado ao fornecedor após assinatura da confirmação de aceitação. No caso do Locatário não testar o funcionamento do bem e/ou no caso de assinar este documento antes de receber os bens completos em perfeitas condições, o Locatário indemnizará o Locador relativamente a quaisquer reclamações, bem como pelos danos em que o Locador tenha incorrido».
12) Com a celebração do contrato de locação n.º 111-8758 a Autora obrigou-se a entregar (através do fornecedor) e ceder o gozo de duas impressoras de etiquetas térmicas (Zebra X Series 220Xi4) e, em contrapartida, a Ré assumiu a obrigação de pagar àquela, por débito directo na conta bancária indicada a fls. 108, vinte rendas mensais, iguais e sucessivas, no valor (cada) de € 934,92 acrescido de IVA.
13) Consta da Condição Geral de Locação 1.2 (fls. 109) que «O Locatário tem a obrigação de amortização total dos custos do Locador incorridos em conexão com a aquisição do bem locado e com a execução do contrato, bem como do lucro estimado. Após cessação do contrato de locação, o Locatário deverá entregar o bem locado ao Locador».
14) Consta da Condição Geral de Locação 14.1. (fls. 110) que «Caso o Locatário esteja em mora com o pagamento de quaisquer montantes devidos de acordo com o contrato, serão devidos juros à taxa legal para operações comerciais acrescidos de 8% pelos alugueres em dívida e juros à taxa legal para operações comerciais acrescidos de 5% por quaisquer outros montantes em dívida (…)».
15) Em 02.12.2014 a Autora adquiriu, por compra, ao fornecedor R…,L.DA. as duas impressoras de etiquetas térmicas Zebra Xi Series 220Xi4, pelo preço de € 18.253,20, pago a pronto, descriminadas factura n.º A161, cuja cópia se mostra inserta a fls. 35v.

16) No âmbito do contrato celebrado a Autora emitiu e enviou à Ré as seguintes facturas:
- n.º 2014/0000179584, no valor de € 370,54, de fls. 37, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
- n.º 2014/0000212253, no valor de € 12,30, de fls. 37v, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
- n.º 2014/0000185177, no valor de € 1149,95, de fls. 38, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
- n.º 2015/000024562, no valor de € 12,30, de fls. 38v, que aqui se dá por integralmente reproduzida;
- n.º 2015/000029792, no valor de €1149,95, de fls. 39, que aqui se dá por integralmente reproduzida.

17) Por carta registada, com A.R., datada de 29 de Dezembro de 2014, recebida em 31.12.2014, e fax de 30.12.2014, de fls. 9v a 11, a Ré comunicou à Autora: “Exmos. Senhores, Porque não recebemos os bens constantes do Contrato de Locação nº 111-8758 entre nós outorgado, somos a informar que demos ordem para o não pagamento das rendas aí constantes, e deste modo comunicamos ainda a denuncia do mesmo por falta imputável ao locador, conforme clausulado no mesmo contrato.
Assim e deste modo somos ainda a comunicar que não estamos mais interessados no V/ fornecimento dos bens que aí se descriminam.”
18) Em resposta a Autora enviou à Ré a correspondência electrónica de fls. 36v, datada de 05.01.2015, de cujo teor consta: (…) “não podemos aceitar a denúncia do contrato 111-8758 em virtude do motivo não nos parecer coerente, pois quando contactado a 03-12-2014 pela G... foi-nos confirmado telefonicamente pelo senhor Adão Campos que o equipamento fornecido pela R…estaria entregue e instalado. (…)”.
19) A Ré não entregou à Autora as quantias descriminadas em 16).
20) A Autora enviou à Ré a carta registada, com A.R., cuja cópia se mostra inserta a fls. 39v a 41, datada de 11 de Maio de 2015, recebida em 18.05.2015, a comunicar: (…) “Em face do não pagamento dos alugueres mensais vencidos, desde 2014-12-19 (…) consideramos o Contrato de Locação supra identificado definitivamente incumprido, por motivo exclusivamente imputado a V. Exa. na qualidade de Locatária, pelo que vimos por este meio comunicar a resolução do referido contrato de locação, com todas as legais consequências, produzindo os respectivos efeitos na data da recepção da presente comunicação (…)”.
21) Para além da referida comunicação, a Autora reclamou à Ré o pagamento das facturas acima descriminadas e a quantia de € 20699,13, equivalente ao valor de todos os alugueres até ao termo do contrato.
22) A Ré não entregou à Autora as quantias reclamadas.
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A final foi proferida esta decisão:
“Pelo exposto, atentas as considerações expendidas e as normas legais citadas, decide-se julgar improcedente, por não provada, a acção e, consequentemente, absolver a Ré Y…S.A. do pedido contra si formulado pela Autora G…S.A.
Custas a cargo da Autora (cfr. 527º do Código de Processo Civil).”
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É esta decisão que a A impugna, formulando estas conclusões:

1- Cuidaremos de demonstrar que, da prova produzida nos articulados e em julgamento (prova documental e testemunhal), resulta exactamente o oposto daquilo que pelo Tribunal veio a ser entendido e que determinou a absolvição da Ré do pedido formulado pela Autora.
2- Conforme decorre da fundamentação da douta Sentença, é facto provado que:
Que a Autora contratou com a Ré, respectivamente na qualidade de locadora e locatária, a locação de 2 equipamentos “Zebra Xi Series 220Xi4”, por 60 meses, mediante o pagamento de rendas mensais de € 934,92 + IVA, contrato do qual fazem parte as “Condições Gerais de Locação”, “Termos e Condições Gerais relativas ao Seguro e Propriedade da G…” e Confirmação de aceitação, todos datados de 2 de dezembro de 2014 (facto provado 7).
Que a confirmação de aceitação é efectuada nos termos da Secção 6 e 22 das Condições Gerais de Locação, confirmando a aceitação, inspecção e as perfeitas condições do bem locado imediatamente após receber o bem, assegurando que este funciona e não tem defeitos e que verificou que o estado do bem se encontra em conformidade com o contrato (factos provados 8 e 9).
Que a Autora adquiriu junto do fornecedor os bens que objecto do contrato de locação (facto provado 15).
Que foram emitidas facturas pela Autora, relativas a alugueres e seguro, no  âmbito do referido contrato, as quais não foram pagas pela Ré (factos provados 16 e 19).
3- O Tribunal considerou não provado que “Os bens (duas impressoras de etiquetas) objecto do contrato de locação acima identificado foram entregues pela Autora (através do fornecedor acima identificado) à Ré.” (Ponto A. da matéria dada como não provada).
4- E ainda que não resultou provado que “A Autora cedeu à Ré o gozo das duas impressoras de etiquetas que são objecto do contrato de locação acima identificado”. (Ponto B. da matéria dada como não provada).
5- Julgando ainda não ter ficado provado que “A Autora contactou telefonicamente a Ré, em 03.12.2014, tendo obtido confirmação por parte desta – na pessoa de Adão C... – de que os bens haviam sido entregues” (Ponto C. da matéria dada como não provada).
6- Ora, a questão da entrega dos bens locados deveria ter sido analisada pelo douto Tribunal a quo à luz do que prevê o contrato a esse respeito, o que justificaria decisão diversa da obtida nos autos a quo.
7- Analisando o que a testemunha Ana R...B... declarou acerca da entrega dos bens, verifica-se que esta explicou claramente que o modelo de negócio da Autora não prevê que esta esteja presente fisicamente aquando da entrega dos bens locados.
8- E mais esclareceu que, por tal deslocação pela Autora às instalações dos clientes não suceder, a confirmação da recepção dos bens locados é assegurada em dois momentos: por um lado, por via da confirmação por escrito feita pelo próprio locatário (quando assina a confirmação de aceitação do bem que é em seguida enviada à Autora) e, por outro, através de contacto telefónico posterior realizado pela Autora.
9- No caso concreto, a confirmação da entrega foi ocorreu nas duas fases mencionadas, como a própria testemunha atestou (gravação 20171031102233_19234075_2871114 dos 03m44s a 05m25s)
10- Deste modo, a testemunha Ana Rita Banha foi clara no seu depoimento, explicando não só qual o procedimento adoptado pela Autora, no que à entrega dos bens e posterior confirmação da sua recepção respeita, para todos os contratos que celebra, como elucidou ainda ainda o douto Tribunal a quo que, no caso concreto do contrato celebrado com a Ré, tal procedimento foi manifestamente cumprido.
11- A mencionada testemunha esclareceu ainda o douto Tribunal a quo que, analisada a postura assumida pela Autora no âmbito do contrato celebrado com a Ré, não é possível retirar que a alegada não entrega dos bens tenha sido comunicada à Autora em momento prévio à formalização do contrato.
12- E quanto a este ponto, a testemunha foi clara ao explicar que o contrato se tem por formalizado com a confirmação de aceitação e subsequente pagamento pela Autora do preço para a aquisição do bem objecto de locação (gravação 20171031102233_19234075_2871114 dos 05m45s a 07m00s).
13- Tendo ainda a testemunha sido peremptória, aquando da sua inquirição, ao indicar que a G… apenas pagou o preço da compra do bem porque a Ré havia confirmado a sua recepção.
14- Assim sendo, é evidente que toda a actuação da Autora espelha a sua convicção de que a Ré estaria na posse dos bens locados.
15- O que esta confirmou quando assinou a confirmação de aceitação, vinculando-se assim à declaração assumida perante a Autora de que havia recebido os bens pretendidos.
16- A testemunha descreveu ainda, de forma assertiva, qual seria a actuação da Autora no caso de ter sido informada de que os bens não estavam com o locatário (gravação 20171031102233_19234075_2871114 dos 09m01s a 10m05s).
17- Resultando evidente, no caso do contrato celebrado com a Ré, que a actuação da Autora não é mais do que a consequência da confirmação obtida junto daquela de que os bens estavam na sua posse.
18- Quanto à confirmação telefónica da recepção dos bens, a testemunha na Ana R...B... foi clara na afirmação este contacto foi implementado internamente pela Autora na formalização dos seus contratos, funcionando como um procedimento suplementar de confirmação e verificação, para além da confirmação de aceitação assinada.
19- Trata-se no fundo de (mais um) mecanismo de controlo por parte da Autora que não decorre propriamente do contrato, não sendo assim uma obrigação contratual da Autora, mas fazendo antes parte de todo um comportamento diligente assumido pela Autora na formalização dos seus contratos. (gravação 20171031102233_19234075_2871114 dos 05m45s a 07m00s)
20- A este propósito, indicou a testemunha Ana R...B... que a Autora tem registo de que o contacto telefónico foi feito para o número fixo da locatária e que a confirmação da entrega foi feita pelo Sr. Adão C....
21- (gravação 20171031102233_19234075_2871114 dos 05m26s a 05m43s)
