Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
17/10.7TTBRR.L1-4
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: VIDEOVIGILÂNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: Tendo-se apurado que o visionamento das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância, autorizadas pela CNPD, serviu apenas para a entidade empregadora confirmar a actuação ilícita do trabalhador que foi atentatória da finalidade de protecção de pessoas e bens, e não para o controle do seu desempenho profissional, é lícito o seu tratamento como meio de prova no âmbito do processo disciplinar e judicial.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

A (…), moveu de acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, contra:
B – Cash & Carry, S.A., (…),

Esta motivou o despedimento, alegando, em síntese, que o autor foi despedido com justa causa dado ter entregue a terceiros bens propriedade da entidade empregadora, sem autorização desta, e requereu a declaração da licitude do despedimento.

O Trabalhador/autor apresentou contestação/reconvenção, onde invoca a nulidade de um dos meios de prova utilizados no processo disciplinar (vídeo vigilância), excepciona a caducidade do procedimento disciplinar de parte dos factos constantes da decisão disciplinar, e impugna os factos que lhe são imputados. Alega ainda que, na data do despedimento, ficaram por pagar parte da retribuição das férias vencidas em 2009 e a retribuição e subsídios de férias e de Natal proporcionais ao trabalho prestado em 2009 e que se venceriam em 2010.
Com tais fundamentos, requereu a declaração da ilicitude do despedimento e a condenação da R. a reintegrá-lo no posto de trabalho ou a pagar-lhe indemnização em substituição da reintegração e a pagar-lhe o valor das retribuições devidas desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, bem como a quantia de € 2.037,32, correspondente aos créditos laborais não pagos, quantias estas acrescidas de juros de mora, contados desde a citação até integral pagamento.

Foi proferido despacho saneador, em que se julgou improcedente a excepção de caducidade do procedimento disciplinar (fls.91) e foram organizados a matéria assente e a base instrutória.

Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: Nestes termos, julgo improcedente, por não provados, os pedidos formulados pelo A., em consequência, absolvo a R. dos pedidos

O autor, inconformado, interpôs recurso, tendo, nas conclusões das suas alegações, suscitado as seguintes questões:
I. Contradição entre a prova produzida e sentença proferida, impugnando para o efeito a matéria de facto.
II. Invalidade do procedimento disciplinar por nele ter sido utilizada, indevidamente, a gravação através de câmaras de videovigilância
III. Caducidade do procedimento disciplinar por terem decorrido mais de 60 dias entre a prática de cada um dos factos que lhe são imputados e o início do processo disciplinar.

Nas contra-alegações a ré pugna pela confirmação do decidido.

O Exmº Procurador-geral- adjunto apôs seu visto.

Colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir

I. Tal como resulta das conclusões do recurso interposto, as questões suscitadas são relativas à impugnação da matéria de facto, à caducidade do procedimento disciplinar, e à invalidade do procedimento disciplinar, por alegada obtenção ilegal de provas através das câmaras de videovigilância.

