Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1117/14.0TMLSB-F.L2-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
QUESTÃO DE PARTICULAR IMPORTÂNCIA
EDUCAÇÃO RELIGIOSA DO MENOR
OPÇÃO DOS PROGENITORES
OPÇÃO DA CRIANÇA
INTEGRIDADE FÍSICA E MORAL DO MENOR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/16/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. A questão atinente à educação religiosa da criança constitui uma questão de particular importância.
II. Cotejando o Artigo 14º, nº2, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças com o nosso Artigo 1886º do Código Civil, divisa-se uma antinomia entre as normas (ambas vigentes no nosso ordenamento) porquanto o Código Civil parece remeter integralmente para os pais as opções sobre a educação religiosa dos filhos, enquanto a Convenção prioriza as convicções dos filhos.
III. O ordenamento jurídico no seu todo (com normas internas e outras de proveniência internacional) tutela a criança como um sujeito em crescimento, tendo os pais que atender progressivamente à individualidade da criança, a qual se expressa também na (in)existência de convicções religiosas, sendo a criança, em última instância, sujeito ativo do seu desenvolvimento e maturação da sua personalidade. Isto não significa que tal desenvolvimento da personalidade da criança seja alheio a valores e a limites: serão sempre de repelir opções religiosas que possam fazer perigar a integridade física  e moral do próprio e/ou de outros e os valores ínsitos à vida em sociedade (cf. Artigos 1º, 24º, 25º, 26º, 27º da Constituição, designadamente).
IV. Inexistem razões provadas, objetivas e relevantes, que impeçam a criança de assumir a convicção religiosa que lhe foi transmitida pela progenitora, apesar de não ter atingido ainda a maioridade religiosa. Cabe ao progenitor respeitar essa opção da criança, salvo se demonstrar concretamente que tal convicção comporta perigo para a criança, para o desenvolvimento da sua personalidade e/ou vida em sociedade, não sendo esse o caso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO
 Em 16.12.2019, AB intentou contra CD incidente de incumprimento das responsabilidades parentais, relativamente ao filho menor de ambos, EF, pedindo que a Ré seja condenada pelo incumprimento e que se determine que o menor não frequente qualquer educação religiosa, cristã ou outra.
Foi realizada conferência de pais, na qual os progenitores não chegaram a acordo.
As partes foram notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 39.º, n.º 4, aplicável ex vi do artigo 41.º, n.º 7, do RGPTC, tendo apresentado alegações e requerimentos probatórios.
O progenitor Requerente alegou, em síntese e com relevo, que:
- O menor nascido em ... foi batizado contra a vontade do aqui Requerente em 28.5.2011.
- Em data que não sabe precisar, mas que crê em finais do ano de 2015 a Requerida inscreveu o menor na catequese, a frequentar todas as quintas-feiras e realizada na Igreja de (...).
- Durante vários anos, a Requerida escondeu esse facto do Requerente bem sabendo que este se oporia a tal frequência de doutrinação religiosa.
- O menor tem receio que o pai descubra que está a frequentar a educação religiosa cristã, por a Requerida sem qualquer pejo instruir o menor a mentir ao pai sobre essa situação, e outras.
- Apesar de a Requerida manipular o menor para mentir ao pai sobre essa questão, o Requerente confirmou que o menor foi novamente inscrito e frequenta a catequese no corrente ano letivo.
- O Requerente é ateu, mas de descendência judaica e tal facto é do conhecimento da Requerida, assim como a oposição deste a que o filho seja formado na fé cristã.
A progenitora Requerida alegou, em síntese e com relevo, que:
- O menor foi batizado na religião Cristã, com a aceitação e participação do Requerente e sua família.
- O Menor veio a ser batizado na Igreja de (...), aos 28 de maio de 2011.
- Nunca, em momento algum, mencionou a sua oposição, tampouco desconforto, na cerimónia do Batismo, tendo estado presente, participado e, até como o mesmo refere, contribuído para o almoço de comemoração no seio familiar.
- O Requerente, durante a relação com a Requerida, nunca mencionou a sua “ascendência judaica” ou o seu “ateísmo”.
- Enquanto mantiveram uma relação, o Requerente e a Requerida comemoraram sempre o Natal (Católico).
- A Catequese é uma das várias formas do Menor entender a sua religião (religião na qual foi batizado), tal como a oração, a participação em celebrações religiosas, a comemoração do Natal e Páscoa, reitere-se, eventos que o Requerente e a Requerida celebravam enquanto casal e na presença do menor.
- O filho menor de ambos está inscrito na catequese há quase 4 (quatro) anos, com o conhecimento do Requerente.
- O menor não é obrigado a frequentar a catequese, antes apreciando as atividades desenvolvidas pela paróquia.
- Terminou pedindo que o presente incidente seja julgado improcedente.
Após julgamento, foi proferida sentença que julgou improcedente o incidente de incumprimento de responsabilidades parentais, absolvendo a requerida dos pedidos.
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes
«Conclusões:
1. A presente decisão foi proferida ao abrigo do art. 41.°, RGPTC, devendo as mesmas serem sempre fundamentadas de facto e de direito.
2. Na decisão de fixar o superior interesse do menor em continuar a frequência da catequese, foi carreada para os autos a oposição do requerente na educação religiosa do menor, tendo essa frequência sido completamente omitida deste, pelo menos até 2018, e não ponderando os alegados normativos de a educação religiosa ser questão de particular importância e de autodeterminação religiosa dos menores, consequentemente, não foi efetuada uma apreciação fundamentada de facto e direito.
3. A decisão final relativamente, à frequência do menor na catequese e resultante destes autos carece de fundamentação, ficando assim ferida de nulidade nos termos do artigo 615.° n.º 1 alínea b) do CPC e por violação do disposto no 607.° n.º 4 ambos do CPC aplicável pelo disposto no artigo 986.° n.º 1 do CPC.
