Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
310/15.2SILSB-A.L1-5
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
OBRIGAÇÃO DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: Com o regime de permanência na habitação pretende evitar-se, o mais possível, os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado.

Se à data da prolação da decisão recorrida se encontrava já em vigor o novo regime de permanência na habitação, atualmente previsto no artigo 43º do Código Penal, deveria a 1ª instância, após revogar a suspensão da execução da pena ao condenado, equacionar a aplicação do regime de permanência na habitação, designadamente ponderando a “adequação e suficiência” desta forma de execução ou de cumprimento da pena de 1 ano e 8 meses de prisão a cumprir pelo condenado, eventualmente subordinada ao cumprimento de regras de conduta previstas no nº 4 do citado artigo 43º, bem como, se necessário, da viabilidade de instalação de meios técnicos de controlo à distância, já que se verifica o consentimento do próprio condenado.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.


No processo comum n.º 310/15.2SILSB que correu termos no Juízo Local Criminal de Lisboa, Comarca de Lisboa, foi o arguido R. condenado, por sentença de 02.06.2016, confirmada por acórdão transitado em julgado a 10.11.2016, condenado na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova e à condição do arguido diligenciar e obter titulo de condução ou documento equivalente, que o habilite a conduzir em território nacional, no prazo de 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da decisão.

Durante o decurso de tal prazo, foi traçado, com a anuência do condenado, plano de reinserção social, homologado por despacho de 12.05.2017.

A 22.11.2017, em relatório de acompanhamento do plano de reinserção social, a DCRSP comunicou aos autos que o condenado não cumpriu às obrigações definidas no Plano de Reinserção Social, nomeadamente, envidar esforços no sentido de regularizar a sua situação no país e obter licença de condução, não obstante o condenado ter referido que se encontra aguardar avaliação do SEF, não o tendo comprovado em documento a exibir nestes serviços (fls. 197 e ss.).

Notificado para se pronunciar quanto ao teor do relatório de acompanhamento enviado pela DGRSP o condenado juntou aos autos documento comprovativo da pendência de processo de regularização em território nacional (obtenção de autorização de residência) da qual depende a possibilidade de cumprimento da condição de suspensão da pena (inscrição uni escola de condução) - cf. fls. 203/204).

Do certificado de registo criminal do arguido consta ainda registada a prática a:
21.01.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de 6€, por sentença transitada em julgado no dia 25.02.2008, pena extinta pelo pagamento;
05.11.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 4€, perfazendo 200€, por sentença transitada em julgado no dia 006.10.2008, pena extinta por prescrição;
No 11.01.2015, de um crime de condução sem habilitação legal, ria pena de 115 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo 575€, por sentença transitada em julgado no dia 13.02.2015.
04.03.2016, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, por sentença transitada em julgado a 01.02.2018;
  26.03.2016, de um crime ele condução sem habilitação legal, na pena 150 dias de multa, por sentença transitada em julgado a 07.06.2016;
06.09.2017, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 7 meses de prisão, por sentença transitada em julgado a
02.11.2017, tudo conforme certificado de registo criminal de fls. 228/232.
Nessa sequência, viria a ser aberta vista ao MP, que promoveu no sentido da audição do arguido com proposta de a revogação da suspensão da pena, nos termos do art.° 56°, n.°1, alínea b) do Código Penal.
Notificado o arguido para o exercício do contraditório, veio requerer a não revogação da suspensão da pena, pugnando pela aplicação do disposto no art.° 55° do Código Penal.
Realizada a diligencia a que alude o art.° 495° do Código de Processo Penal, o condenado confirmou que se encontrava em cumprimento de pena de 7 meses de prisão, pela prática de crime idêntico, não fornecendo justificação plausível, no plano jurídico, para este comportamento, embora tenha demonstrado arrependimento e sobretudo consciência das consequências daquele acto, e das obrigações que sobre si impendiam enquanto condenado em cumprimento de pena de prisão suspensa.

