Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
586/12.7PBSCR-A.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: MANDADO DE DETENÇÃO
FALTA DO ARGUIDO
FALTAS INJUSTIFICADAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: Tendo a Arguida faltado injustificadamente a diligência para a qual se encontrava regularmente notificada, é admissível a emissão de mandados de detenção para assegurar a sua comparência na referida diligência, ainda que a mesma deva ser perante Órgãos de Polícia Criminal com competência delegada.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

No Tribunal Judicial de St.ª Cruz, por despacho de 28/05/2013, constante de fls. 5, nestes autos em que é Arg.[1] XXX, com os restantes sinais dos autos (cf. fls. 3), foi indeferida a promovida, pelo MP, emissão de mandados de detenção para assegurar a comparência da Arg. perante entidade policial, por se entender que é legalmente inadmissível, nos termos do disposto no art.º 254º/1-b) do CPP.

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Não se conformando, o Exm.º Magistrado do MP[2] interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 8/12, alegando, em suma que a emissão de tais mandados é imprescindível, porque uma das diligências que se pretende efectuar é o reconhecimento da Arg. e os serviços do MP não dispõem de instalações adequadas, e legalmente admissível.
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A Arg. não respondeu recurso.

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A Exm.ª Juíza sustentou a decisão, nos termos de fls. 16.

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Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 20/21 em suma, acompanhando a posição do MP na 1ª instância e pronunciando-se pela procedência do recurso.

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É pacífica a jurisprudência do STJ[3] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[4].

Da leitura dessas conclusões, tendo em conta as de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que a única questão fundamental a apreciar no presente recurso é a de saber se é admissível a emissão de mandados de detenção para comparência em diligência processual a realizar por OPC[5], em quem o MP tenha delegado a sua realização, em caso de falta injustificada de pessoa regularmente notificada para o efeito.

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Cumpre decidir.

Tendo a Arg. faltado injustificadamente a diligência para a qual se encontrava regularmente notificada, como foi o caso, é admissível a emissão de mandados de detenção para assegurar a sua comparência na referida diligência, ainda que a mesma deva ser perante OPC com competência delegada.

É o que resulta directamente da conjugação das normas dos art.ºs 273º/1/4 e 116º/2 do CPP, como afirma a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer.

Não desconhecemos a jurisprudência em contrário[6], mas não concordamos com ela.

Na verdade, a limitação prevista no art.º 254º do CPP (para assegurar a presença … perante autoridade judiciária…) não se aplica à detenção para comparência perante OPC, mas, tão-só aos art.ºs seguintes, isto é, à detenção, em flagrante delito ou fora dele, para aplicação ou execução de medida de coacção ou para julgamento sumário.

Por outro lado, essa limitação iria tirar agilidade ao inquérito e tornar ainda mais lenta a justiça, sendo que neste caso a pessoa detida o é pelo tempo estritamente necessário para efectuar a diligência (art.º 116º/2 do CPP) e estão previstos outros casos em que as pessoas podem ficar detidas por mais tempo, com mandado emitido pelos OPC (art.º 254º/1-a)/2 do CPP).

Como exemplo dos empecilhos que criaria no âmbito do inquérito, basta imaginarmos um caso em que o MP de Lisboa pede um reconhecimento de um suspeito à PJ[7]: se o suspeito faltasse injustificadamente, o mandado de detenção seria para comparência no DIAP[8]? E como faria, depois, o MP para levar o suspeito à PJ? Ou faria um reconhecimento nas instalações do DIAP, que não tem condições e, depois, o reconhecimento seria provavelmente considerado inválido, por falta de cumprimento dos requisitos legais?

Não cremos que tenha estado na mente do legislador a propiciação deste tipo de situações.

Além disso, não vemos que a emissão de mandados de detenção para assegurar a comparência de alguém, injustificadamente faltoso, em diligência a realizar em instalações de OPC ponha em causa, de forma intolerável e injustificável, qualquer direito fundamental.

É, pois, procedente o recurso.

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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos provido o recurso e, consequentemente, revogamos o despacho recorrido e determinamos a sua substituição por outro que ordene a passagem dos promovidos mandados de detenção.
Sem custas.

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Notifique.

D.N..

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Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).

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Lisboa, 16/01/2014

(Abrunhosa de Carvalho)

(Maria do Carmo Ferreira)

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[1] Arguido/a/s.
[2] Ministério Público.
[3] Supremo Tribunal de Justiça.
[4] Cf. Ac. do STJ de 19/10/1995, in DR 1ª Série A, de 12/28/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no art.º 410.º/2 CPP.
[5] Órgão de Polícia Criminal.
[6] Nesse sentido, ver o acórdão da RL de 13/01/2000, Relatado por José Abel Silveira Ventura, no proc. 7068/99, in JusNet 302/2000, com o seguinte sumário: “Apenas é permitida a detenção de uma pessoa por um prazo de vinte e quatro horas, quando se torna necessário assegurar a sua presença imediata perante autoridade judiciária e já não perante uma autoridade policial, ainda que esta se encontre a agir com delegação de poderes da autoridade judiciária.”. Deste acórdão consta a seguinte informação: “No mesmo sentido o Acórdão de 3 de Fevereiro de 2000, no recurso 7723/99, subscrito pelos Desembargadores Drs. Gomes da Silva, Margarida Blasco e Margarida Vieira de Almeida.”.
[7] Polícia Judiciária.
[8] Departamento de Investigação e Acção Penal.