4. Caso assim não se entenda, à cautela, arguiu-se a fundamentação deficiente com vista à devolução do processo à 1ª Instância para devida fundamentação de facto e absolutamente de Direito sobre o superior interesse de frequentar a catequese, porque,
5. A falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, bem como a sua deficiência ou insuficiência, em violação do disposto no n.º 4 do art.° 607.° do CPC não gera nulidade, mas tem como sanção a devolução dos autos à 1.ª instância, a fim de que a matéria de facto aí seja devidamente fundamentada (art.° 662.°, n.º 2, al. c) do CPC).
6. Devem nesse caso, os autos ser devolvidos à primeira instância, com vista à fundamentação de facto e de Direito .
7. Pois ao determinar que o menor deverá continuar na educação religiosa imposta pela mãe, a douta sentença violou os normativos invocados de liberdade religiosa do menor, sobre questão de vital sensibilidade na educação do menor, inicialmente sem ouvir o menor e ouvido o menor, e baseando-se num juízo sobre a conveniência que extrapolou a prova produzida; e
8. A falta de fundamentação do meio próprio, de que o Recorrente se devia ter socorrido, i.e., questão de particular importância, contra incidente de incumprimento, recria uma situação em que o Recorrente teria de se socorrer de incidente para resolução de questão de particular importância, para tentar converter uma decisão já tomada pela progenitora, sem o seu conhecimento ou consentimento, um incumprimento.
9.    Existe também falta de fundamentação do interesse do menor em continuar a frequentar a catequese porquanto se baseia num prejuízo emocional inexistente e viola as disposições nacional e internacionais invocadas designadamente o direito que o menor tem de escolher o seu credo aos 16 anos e necessidade de consentimento de ambos os pais para QPI.
10.  Ora, a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, bem como a sua deficiência ou insuficiência, em violação do disposto no n.º 4 do art.° 607.° do CPC não gera nulidade, mas tem como sanção a devolução dos autos à 1a instância, a fim de que a matéria de facto aí seja devidamente fundamentada (art.° 662.°, n.º 2, al. c) do CPC).
11.  Quanto aos factos incorretamente julgados e que o ora recorrente considera que deveriam ter sido dados como provados, conforme mencionado e identificado supra, já que o Tribunal a quo os ignorou em absoluto; requerendo a anulação da decisão da matéria de facto.
10.  Com efeito, o tribunal ignorou a prova que foi junta aos autos, de enorme relevância para o objeto da presente decisão, que ora se recorre, e que foi discriminadamente identificada nas presentes alegações;
11.  Ignorou também o depoimento da requerida nas partes transcritas acima de minutos 1.50, 6.15, 10.00 e de CC com início de transcrição ao minuto 1:53, em que confirma-se o alegado pelo requerente, de que demonstrou a sua oposição ao batizado.
12.  Devendo assim dar como provado os factos não provados de a) e b) da douta sentença em reparo.
13.  Como ignorou o Tribunal, no mesmo depoimento da requerida de minutos 23.50, 31.14, 32.30 acima transcritos, onde confirma ter inscrito o menor sabendo de antemão a oposição do requerente na catequese, e sem o informar;
14.  Tal qual o depoimento do Requerente e de Patrícia Gonçalves (gravações transcritas respetivamente a 1.33 e minutos 3.43 supra transcritos);
15.  Deverá a sentença proferida ser substituída no facto não provado c), por uma que determine que a decisão da educação religiosa do menor foi tomada “às escondidas” do pai e dele culposamente omitida pela requerida do requerente até 2018 pelo menos, 2019 certamente;
16.  Por as mesmas declarações da requerida verbalizar que tinha conhecimento da ascendência judaica do requerente por meio de uma avó (cf. transcrição depoimento desta de minuto 27.54) deve o facto e) ser dado como provado.
17.  E assim condenando-se a requerida pelo incumprimento alegado e provado.
.18. Na reapreciação da matéria de facto o tribunal da Relação fazendo uso dos seus poderes de livre apreciação dos meios de prova, deve alterar o decidido pelo tribunal a quo quando verifique erro de julgamento.
19.  Impõem-se a verificação dos factos a), b) na parte em que tal oposição do requerente foi presenciada pelo menos pela requerida e pelo pároco por, além do alegado pelo requerente na sua P.I., das suas declarações, das declarações da aqui recorrida e de CC, todas transcritas, que o batizado na verdade realizou-se contra a vontade deste.
20.  Também o facto c) deve ser dado como provado face à prova documental junta e ao depoimento do requerente, da requerida e de Patrícia Gonçalves, de que o menor foi inscrito sem conhecimento/consentimento do Requerente.
21.  Sobre o facto do conhecimento de pelo menos antes do batizado, por parte da requerida, que o requerente é de ascendência judaica, deve também ser dado como provado o facto e) porquanto ficou gravado que a requerida tinha esse conhecimento na transcrição do seu depoimento supra a 127.º do presente impulso.
22.  Conforme mencionado e identificado supra, os factos incorretamente julgados são os que o ora recorrente considera que deveriam ter sido dados como provados, já que o tribunal a quo os ignora em absoluto;
23.  Com efeito, o tribunal ignorou a abundante prova que foi junta aos autos, de enorme relevância para o objeto da presente decisão, que ora se recorre, e que foi discriminadamente identificada nas presentes alegações;
24.  É dessa prova que resultam os pontos de facto que deveriam ter sido dados como provados e que foram discriminados supra e que se dão, neste segmento conclusivo, como integralmente reproduzidos.
25.  Toda esta prova que foi admitida por acordo, porquanto a ora recorrida não impugnou a documentação em que ela se encontra suportada, em concreto os emails juntos pelo requerente.