A fls. 44 dos presentes (241 dos autos principais), viria a ser proferido despacho revogando a suspensão de execução da pena em que o arguido havia sido condenado, com o seguinte conteúdo integral:
“Por sentença proferida a 02.06.2016, confirmada por acórdão transitado em julgado a 10.11.2016, R.  foi condenado na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova e à condição do arguido diligenciar e obter titulo de condução ou documento equivalente, que o habilite a conduzir em território nacional, no prazo de 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da decisão.
O plano de reinserção social, traçado com a anuência do condenado, foi homologado por despacho de 12.05.2017.
A 22.11.2017, em relatório de acompanhamento do plano de reinserção social, a DCRSP comunicou aos autos que o condenado não cumpriu às obrigações definidas no Plano de Reinserção Social, nomeadamente, envidar esforços no sentido de regularizar a sua situação no país e obter licença de condução, não obstante o condenado ter referido que se encontra aguardar avaliação do SEF, não o tendo comprovado em documento a exibir nestes serviços (fls. 197 e ss.).
Notificado para se pronunciar quanto ao teor do relatório de acompanhamento enviado pela DGRSP o condenado juntou aos autos documento comprovativo da pendência de processo de regularização em território nacional (obtenção de autorização de residência) da qual depende a possibilidade de cumprimento da condição de suspensão da pena (inscrição numa escola de condução) — cf. fls. 203/204).
Realizada a diligência a que alude o art.° 495° do Código de Processo Penal, o condenado confirmou que se encontrava em cumprimento de pena de 7 meses de prisão, pela prática de crime idêntico, não fornecendo justificação plausível, no plano jurídico, para este comportamento, embora tenha demonstrado arrependimento e sobretudo consciência das consequências daquele acto, e das obrigações que sobre si impendiam enquanto condenado em cumprimento de pena de prisão suspensa.
Mais esclareceu que ainda não se inscreveu em escola de condução porque estar a aguardar a chamada do SEF para regularizar a sua situação em território nacional.

Além das condenações referidas, do certificado de registo criminal do arguido consta ainda registada a prática a:
 21.01.2008, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 65 dias de multa, à taxa diária de 6€, por sentença transitada em julgado no dia 25.02.2008, pena extinta pelo pagamento;
  05.11.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 50 dias de multa, à taxa diária de 4€, perfazendo 200€, por sentença transitada em julgado no dia 006.10.2008, pena extinta por prescrição;
 No 11.01.2015, de um crime de condução sem habilitação legal, ria pena de 115 dias de multa, à taxa diária de 5€, perfazendo 575€, por sentença transitada em julgado no dia 13.02.2015.
 04.03.2016, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova, por sentença transitada em julgado a 01.02.2018;
26.03.2016, de um crime ele condução sem habilitação legal, na pena 150 dias de multa, por sentença transitada em julgado a 07.06.2016;
06.09.2017, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena 7 meses de prisão, por sentença transitada em julgado a 02.11.2017
Cf. certificado de registo criminal de fls. 228/232.

Com base nos factos enunciados, o Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena, nos termos do art.° 56°, n.°1, alínea b) do Código Penal.

Notificado o arguido para o exercício do contraditório, veio requerer a não revogação da suspensão da pena, pugnando pela aplicação do disposto no art.° 55° do Código Penal.

Cumpre apreciar e decidir:
A Suspensão de Execução de Pena, regulada nos artigos 50° a 57°, do Código Penal, tem um conteúdo "pedagógico e reeducativo" (vd., ponto 11 do Preâmbulo do Código Penal), que procura "fazer sentir ao condenado (...) que o seu comportamento foi censurável, e tendo ainda em vista os fins de prevenção". Daí que o art. 50°, n° 1 do Código Penal, só a permita "quando concluir que a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição" (Gonçalves da Costa, Suspensão da Execução da Pena e Regime de Prova, Revista do Ministério Público, Ano 4°, Vol. 15, pág. 45).

Por outro lado, a suspensão da execução da pena de prisão assenta num prognóstico favorável relativamente ao comportamento do agente, efectivado no momento da decisão. Parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao arguido, pela fundada expectativa de que ele, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme à lei.

Os artigos 55° e 56° do Código Penal prevêem, respectivamente, que:
"Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:

a)- Fazer uma solene advertência;
b)- Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c)- Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;
d)- Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º”
e
"A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a)- Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b)- Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas."

No caso concreto, cumpre adiantar que o regime previsto no art.° 55° do Código Penal, cuja aplicação foi pugnada pelo arguido, não tem aplicação à circunstância do condenado praticar crime durante o período de suspensão da pena, tal com resulta do teor literal do normativo, que apenas refere o incumprimento dos deveres ou regras de conduta impostos, ou do plano de reinserção social.