II. Fundamentos de facto
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. A entidade patronal, através da sua loja do Barreiro, estabeleceu um acordo com o Sr. C, (…), nos termos do qual aquela venderia a este as caixas de plástico pretas, nas quais a entidade patronal recebe legumes. (A)
2. Nos termos de tal acordo a entidade patronal cobra ao referido C €0,40 (quarenta cêntimos) por cada caixa de plástico, as quais são recolhidas às segundas-feiras, numa carrinha enviada pelo mesmo e conduzida pela sua filha D. (B)
3. Após as caixas serem carregadas, o trabalhador A, aqui A., ou o Encarregado de Armazém E, comunica para o escritório o número de caixas carregadas, de modo a ser emitida a respectiva guia de transporte. (C)
4. Tendo por base a quantidade de caixas carregadas e comunicadas, bem como o preço acordado, as caixas são pagas na caixa/recepção da loja da entidade patronal. (D)
5. No mês de Março de 2009, o trabalhador, aqui A., carregou para a carrinha de C caixas pretas. (E)
6. O Sr. E efectuou para a carrinha do Sr. C os seguintes carregamentos:
a) no dia 6 de Abril carregou cerca de 10 paletes brancas;
b) no dia 13 de Abril carregou cerca de 11 paletes brancas;
c) no dia 11 de Maio carregou cerca de 9 paletes brancas;
d) no dia 25 de Maio carregou cerca de 10 paletes brancas;
e) no dia 01 de Junho carregou cerca de 5 paletes brancas;
f) no dia 22 de Junho carregou cerca de 9 paletes brancas;
g) no dia 13 de Julho carregou cerca de 12 paletes brancas;
h) no dia 20 de Julho carregou cerca de 8 paletes brancas;
i) no dia 27 de Julho carregou cerca de 6 paletes brancas. (F)
O A. efectuou para a carrinha do Sr. C os seguintes carregamentos:
a) no dia 23 de Março carregou cerca de 15 paletes brancas;
d) no dia 20 de Abril carregou cerca de 7 paletes brancas;
i) no dia 29 de Junho carregou cerca de 10 paletes brancas;
n) no dia 24 de Agosto carregou cerca de 14 paletes brancas. (G)
7. Os carregamentos a que aludem as alínea F) e G) dos factos assentes foram efectuados de comum acordo com E. (1.º)
8. Normalmente, o carregamento das paletes brancas era feito por aquele que estivesse a carregar as caixas pretas. (2.º)
9. Os carregamentos a que alude a alínea F) dos factos assentes foram efectuados de comum acordo com o A.. (3.º)
10. O carregamento de paletes brancas não era comunicado a ninguém e a quantidade de paletes carregadas não constava da guia de transporte. (4.º)
11. Inexistindo autorização para a venda dessas paletes. (5.º)
12. Essas paletes brancas pertencem à entidade patronal e são utilizadas, quer para entregar a fornecedores, que quando entregam em paletes solicitam a devolução de igual número de paletes, quer para expor ou guardar mercadoria na loja. (6.º)
13. Cada uma dessas paletes tem um custo aproximado de €3,00 a €4,00. (7.º)
14. As paletes brancas a que aludem as alíneas F) e G), não foram contabilizadas, nem pagas. (H)
15. Nos dias 23 de Março, 6 de Abril, 13 de Abril, 20 de Abril, 11 de Maio, 25 de Maio, 01 de Junho, 22 de Junho, 29 de Junho, 13 de Julho, 20 de Julho, 27 de Julho e 24 de Agosto, apenas foram pagas as caixas de plástico pretas. (I)
16. No dia 13 de Julho, foi ainda carregada para a carrinha do Sr. C com uma palete cheia de caixas sortidas, entre as quais se encontravam caixas amarelas e laranjas. (J)
17. O carregamento a que alude a alínea J) dos factos assentes foi efectuado de comum acordo com o A.. (8.º)
18. As caixas amarelas e laranjas a que alude a alínea J) dos factos assentes são caixas “Pingo Doce”. (9.º)
19. Caixas estas que têm de ser devolvidas ao armazém central. (10.º)
20. A entrega dessas caixas não estava autorizada, sendo que as mesmas têm de ser devolvidas ao Pingo Doce. (11.º)
21. A entrega e/ou venda das placas a que alude a alínea J) dos factos assentes não estava autorizada, sendo que as mesmas são guardadas para serem utilizadas pela entidade patronal. (13.º)
22. No dia 29 de Junho, a carrinha do Sr. C foi carregada pelo Réu com duas paletes chep, uma com cerca de 20 placas de platex e a outra com cerca de 50 caixas de platex, as quais não foram pagas por C. (L)
23. O A. causou à entidade patronal um prejuízo não inferior a € 378,00. (14.º)
24. O A. permitiu que o Sr. C fizesse suas as paletes, placas e caixas. (15.º)
25. A entidade patronal iniciou a gravação desses carregamentos, através das câmaras de vídeo vigilância existentes na loja e autorizadas pela autorização nº 721/2007 da Comissão Nacional de Protecção de Dados para protecção de pessoas e bens. (M)
26. Do recibo de remunerações constante de folhas 84, devidamente assinado pelo punho do Réu, e referente ao mês de Novembro de 2009, consta que a título de “subsídio de Natal” lhe foi paga a quantia de €622,59. (N)
27. Do recibo de remunerações constante de folhas 85, devidamente assinado pelo punho do Réu, e referente ao mês de Dezembro de 2009, consta que a título de “proporcionais de subsidio de férias” lhe foi paga a quantia de €570,71 correspondente a 11 dias, a título de “férias N gozadas A. Actual” lhe foi paga a quantia de €339,59 correspondente a 12 dias e a título de “proporcionais férias não gozadas” a quantia de €570,71. (O)
28. O Réu iniciou o seu contrato de trabalho com a Ré em 15 de Dezembro de 2003 e à data do despedimento auferia mensalmente a quantia de €622,59 de vencimento base. (P)
29. Em 18 de Setembro de 2009, a entidade patronal teve conhecimento da participação disciplinar elaborada contra o trabalhador e decidiu instaurar-lhe o competente processo disciplinar. (Q)
30. No dia 17 de Setembro de 2009, foi o trabalhador suspenso preventivamente sem perda de retribuição. (R)
31. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 09 de Outubro de 2009, a entidade patronal comunicou e entregou ao trabalhador a nota de culpa elaborada no âmbito do processo disciplinar. (S)
32. O trabalhador respondeu à nota de culpa. (T)
33. Por decisão proferida em 03 de Dezembro de 2009 no âmbito do processo disciplinar foi aplicada ao trabalhador a sanção disciplinar de despedimento com justa causa sem indemnização ou compensação e qual foi notificada ao trabalhador em 07 de Dezembro de 2009. (U)