26.  Pelo que se encontram incorretamente julgados os factos não provados em a), b) c) e e), pelas razões expostas, e em especial por confirmado pela requerida em diversos momentos do seu depoimento que a inscrição na catequese não é algo consensual, assim como, que a mesma foi realizada unilateralmente, por tal facto omitir deliberadamente do aqui recorrente pai, devendo nesses precisos termos, declarar V. Exs. a presente sentença nula por violação do art. 615º, nº 1, c), 1ª parte do CPC.
27.  Tudo com vista à alteração da sentença por uma que não determine a decisão de doutrinar o menor na fé religiosa cristã, por entender-se ao abrigo de todo o normativo invocado violar o artigo 11.º n.º da Lei 16/2001 e o n.º 1 do 1885.º do Código Civil, entre outro acima plasmados;
28.  Entendendo-se assim não ser do superior interesse do menor verbalizar que “as pessoas devem acreditar em Jesus”, e por ter sido encaminhado para a fé cristã, uma vez tal opinião que limita a sua autodeterminação religiosa.
29.  Sendo uma questão de particular importância impunha-se outra sentença, sobre a matéria de facto provada por um lado, mas especialmente pela falta de certeza jurídica na decisão leviana de determinar a frequência do menor à catequese, uma que deixasse aos pais, ambos, a escolha da orientação do menor.
30.  O interesse do menor, ou melhor o prejuízo de não frequentar a catequese até pode escolher por si, nos termos da Lei, é nulo.
31.  Não tendo sido provado o sofrimento emocional de não frequentar a catequese, do outro lado existe um sofrimento emocional constante dos autos, em que o menor vive em sofrimento, pelas decisões unilaterais da mãe, não podia o Tribunal a quo decidir como o fez pela frequência de menor de 16 anos à catequese.
32.  E assim ser anulada a douta Sentença em reparo na construção de duas decisões prejudiciais, a de provar o incumprimento e a de deliberar sobre questão de particular importância, com o fundamento de um mal emocional não constante dos autos, caso o menor não continuasse a frequentar a catequese.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado procedente e provado e após a reanálise da prova testemunhal produzida e da apreciação crítica da prova junta aos autos à luz das mesmas testemunhas e conclusões; ser julgado a presente ação de incumprimento das responsabilidades parentais provada e procedente condenando-se a requerida pelo incumprimento da questão de vital importância que é a educação religiosa, e;
A) Ser a sentença recorrida revogada por falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, bem como a sua deficiência ou insuficiência, por violação do disposto no n.º 4 do art.° 607.° do CPC, sendo os presentes autos devolvidos a 1ainstância, a fim de que a matéria de facto e de Direito aí seja devidamente fundamentada (art.° 662.°, n.º 2, al. c) do CPC).
B) Devendo declarar V.exa. a presente sentença nula por violação do art. 615º, nº 1, c), 1ª parte do CPC, por notório erro de julgamento.
Fixando o superior interesse do menor, de acordo com a legalidade, face à oposição fundamentada do requerente, inexistência de prejuízo do menor em não continuar com a doutrinação religiosa do menor, por violação das invocadas leis nacionais e internacionais invocadas; atendendo-se, igualmente, ao superior interesse da menor e à sua liberdade de escolha após os 16 anos.
Em consequência ser a douta sentença revogada e substituída por outra que impeça a requerida de unilateralmente decidir a educação religiosa do menor e que a condene em multa face ao incumprimento por si perpetrado.»
*
Contra-alegou apenas o Ministério Público, concluindo pela improcedência da apelação.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso, v.g., abuso de direito.[2]
Nestes termos, as questões a decidir são as seguintes:
i. Nulidades da sentença (conclusões 1 a 10 e 26);
ii. Impugnação da decisão da matéria de facto (conclusões 11 a 25);
iii. Se o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar improcedentes os pedidos formulados (conclusões 27 a 32).
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A sentença sob recurso considerou como provada a seguinte factualidade:
1. EF nasceu no dia ... de 2010, tendo atualmente 12 anos de idade.
2. O menor EF é filho de AB (Requerente) e de CD (Requerida).
3. A criança EF foi batizada na Igreja de (...), no dia 28 de maio de 2011.
4. Os padrinhos de batismo do EF foram escolhidos pela progenitora Requerida.
5. No batizado do EF estiveram presentes o progenitor Requerente e a família paterna, a progenitora Requerida e a família materna do menor.
6. Os pais do menor EF, ora Requerente e Requerida, separaram-se em 2014.
7. Nos autos principais de regulação das responsabilidades parentais, por acordo dos progenitores homologado por sentença proferida em 06 de setembro de 2016, transitada em julgado, cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido, ficou determinado, além do mais, que:
«1. Fixa-se a residência do menor EF, com a mãe, CD.
2. O exercício das responsabilidades parentais relativas aos atos da vida corrente do filho será exercido nos seguintes termos:
2.1. Quando o filho está aos cuidados da mãe com quem reside habitualmente: pela mãe singularmente.
2.2. Quando o filho está ao cuidado do pai com quem se encontra temporariamente: pelo pai singularmente, sendo que este último, ao exercer as suas responsabilidades, não deve contrariar as orientações educativas mais relevantes definidas pela mãe, com quem o filho reside.
3. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os pais.
Definem-se como questões de particular importância, dependentes de decisão conjunta:
3.1. A alteração da residência do filho para o estrangeiro ou para fora da área metropolitana de Lisboa;
3.2. Os tratamentos e intervenções médicas e medicamentosas que possam causar perigo para a vida ou perigos graves ou definitivos na integridade física ou na saúde do filho, ressalvadas as situações urgentes em que cada um dos pais pode agir singularmente e comunicar ao outro logo que possível;
3.3. As intervenções estéticas lesivas da integridade física;
3.4. A captação de som e imagem divulgável em meios de comunicação social.(...)»
9. Em 8 de junho de 2022, na audição em Tribunal, o menor EF manifestou o desejo e a vontade de continuar a frequentar a catequese.