22- Decorre do contrato de locação junto aos autos (Documento n.º 1) que “O locador irá pagar o preço de aquisição do bem locado ao fornecedor após assinatura da confirmação de aceitação. No caso do Locatário não testar o funcionamento do bem e/ou no caso de assinar este documento antes de receber os bens completos em perfeitas condições, o Locatário indemnizará o Locador relativamente a quaisquer reclamações, bem como pelos danos em que o Locador tenha incorrido”. (Secção 6 e 22 das Condições Gerais de Locação).
23- Considerou todavia o douto Tribunal a quo que “(…) a subscrição dos termos do contrato, integrado pela confirmação de aceitação (…) à luz da distribuição do ónus da prova - incumbindo à Autora a prova dos factos constitutivos do direito alegado [designadamente no que respeita ao invocado cumprimento das suas obrigações (entregar ao locatário a coisa locada e assegurar-lhe o respectivo gozo para os fins a que se destina)] - não se basta por si só”.
24- Decidiu assim (inexplicavelmente) o douto Tribunal a quo retirar à declaração expressa feita pela Ré – mediante a aposição da assinatura na confirmação de aceitação – todo e qualquer valor probatório!
25- Ora, decorre do ponto 7 das condições gerais de locação – parte integrante do contrato junto sob Doc. n.º 1 - o seguinte: 1. O locatário aceita assinar e remeter imediatamente ao locador a confirmação de aceitação, confirmando a aceitação, inspecção e as perfeitas condições do bem locado imediatamente após receber o bem locado, assegurando que este funciona e não tem defeitos e que verificou que o estado do bem se encontra em conformidade com o contrato.
26- Deste modo, mediante a assinatura aposta pelo legal representante da Ré na confirmação de aceitação, declarou esta: Ter recebido o bem locado e que se encontrava em condições perfeitas e de funcionamento; Que o bem locado foi entregue na totalidade e verificaram que estava completo e que funcionava; Que o bem locado corresponde à sua descrição constante da proposta/contrato de locação e que o bem locado tem as características pretendidas; Que o bem locado está nas condições garantidas pelo fornecedor e/ou terceiros.
27- Ora, e se a Ré – na pessoa do Sr. Adão C... - confirmou à Autora que os bens haviam sido entregues (conforme decorre de aposição de assinatura na confirmação de aceitação – Documento n.º 1), por que motivo o fez se de facto não os tinha recebido?
28- Se, por mera hipótese, tais bens não tivessem sido recebidos pela Ré, estaríamos então na circunstância desta ter prestado declarações falsas junto da Autora!
29- As quais tiveram consequências cuja responsabilidade não pretende a Ré agora assumir.
30- Pois a Autora apenas paga ao fornecedor o valor de aquisição dos bens locados após confirmada a sua recepção pela Ré.
31- Só considerando devidamente formalizado o contrato com o locatário a partir desse momento.
32- Acresce que todas estas condições do contrato de locação celebrado entre Autora e Ré – incluindo a obrigação assumida pela Ré de confirmação a recepção, conformidade e funcionamento do bem locado, assim como o facto de que com base em tal confirmação pagaria a Autora o seu preço ao fornecedor - foram devidamente comunicadas à Ré, que delas tomou conhecimento.
33- Pode ler-se no contrato assinado entre Autora e Ré: “Eu/nós declaramos que eu/nós lemos as condições constantes supra e as Condições Gerais de locação anexas, que eu/nós fomos informados das condições gerais pelo que se rege este contrato e que as minhas/nossas questões foram adequadamente respondidas pelo Locador”.
34- E ainda: Eu/nós aceitamos as condições constantes supra e as Condições Gerais de Locação anexas, bem como os termos constantes do contrato de compra e venda do bem locado celebrado entre o Locador e o fornecedor (...)”
35- Resultando, ainda, do teor das condições gerais devidamente assinadas pela Ré, acima da sua assinatura que esta reconhece a sua compreensão e leitura: “Eu/nós lemos e compreendemos os Termos Gerais de Locação supra”
36- Note-se que estas passagens estão propositadamente
colocadas junto ao local destinado à assinatura do locatário para que estejam o mais acessíveis possível ao mesmo.
37- São assim plenamente conhecidas da Ré as cláusulas contratuais e, concretamente, as obrigações assumidas por cada uma das partes do contrato.
38- Não atendeu o douto Tribunal a quo ao clausulado contratual a que se vincularam Autora e Ré, e concretamente às obrigações que por via deste recaem sobre cada uma das partes do contrato de locação.
39- O que é facto, é que por via do contrato, a Ré obrigou-se a confirmar a ter recebido o bem locado e que se encontrava em condições perfeitas e de funcionamento!
40- Decorrendo ainda do contrato que a Autora se obrigou a adquirir os bens escolhidos pela Ré, procedendo ao seu pagamento após confirmação pela Ré da sua recepção e conformidade com o pretendido.
41- Deste modo, resulta provado nos autos que o dispêndio de tal quantia pela Autora ocorreu apenas e só face à declaração da Ré (Contrato e confirmação de aceitação - Documento n.º 1).
42- Ora, a recuperação pela Autora do montante despendido dependia do pontual cumprimento do contrato de locação pela Ré, concretamente com o pagamento das rendas contratadas, as quais foram calculadas tendo por base o valor investido pela Autora na compra dos bens locados.
43- Deste modo, não resultando provado que a Autora tivesse conhecimento da alegada não entrega em data anterior à formalização do contrato, como pode então o douto Tribunal a quo beneficiar a Ré pelo seu comportamento?!
44- Sendo de resto a conduta da Ré, no mínimo, negligente e causadora de um dano à Autora pelo qual não pretende aquela agora assumir qualquer responsabilidade!
45- Tendo a Ré sonegado tal informação da Autora, não se poderá prevalecer do que foi a sua postura em toda esta situação para se eximir agora do pagamento dos valores devidos à Autora face ao incumprimento do contrato.
46- Isto seria premiar a parte causadora do dano!
47- Face a todo o exposto, a matéria de facto deve, assim ser alterada no sentido de ser aditado à matéria de facto considerada provada que a Autora cumpriu com obrigação contratual de assegurar à Ré o gozo das duas impressoras de etiquetas que são objecto do contrato de locação acima identificado.
48- Alterada a decisão da matéria de facto no sentido propugnado pela Autora e Apelante, não poderá este Tribunal da Relação decidir noutro sentido que não seja no sentido da condenação total da Ré no pedido apresentado pela Autora.
49- Considera-se que a obrigação se mostra cumprida quando a prestação a que o devedor está vinculado é pontual e integralmente realizada (artigo 762º, n.º 1 do Código Civil).
50- Contudo, se tal não ocorrer, cumprindo o devedor apenas defeituosamente a sua obrigação ou não realizando a prestação a que rigorosamente está vinculado, pode a contraparte lesada lançar mão de um meio de reação próprio: A exceptio non adimplenti contractus.
51- A excepção de inadimplência/inexecução (ou suspensão por inexecução)não é senão a recusa temporária do devedor – credor de uma prestação não cumprida no âmbito de um contrato sinalagmático – que assim retarda, legitimamente, o cumprimento da sua prestação, enquanto o credor não cumprir a prestação que lhe incumbe.
52- Assim, se o contraente que tiver de cumprir primeiro oferecer uma prestação parcial ou defeituosa, a contraparte pode opor-se e recusar a sua prestação até que aquela seja oferecida por inteiro ou até que sejam eliminados os defeitos ou substituída a prestação.
53- Deste modo, cabia de facto à Autora - na qualidade de locadora – garantir a entrega dos bens locados.
54- E não se poderá retirar da circunstância da Autora não escolher o bem e não estar presente fisicamente aquando da sua entrega ao locatário, cuidando o fornecedor por concretizar tal entrega, que a obrigação de entrega do bem à Ré não tenha sido devidamente cumprida.
55- Sucede que, por forma a permitir a efectivação da locação e garantir o cumprimento da sua obrigação de entrega dos bens objecto da locação, a Autora exige que a Ré confirme por escrito (mediante aposição de assinatura) a recepção dos bens e a sua conformidade com o pretendido.
56- E não se bastando desta declaração, a Autora assegura ainda que todos os locatários são contactados telefonicamente para com estes confirmar que a entrega dos bens aconteceu.
57- Ora, no caso concreto, a Ré a confirmou a recepção dos bens através da assinatura aposta no contrato, o que de resto a própria Ré – na pessoa do seu legal representante - como telefonicamente!
58- Deste modo, para que essa exceptio pudesse ser invocada pela Ré, mostrar-se-ia essencial que esta provasse que a sua recusa na prestação (in casu o pagamento das rendas à Autora decorrente do contrato de locação celebrado) decorreu da não realização da contraprestação pela Autora, encontrando-se esta numa situação de incumprimento da sua obrigação: a entrega dos bens locados.
59- No que respeita à classificação do contrato podemos concluir que o contrato em apreciação não é um contrato de locação financeira, por não incluir a opção de compra do bem objecto do contrato, elemento típico da locação financeira, nem um contrato de locação clássico, tal como previsto no art. 1022º CC, do qual se realçam como elementos distintivos o facto de o locador ser o proprietário ou construtor da coisa, não necessitando de a adquirir a terceiro e servir a remuneração como contraprestação do gozo da coisa que aquele se obriga a proporcionar ao locatário.
60- Embora o contrato em apreciação não inclua, como já se disse, a opção de compra do bem, encerra uma estrutura jurídica trilateral, com a intervenção de uma entidade financiadora, definida desde o início e regulada no texto contratual, tem um prazo ajustado ao pagamento integral do bem e estabelece que os riscos pela deterioração e perda do bem correm pelo locatário.
61- É, pois, um contrato atípico, com elementos relevantes de locação financeira.
62- Com efeito, a aquisição do objecto do contrato é efectuada por indicação do locatário que estabelece uma relação com o fornecedor para o efeito, e a remuneração a pagar pelo locatário visa a reembolso do valor aplicado pelo locador nessa aquisição.
63- Tendo o contrato elementos comuns com a locação financeira, deve ser-lhe aplicável, nessa parte, o respectivo regime.
64- Nessa medida, esta modalidade de contrato, que se situa entre a compra e venda e a locação, mas é distinta destas, tem por função propiciar financiamento, permitindo ao interessado obter e utilizar uma coisa sem ter de desembolsar imediatamente o respectivo preço.
65- Daí que o respectivo regime legal comporte regras especiais que o diferenciam do contrato de locação clássico das quais importa realçar as consagradas nos artigos 12º, 13º e 15º do citado DL nº 149/95.
66- A verdade é que a Ré veio alegar o incumprimento contratual da Autora para se eximir do cumprimento do contrato de locação, comunicando assim a sua pretensão de resolução do mesmo junto da Autora.
67- Não pode acolher-se a tese da Ré relativamente à Autora, não se mostrando minimamente provado o incumprimento pela Autora das obrigações enquanto locadora.
68- Nesta senda, ainda que operasse a resolução do contrato pela Ré, por inexistir qualquer incumprimento contratual por parte da Autora, a produção dos seus efeitos implicaria as consequências legais previstas para o incumprimento contratual (como de resto a Autora comunicou à Ré – Documento n.º 4 junto aos autos).
69- Na apreciação da prova ter-se-á de ter ainda em linha de conta que a Ré não é um consumidor ou um particular, mas antes um empresário.
70- Vejamos o que resulta do teor do próprio contrato, desde logo no título:
“Locação Clássica – Contrato de Locação para Clientes Empresariais”
71- Sendo a Ré e locatária um empresário, a diligência que lhe é exigida quanto ao conhecimento e compreensão dos termos do clausulado do contrato são naturalmente acrescidas face à diligência que se exigiria a um consumidor mediano. A diligência exigível é aquela que se imporia a um empresário mediano.
72- É a própria que declara, e por diversas vezes, que leu e compreendeu as cláusulas, não lhe restando dúvidas por esclarecer.
73- Encontrando-se as cláusulas contratuais devidamente aceites pela Ré que atempadamente as conheceu, que as assinou, expressando dessa forma o seu conhecimento e consentimento.
74- Mesmo qualquer leitura menos atenta das Condições contratuais, o que a acontecer apenas se deve ao descuido e desinteresse da própria Ré, terá seguramente levado a Ré a entender o seu conteúdo.
75- Mais se diga que as cláusulas do contrato são claras e não contêm qualquer complexidade, sendo o seu conhecimento completo e efectivo perfeitamente possível por quem use de diligência comum, a quem bastará uma reflexão mediana.
76- Recorrendo ao Código Civil, relembramos as regras que devem pautar a negociação e execução dos contratos, determinando, para além do mais, que as partes devem agir de boa fé, não lhes sendo permitido emitir declarações que não estejam em consonância com a sua vontade real, tendo em vista enganar o declaratário de tais declarações – artigos 227.º, 762.º n.º 2 e 244.º, todos do C.Civil.
77- Sendo certo que se alguma das partes usar de reserva mental, tal reserva não prejudica a validade da declaração – artigo 244.º, n.º 2 do C. Civil.
78- Estabelece o artigo 227.º do Código Civil que todo aquele que “negoceia com outrem para conclusão de um contrato deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras de boa fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte”.
Logo, sanciona-se, em termos gerais, a responsabilidade por culpa na formação dos contratos (a culpa in contrahendo).
79- Segundo MENEZES CORDEIRO, para JHERING, a culpa incontrahendo é um instituto da responsabilidade civil pelo qual, havendo nulidade do contrato, uma das partes, que tenha ou devesse ter conhecimento do óbice, deve indemnizar a outra pelo interesse contratual negativo.
80- Nos termos do preceituado pelo artigo 334.º do Código Civil, “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda, manifestamente, os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
81- E os princípios são: tutela de confiança legítima e primazia de materialidade subjacente.
82- É inequívoco que o contrato celebrado entre Autora e Ré envolve uma relação jurídica trilateral, tendo o locador adquirido o bem objecto do contrato a terceiro, por indicação do locatário.
83- Com efeito, a aquisição do objecto do contrato é efectuada por indicação do locatário que estabelece uma relação com o fornecedor para o efeito, e a remuneração a pagar pelo locatário visa a reembolso do valor aplicado pelo locador nessa aquisição.
84- Nessa medida, a função creditícia do contrato, também presente na locação financeira, justifica que o locador não seja responsável pela entrega conforme da coisa e esteja isento de responsabilidade pela perda e deterioração do bem.
85- Logo, não se justifica que recaiam sobre o locador os deveres que normalmente recaem sobre os proprietários que dão determinada coisa em locação a outrem.
86- Na verdade, os factos alegados pela Ré não integram qualquer incumprimento contratual por parte da locadora.
87- Se o bem locado não chegou a ser entregue à Ré, o que apenas se admite por dever de patrocínio, tal não pode ser imputável à Autora, a qual efectuou a prestação a que se obrigou, mediante o pagamento do preço ao fornecedor, precedido de declaração de aceitação emitida para o efeito, pela Ré.
88- Era a esta que cabia verificar a regularidade da entrega do bem e mesmo reclamar a sua entrega ao fornecedor ou comunicar a falta de entrega à Autora para obstar ao pagamento do preço ou para permitir que esta resolvesse o contrato de compra e venda, reavendo o valor pago àquele.
89- Nas circunstâncias que se deram como provadas, não é lícito à Ré recusar a sua prestação à Autora com base na excepção de não cumprimento prevista no art. 428º CC.
90- Não sendo permitido à Ré deixar de cumprir a sua prestação para com a Autora, fazendo-o, incorre em incumprimento que torna legítimo a resolução do contrato celebrado, pela outra parte, com as consequências nele previstas para tal situação.
91- O bem locado foi adquirido expressamente pela locadora para ser objecto deste contrato e não meramente para dele extrair um rendimento periódico, fora deste contrato o mesmo bem não proporcionará à locadora qualquer vantagem.
92- A Locatária fica obrigada ao pagamento de uma renda/aluguer, que não corresponde ao valor locativo do bem, pela cessão do seu gozo, mas antes a uma prestação calculada em função de um plano de amortização de uma dívida de financiamento e respectiva remuneração e lucro esperado.
93- A não recuperação do capital e a não obtenção da sua remuneração constituem um prejuízo para o locador que este poderia invocar ao abrigo do regime geral da responsabilidade contratual para exigir da contraparte a sua indemnização.
94- O investimento realizado pela locadora está em relação directa com o integral cumprimento do acordado com a apelada/locatária, só assim se tornando verdadeiramente lucrativa a sua actividade – que implica a manutenção e gestão da componente logística, sempre indispensável ao desenvolvimento daquela.
95- Ora, de toda a prova carreada para os autos a este respeito, considera salvo melhor opinião que a Ré não provou o incumprimento da obrigação que impendia sobre a Autora, nos termos previstos no art. 428º Código Civil.
96- O Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, violou as disposições legais previstas nos artigos 405º, 810º e 811º, todos do Código Civil e dos artigos 5º e 6º do Diploma Legal sobre Cláusulas Contratuais Gerais já acima citado.
97- Considerando, assim, a Autora/Apelante que se impõe a revogado da douta sentença a sua substituição por outra que julgue integralmente procedente, por provado, o pedido deduzido pela Autora.
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A R contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
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Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( artº663 nº2 ,608 nº2.635 nº4 e 639nº1 e 2 do  Código de Processo Civil ),sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso  ,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, o que aqui está em causa é a alteração da decisão sobre a matéria de facto , a natureza jurídica do contrato ,a distribuição do ónus de prova e ,finalmente a ponderação do comportamento da R ,bem como da licitude da resolução contratual levada a cabo por esta .

Vejamos ….

No que respeita à impugnação da decisão sobre a selecção da matéria de facto.
A Sr.ª Juíza deu como não apurado:
“A) Os bens (duas impressoras de etiquetas) objecto do contrato de locação acima identificado foram entregues pela Autora (através do fornecedor acima identificado) à Ré.
B) A Autora cedeu à Ré o gozo das duas impressoras de etiquetas que são objecto do contrato de locação acima identificado.
C) A Autora contactou telefonicamente a Ré, em 03.12.2014, tendo obtido confirmação por parte desta – na pessoa de Adão Campos – de que os bens haviam sido entregues.”

A apelante entende que esta factualidade deveria ser dada como apurada.

Analisando o depoimento das testemunhas:
-Ana…é administrativa da A desde Setembro de 2008.
“….Esclarece que a A funciona com fornecedores a nível nacional. Os equipamentos são sempre escolhidos pelo cliente.
No caso concreto o fornecedor entrou em contacto com a A.
Não teve intervenção direta, mas acompanhou o processo a partir do incumprimento nos pagamentos.
Recepcionou o fax no qual a R referia que não tinham recebido os equipamentos e por isso iam cancelar a ordem de pagamento.
No contrato tem uma folha e em que há lugar à confirmação da aceitação dos equipamentos . Ambas tem a mesma data.
Quando a A recepciona o contrato entra em contacto com o cliente, a fim de validar a documentação e para saber se os equipamentos foram entregues.
No sistema informático está registado o contacto telefónico com a R com esse fim  para o número fixo da empresa R.
A A com o contrato assinado e recebido , confirmam assinaturas , validam facturas  a partir das facturas de fornecimentos.E se o R dá o Ok quanto á aceitação dos bens.
A A. só dá o ok aos fornecedores, após a recepção da confirmação da aceitação dos bens.
A A respondeu à comunicação da R e tendo este entrado em incumprimento, uma outra empresa entra em contacto com a R para os demais procedimentos.
A nunca teve outra indicação de que o bem não tinha sido fornecido.
A A não tem qualquer interesse em accionar um contrato, quando o bem não é entregue.
Os contratos e contactos não foram feitos por ela. Foi a colega que registou o contacto.
A data que consta da aceitação e assinatura do contrato é a mesma.
O A aprova negócio, e disponibiliza o contrato ao cliente e ao fornecedor.
A A entende que a formalização do contrato é de 2-12-2014.
O cliente da A é a R a partir do momento em que existe um contrato. Até à formalização do contrato não existem contactos entre a A e a R. Em qualquer contrato entre fornecedor e cliente, a A não está presente.
Quando a A recebe reclamações, estas são sempre encaminhadas para a área jurídica. Daí que a resposta demore sempre um certo tempo.
Não se recorda de situações idênticas a esta…”.
Rui…, mediador de seguros ,mas das relações pessoais do administrador da R ,o Sr. C….
“….Conhece este Sr. Campos há algum tempo, por já ter negociado com ele no âmbito da contratualização de seguros.
Em conversa com o Campos apercebeu-se que ele precisava de máquinas para colocação de etiquetas. E como a testemunha conhecia uma empresa indicou-a ao Campos 
Conhecia a empresa, por já ter vendido máquinas a um seu amigo.
Disponibilizou o seu escritório ao Sr. Campos e ao fornecedor das máquinas para fazerem o contrato, por uma questão de amizade, pois esta celebração do contrato era-lhe estranha.
Isto deve ter 3,4 anos
O David, administrador da empresa fornecedora, pediu ao Sr. Campos que assinasse o comprovativo de que já tinha entregado a maquinaria. Tudo isto, por causa do crédito.
O Sr. Campos questionou-o acerca disto, ao que respondeu que não deveria haver qualquer problema. Daí que o Sr. Campos assinasse. 
Mais tarde, cerca de 3, 4 meses, o Sr. Campos disse-lhe que não tinha recebido equipamento e que tinha escrito a a dizer isso mesmo.
Chegou a ligar várias vezes para esse David, mas não conseguiu, não teve mais contactos…”
Finalmente, a testemunha M…, amigo do legal representante da sociedade Ré, veio relatar um episódio - que afirma ter ocorrido em Lordelo (freguesia da sede da fornecedora), onde se deslocaram a pedido deste - de um desentendimento verificado entre o administrador da Ré e um indivíduo relacionado com a falta de entrega de umas máquinas de etiquetas.

Relendo a documentação:
a data (02.12.2014) da celebração do contrato (alegada pela Autora no requerimento inicial) coincide com a data da sua subscrição pela Ré junto da fornecedora RAPIDAMATRIZ –UNIPESSOAL, L.DA. e com a data da compra e venda e do pagamento do preço dos bens objecto do contrato de locação (cfr. factura de fls. 35v) pela G…S.A. à sobredita fornecedora.

O que concluir?

Temos como assente que a A. quando recebeu o contrato assinado, incluindo a confirmação da aceitação, teria como assente que o equipamento tinha sido entregue à R.

Importa não esquecer, segundo declarações de Ana R...:
--a A funciona com os fornecedores, após escolha dos equipamentos pelos clientes. Por isso, o fornecedor entrou em contacto com a A.
E a A só dá o ok aos fornecedores, após a recepção da confirmação da aceitação dos bens.
Daí que mereça credibilidade o testemunho de Rui Miguel ao referir que o fornecedor pediu ao representante da R a confirmação da aceitação.
Aliás, o que é coadjuvado pelas datas apostas na documentação.
Porém, o cerne do litígio está nesta factualidade: terá a R recebido o equipamento?
Ora, a este respeito, não percebemos a razão pela qual a A não indica como testemunha a pessoa que fez o alegado contacto telefónico com a R e que terá procedido ao registo. É que o valor probatório de um registo informático, ou de um contacto telefónico, por via da pessoa que o fez , é bem diverso; um registo informático, ou um telefonema , valem o que valem  , ou seja, apenas que foram  efetuados. Daí que se exigisse outro tipo de prova quanto à veracidade do conteúdo dos contactos.
Por outro lado, os testemunhos das outras pessoas (Rui  e Manuel) sustentam a factualidade atinente ao não recebimento do equipamento.
Ao que acresce a circunstância de ao fornecedor do equipamento interessar a declaração do legal representante da R como tinha recepcionado o equipamento; estava em causa o seu pagamento.
O que também justifica a data aposta na documentação.
Por isso, o que temos como “ certo” quanto a esta factualidade é a dúvida.
         
Importa, então, analisar como enquadrar esta mesma dúvida à luz das regras do ónus da prova.
Para tanto, urge analisar a natureza do vínculo contratual outorgado.
  
O contrato de locação financeira, regulado pelo DL n.º 149/95, de 24-06, acrescenta aos elementos essenciais do contrato de locação, visto à luz do art. 1022.º do CC -- «o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa mediante retribuição» -, as seguintes características (também definidoras do seu tipo):
a) o objecto do contrato é adquirido ou construído por indicação do locatário;
b) o locatário pode adquirir a coisa decorrido o prazo acordado;
c) o preço deve ser determinado no contrato ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.

Desta distinção resulta que a locação financeira obtém um tratamento diverso do comum contrato de locação, atribuindo-lhe aquele DL 149/95 relevantes efeitos que o aproximam dos inerentes à transmissão da coisa própria da compra e venda: as obrigações do locador financeiro restringem-se a adquirir ou a construir o bem indicado pelo locatário e a conceder o seu gozo – mas já não a assegurá-lo – e a vendê-lo ao segundo, caso este exerça o direito (potestativo) de compra, findo o contrato (art. 9.º, n.º 1); o risco de perda ou deterioração do bem corre por conta do locatário (art. 15.º), diferentemente do que é imposto pelo art. 1044.º do CC; o locatário financeiro tem direito a fazer suas, sem compensações, as benfeitorias (art. 9.º).
No caso concreto, relendo o contrato, que as partes apelidam de “Locação financeira”, o que existe de relevante?
Este tipo de contrato está construída no pressuposto de que o bem locado é susceptível de uma utilização prolongada e que essa utilização pode ser feita por períodos e pessoas sucessivas. Não releva a perspectiva de utilização posterior do bem para além do período contratual, ao contrário do que ocorre com os contratos de financiamento de aquisições de bens de longa duração (leasing, ALD), os quais inserem cláusulas ou negócios dependentes que prevêem as condições de transferência da propriedade no final do contrato para o utilizador do bem;
O que se visa com o contrato em causa nos autos é possibilitar a utilização de um bem pelo período da sua vida útil, sem necessidade do investimento inicial da sua aquisição, que é efectuado por outrem, substituído pelo pagamento fraccionado daquele encargo ao longo do período de utilização;
No caso concreto , o A adquiriu o equipamento a um terceiro ,pelo que a R não teve a seu cargo o investimento inicial atinente à compra .E como a R iria pagar faccionadamente ao A , esta colocaria  à disposição daquela o equipamento. Desta forma, a relação contratual, cujo incumprimento o A alega , apenas tem dois intervenientes, a A e a R,enquanto locador e locatário.
O terceiro, Rapidamatriz Unipessoal Ld.ª , é parte de uma outra relação contratual .
Por isso , retirada a clausula de venda do equipamento , este contrato outorgado entre as partes é um contrato de locação à luz do artº 1022 do CC
Assim sendo, à luz dos artº/s 342 nº1, 1031 al a) do CC e 414 do CPC esta dúvida resolve-se contra a A ; estando em causa um contrato de locação incumbia à A a prova da entrega do bem, pelo que a dúvida quanto a este aspecto , só pode ser resolvida contra a A.
 
Termos em que nada será alterado , concluindo-se que está em causa um contrato de locação previsto no artº 1022 e segs do CC.
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Análise do comportamento da R.

Situação bem diversa é a que se prende com a eventual responsabilidade da R ao ter confirmado a aceitação, quando não tinha recebido o equipamento.

Como sustentou o Prof. Manuel de Andrade[1],entre nós, vale a “chamada teoria da substanciação, que exige sempre a indicação do título (acto ou facto jurídico) em que se funda o direito afirmado pelo A.”, contrapondo-se-lhe a chamada teoria da individualização que dispensa tal indicação, quando não necessária para identificar concretamente esse direito. Por isso, o objecto da acção é o pedido, definido através de certa causa de pedir.

Assim, a causa de pedir consiste no facto jurídico de que procede a pretensão material deduzida na acção e o autor tem necessariamente de a indicar sob pena de ineptidão da petição inicial - artigo 186º, nº 2, alínea a) do Código de Processo Civil.

É sabido que a causa de pedir é caracterizada pela sua especificidade e adequação. Quer dizer, que, a causa de pedir tem de ser concretizada ou determinada, consistindo em factos ou circunstâncias concretas e individualizadas; não podendo apresentar-se como manifestamente irrelevante ou contraditória com o pedido.

O Professor Alberto dos Reis esclarece que "…a narração há-de conter, pelo menos, os factos pertinentes à causa e que sejam indispensáveis para a solução que o autor quer obter: os factos necessários e suficientes para justificar o pedido" [In Código Processo Civil Anotado , Vol II, pág. 351].

Ora, voltando à análise do pedido e causa de pedir alegadas[2] pelo A , o que aqui está em causa é o incumprimento da R ,por não ter pago o preço estipulado . E mais nada do que isso!

Assim, é um absurdo que a apelante venha, em sede de recurso, invocar tal factualidade, quando o litígio foi definido por si, quando deu entrada à injunção; termos em que não podemos deixar de concordar com o explanado na decisão “A Ré (locatária que assinou o contrato no circunstancialismo apurado, antes de receber os bens) apenas poderá, caso se verifiquem tais pressupostos (o que não cumpre apreciar na presente acção), vir a ser responsável por indemnizar a Autora relativamente aos danos em que a Locadora tenha incorrido…”.

A este respeito, resta à A. acionar a R. num outro processo com outra causa de pedir.
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Atenta a indisponibilidade do equipamento, poderia a R resolver o contrato?
Já demos conta que a A estava obrigada a proporcionar à R o “ gozo temporário” do equipamento. O que não sucedeu!

Termos em que aqui damos como reproduzido o explanando na decisão, atenta a nossa total concordância:
“Finalmente, importa ainda considerar que por carta registada, com A.R., datada de 29 de Dezembro de 2014, recebida em 31.12.2014, e fax de 30.12.2014, de fls. 9v a 11, a Ré comunicou à Autora: “Exmos. Senhores, Porque não recebemos os bens constantes do Contrato de Locação nº 111-8758 entre nós outorgado, somos a informar que demos ordem para o não pagamento das rendas aí constantes, e deste modo comunicamos ainda a denuncia do mesmo por falta imputável ao locador, conforme clausulado no mesmo contrato.
Assim e deste modo somos ainda a comunicar que não estamos mais interessados no V/ fornecimento dos bens que aí se descriminam.”
Com a comunicação impropriamente denominada “denúncia” o que a Ré pretendeu foi dar por findo o contrato celebrado, isto é, quis “resolver” o contrato, por não ter recebido os bens objecto da locação (cfr. artigos 432º, 436º e 1047º do CC).
Posto que, a comunicação dirigida pela Ré à Autora não se trata de uma denúncia do contrato, na medida em que para assim suceder teria de ser comunicada com a antecedência acordada (3 meses antes do fim do termo inicial) contratualmente e para fazer cessar o contrato para o termo do prazo estipulado (impedindo a sua renovação).
A denúncia é uma declaração de vontade motivada por razões de oportunidade ou interesse do contraente e que não precisa de ser justificada.
A resolução é uma declaração de vontade motivada por incumprimento ou alteração anormal da base negocial que atinge o equilíbrio das prestações.
A resolução torna-se eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida (artigo 224º, n.º 1 do CC) e tem como efeitos a nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico (artigos 433º e 434º CC).
No caso, a comunicação operada (que configura resolução do contrato de locação celebrado pelas partes), pela Ré à Autora, independentemente de não ter sido “aceite” por esta, produziu efeitos imediatos e retroactivos.
E impediu que a posterior comunicação de resolução do contrato (já resolvido em data anterior) que veio a ser dirigida pela Autora à Ré, operasse efeitos [cfr. ponto 20) da matéria assente].
Nestas condições, sem necessidade de outras considerações, é meramente consequencial a improcedência da pretensão apresentada pela Autora….”

Assim, não está em causa qualquer excepção de não cumprimento do contrato, como alude a apelante, mas a resolução, a “ destruição” do contrato , porquanto não se apura que a A. o  tenha cumprido :
a resolução ocorre nos contratos bilaterais quando uma das partes o não cumpre, justificando-se, assim, que a contraparte o rompa (art. 432 do C. Civil) ou quando há uma alteração anormal da base negocial que atinge o equilíbrio das prestações (art. 437 do C. Civil ).
A resolução é, por conseguinte, motivada, com efeitos imediatos e retroactivos e sem dependência ou observância de qualquer prazo contratual.
 
Termos em que improcedem todas as conclusões
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Síntese: entre as partes foi outorgado um contrato de locação à luz do artº 1022 do CC. Persistindo a dúvida quanto à disponibilização do equipamento, nos termos do artº 444 do CPC esta será resolvida contra a A ,à luz do artº 342 nº1 e 1031 al a), ambos do CC.
Assim sendo, é lícito à R resolver o contrato.
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Pelo exposto, acordam em julgar a apelação improcedente e confirmam a decisão impugnada.

Custas pela apelante.


Lisboa, 24-05-2018



Teresa Prazeres Pais 
Isoleta de Almeida Costa 
Carla Mendes 




[1]In “Noções Elementares de Processo Civil” (1976), pags. 318.
[2]Sublinhado nosso