III. Fundamentos de direito

Impugnação da matéria de facto
Importa começar por sublinhar que, no nosso ordenamento jurídico vigora, o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art.º655 do CPC), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido.
Assim sendo, o tribunal da 2ª instância ao reapreciar a prova não tem de procurar uma nova convicção mas preocupar-se em saber se a convicção expressa pelo tribunal da 1ª instância tem suporte razoável nos elementos de prova constantes do processo. A este propósito – julgamento da matéria de facto – ver Ac. do Tribunal. Constitucional, de 3.10.2001, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 51°., págs. 206 e SS.: e no mesmo sentido, AC. STJ, de 13.03.2003, www.stj.pt);
Mas, além das mencionadas razões subjacentes às limitações à alteração à matéria de facto, existem regras processuais que importa observar quando se pretende impugnar a matéria de facto.
Assim, o art.º685-B do CPC, estatui:
1 - Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 – No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no n.º2 do artigo 522º- C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Ora, o recorrente, de um forma vaga e genérica, fez várias considerações sobre a forma como o tribunal apreciou diversos pontos da matéria de facto, mas fê-lo sem a concretização dos factos a alterar, requerendo genericamente que este tribunal faça a reapreciação da prova, E, ainda que se tenha referido a 3 testemunhos, (…) e ao depoimento do Sr. C, que sustentariam a alteração, não indica as passagens da gravação em que fundamenta as suas alegações, nem faz qualquer transcrição daquelas partes que considera mais relevantes. Deste modo, a recorrente não especifica ou concretiza qual a alteração pretendida aos factos provados, nem os depoimentos em que se funda, por referência ao assinalado na acta de julgamento, nos termos do n.º2 do art. 522-C do CPC, o que implica uma liminar rejeição da apreciação da impugnação à matéria de facto, nos termos do dispositivo acima referido.
Em suma: não tendo o recorrente indicado quais as concretas alterações à matéria de facto pretendidas, nem a concretização dos meios de prova que a sustentam, a sua reapreciação, por força da disposição mencionada, é liminarmente inadmissível.
Improcede assim este fundamento do recurso.