10. O menor EF encontra-se inscrito e frequenta a catequese desde 2017 e até, pelo menos, 8 de junho de 2022.
11. O menor gosta das atividades desenvolvidas na catequese, nomeadamente música, fichas de reflexão, atividades de solidariedade, cânticos, falando com entusiasmo sobre o que aprende.
12. No ano letivo 2021/ 2022, o EF frequentou o 6.º ano de escolaridade, na Escola (...)
13. O EF é descrito pela família como uma criança sensível, afetuosa, calma e comunicativa.
14. O progenitor Requerente declarou não concordar que o seu filho EF frequente a catequese.
*
Factos Não Provados:
Com relevo para a decisão final, não se provou que:
a) O menor EF foi batizado contra a vontade do aqui Requerente.
b) Tal oposição foi presenciada, entre outros pelo pároco JC que na altura transmitiu que batizaria o menor contra a vontade do pai.
c) Durante vários anos a progenitora escondeu do progenitor que o filho frequentava a catequese.
d) A progenitora tem instruído e manipulado o filho menor EF a mentir ao pai, sobre a frequência da educação religiosa cristã, e outras situações.
e) O progenitor Requerente é ateu, mas de descendência judaica, e tal facto é do conhecimento da progenitora Requerida.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Nulidades da sentença
Argui o apelante que a sentença é nula por falta de fundamentação quanto à frequência do menor na catequese ou, caso assim não se entenda, deverá concluir-se que a fundamentação é deficiente, devendo o processo ser devolvido à primeira instância a fim de que a matéria de facto seja devidamente fundamentada.
Mais sustenta que a sentença é nula por violação do Artigo 615º, nº1, al. c), porquanto foram, incorretamente, julgados não provados os factos enunciados sob a) a c) e e).
Apreciando.
Nos termos do Artigo 615º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil  , é nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Trata-se de um vício formal, em sentido lato, traduzido em error in procedendo ou erro de atividade que afeta a validade da sentença.
Ensinava a este propósito ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil  Anotado, V Volume, p. 140, que
«Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto.»[3]
Nas palavras precisas de Tomé Gomes, Da Sentença Cível, p. 39, «Assim, a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.»
       Conforme se refere de forma lapidar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26.4.95, Raul Mateus, CJ 1995 – II, p. 58, “ (...) no caso, no aresto em recurso, alinharam-se, de um lado, os fundamentos de facto, e, de outro lado, os fundamentos de direito, nos quais, e em conjunto se baseou a decisão. Isto é tão evidente que uma mera leitura, ainda que oblíqua, de tal acórdão logo mostra que assim é. Se bons, se maus esses fundamentos, isso é outra questão que nesta sede não tem qualquer espécie de relevância.” O mesmo Tribunal precisou que a nulidade da sentença por falta de fundamentação não se verifica quando apenas tenha havido uma justificação deficiente ou pouco persuasiva, antes se impondo, para a verificação da nulidade, a ausência de motivação que impossibilite o anúncio das razões que conduziram à decisão proferida a final (Acórdão de 15.12.2011, Pereira Rodrigues, 2/08). Só a absoluta falta de fundamentação – e não a sua insuficiência, mediocridade, ou erroneidade – integra a previsão da alínea b) do nº1 do Artigo 615º, cabendo o putativo desacerto da decisão no campo do erro de julgamento – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.6.2016, Fernanda Isabel Pereira, 781/11.[4] «O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade.»[5]
A simples discordância quanto ao decidido não integra fundamento de nulidade (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.9.2022, Ramalho Pinto, 7930/18). O regime das nulidades destina-se apenas a remover aspetos de ordem formal que inquinem a decisão, não sendo adequado para manifestar discordância e pugnar pela alteração do decidido (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.3.2022, Clara Sottomayor, 19655/15).
Não ocorre a apontada nulidade.
Com efeito, o tribunal a quo enunciou a factualidade provada sob 1 a 14 e na V Fundamentação de Direito explicitou o racional da decisão, designadamente nestes termos:
«Conforme supra expendido, o incumprimento do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais, apenas pode legitimar o recurso aos meios coercivos, e a condenação em multa e indemnização, previstos no artigo 41º, nº 1, do RGPTC, se for culposo por parte do faltoso, o que in casu, o progenitor Requerente não logrou demonstrar, como lhe competia (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).
Com efeito, resulta da factualidade provada e supra descrita, a participação do progenitor e da família paterna no batizado do menor em 2011, sendo que, que no acordo dos pais homologado por decisão judicial de 06 de setembro de 2016, os progenitores definiram expressamente as questões de particular importância dependentes de decisão de conjunta, nas quais não incluíram a frequência da catequese ou outra atividade religiosa.
Acresce que, o Requerente não logrou provar (como lhe incumbia) que o menor EF foi batizado contra a vontade do progenitor, que tal oposição foi presenciada, entre outros pelo pároco JC que na altura transmitiu que batizaria o menor contra a vontade do pai. Também não se demonstrou que, durante vários anos a progenitora escondeu do progenitor que o filho frequentava a catequese; tem instruído e manipulado o filho menor EF a mentir ao pai, sobre a frequência da educação religiosa cristã, e outras situações; o progenitor Requerente é ateu mas de descendência judaica, e tal facto é do conhecimento da progenitora Requerida.
Por outro lado, dos factos provados nos autos extrai-se que, neste momento, o superior interesse do menor desaconselha que o EF não frequente a catequese, o que sempre lhe causaria sofrimento emocional. Com efeito, a criança gosta das atividades desenvolvidas, na sua audição em Tribunal manifestou expressamente o desejo de continuar a frequentar a catequese, onde se encontra integrado desde 2017, pelo que, salvo melhor entendimento, afigura-se-nos que a vontade/ opinião do menor EF (que completará 13 anos de idade, no dia ... de 2023) corresponde ao seu superior interesse.