Dito isto, assente que está a prática pelo arguido de um crime idêntico àquele pelo qual foi condenado nestes autos durante o período de suspensão da pena, importa indagar se a prática deste crime revela que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Conforme declarações do próprio, o arguido está detido, em cumprimento de pena pela prática de crime idêntico, desde 16.01.2018, porém, não obstante declarar arrependimento, não forneceu qualquer explicação plausível no plano jurídico, ou sequer no plano da diminuição do juízo de censura, que evidencia que tomou consciência do desvalor dos factos que persiste em praticar, ou tampouco que, uma pena de prisão suspensa na sua execução á suficiente advertência para que não volte a cometer ilícitos idênticos.

Note-se que, não obstante terem sido praticados fora do período de suspensão da pena, o arguido, entre 2008 e 2016 praticou mais cinco crimes idênticos, sendo condenado em penas pecuniárias e de prisão suspensa, sem que qualquer delas o inibisse de continuar a conduzir sem habilitação legal.

É certo que o cometimento de crime no decurso do período de suspensão da execução da pena de prisão não desencadeia de forma automática a revogação da suspensão, que só deverá ocorrer se esta prática infirmar, de modo definitivo, o juízo de prognose favorável que esteve na base da suspensão, ou seja, se revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

E, ante as circunstâncias elencadas, está definitivamente comprometido o juízo de prognose favorável que se fez no momento da decisão quanto ao seu comportamento em liberdade.

Com efeito, o condenado frustrou as expectativas do tribunal relativamente ao voto de confiança que mereceu, invalidando definitivamente as finalidades da pena suspensa.

Assim, ao abrigo do disposto no artigo 56°, n.º 1 alínea b) do Código Penal deve a suspensão ser revogada.

Nestes termos, decido revogar a suspensão da execução da pena e ordenar o cumprimento por R. de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.”

Inconformado, veio o arguido a interpor recurso que motivou, concluindo nos seguintes termos:
“A.    
Nos presentes autos de processo comum (Tribunal singular), foi o arguido condenado em 02/06/2016, pela prática de "um crime de condução sem habilitação legal, p. p. pelo artigo 3. n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro", na pena de 1 (UM)  ano e 8 (oito) meses de prisão, porém,
B.    
foi a sua execução suspensa.
C.    
Seguidamente, por decisão proferida em despacho de 20/07/2018, foi revogada a  suspensão daquela pena, ao abrigo do disposto no artigo 562, n.21 alínea b) do Código Penal, determinando-se o cumprimento efectivo, pelo condenado, da pena de 1 (UM) ano e 8 (oito) meses de prisão.
D.    
O Recorrente, condenado, não se conforma então com a decisão ora recorrida, concretamente no que concerne à execução da sua pena, em regime prisional.
E.    
Porquanto entende que a decisão recorrida sempre seria nula, nos termos conjugados dos artigos 97º, nº 1 al. a), nº 2 e nº 5 do Código de Processo Penal conjugado com os artigos 120º, nº 2 al. d), 379º, nº 1 c) e nº 2 e com o artigo 410º, nº 3 todos do Código de Processo Penal.
F.    
Tal nulidade decorre de não se ter ponderado, naquele despacho, até porque mais favorável ao condenado, aqui Recorrente, da possibilidade deste cumprir a prisão resultante de tal revogação, em obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica (OPHVE) nos termos do renovado artigo 43º, nº 1 alínea c) do Código Penal, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 94/2017, de 23 de agosto.
G.    
Sendo que se entende e sustenta, que o Douto Tribunal a quo, depois de considerar que era de revogar a suspensão da execução da pena determinando o cumprimento da mesma, não podia deixar de ponderar o cumprimento e execução de tal pena de prisão, inferior a 2 anos, em regime de obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica (OPHVF1.
H.    
Assim, ao omitir, a ponderação da aplicação daquele regime e a verificação dos pressupostos de aplicação do preceituado no artigo 43º, nº 1 al. c) do Código Penal, omitindo consequentemente, as diligências necessárias para o efeito (nomeadamente, consentimento do condenado), o Tribunal incorreu em nulidade no despacho recorrido.
I.    
Ora entende-se que o momento próprio para decidir da aplicação da OPHVE é no despacho que revoga a suspensão da execução da pena e não posteriormente.
J.    
Embora a decisão aplicada ao condenado, respeite o enquadramento legal que ao crime corresponde, é manifestamente desajustada em relação às suas circunstâncias pessoais, económicas e sociais, colocando-se assim também em crise os artigos 40º e 71º do Código Penal
L.
Com a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto, o regime de permanência na habitação previsto no artº 43º Código Penal, passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou cumprimento da pena de prisão, que constitui na realidade uma verdadeira forma de cumprimento da pena de prisão.
M.    
Embora o novo regime não se encontrasse em vigor à data da prolação da decisão (02/06/2016) que determinou a suspensão da pena.
N.    
Pois a referida alteração legislativa entrou em vigor em 22/11/2017.
O.    
Impunha-se tivesse sido equacionado aquando da prolação do despacho, aqui recorrido, de revogação da suspensão da pena 20/07/2018.
P. 
Respeitando o regime da aplicação da lei penal no tempo (artigo 2º  nº 4 do Código Penal), na consideração do princípio da aplicação retroactiva da lei penal de conteúdo  mais favorável ao arguido - cfr. artigo 29. da Constituição da República Portuguesa.
Q.    
Bem como a indiciaria a norma transitória do artigo 12º da citada Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto, acerca do carácter mais favorável ao arguido do regime de obrigação de permanência na habitação.
R.    
Porém, o Douto Tribunal a quo, nem ponderou, da adequação deste meio realizar ou não, de forma suficiente as finalidades da execução da pena de prisão, s.m.o., como deveria (artigo 43º nº 1 al. c) do Código Penal).
S.
Assim, deverá agora ser revista e equacionada pela 1ª instância a ponderação relativamente à execução da pena de 1 ano e 8 meses de prisão em regime de permanência na habitação.
T.
Devendo pois, na procedência do presente recurso, revogar-se o aliás Douto despacho recorrido, e ordenar a sua substituição por outro em que se conheçam tais questões (aplicação da lei no tempo, regime mais favorável ao condenado, possibilidade de cumprimento/execução da prisão decorrente da revogação da suspensão da execução da pena em regime de OPHVE e demais circunstâncias ou condições daquele cumprimento), realizando-se as diligências complementares”.

Termina no sentido de ser revogada a sentença ora recorrida:
I) Considerando que aquela violou o disposto nos termos conjugados dos
Artigos 97º, nº 1 al. a) e nº 5 do Código de Processo Penal conjugado com os artigos 120º, nº 2 al. d), 379º, nº 1 c) e nº 2 e com o artigo 410º, nº 3 todos do Código de Processo Penal, e artigo 2.º n.º 4 e 43.º n.º 1 c) do Código Penal;
II) Devendo (…) ordenar a sua substituição por outro em que se conheça e determine o cumprimento/execução da prisão decorrente da revogação da suspensão da execução da pena em regime de OPHVE, realizando-se as diligências complementares, consentimento do condenado e eventualmente outras que se reputem relevantes para a adequação do cumprimento da pena do condenado através de OPHVE, realizando-se assim de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão.

O Digno Magistrado do MP veio, em resposta a tais motivações de recurso, concluir:
“1. Por despacho proferido nos autos decidiu a Mma. Juíza a quo revogar a suspensão da execução da pena e ordenar o cumprimento por R. de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.
2. O Recorrente, condenado, não se conforma então com a decisão ora recorrida, concretamente no que concerne à execução da sua pena, em regime prisional. Porquanto entende que a decisão recorrida sempre seria nula, nos termos conjugados dos artigos 97º, n° 1 al. a), n° 2 e n° 5 do Código de Processo Penal conjugado com os artigos 120°, n° 2 al. d), 379º, n° 1 c) e n° 2 e com o artigo 410°, n° 3 todos do Código de Processo Penal.

Tal nulidade decorre de não se ter ponderado, naquele despacho, até porque mais favorável ao condenado, aqui Recorrente, da possibilidade deste cumprir a prisão resultante de tal revogação, em obrigação de permanência na habitação com recurso a vigilância electrónica (OPHVE) nos termos do renovado artigo 43°. n° 1 alínea c) do Código Penal. na redacção que lhe foi conferida pela Lei n° 94/2017, de 23 de agosto.

Ora entende-se que o momento próprio para decidir da aplicação da OPHVE é no despacho que revoga a suspensão da execução da pena e não posteriormente. Embora a decisão aplicada ao condenado, respeite o enquadramento legal que ao crime corresponde, é manifestamente desajustada em relação às suas circunstâncias pessoais, económicas e sociais, colocando-se assim também em crise os artigos 40° e 71° do Código Penal.

3. O Ministério Público concorda integralmente com a decisão recorrida, entendendo que a mesma não se mostra ferida de nulidade.
4. Como bem se refere em tal decisão Por sentença proferida a 02.06.2016, confirmada por acórdão transitado em julgado a 10.11.2016, R.  foi condenado na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa por igual período, sujeita a regime de prova e à condição do arguido diligenciar e obter titulo de condução ou documento equivalente, que o habilite a conduzir em território nacional, no prazo de 6 (seis) meses a contar do trânsito em julgado da decisão.

O plano de reinserção social, traçado com a anuência do condenado, foi homologado por despacho de 12.05.2017.

A 22.11.2017, em relatório de acompanhamento do plano de reinserção social, a DGRSP comunicou aos autos que o condenado não cumpriu às obrigações definidas no Plano de Reinserção nomeadamente, envidar esforços no sentido de regularizar a sua situação no país e obter licença de condução, não obstante o condenado ter referido que se encontra aguardar avaliação do SEF, não o tendo comprovado em documento a exibir nestes serviços (fls. 197 e ss.).

Notificado para se pronunciar quanto ao teor do relatório de acompanhamento enviado pela DGRSP o condenado juntou aos autos documento comprovativo da pendência de processo de regularização em território nacional (obtenção de autorização de residência) da qual depende a possibilidade de cumprimento da condição de suspensão da pena (inscrição em escola de condução) cf. fls. 203/204).

Por ofício de 08.03.2018 o TEP comunicou aos autos que o R.  foi condenado pela prática de crime idêntico durante o período de suspensão da pena, solicitando informação sobre eventual revogação (fls. 214).

Realizada a diligencia a que alude o art.° 495° do Código de Processo Penal, o condenado confirmou que se encontrava em cumprimento de pena de 7 meses de prisão, pela prática de crime idêntico, não fornecendo justificação plausível, no plano jurídico, para este comportamento, embora tenha demonstrado arrependimento e sobretudo consciência das consequências daquele acto, e das obrigações que sobre si impendiam enquanto condenado em cumprimento de pena de prisão suspensa.

5. Ora, o tribunal ouviu o arguido nos termos do artigo 495" do Código de Processo Penal. Foi o arguido notificado para o exercício do contraditório, face à promoção do Ministério Público e pugnou pela aplicação do artigo 55" do Código Penal.

Em nenhuma das duas ocasiões o arguido se manifestou quanto a eventual cumprimento de pena de prisão em regime de permanência na habitação, previsto no artigo 43°do Código Penal, já então em vigor.

6. A verdade é que, quer à data da sua audição nos termos do artigo 495° do Código de Processo Penal, quer à data da promoção do Ministério Público 'pugnando pela revogação da suspensão da pena de prisão, quer à data da decisão judicial que determinou tal revogação, o arguido se encontrava em cumprimento de pena de prisão, à ordem de outro processo, pelo que a ponderação dos pressupostos e requisitos da aplicação do disposto no artigo 43", n° 1 c) do Código Penal, se mostrava de todo inadequada.

7. Efectivamente, todos os argumentos agora trazidos pelo recorrente invocando como justo e indicada ao caso concreto a aplicação do disposto no artigo 43", n" 1 c) do Código Penal, só se verificaram depois da decisão judicial ora recorrida, pelo que a mesma não padece de qualquer nulidade.

8. Razão pela qual deverá improceder a invocada nulidade por violação dos art°s 97º, n° 1 al. a), n° 2 e n° 5 do Código de Processo Penal conjugado com os artigos 120º, n° 2 al. d), 379°, n° 1 c) e nº 2 e com o artigo 410º, nº 3 todos do Código de Processo Penal.”

A Mma. Juiz recorrida sustentou o seu despacho.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto e aderindo à resposta ao recurso, propugna o respectivo não provimento.

Dado cumprimento ao disposto no art.º 417º n.º 2 CPP, o recorrente não veio responder ao parecer.

II.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

A questão essencial que nos coloca o recorrente é a de saber se, uma vez revogada a suspensão da execução da pena de prisão, deverá o tribunal ponderar ainda pelo cumprimento da pena em regime de obrigação de permanência na habitação.

Argumenta o recorrente que o momento próprio para decidir da aplicação da OPHVE é no despacho que revoga a suspensão da execução da pena e não posteriormente, com a entrada em vigor das alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017, de 23 de Agosto, o regime de permanência na habitação previsto no arte 432 Código Penal, passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou cumprimento da pena de prisão, que constitui na realidade uma verdadeira forma de cumprimento da pena de prisão e, embora o novo regime não se encontrasse em vigor à data da prolação da decisão condenatória (02/06/2016) que determinou a suspensão da pena, entrou em vigor em 22/11/2017, impunha-se tivesse sido equacionado aquando da prolação do despacho, aqui recorrido, de revogação da suspensão da pena 20/07/2018.

Passando a apreciar a questão e os argumentos trazidos ao recurso por parte do recorrente diremos já que não lhe assiste a mínima razão.

Não questiona, pois, o recorrente a parte da decisão recorrida que revogou a suspensão de execução da pena de prisão; a sua discordância encontra-se circunscrita à ausência de ponderação e pronúncia pelo tribunal recorrido relativamente à requerida execução dessa pena em regime de permanência na habitação.

Pela leitura do despacho recorrido, conclui-se que o tribunal recorrido, não perspectivou sequer a eventual aplicação deste regime, embora se descortine a leitura imperativa e cominatória que faz da al. b) do n.º 1 do art.º 56º CP, face à condenação na pena 7 meses de prisão que o recorrente sofreu por sentença transitada em julgado a 02.11.2017, pela prática em 06.09.2017 de um crime de condução sem habilitação legal, ou seja, em pleno prazo da suspensão decretada nestes autos e, acima de tudo, o que resulta da primeira parte do n.º 2 do mesmo preceito [A revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença].

Salienta o Ministério Público, sufragando este entendimento, que sendo o regime de permanência na habitação uma verdadeira pena de substituição e não mero regime de cumprimento de pena de prisão, a sua apreciação apenas é exigida em sede de audiência de julgamento.

Esta concreta questão mostra-se apreciada já, em termos minimamente abrangentes e reveladores da evolução jurisprudencial ocorrida após a entrada em vigor da Lei nº 94/2017 de 23/08, pelo Ac. da Relação do Porto de 3.10.2018, disponível em www.gde.mj.pt/jtrp nos seguintes moldes:
“A maioria da jurisprudência dos Tribunais da Relação considerava que, não só pela redacção do nº 2 do artigo 56º do Código Penal «a revogação determina o cumprimento da pena de prisão fixada na sentença» mas, acima de tudo, porque a aplicação de penas substitutivas se integra na operação de determinação da pena concreta em sentido amplo (como decorria das disposições conjugadas dos artigos 43.º a 46.º e 50.º do Código Penal), ou seja, na sentença condenatória o tribunal define a espécie e medida da pena concreta a cumprir pelo arguido e, sendo caso disso, logo determina que, em lugar do efetivo cumprimento da pena de prisão, é imposta a execução de uma outra pena (substitutiva). Por isso, a imposição de uma pena substitutiva não podia ter lugar em momento posterior e em peça processual autónoma da sentença condenatória, estando, ademais, excluída a aplicação sucessiva de penas substitutivas. Daí defender-se não ser admissível que, não sendo executada a pena substitutiva determinada na sentença, fosse posteriormente imposta em substituição desta (já de si pena substitutiva), outra pena. - Neste sentido se pronunciaram, entre outros, os acórdãos do TRP de 20/10/2010, Proc. nº 87/01.9TBPRG.P1; do TRC de 04/05/2011, Proc. nº 49/08.5GDAVR-A.C1; TRC de 09/11/2011, Proc. nº 579/09.1GAVGS.C1; do TRC de 27/06/2012, Proc. nº 81/10.9GBILH.C1; do TRC de 10/12/2013, Proc. nº 157/10.2GBSVV-A.C1; do TRP de 18/09/2013, Proc. nº 1781/10.9JAPRT-C.P1 do TRP de 28/01/2015, Proc. nº 7/12.5PTVNG.P1; do TRL de 21/05/2015, Proc. nº 1224/10.8PEAMD.L1-9 e do TRC de 08/07/2015 Proc. nº 423/13.5GBPBL.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt
Noutro sentido se pronunciaram, porém, os Acórdãos do TRP de 28/06/2017, Proc. nº 260/15.2GAPVZ.P1, e do TRC de 22/11/2017,Proc. nº 55/16.6GDLRA.C1, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.

Nestes dois últimos arestos entendeu-se que o regime então previsto no artigo 44º do Código Penal não devia ser considerado como uma pena de substituição (que sempre impediria o julgador de, após o trânsito em julgado da decisão condenatória, em sede de revogação da suspensão, alterar a pena de substituição tempestivamente aplicada), mas antes como uma “forma de execução” ou de cumprimento da pena de prisão, nada obstando, por isso, que o tribunal ponderasse a sua aplicação, depois de ter revogado a suspensão da execução da pena de prisão.

Com as alterações introduzidas pela Lei nº 94/2017 de 23/08, o regime agora previsto no artigo 43º do Código Penal passou a constituir não só uma pena de substituição em sentido impróprio, mas também uma forma de execução ou de cumprimento da pena de prisão.

Por isso, admite-se agora expressamente que, revogada a pena não privativa da liberdade (em cuja tipologia se enquadra a pena de prisão suspensa na sua execução), a pena de prisão não superior a dois anos possa ser executada em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, se o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir (artigo 43º nº 1 al. c) do Código Penal).

A nova lei traduz o entendimento generalizado de que as penas curtas de prisão devem ser evitadas por não contribuírem necessariamente para a ressocialização efetiva do condenado. Foi, inclusivamente, na senda desse pensamento, que se procedeu à abolição da prisão por dias livres e do regime de semidetenção, alterando-se (através da ampliação do respetivo campo de aplicação) o regime de permanência na habitação.»

Com o regime de permanência na habitação pretendem evitar-se as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa. Trata-se de regime que tem justamente por finalidade limitar o mais possível os efeitos criminógenos da privação total da liberdade, evitando ou, pelo menos, atenuando os efeitos perniciosos de uma curta detenção de cumprimento continuado.

Ora, no caso sob escrutínio, à data da prolação da decisão recorrida encontrava-se já em vigor este novo regime de permanência na habitação, atualmente previsto no artigo 43º do Código Penal.

Como assim, deveria 1ª instância, após revogar a suspensão da execução da pena ao condenado, ao invés do decidido, equacionar a aplicação do regime de permanência na habitação, designadamente ponderando a “adequação e suficiência” desta forma de execução ou de cumprimento da pena de 1 ano e 8 meses de prisão a cumprir pelo condenado, eventualmente subordinada ao cumprimento de regras de conduta previstas no nº 4 do citado artigo 43º, bem como, se necessário, da viabilidade de instalação de meios técnicos de controlo à distância, uma vez que verificado se mostra o consentimento do próprio condenado.” (sublinhado nosso)

Concordando com esta argumentação e seguindo tal orientação, na nova aferição ou ponderação não deixará de estar presente o facto inultrapassável de o arguido se encontrar efectivamente preso em cumprimento da pena de 7 meses de prisão relativa ao P.º 61/17.3GTSTR (boletim de fls. 42 v. dos presentes autos e cuja condenação foi determinante para a revogação decretada.

Pelos fundamentos expostos, procede o recurso interposto.

III.
Pelo exposto, julga-se procedente o recurso interposto pelo arguido R. , revoga-se o despacho recorrido, determinando-se que, em sua substituição, seja proferido outro em que a 1ª instância se pronuncie acerca da verificação dos pressupostos de que depende a execução da pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão imposta ao arguido em regime de permanência na habitação (artigo 43º nº 1 al. c) e nº 4 do Código Penal) decidindo-se, então, em conformidade.
Sem custas.




Lisboa, 29 de Janeiro de 2019.



João Carrola (Feito e revisto pelo 1º signatário).

Luís Gominho