Na 2ª questão, o recorrente invoca a caducidade da acção disciplinar quanto a alguns dos factos praticados, alegando que na data em que foi notificado do processo disciplinar, a 17 de Setembro de 2009, já havia decorrido o prazo de 60 dias sobre a prática da maior parte das infracções.
Importa pois apreciar a presente questão que foi devidamente conhecida no despacho saneador.
Dos autos resultou apurado que os actos cuja prática é imputada ao trabalhador ocorreram de modo sistemático entre Abril e Agosto de 2009, (facton.º6).
Assim o que resulta provado não é a existência de actos isolados e sem qualquer relação entre si, mas pelo contrário a prática reiterada e continuada de uma mesma conduta, pelo que estamos perante a prática de um ilícito continuado e perpetuado no tempo. Ora, perante situações de ilícitos continuados, o prazo de caducidade do procedimento disciplinar deverá contar-se, como decorre de jurisprudência uniforme, do último acto praticado.
Deste modo, resultando demonstrado que o último acto de que há registo, se encontra datado de 24 de Agosto de 2009, e que os factos chegaram ao conhecimento da entidade disciplinarmente competente na estrutura da recorrida em 18 de Setembro e que em 9 de Outubro de 2009 foi a data do envio da nota de culpa, concluímos que não decorreu o alegado prazo de 60 dias, a que alude o nº2 do art.º329 do CT, pelo que não se verifica a caducidade invocada pelo recorrente que é assim manifestamente improcedente.