Do supra exposto resulta, de forma indubitável, não poder imputar-se à progenitora Requerida qualquer incumprimento culposo das obrigações decorrentes do regime em vigor de regulação do exercício das responsabilidades parentais, acordado pelos pais e homologado por sentença proferida em 06 de setembro de 2016, transitada em julgado.
Sempre se dirá, por último, que o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais não é o meio processual próprio para a pretensão do progenitor, relativa à não frequência pelo filho EF da catequese ou de outra catividade religiosa (vide artigo 44.º, do RGPTC).
Conclui-se, deste modo, que as pretensões do progenitor Requerente carecem de fundamento legal e, consequentemente, deverão necessariamente improceder.»
Da singela leitura deste excerto da sentença resulta que a mesma se encontra fundamentada de direito, não padecendo do vício formal da falta de fundamentação. Questão diversa é a de saber se o apelante concorda com tal fundamentação o que, mesmo não ocorrendo como é o caso, não gera de per si qualquer vício formal.
Por outro lado, o erro de julgamento de facto (alegado pelo apelante quanto a determinados factos julgados como não provados), mesmo a ocorrer, poderá dar azo a impugnação do julgamento da matéria de facto nos termos do Artigo 640º do Código de Processo Civil, mas não gera também qualquer nulidade (cf. supra).
Finalmente, sustenta o apelante que o processo deverá ser devolvido à primeira instância nos termos da a. c), do nº2, do Artigo 662º, no segmento atinente à deficiência, obscuridade ou contradição sobre determinados pontos da matéria de facto. Alega, para tanto, o apelante que:
«A decisão em apreço, ao fixar de forma global sem fundamentar de Direito, nem de forma clara a factualidade, a decisão de o menor continuar a frequentar a catequese, limitando-se a basear-se em factos nada científicos ou legais além do conhecimento do Tribunal, resulta numa falta de fundamentação da matéria de facto.»
O apelante incorre aqui numa confusão.
A falta de fundamentação a que se reporta o Artigo 662º, nº2, al. c), só poderá ser  a atinente a cada um dos factos que foi dado como provado no capítulo da sentença denominado IV – Fundamentação de Facto. Não é esse o vicio invocada pelo apelante. O que o apelante quer discutir, por discordar, é a fundamentação de direito da sentença no segmento em que considera que o menor deve continuar a frequentar a catequese. Aqui estamos em sede da discussão de mérito e não da fundamentação da matéria de facto.
Improcede a arguição de nulidades.
Impugnação da decisão da matéria de facto
O apelante pretende que os factos não provados sob a), b), c) e e) sejam revertidos para provados, indicando designadamente prova testemunhal para tal efeito.
Os factos em causa são os seguintes:
a)    O menor EF foi batizado contra a vontade do aqui Requerente.
b)    Tal oposição foi presenciada, entre outros pelo pároco JC que na altura transmitiu que batizaria o menor contra a vontade do pai.
c)    Durante vários anos a progenitora escondeu do progenitor que o filho frequentava a catequese.
e)    O progenitor Requerente é ateu, mas de descendência judaica, e tal facto é do conhecimento da progenitora Requerida.
Apreciando.
Este apenso F desenvolveu-se desde o início com uma natureza mista, havendo uma cumulação de pedidos típicos de dois processos especiais.
 Assim, o que o requerente peticionou ab initio foi que (i) a requerida seja condenada pelo incumprimento e (ii) que se determine que o menor não frequente qualquer educação religiosa, cristã ou outra. O primeiro pedido corresponde ao processo de incumprimento (Artigo 41º do RGPTC) e o segundo subsume-se ao incidente de falta de acordo dos pais em questões de particular importância (Artigo 44º do RGPTC).
A dedução destes dois pedidos é admissível, nos termos das disposições conjugadas dos Artigos 33º, nº1, do RGPTC, 555º, nº1, e 37º, nº2, do Código de Processo Civil . O processo desenvolveu-se sem sobressaltos nestes pressupostos.
Articulando os dois pedidos, é patente que o pedido principal é o atinente ao incidente de falta de acordo dos pais em questões de particular importância porquanto, só mediante a demonstração fáctica e jurídica deste, é que colhe sentido o consequencial pedido de declaração e condenação da progenitora por incumprimento.
Assim sendo, a factualidade que o apelante pretende que seja revertida de não provada para provada não é essencial nem condicionante da procedência do incidente (misto). Com efeito, já constitui facto provado que o requerente/apelante não concorda com a frequência da catequese pelo filho (facto 14). Tanto basta para efeitos da apreciação de mérito. A qualificação dessa discordância como mais ou menos intensa e/ou mais ou menos antiga, não releva diretamente para a decisão final de mérito. Tanto mais que os progenitores não autonomizaram no acordo das responsabilidades parentais (de 6.9.2016) a questão da educação religiosa da criança como integrando expressamente uma questão de particular importância. O que, desde logo, não é consentâneo com a tese do apelante de que a sua oposição já remonta à data do batismo, onde o mesmo esteve presente…
O direito à impugnação da decisão de facto não subsiste a se mas assume um caráter instrumental face à decisão de mérito do pleito. Deste modo, por força dos princípios da utilidade, economia e celeridade processual, o Tribunal ad quem não deve reapreciar a matéria de facto quando o(s) facto(s) concreto(s) objeto da impugnação for insuscetível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação e às diversas soluções plausíveis de direito, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma atividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente.[6] Dito de outra forma, o princípio da limitação dos atos, consagrado no Artigo 130º do Código de Processo Civil,  deve ser observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.5.2017, Isabel Pereira, 4111/13.
Termos em que, nos termos explicitados e por força destes princípios, não se apreciará a impugnação da decisão da matéria de facto.
Se o Tribunal a quo fez errónea interpretação e aplicação do direito ao julgar improcedentes os pedidos formulados
No anterior acórdão proferido por este Tribunal da Relação (9.11.2021), foi decidido que a questão atinente à educação religiosa da criança constitui uma questão de particular importância (fls. 188-198), ocorrendo caso julgado formal (Artigo 620º do Código de Processo Civil ).
Nos termos do Artigo 1906º, nº1, do Código Civil, as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio.
Em caso de desacordo dos progenitores quanto a uma questão de particular importância, pode qualquer deles requerer ao tribunal a resolução do diferendo (Artigo 44º, nº1, do RGPTC).
Nos termos do Artigo 1886º do Código Civil, «Pertence aos pais decidir sobre a educação religiosa dos filhos menores de dezasseis anos».
Por sua vez, o Artigo 11º da Lei nº 16/2001 (Lei da Liberdade Religiosa), de 22.6, dispõe que:
1 - Os pais têm o direito de educação dos filhos em coerência com as próprias convicções em matéria religiosa, no respeito da integridade moral e física dos filhos e sem prejuízo da saúde destes.
2 - Os menores, a partir dos 16 anos de idade, têm o direito de realizar por si as escolhas relativas a liberdade de consciência, de religião e de culto.
Estes dois diplomas não esgotam as disposições legais vigentes entre nós e com relevância para o caso.
Assim, nos termos do Artigo 14º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças (vigente em Portugal desde 21.10.1990):
1 - Os Estados Partes respeitam o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de  religião.
2 - Os Estados Partes respeitam os direitos e deveres dos pais e, sendo caso disso, dos representantes legais, de orientar a criança no exercício deste direito, de forma compatível com o desenvolvimento das suas capacidades.
3 - A liberdade de manifestar a sua religião ou as suas convicções só pode ser objeto de restrições previstas na lei e que se mostrem necessárias à proteção da segurança, da ordem e da saúde públicas, ou da moral e das liberdades e direitos fundamentais de outrem.
Nos termos do Artigo 9º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos:
1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou coletivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.
2. A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou coletivamente, não pode ser objeto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à proteção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem.
Nos termos do Artigo 2º do Primeiro Protocolo:
A ninguém pode ser negado o direito à instrução. O Estado,  no exercício das funções que tem de assumir no campo da  educação e do ensino, respeitará o direito dos pais a assegurar aquela educação e ensino consoante as suas convicções religiosas e filosóficas.
Procurando densificar estes regimes, haverá que aquilatar o seguinte.
Da conjugação dos Artigo 1886º do Código Civil com o Artigo 11º da Lei da Liberdade Religiosa resulta que os progenitores podem interferir na educação religiosa do filho até aos 16 anos, idade a partir da qual ocorre a maioridade religiosa(capacidade autónoma de exercício), podendo o jovem decidir que religião professar ou não professar qualquer religião.
Refere Margarida Silva Pereira, Direito da Família, 4ª ed., AAFDL, p. 833:
«A globalização vem originando um muito expressivo incremento de casamentos multiculturais. Isso coloca a questão, complexa, de saber como educar religiosamente uma criança nestas circunstâncias: os pais professam religiões diferentes, que determinam profissões de fé, rituais e culturas religiosas diversas. Sem dúvida que cada um dos progenitores deverá transmitir as suas convicções à criança. Todavia, caso a criança recuse essa prática ou a mesma se torne lesiva para si, a liberdade em questão deverá cessar.
A prática pode revelar-se nociva, não apenas em razão da religião, do acesso à saúde ou acesso à educação, como no que respeita à igualdade de oportunidades. Entendemos que uma religião que vede o acesso ao ensino ou à emancipação das crianças femininas contraria pilares do Estado de Direito.»
Analisando a questão em Espanha, sob um quadro legal muito similar ao nosso (com exceção de norma a estabelecer a maioridade religiosa), afirma Beatriz Souto Galván, “El derecho de los padres a educar a sus hijos conforme a sus propias convicciones en la jurisprudencia del tribunal europeo de derechos humanos”, in Revista Europea de Derechos Fundamentales, Nº 17, 2011, pp. 250-251:
«As convicções ideológicas em que os pais decidam formar os seus filhos devem respeitar, como dizíamos, o mínimo ético constitucional e não lesar, de modo algum, o direito à educação do menor nem a sua liberdade de crença. Isto determina que no caso de se colocar um conflito de interesses entre o interesse do menor e as convicções dos seus pais, os poderes públicos intervirão em defesa do primeiro. / Já neste sentido se afirmou que “a Constituição Espanhola de 1978 concebeu o direito dos pais na escolha da formação filosófica e moral para os seus filhos, que esteja de acordo com as próprias convicções, como uma faculdade-função ao serviço do direito a uma educação democrática em liberdade. / Ao direito à educação democrática em liberdade fixa-se como limite a própria liberdade de crença dos menores. O Tribunal Constitucional espanhol afirmou, neste sentido, que frente à liberdade de crença dos progenitores e do seu direito a fazer proselitismo das mesmas perante as filhos, “levanta-se como limite, além da intangibilidade da integridade moral destes, aquela mesma liberdade de crença que assiste aos menores de idade, manifestada no seu direito a não partilhar as convicções dos seus pais ou a não sofrer os seus atos de proselitismo, ou, mais simplesmente, a manter crenças diversas das dos seus pais, máxime quando estas possam afetar negativamente o seu desenvolvimento pessoal. As liberdade e direitos de uns e outros, ocorrendo conflito, deverão ser ponderadas tendo sempre em conta o “interesse superior” dos menores de idade.”»
No que tange à jurisprudência do TEDH, acompanhando a síntese de Beatriz Souto Galván, Op. Cit., pp. 253-254 :
«O TEDH, na sua interpretação do Artigo 2º do Protocolo nº1, enunciou os seguintes princípios gerais:
a) O direito à educação dos menores e o direito dos seus pais a assegurar essa educação conforme as suas convicções filosóficas e religiosas, têm de interpretar-se não só à luz uma da outra, mas também, especialmente, `a luz dos artigos 8, 9 e 10 da CEDH que garantem, respetivamente, o direito ao respeito da vida privada e familiar, a liberdade de pensamento, de consciência e de religião e a liberdade de expressão.
b) É sobre o direito fundamental à instrução que assenta o direito dos pais a respeito das suas convicções filosóficas e religiosas.
c) A finalidade deste preceito não é apenas exclusivamente a de garantir a liberdade de ensino, mas também, sobretudo, a de assegurar no ensino púbico o respeito das convicções religiosas e filosóficas dos pais. A segunda frase do artigo 2º tende, em suma, a proteger a possibilidade de um pluralismo educativo, essencial na preservação da “sociedade democrática”.
(…)
d) O respeito pelas convicções religiosas dos pais e das crenças dos filhos implica o direito a crer numa religião ou a não crer em religião alguma. Tanto a liberdade de crer como a liberdade de não crer estão protegidas pelo artigo 9º da Convenção. O dever de neutralidade e imparcialidade do Estado é incompatível com qualquer faculdade de apreciação por parte deste quanto à legitimidade das convicções ou as suas modalidades de expressão. No contexto do ensino, a neutralidade deverá garantir o pluralismo.
(…)
As afirmações anteriores levam o Tribunal à conclusão seguinte: o direito à educação, à liberdade de crença, o direito ao respeito da vida privada e familiar e o espírito geral da Convenção Europeia dos Direitos Humanos,  destinado a proteger e promover os valores de uma sociedade democrática vedam ao Estado a possibilidade de doutrinar no âmbito educativo mas também supõem um limite para os pais, que enquanto garantes do direito à educação e à liberdade de crença dos seus filhos, devem permitir que estes recebam informação e ensino necessário não só para alcançar um determinado nível de conhecimento mas também para alcançar o objetivo da educação, isto, “o desenvolvimento e a formação de carácter e o espírito dos alunos, assim como a sua autonomia pessoal”».
No que tange à interpretação do Artigo 14º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças, conforme se ressalta em Manual de legislação europeia sobre os Direitos da Criança, 2015, p. 40:
«No quadro do direito internacional, o artigo 14.º, n.º 2, da CDC, exige que os Estados Partes respeitem os direitos e deveres dos pais de orientar a criança, no exercício do seu direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, de forma compatível com o desenvolvimento das suas capacidades. Por conseguinte e ao contrário do artigo 14.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Fundamentais da UE, a CDC concentra-se no exercício da liberdade da própria criança. A CDC estabelece que os pais têm o direito de guiar e orientar os filhos não em consonância com as suas próprias convicções, mas sim em conformidade com as convicções dos filhos. A redação do artigo 14.º, n.º 2, da CDC está em sintonia com a conceção geral de responsabilidades parentais que nela é preconizada: as responsabilidades parentais devem ser exercidas de uma forma compatível com o desenvolvimento das capacidades da criança (artigo 5.º da CDC), e com base no interesse superior da criança (artigo 18.º, n.º 1, da CDC)» (sublinhado nosso).
Ainda a propósito desta Convenção, afirma Alessandro Palma,  “Libertà religiosa del minore e responsabilità genitoriale nella dialettica del rapporto educativo familiare” Salvis Juribus:
«A crescente atenção reservada, ao longo dos anos, à infância conduziu à qualificação dos menores como indivíduos portadores de direitos subjetivos, perfeitos e autênticos, por isso acionáveis de modo autónomo. Deste modo, o conceito de sujeito que precisa de ajuda, de especial proteção e de orientação idónea foi integrado por uma inédita consideração da sua essência de pessoa: de indivíduo à procura da sua própria identidade, cuja riqueza individual é respeitada e potenciada pelo acolhimento obrigatório das suas ideias e do seu desenvolvimento de uma específica personalidade.
(…)
A referência do artigo 14º ao direito-dever de os progenitores guiarem a criança no exercício do direito à liberdade religiosa de modo a consentir o desenvolvimento da sua capacidade, implica a necessidade de permitir-lhe a participação, de modo progressivo, em tal exercício, a fim de que possa adquirir a gradual capacidade de assunção da responsabilidade. Além do mais, se se negasse ao menor a possibilidade de optar por uma fé religiosa da sua preferência, não em virtude de uma incapacidade mas só pelo facto de não ter atingido a maioridade, causar-se-ia uma disparidade de tratamento de todo incompatível, seja com o princípio da igualdade, seja com a ratio legis, ou seja com os objetivos que o legislador quis prosseguir.»
Cotejando o Artigo 14º, nº2, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças com o nosso Artigo 1886º do Código Civil, divisa-se uma antinomia entre as normas (ambas vigentes no nosso ordenamento) porquanto o Código Civil parece remeter integralmente para os pais as opções sobre a educação religiosa dos filhos, enquanto a Convenção prioriza as convicções dos filhos. E, de facto, a formação dos filhos no que tange à (in)existência de crenças religiosas (e consequente desiderato do seu exercício) não começa no dia em que perfazem 16 anos, mas muito antes ao longo de todo o processo educativo em que se engloba a vida em comunidade. Cremos que a única forma de articular os dois normativos vigentes no nosso ordenamento será o de empoderar a voz e opções do filho com idade inferior a 16 anos no que tange à formulação de convicção quanto à (in)existência de crença religiosa.
O ordenamento jurídico no seu todo (com normas internas e outras de proveniência internacional) tutela a criança como um sujeito em crescimento, tendo os pais que atender progressivamente à individualidade da criança, a qual se expressa também na (in)existência de convicções religiosas, sendo a criança, em última instância, sujeito ativo do seu desenvolvimento e maturação da sua personalidade. Isto não significa que tal desenvolvimento da personalidade da criança seja alheio a valores e a limites: serão sempre de repelir opções religiosas que possam fazer perigar a integridade física  e moral do próprio e/ou de outros e os valores ínsitos à vida em sociedade (cf. Artigos 1º, 24º, 25º, 26º, 27º da Constituição, designadamente).
Volvendo ao caso em apreço, temos que o progenitor entende que o filho não deve frequentar a catequese católica. Por sua vez, a progenitora tem um entendimento totalmente oposto, tendo inscrito o menor na catequese, desde 2017, sendo essa uma forma de lhe transmitir as suas convicções religiosas.
Tendo a criança nascido em ..., perante tal dissídio paternal quanto a uma questão de particular importância, cabe ao Tribunal decidir.
Consoante se viu supra, sobretudo em decorrência da Convenção das Nações Unidas, há que escutar com atenção a voz da criança quanto a tal matéria. O menor foi ouvido e expressou gostar das atividades desenvolvidas na catequese, nomeadamente música, fichas de reflexão, atividades de solidariedade, cânticos, falando com entusiasmo sobre o que aprende (facto 11).
Da factualidade provada não resulta, de forma alguma, que a convicção religiosa transmitida pela progenitora ao filho e, sobretudo da sua vivência, que tal convicção religiosa seja lesiva para a criança, possa afetar negativamente o seu desenvolvimento pessoal e/ou a formação da sua personalidade, ou coloque em perigo outros valores da vida em sociedade, nomeadamente direitos fundamentais de outrem, segurança ou ordem públicas.
A alusão que o apelante faz aos abusos sexuais na Igreja Portuguesa (art. 47º das alegações: São mais conhecidos os benefícios da doutrinação religiosa em geral e católica em específico, como situações de recuperação de vícios nefastos ou correção de pensamentos desajustados, mas é agora de conhecimento público, as cerca de cinco mil vítimas de abusos sexuais em Portugal documentados, e confirmação do desaparecimento de alguns desses processo do seio das autoridades da Igreja Católica) só colheria o mínimo de seriedade se estivesse indiciada a ocorrência de qualquer caso de abuso sexual na concreta comunidade religiosa frequentada pela criança, não estando isso sequer alegado.
Flui de todo o exposto que inexistem razões provadas, objetivas e relevantes, que impeçam a criança de assumir a convicção religiosa que lhe foi transmitida pela progenitora, apesar de não ter atingido ainda a maioridade religiosa. Cabe ao progenitor respeitar essa opção da criança, salvo se demonstrar concretamente que tal convicção comporta perigo para a criança, para o desenvolvimento da sua personalidade e/ou vida em sociedade, não sendo esse o caso.
Termos em que, sendo desnecessárias outras considerações, deverá ser julgada improcedente a apelação.
A fundamentação autónoma da condenação em custas só se tornará necessária se existir controvérsia no processo a esse propósito (cf. art. 154º, nº1, do Código de Processo Civil; Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs. 303/2010, de 14.7.2010, Vítor Gomes, e 708/2013, de 15.10.2013, Maria João Antunes).

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 16.5.2023
Luís Filipe Sousa
José Capacete
Carlos Oliveira
_______________________________________________________
[1] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, 7ª ed., 2022, p. 186.
[2] Abrantes Geraldes, Op. Cit., pp. 139-140.
Neste sentido, cf. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13, de 10.12.2015, Melo Lima, 677/12, de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, de 17.11.2016, Ana Luísa Geraldes, 861/13, de 22.2.2017, Ribeiro Cardoso, 1519/15, de 25.10.2018, Hélder Almeida, 3788/14, de 18.3.2021, Oliveira Abreu, 214/18, de 15.12.2022, Graça Trigo, 125/20. O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas sob pena de violação do contraditório e do direito de defesa da parte contrária (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2014, Fonseca Ramos, 971/12).
[3] No mesmo sentido, vejam-se Acórdão da Relação de Coimbra de 14.4.93, Ruy Varela, BMJ nº 426, p. 541, Acórdão da Relação do Porto de 6.1.94, António Velho, CJ 1994- I, p. 197, Acórdão da Relação de Évora de 22.5.97, Laura Leonardo, CJ 1997-II, p. 266, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.2004, Oliveira Barros, acessível em www.dgsi.pt/jstj , RODRIGUES BASTOS,  Notas ao Código de Processo Civil  , III Vol., LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil  Anotado, II Vol., 2001, p. 669.
[4] No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.5.2015, Granja da Fonseca, 460/11, de 10.5.2016, João Camilo, 852/13, de 20.11.2019, Oliveira Abreu, 62/07, de 9.9.2020, Júlio Gomes, 1533.17, ECLI, de 10.5.2021, Henrique Araújo, 3701/18, de 16.11.2022, Júlio Gomes, 1060/19.
[5] Luís Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, p. 116.
[6] Cf.: Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 24.4.2012, Beça Pereira, 219/10, de 14.1.2014, Henrique Antunes, 6628/10, de 27.5.2014, Moreira do Carmo, 1024/12; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 3.10.2019, Paulo Reis, 582/17; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 23.1.2020, Tomé Gomes, ECLI:PT:STJ:2020:4172.16.4T8FNC.L1.S1., de 24.9.2020, Graça Trigo, 127.16, ECLI, de 19.5.2021, Júlio Gomes, 1429/18, de 14.7.2021, Fernando Baptista, 65/18, de 25.10.2022, Lima Gonçalves, 721/18; Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 14.7.2020, Rita Romeira, 1429/18, de 12.4.2021, Eusébio Almeida, 6775/19; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27.10.2022, Castelo Branco, 7241/18.