Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
832/18.3T8LSB.L1-2
Relator: LAURINDA GEMAS
Descritores: RECURSO HIERÁRQUICO
CONSERVADOR DO REGISTO COMERCIAL
REQUERIMENTO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: A forma de interpor recurso hierárquico da decisão do Conservador do Registo é através de requerimento apresentado na Conservatória, pessoalmente ou por correio, não sendo legalmente admissível a prática desse ato por correio eletrónico.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, os Juízes Desembargadores abaixo identificados

I - RELATÓRIO

N..., S.A. interpõe recurso de apelação da sentença, proferida no processo de impugnação judicial da decisão do Conservador, que manteve a decisão do PRESIDENTE DO INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO, I.P. de rejeição dos recursos hierárquicos interpostos pela Recorrente da decisão de recusa das Apresentações n.ºs 131 e 134, de 12-06-2017.
Na sua alegação de recurso, formula as seguintes conclusões:
I — A douta decisão recorrida violou as normas conjugadas dos artigos 116º e 45º do Código do Registo Comercial.
II — Deve à luz dos citados normativos ser considerado tempestivo o recurso hierárquico apresentado.
III — Tanto mais que a Recorrente satisfez o doutamente determinado quanto ao envio pelo correio do expediente respetivo, no prazo que lhe foi fixado para o efeito.
Termos em que, e nos melhores de Direito que V. Exas hajam de suprir, deve o presente recurso ser julgado procedente e por via dele ser revogada a douta sentença recorrida, ordenando-se a admissão do recurso hierárquico interposto e a sua apreciação,

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

***
II - FUNDAMENTAÇÃO

Como é consabido, as conclusões da alegação do recorrente delimitam o objeto do recurso, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC).
Assim sendo, coloca-se apenas a questão de saber se os recursos hierárquicos foram (ou não) tempestivamente apresentados.

Factos provados

Com relevância para a decisão da causa e atendendo à prova documental junta aos autos, foram considerados provados, na sentença recorrida, os seguintes factos (eliminámos o que de conclusivo constava do ponto 9. e aditámos os pontos 7.-A, 10. e 11., ao abrigo do art. 607.º, n.º 4, aplicável ex vi do art. 663.º, n.º 2, ambos do CPC):

1. Em 12 de junho de 2017, foram requeridos online pela Senhora Notária, Dra. AF..., o registo de alterações ao contrato de sociedade e designação de membros de órgãos sociais e secretário, e o registo de dissolução com nomeação de liquidatário, sobre a sociedade N..., S.A., pedidos que recaíram sob as Apresentações 131 e 134/20170612, respetivamente, da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.
2. Estes registos vieram a ser recusados, nos termos dos despachos de 18 de julho de 2017, ambos com o seguinte fundamento:
“RECUSADO o pedido nos termos do artigo 46º n.º 1 alínea b) do Código do Registo Comercial uma vez que não foi pago a quantia que se mostra devida PELO AGRAVAMENTO EMOLUMENTAR e Recusado em razão da falta de registo da prestação de contas do último exercício (2015) - IES.
NOS TERMOS DO D.L 250/2012 DE 23 DE NOVEMBRO ART 6º N.º 2 E ART 17º Nº 2 CRC”.
3. Dos referidos despachos de qualificação foi notificada a apresentante em 24 de julho de 2017.
4. Foram feitas as anotações na ficha de registo da N..., S.A., da data da notificação dos despachos de qualificação.
5. Não se conformando com a decisão, destes despachos N..., S.A. interpôs recurso hierárquico.
6. Os pedidos de recurso hierárquico foram apresentados por correio eletrónico para a Conservatória, por correio expedido em 23-08-2017, pelas 21h41 quanto à Ap. 134 e pelas 21h46 quanto à Ap. 131.
7. A Requerente foi notificada via e-mail e por carta registada de que as alegações de recurso hierárquico só poderiam dar entrada por duas vias, presencial (balcão) ou correio, e ainda da necessidade de efetuar o pagamento do emolumento devido pela interposição dos recursos.
7.-A Para o efeito foi enviado à ora Recorrente o despacho cuja cópia consta de fls. 156, aqui se dando por reproduzido o seu teor, constando designadamente do mesmo o seguinte: “Recebido por e mail no dia de hoje o processo de recurso hierárquico informa-se que o expediente deverá ser enviado por correio e com procuração.
Pela interposição de recurso hierárquico é devido ainda o emolumento previsto no artigo 27º, verba 5.1. do Regulamento Emolumentar dos Registos e do Notariado (RERN) no montante de 175€ por cada recurso apresentado.
Dado que o Recorrente não enviou nem preparo nem documentos por correio ao abrigo do disposto no art. 114º nº 8 Crcom, solicite-se por email e por carta registada, que proceda à documentação em falta e à entrega do valor em falta por uma das formas legalmente previstas, no prazo de dois dias, sob pena de eventual rejeição liminar do recurso. Lisboa, 24 de agosto de 2017, a adjunta de Conservador”.
8. O valor do preparo foi feito por vale postal no dia 30-08-2017 a que coube as apresentações 18 e 19 de 20170830.
9. As petições de recurso hierárquico deram entrada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, via correio, no dia 1 de setembro de 2017. (eliminou-se, por conclusivo, a palavra “só” que constava antes de “deram”).
10. Essas petições foram enviadas pela Recorrente após a notificação referida em 7. e 7-A.
11. O Senhor Presidente do Conselho Diretivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. proferiu em 28-11-2017 o despacho de rejeição do recurso hierárquico, cuja cópia consta de fls. 9 a 12.

Enquadramento jurídico

A questão a decidir na presente ação consiste em saber se deve ser mantida a decisão, datada de 28-11-2017, do Senhor Presidente do Conselho Consultivo do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. que rejeitou o recurso hierárquico interposto pela ora Recorrente N..., S.A. da decisão da Conservatória do Registo Comercial de Lisboa de recusa dos registos que foram pedidos mediante Apresentações n.ºs 131 e 134, de 12-06-2017.
Conforme se refere na sentença recorrida e não é questionado pela Recorrente, o prazo para interposição de recurso hierárquico é de 30 dias a contar da notificação da decisão de recusa, nos termos do artigo 101.º, n.º 2, do Código do Registo Comercial.
Logo, e porque dos despachos de qualificação em apreço nos autos foi a ora Recorrente notificada em 24 de julho de 2017, impõe-se concluir que o aludido prazo terminou em 23 de agosto de 2017, o que a Recorrente também não parece questionar.
As petições de recurso hierárquico deram entrada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, via correio postal, no dia 1 de setembro de 2017.
Sustenta a Recorrente que o recurso hierárquico foi tempestivamente apresentado por correio eletrónico (enviado em 23 de agosto de 2017) ou, pelo menos, por correio enviado no prazo de 2 dias que lhe foi fixado para o efeito.
Vejamos.
Preceitua o artigo 101.º-A, n.º 2, do Código do Registo Comercial que “(A) interposição de recurso hierárquico ou a impugnação judicial consideram-se feitas com a apresentação das respectivas petições na conservatória competente.”
Admitimos que, como defende o Recorrente, este preceito deve ser conjugado com o disposto no artigo 45.º, n.º 1, do mesmo Código, aí se prevendo que a apresentação de documentos para registo pode ser feita pessoalmente, pelo correio ou ainda por via eletrónica, nos termos a regulamentar por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
Note-se, contudo, que “via eletrónica” e “correio eletrónico” não são sinónimos, sendo a referência a “via eletrónica” bem mais abrangente. Daí, aliás, a necessidade de regulamentação.
A Recorrente defende que essa regulamentação foi feita pela Portaria n.º 1416-A/2006, de 19 de dezembro.
Mas, como facilmente se alcança pela leitura da referida Portaria, a mesma não veio prever a apresentação de pedidos de registo por correio eletrónico. Na verdade, veio regular a promoção online de atos de registo comercial e a solicitação da certidão permanente através do sítio na Internet com o endereço www.empresaonline.pt, mantido pela (então) Direcção-Geral dos Registos e do Notariado.
Não está, pois, prevista a prática do ato em apreço (interposição de recurso hierárquico) através de correio eletrónico, mas apenas através de requerimento apresentado na Conservatória do Registo Comercial, pessoalmente ou por correio, aplicando-se ainda o disposto no art. 4.º do Regulamento do Registo Comercial.
Isto mesmo é referido na sentença recorrida e na decisão do Senhor Presidente do IRN. Esta última apoia-se no decidido no Pº R.Co 22/2008 SJC-CT e C.P. 73/2008 SJC-CT, referindo que «a unidade do sistema registral demanda que as vias de “apresentação” no serviço de registo sejam as mesmas, quer ao nível dos pedidos de registo quer ao nível das petições de impugnação das decisões registrais, donde resulta que não estando prevista a via da telecópia e do correio eletrónico para a apresentação de pedido de registo, no âmbito do registo comercial, também estas não serão admissíveis para a impugnação das decisões registrais».
Por sua vez, a sentença recorrida, cita o Parecer do Conselho Consultivo do IRN n.º 51/CC/2014, de 19 de setembro de 2014, atinente ao registo predial: “Se por um lado, a «unidade do sistema registal» continua a demandar que sejam as mesmas as vias de apresentação no serviço de registo dos pedidos de registo e dos requerimentos de impugnação das decisões registais, por outro lado, o recurso hierárquico ou a impugnação judicial interpõem-se por meio de requerimento (artigo 142.º, n.º 1, do CRP); consideram-se feitas com a apresentação das respetivas petições no serviço de registo (artigo 142.º, n.º 2, do CRP); e devem ser imediatamente anotadas no Diário (artigo 60.º do CRP), a seguir à anotação da recusa ou ao registo provisório, constante da ficha (artigo 148.°, n.° 1, do CRP). (...) só é admissível a apresentação de petições de recurso pessoalmente ou pelo correio por serem essas as formas de apresentação para registo (artigo 41.º-B do CRP) e cumprindo-se as regras da anotação da apresentação, pode garantir-se também a observância do princípio da prioridade.”- sublinhado nosso.
Concordamos com a fundamentação da sentença recorrida a este propósito.
E não se diga que, por via da aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (prevista no artigo 156.º do Código do Registo Comercial aplicável por força do artigo 115.º do Código do Registo Comercial), será admissível a prática do ato em apreço por via de correio eletrónico. Tal argumentação é descabida já que, ainda que fosse subsidiariamente aplicável o referido Código (e não os normativos acima indicados), resulta do art. 144.º deste diploma legal que a regra é a prática dos atos por transmissão eletrónica de dados (mormente nos termos definidos na Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto), apenas estando prevista (cf. n.ºs 7 e 8), para os casos de justo impedimento ou para as causas em que não seja obrigatória a constituição de mandatário judicial e a parte não esteja patrocinada, a prática de atos por uma das seguintes formas:
a) Entrega na secretaria judicial, valendo como data da prática do ato processual a da respetiva entrega;
b) Remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da prática do ato processual a da efetivação do respetivo registo postal;
c) Envio através de telecópia, valendo como data da prática do ato processual a da expedição.
Portanto, não está prevista no Código de Processo Civil a prática de atos processuais das partes por correio eletrónico.
No sentido da inadmissibilidade legal da apresentação de recurso hierárquico por correio eletrónico, veja-se também o acórdão da Relação de Lisboa de 19-05-2009, proferido no processo n.º 12725/06-7, cujo sumário se passa a citar:
“1. O prazo de interposição de recurso hierárquico da decisão proferida pelo Sr. Conservador do Registo Predial para o Sr. Director Geral dos Registos e Notariado é de trinta dias, contados de forma contínua.
2. O requerimento de interposição de recurso deve ser apresentado na Conservatória competente, não sendo admissível o seu envio por meios informáticos.” (disponível em www.dgs.pt)
Conclui-se, pois, não ser admissível a interposição dos recursos hierárquicos em apreço por correio eletrónico.

Resta saber se poderá ser admitida e deverá ser dado seguimento às petições de recurso hierárquico enviadas por correio postal na sequência do despacho de 24-08-2017. Ora, como se verifica pela leitura desse despacho, o mesmo não se pronunciou sobre a (in)tempestividade do ato praticado por correio eletrónico. Apenas serviu esse despacho para alertar a Recorrente para a impossibilidade de apresentação de recurso hierárquico por correio eletrónico (indicando-se as duas formas legalmente admissíveis para a prática do ato) e para a necessidade de pagamento do emolumento devido. Na verdade, no dia 24 de agosto de 2017 já não seria tempestiva a apresentação do recurso hierárquico e não é aceitável que a Recorrente se pretenda prevalecer de despacho que nem sequer apreciou essa questão para assim ver alargado um prazo que já se tinha esgotado.
Obviamente, o referido despacho de 24 de agosto de 2017 teria sido útil se a Recorrente ainda estivesse em tempo, nem que fosse nesse mesmo dia, para a prática do ato, já que poderia dirigir-se à Conservatória competente e aí entregar pessoalmente a petição de recurso hierárquico. É que mesmo que o último dia do prazo fosse o dia 24 de agosto de 2017 (e já vimos que era o dia anterior) de pouco adiantaria à Recorrente o envio por correio, já que, como resulta do supra citado artigo 101.º-A, n.º 2, do Código do Registo Comercial, a interposição de recurso hierárquico ou a impugnação judicial consideram-se feitas com a apresentação das respectivas petições na conservatória competente. Portanto, não releva a data da efetivação do registo postal do requerimento enviado pelo correio, mas a data da sua efetiva receção na Conservatória, por ser essa a data em que se mostra efetivamente apresentado o requerimento.
Conclui-se, assim, que a sentença recorrida decidiu com acerto ao confirmar a decisão do Senhor Presidente do IRN de rejeição dos recursos hierárquicos, por intempestivos, pelo que improcedem as conclusões da alegação de recurso.
Vencida a Recorrente, suportará as custas do recurso (artigos 527.º e 529.º, ambos do CPC).

***
III - DECISÃO

Pelo exposto, decide-se negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar a sentença recorrida e condenar a Recorrente no pagamento das custas do presente recurso.
D.N.

Lisboa, 08-11-2018

Laurinda Gemas

Gabriela Cunha Rodrigues

Arlindo Crua