Importa agora apreciar a 3ª questão suscitada, relativa à admissibilidade da prova, para efeitos disciplinares, obtida por meio das câmaras de videovigilância.
Na sentença recorrida foi entendido ser válida a prova, no âmbito disciplinar, obtida com o recurso à gravação por câmaras videovigilância, em virtude de se ter apurado que a sua instalação tinha como fim exclusivo a segurança de pessoas e bens em termos genéricos, e tinha sido autorizada pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD).
O recorrente, contrariamente, entende que o procedimento disciplinar é nulo em face da percepção das infracções disciplinares decorrerem da observância de imagens de videovigilância, por esta constituir uma gravação ilegal do desempenho da sua actividade profissional, e violar o princípio constitucional do direito à reserva da vida privada.
Vejamos se lhe assiste razão
A questão em apreço enquadra-se na problemática dos direitos de personalidade, sendo certo que o Código de Trabalho de 2003 incluiu, pela primeira vez na lei laboral, preceitos que respeitam aos direitos de personalidade, tanto do empregador, como do trabalhador (art.ºs15 a 21), reforçando a noção de que a pessoa é simultaneamente cidadão e trabalhador ou empregador, mantendo-se intactos os seus direitos como cidadão a que não renuncia pelo contrato de trabalho, ou seja, “a cidadania não fica à porta da empresa” nas expressivas palavra de Juan Escribano Gutierrez, citado pelo Professor Júlio Gomes, no seu “Manuel de Direito do Trabalho” Vol. I, no capítulo sobre os direitos de personalidade, págs. 265 a 384, páginas que, concentrando inúmeras referências ao direito comparado, nos serviram de reflexão, ver ainda, de Guilherme Machado Dray, “Direitos de Personalidade”, com especial relevo na parte relativa ao Código do Trabalho, Almedina 2006, pág. 61 e sgts.
Por outro lado, o desenvolvimento, da informática, a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, o incremento da utilização de técnicas de captação e armazenamento de imagens, e de dados pessoais, tornaram-se no mundo laboral uma constante, justificando igualmente a inserção dos direitos de personalidade na legislação laboral. E embora compreenda um regime especial, na medida em que procura adaptar-se às especificidades próprias do direito do trabalho, não pode ser visto como um regime autónomo ou independente da tutela constitucional ou civil dos direitos de personalidade, face à harmonia e unidade de todo o sistema jurídico.
Esta inserção configura assim uma visão mais actual porque mais integradora, em que os direitos de personalidade, designadamente, do trabalhador, não constituem limites aos poderes do empregador, antes resultam de uma correcta compreensão da execução do contrato de trabalho de acordo com a boa-fé dos contraentes, o que implica o respeito pela personalidade e pela individualidade da contraparte, com a sua vida privada e pessoal, a sua liberdade de expressão, a sua integridade física e moral.
Importa, contudo, realçar que os direitos fundamentais do trabalhador encontrarão naturais limitações decorrentes dos interesses da empresa e da coexistência e eventual confronto com os direitos fundamentais dos demais trabalhadores e do próprio empregador, devendo as restrições a levar a cabo nesse confronto ser adequadas, proporcionais e fundamentadas. Nessas circunstâncias importa ponderar os direitos fundamentais, tanto os direitos individuais do trabalhador, como os bens patrimoniais do empregador, como o bem comum no sentido da protecção da saúde e da segurança de terceiros; sendo que em matéria de direito de personalidade, somente, os direitos à integridade moral e física das pessoas são direitos absolutos – art.º25 da Constituição.
Mais, concretamente, sobre os meios de vigilância a distância no local de trabalho, dispõe o art.º20 do CT/2009, que:
“1- O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2 – A utilização do equipamento identificado no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
3 – Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo.”
Estatui, ainda, o artigo 21º do mesmo diploma, sobre a autorização da utilização de meios de vigilância a distância, a conceder pela Comissão Nacional de Protecção de Dados.
A proibição constante do n.º1 do art.º20 insere-se assim no entendimento de que o uso das tecnologias de vigilância no local de trabalho constitui uma violação da dignidade humana por ser invasora da vida privada dos trabalhadores, como foi assinalado pela OIT.
No entanto, o seu nº 2 veio admitir a utilização dos meios de vigilância a distancia em duas situações: sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens; ou sempre que particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem.
No caso, a sentença recorrida entendeu que é de aplicar a primeira daquelas situações excepcionais, porque foi com esse fim que a CNPD concedeu a autorização para a utilização deste meio, cf. deliberação junta a fls. 10 a 13 do processo disciplinar em anexo – facto n.º25.
A questão que se coloca então é a de saber se a utilização deste meio de vigilância a distância, autorizada para a prossecução da protecção e segurança de pessoas e bens, pode servir como meio de prova em processo disciplinar e judicial, na medida em que indirectamente é susceptível de controlar o desempenho profissional do trabalhador. Questão que tem tido alguma controvérsia na doutrina e jurisprudência.
Um dos acórdãos mais citados sobre o uso de câmaras de videovigilância no local de trabalho, o Acórdão do STJ de 8.02.2006 (relator, Fernandes Cadilha), disponível em www.dgsi. concluiu:
“ - A instalação de sistemas de videovigilância nos locais de trabalho envolve a restrição do direito de reserva da vida privada e apenas poderá mostrar-se justificada quando for necessária à prossecução de interesses legítimos e dentro dos limites definidos pelo princípio da proporcionalidade.
- O empregador pode utilizar meios de vigilância à distância sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens, devendo entender-se, contudo, que essa possibilidade se circunscreve a locais abertos ao público ou a espaços de acesso a pessoas estranhas à empresa, em que exista um razoável risco de ocorrência de delitos contra as pessoas ou contra o património.
- Por outro lado, essa utilização deverá traduzir-se numa forma de vigilância genérica, destinada a detectar factos, situações ou acontecimentos incidentais, e não numa vigilância directamente dirigida aos postos de trabalho ou ao campo de acção dos trabalhadores.”
Neste acórdão apreciava-se se era, ou não, lícito à empresa recorrida manter em funcionamento as câmaras de filmar/vídeo que tinha instalado no seu armazém de produtos farmacêuticos, ou se essa instalação violava de modo inadmissível os direitos de personalidade dos trabalhadores que aí laboram, mormente na perspectiva da protecção do direito à reserva da intimidade da vida privada e do direito à imagem. E, contrariando deliberação da CNPD que nesse caso havia autorizado a empresa recorrida a instalar um circuito de videovigilância para proteger a segurança dos bens da empresa, o acórdão, fazendo um apelo aos limites definidos pelo princípio da proporcionalidade, decidiu condenar a ré a retirar as câmaras de vídeo do local designado como armazém, onde os trabalhadores desempenhavam a sua actividade laboral por considerar ilícita, por violação do direito de reserva da vida privada, a captação de imagem através de câmaras de vídeo instaladas no local de trabalho e direccionadas para os trabalhadores, de tal modo que a actividade laboral se encontre sujeita a uma contínua e permanente observação.
No acórdão fez-se um enquadramento legal geral, e sustentou-se nos princípios gerais contemplados no art.º5 n.º1 c) da Lei nº 67/98 de 26.10 (Lei da Protecção de Dados Pessoais), bem como na deliberação n.º61/2004 (www.cnpd.pt) da Comissão Nacional de Protecção de Dados, que explicitou os critérios gerais a adoptar na autorização de instalação de sistemas de videovigilância, onde concluiu que “…em cada caso concreto, e de acordo com os princípios acabados de enunciar, a CNPD deverá limitar ou condicionar a utilização de sistemas de videovigilância quando a utilização destes meios se apresentem como excessivos e desproporcionados aos fins pretendidos e tenham consequências gravosas para os cidadãos visados”.
Todavia, a questão que se coloca, no caso presente, não tem que ver com a autorização da instalação das câmaras de videovigilância, que foi concedida pela CNPD e que o recorrente não põe em causa, mas, apenas, a de saber se as gravações captadas por aquele meio de videovigilância podem ser utilizadas como meio de prova num processo disciplinar e no processo judicial.
No sentido negativo se tem pronunciado alguma jurisprudência, designadamente nos acórdãos do STJ de 14.05.2008, da Relação de Lisboa de 19.11.2008, da Relação do Porto de 9.05.2011, todos disponíveis em www.dgsi, embora, nestes casos não tenha havia autorização da CNPD para a colocação das câmaras de videovigilância. Mas no acórdão da Relação de Lisboa de 3.05.2006, (relatora, Isabel Tapadinhas), foi entendido que mesmo autorizada a videovigilância “ela não só não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da actividade profissional do trabalhador, como não pode, por maioria de razão, ser utilizado como meio de prova em sede de procedimento disciplinar citando para o efeito, Guilherme Dray “Justa causa e esfera privada”, “Estudos do Instituto de Direito do Trabalho”, vol. II, Almedina, 2001, págs. 81 a 86 e Isabel Alexandre “Provas Ilícitas em Processo Civil”, Almedina, 1988, págs. 233 e segs.)
Mais recentemente, em sentido contrário, no acórdão da Relação de Évora de 9.11.2010, (relator, Gonçalves Rocha), que analisou com detalhe esta questão, com a análise da jurisprudência e doutrina, e para o qual se remete como fonte de reflexão na apreciação do caso em apreço, concluiu que: “A limitação constante do nº 1 do art.º20 do CT/2003, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida.” Neste sentido admitiu o visionamento do DVD com as imagens, contendo actuação duma trabalhadora eventualmente atentatória da protecção e segurança de bens vendidos no estabelecimento da empresa onde trabalhava.
Deste modo, importa tomarmos posição face às diferentes decisões jurisprudenciais.
No caso em apreço, resultou provado que, através de uma deliberação da CNPD, foi autorizada recolha de imagens através da instalação de câmaras de videovigilância em diversas zonas das instalações da recorrida, com a finalidade da protecção de pessoas e bens, (fls. 9 a 13 do processo disciplinar); e que a infracção disciplinar imputada ao recorrente consistiu em desvios de bens da propriedade da entidade empregadora.
O ilícito imputado ao autor – desvio de paletes propriedade da ré com que o autor lidava diariamente na sua actividade profissional – configura um ilícito de natureza disciplinar laboral, violação do dever de lealdade – ao abrigo da f) do n.º1 do art.º128 do CT, mas, também, de natureza penal – passível de integrar um crime contra o património.
Ora, relativamente ao apuramento desta última infracção seria lícita a utilização das imagens captadas por videovigilância, tal como resulta da própria autorização da CNPD (fls.11 do processo disciplinar). Assim, importa saber se as mesmas imagens poderão ser utilizadas para efeitos disciplinares laborais, dado que indirectamente controlam o desempenho profissional do trabalhador, que não é permitido pelo n.º1 do artº20 do CT.
Resultou ainda apurado que a utilização da gravação de videovigilância, visava a prossecução de interesses legítimos da entidade empregadora, protecção e segurança de pessoas e bens, pelo que a recolha de imagens não se destinava a avaliar as capacidades profissionais do trabalhador, antes tendo uma finalidade genérica, a prossecução da protecção de pessoas e bens.
Por outro lado, as imagens de videovigilância foram utilizadas dentro de certos limites, pois não são o único meio de prova utilizado no processo disciplinar, existe prova testemunhal e documental, e não consta do processo disciplinar o seu visionamento, mas, apenas, que ele foi efectuado pelas testemunhas ouvidas, assim como não foram visionadas em audiência de julgamento.
Assim sendo, afigura-se-nos lícito o visionamento das imagens captadas com actuação do trabalhador, que tinha conhecimento da videovigilância, por se destinar ao apuramento de uma infracção disciplinar que põe em causa a propriedade de bens da entidade empregadora, recolhidos no âmbito de uma videovigilância autorizada e instituída com a finalidade genérica de protecção e segurança das pessoa e bens, atento ao principio da proporcionalidade entre os interesses da entidade empregadora, no caso, a preservação dos seus bens, e o direito do trabalhador a que o seu desempenho profissional não possa ser captado por imagens de controlo a distância, dado que foi a sua própria actuação que pôs em causa a segurança dos bens da entidade empregadora, com os quais o autor lidava diariamente, tendo a sua conduta sido atentatória das finalidades que a instalação da videovigilância visava defender, e como se refere no acórdão da Relação de Évora, supra-citado, estranho seria que a videovigilância, instalada e utilizada para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender.
Assim, e ainda que a captação e visionamento das imagens em causa possa constituir uma intromissão na vida privada do trabalhador e desse modo configurar uma violação do direito fundamental à reserva da intimidade da vida privada, justifica-se a sua ponderação perante a violação cometida pelo mesmo trabalhador, atentatória da segurança dos bens da entidade empregadora, pois o seu visionamento serviu apenas à confirmação da actuação do trabalhador, sendo certo, como acima se referiu, que os direitos fundamentais do trabalhador encontrarão naturais limitações decorrentes dos interesses da empresa e da coexistência e eventual confronto com os direitos fundamentais dos demais trabalhadores e do próprio empregador.
Deste modo, concluímos que o visionamento das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância, autorizadas pela CNPD, serviu apenas para a entidade empregadora confirmar a actuação ilícita do trabalhador, atentatória da finalidade de protecção de pessoas e bens, e não para o controle do seu desempenho profissional, sendo assim lícito o seu visionamento como meio de prova no âmbito do processo disciplinar e judicial.
Improcede igualmente este fundamento do recurso

IV. Decisão
Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente

Lisboa, 16 de Novembro de 2011.

Paula Sá Fernandes
Maria João Romba
José Feteira
Decisão Texto Integral: