Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7070/19.6T8SNT.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: PROCESSO DE REVITALIZAÇÃO
INSOLVÊNCIA
EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/09/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: Não enferma de qualquer vício a decisão judicial que, perante certidão que dá conta do trânsito em julgado de sentença proferida em processo de insolvência, e tendo os trabalhadores reclamado aí os seus créditos, seguindo o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 8/5/2013 (publicado no DR 1ª Série de 25.02.2014), declara extinta a instância em processo de despedimento coletivo por impossibilidade superveniente da lide.
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Autores (adiante, por comodidade, designados abreviadamente por AA.) e recorrentes: AAA,BBB,CCC, DDD,EEE, FFF,GGG
Ré (adiante designados por R.): HHH, S.A.
Nesta ação de impugnação do despedimento coletivo que os AA. movem contra a R., o Tribunal proferiu em 06-06-2019 a seguinte decisão:
Como resulta da certidão agora junta pela Ré, por sentença transitada em julgado a 29/05/2019, a mesma foi declarada insolvente
Com a presente ação pretende os Autores pretendem a condenação da Ré no pagamento de determinadas quantias pecuniárias.
Contudo a declaração de insolvência acarreta a inutilização superveniente da instância declarativa.
Isto porque do disposto no artigo 85º e 128º do C.I.R.E., uns dos efeitos da declaração de insolvência é a impossibilidade de contra a falida serem intentadas novas ações executivas, bem como o não prosseguimento das execuções já intentadas.
Por outro lado, nos termos do mesmo diploma (artigo 47º) os credores têm que reclamar os seus créditos no processo de falência, mesmo que estejam reconhecidos por sentença definitiva, ou através de apensação de ação pendente.
Para além disso, a declaração de insolvência implica para a sociedade insolvente a sua dissolução e, consequentemente, a perda da sua personalidade jurídica e judiciária.
Assim, estamos face a uma impossibilidade superveniente da lide, uma vez que o efeito pretendido pelos Autores na presente ação já aqui não pode ser alcançado, passando o mesmo a estar sujeito às regras do processo de insolvência.
Ver neste sentido o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 8/5/2013, Proc. Nº 170/08.0TTALM.1S1 (publicado no DR 1ª Série de 25.02.2014), que fixa o seguinte entendimento:
“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do C.P.C
Em face do exposto, ao abrigo do disposto no artigo 277º do C.P.C., julga-se extinta a presente instância, por impossibilidade superveniente da lide.
Custas a cargo do Autores e Ré, na proporção de metade (artigo 536º nº 1 e 2, e) do C.P.C.
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Inconformados, os AA. recorreram desta decisão, concluindo:
(…)
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A R. contra-alegou, mas sem formular conclusões.
O DM do MºPº pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso. Os recorrentes responderam ao parecer.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objeto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil: 
Se a decisão recorrida é nula em por (i) falta de fundamentação, (ii) excesso de pronúncia ou outra;
Se há nulidade do processado por violação do principio do contraditório
Qual a relevância que o recurso relativo ao PER pode ter nestes autos
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Factos provados: os descritos no relatório.
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Das nulidades
(…)
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Para os recorrentes a decisão não motiva de facto e de direito onde foi buscar que os AA. pretendem a condenação da R. no pagamento de quantias pecuniárias (al. j.).
Também aqui manifestamente sem razão: onde é que a decisão havia de ir para descobrir o que pretendem os AA. neste processo? A pergunta é retórica, Já que que ninguém no foro ignora que aquilo que as partes pretendem nos autos consta no petitório dos respetivos articulados juntos aos autos.
Mas os recorrentes defendem que o que pretendem não são créditos laborais mas o reconhecimento, ao concluírem (qqqq) que pretendem “nomeadamente, a obtenção da declaração de ilicitude do despedimento coletivo e não o pedido de condenação da Ré no pagamento de determinadas quantias pecuniárias”, e que por isso a ação não é como “qualquer ação declarativa de cobrança de créditos laborais ou de execução para pagamento de quantias pecuniárias” (ssss).
Será, pois, uma espécie de ação meramente declarativa, destinada apenas a proclamar a ilicitude do despedimento, e sem quaisquer outros corolários, nomeadamente de cariz patrimonial.
Porém, os próprios recorrentes assumem adiante que (yyyy) “quer-se a obtenção da declaração de ilicitude a ser proferida pelo tribunal que julgar a causa; (zzzz) que depois terá as consequências e efeitos previstos nos artigos 389.º, 390.º e 391.º do Código do Trabalho”.
Ora, essas consequências são, evidentemente, patrimoniais, indemnizatórias (art.º 389/1/a e 391) e compensatórias (art.º 390, ambos do Código do Trabalho).
Destarte, a argumentação anterior dos requerentes é manifestamente improcedente, à luz daquilo que eles próprios reconhecem e bem: o despedimento ilícito tem consequências patrimoniais (que eles pretendem ver reconhecidas). Logo, a premissa de que os AA. pretendem a condenação da R. no pagamento de quantias pecuniárias está correta, não constituindo fundamento de qualquer censura e menos ainda de nulidade.
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Outro vício manifestamente inexistente é de que há nulidade por falta de fundamentação de direito, já que o acórdão uniformizador referido na decisão não é, na óptica dos recorrentes, aplicável: salta à vista que a decisão é fundamentada de direito, ainda que os recorrentes não concordem, ou de qualquer modo, não gostem da fundamentação.
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Da nulidade por adesão aos fundamentos invocados pela parte contrária.
Arguem os recorrentes o que entendem consubstanciar mera adesão aos fundamentos indicados pela parte contrária.
Vejamos. Primeiro importa notar que a fundamentação das decisões judiciais, constitucionalmente imposta (art.º 205, CRP), visa torná-las inteligíveis, em termos que permitam às partes e à comunidade jurídica compreender o iter de facto e de direito que conduziu à sua prolação.
Por isso, como resulta do n.º 2 do art.º 154 do Código de Processo Civil, o dever de fundamentação tem um conteúdo assimétrico, tanto podendo exigir uma motivação profunda em questões complexas e controvertidas, como uma explanação simples em questões elementares, óbvias, ou afastadas do núcleo da questão fundamental dos autos. A concisão da decisão, desde que rigorosa, não representa um vício mas uma virtude, sendo que a própria lei proíbe a prática de atos inúteis (art.º 130 do CPC) – como também das partes é de esperar um espirito de concisão e rigor, mormente em momentos como, por exemplo, nas conclusões das alegações de recurso, que servem para as sintetizar em proposições claras e simples.
A proibição da adesão aos fundamentos da parte visa antes do mais afastar motivações formais, do tipo “atentos os motivos e as razões invocadas”, que bem vistas as coisas nada dizem; bem como a mera reprodução do requerimento, que redunda igualmente num modo de a decisão omitir qualquer labor de afirmação dos factos e do direito.
Porém, é claro que não há uma motivação formal, mera remissão para os motivos invocados no requerimento.
E também não se vê que tenha sido de algum modo copiado o requerimento: primeiro, porque o despacho segue o modelo de uma decisão judicial sucinta, e não o tipo de um requerimento; depois, também os recorrentes não demonstram, como lhes compete, a existência de uma tal – e improvável – cópia.
Tanto quanto se vê o que está em causa é uma coisa diversa: a aceitação dos (ou de) argumentos deduzidos pela contraparte.
Isto não consubstancia qualquer vício, visto que nada impede o Tribunal de aceitar aquilo que entenda serem os melhores argumentos, venham eles de onde vierem.
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Do trânsito da decisão que decretou a insolvência da R.
Os recorrentes põem em, em sede de recurso – no requerimento endereçado à Srª Juiz do Tribunal a quo nada referem – o trânsito da sentença.
Tal é, de acordo com a decisão recorrida asseverado pela certidão junta aos autos.
Deviam, pois, ter impugnado a certidão perante o Tribunal a quo, em lugar de o fazer apenas em sede de recurso.
E porque é que é feita a alusão ao caso julgado?
Porque noutra ação – no processo especial de revitalização – foi interposto recurso (cfr. conc. zz).
Isto não obsta ao transito da sentença na insolvência.
Pelo que, sem necessidade de maiores considerandos, se tem por improcedente esta questão.
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Da (in)aplicabilidade do acórdão uniformizador
Pretendem os recorrentes que o acórdão uniformizador de 8/5/2013, Proc. Nº 170/08.0TTALM.1S1 (publicado no DR 1ª Série de 25.02.2014),invocado pela decisão recorrida, que fixou o seguinte entendimento:
“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art.º 287.º do C.P.C “
Vejamos.
O processo especial de revitalização destina-se a permitir à empresa que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja suscetível de recuperação, estabelecer negociações com os respetivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização (art.º 17.º-A, n.º 1, do CIRE).
Como decidiu a R. Coimbra, ac. de 07.03.2017, I - O processo especial de revitalização (PER) funciona como um processo pré-insolvencial (no sentido de preventivo de uma potencial insolvência), cuja grande vantagem é a possibilidade de o devedor obter um plano de recuperação sem ser declarado insolvente e através do qual se reserva aos credores um papel fundamental: o de consentirem (pelo menos momentaneamente) no sacrifício dos seus direitos para viabilizarem o PER ou, então, manterem-se irredutíveis. II - O PER reveste uma natureza essencialmente negocial e extrajudicial, imperando nele o primado da vontade dos credores, restando para o tribunal um papel residual. Mas ao tribunal sempre cabe sindicar a observância, como pressuposto do seu juízo sobre a homologação, da regularidade dos procedimentos subjacentes e da legalidade do conteúdo do plano.
O art.º 17-C, dispõe, por seu lado:
1 - O processo especial de revitalização inicia-se pela manifestação de vontade da empresa e de credor ou credores que, não estando especialmente relacionados com a empresa, sejam titulares, pelo menos, de 10 /prct. de créditos não subordinados, relacionados ao abrigo da alínea b) do n.º 3, por meio de declaração escrita, de encetarem negociações conducentes à revitalização daquela, por meio da aprovação de plano de recuperação.
2 - A declaração referida no número anterior deve ser assinada por todos os declarantes, da mesma constando a data da assinatura.
3 - A empresa apresenta no tribunal competente para declarar a sua insolvência requerimento comunicando a manifestação de vontade referida no n.º 1, acompanhado dos seguintes elementos:
(…)
4 - Recebido o requerimento referido no número anterior, o juiz nomeia de imediato, por despacho, administrador judicial provisório, aplicando-se o disposto nos artigos 32.º a 34.º com as devidas adaptações.
Nessa sequência, dispõe o art.º 17.°-E, n.º 1, do CIRE  que:
1 - A decisão a que se refere o n.º 4 do artigo 17.º-C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra a empresa e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto à empresa, as ações em curso com idêntica finalidade, extinguindo-se aquelas logo que seja aprovado e homologado plano de recuperação, salvo quando este preveja a sua continuação.
Tem-se discutido se as ações aludidas neste preceito são meramente as executivas ou também as declarativas, entendendo-se maioritariamente que são todas, incluindo as declarativas, em que se demande o pagamento de créditos, o que se nos afigura ser o correto, até face à natureza do processo especial de revitalização de empresa, supra referido (art.º 17-A, n.º 1). Esta nota permite entender a alusão feita na decisão recorrida às execuções, contra a qual os recorrentes se insurgem sem razão, já que não resulta de qualquer confusão entre a sua ação e uma executiva.
O Tribunal onde este processo especial corre adquire competência para conhecer todas as questões suscitadas em ações movidas por credores, por mais invulgares do ponto de vista civilístico que sejam (assim se decidiu da Relação de Guimarães que "o credor infortunístico" - i. é, o sinistrado - "não está dispensado de reclamar o crédito no processo de insolvência, até por causa do direito de sub-rogação, sendo que no PER a falta de reclamação não tem efeitos preclusivos" - acórdão de 26.5.15, relat. Antero Veiga).
O plano de revitalização, quando existe e seja homologado por sentença pode prever a continuação dos processos judiciais que identifique nos termos e para os efeitos do disposto no n°1 do artigo 17°-E do CIRE.
Os créditos dos recorrentes foram reclamados e reconhecidos em reclamação de créditos no processo de insolvência, afigurando-se incontornável a conclusão de que é aí que terão de ser pagos.
O acórdão de uniformização de jurisprudência citado colhe, pois, plena aplicação
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Pretendem os recorrentes que há nulidade por violação do contraditório.
Isto seria, note-se, nulidade processual e não da sentença, já que estaria em causa não um vício da decisão da tramitação e não da decisão. Com efeito, a violação do princípio do contraditório é suscetível de constituir uma nulidade secundária, ou relativa, nos termos previstos no art. 195.º n.º 1 do CPC, sempre que se demostrar que se a formalidade omitida tivesse sido observada, a decisão poderia ser diversa
No caso, porém, sem razão, pois os recorrentes, que compareceram no processo de insolvência, reclamando créditos no apenso respetivo, não ignoravam a prolação de sentença transitada. E tratando-se de uma questão de Direito, de conhecimento oficioso, que à data da propositura da execução já tinha sido apreciada pelos tribunais, havendo mesmo um acórdão de uniformização de jurisprudência do Supremo, não pode a decisão recorrida ser qualificada como uma “decisão-surpresa”; pelo contrário, surpreendente seria uma decisão diversa.
Ou seja, o contraditório aqui é irrelevante, pois, sempre seria expectável a prolação desta decisão não obstante a argumentação porventura diversa da parte.
Pelo que inexiste qualquer vício.
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Isto permite resolver outros pontos suscitados pelos recorrentes: não há excesso de conhecimento da decisão, que apenas conheceu aquilo que devia; nem há omissão de pronúncia, por falta de ponderação do PER, que não releva aqui (aliás, não se vê que mesmo um regresso a uma fase pré insolvência acarrete a perda dos direitos dos trabalhadores, já que também ao PER se aplicarão as normas que regem a reclamação de créditos na insolvência [neste sentido, parece, cfr. o acórdão. do Supremo Tribunal de Justiça de 21.5.14, in www.dgsi.pt: "IV. A unidade do sistema jurídico, impõe que as leis se interpretem umas às outras, o que no caso em apreço conduz à asserção de que não contendo as regras especificas relativas ao PER – constantes dos artigos 17º-A a 17º-I, qualquer dispositivo especifico de onde deflua quais os items a observar aquando da elaboração do «plano» e remetendo aquele normativo, para o Titulo IX, respeitante ao «Plano de Insolvência», embora se destacando o que preceituam os artigos 215º e 216º, igualmente insertos naquele Titulo, mas não descartando a aplicação de todos os outros que o enformam, parece não se poder concluir que as regras respeitantes àquele plano insolvencial não tenham aplicação no PER. V. Embora sejam realidades diversas, porque o Plano de Revitalização é uma demarche pré-insolvencial e o Plano de Insolvência, insere-se já neste processo declarativo, não se anulam quer na forma, quer na substância, nem obedecem a um critério pré-definido, porque as situações variam, resultando daquele artigo 195º do CIRE a enunciação dos elementos que o «plano» deverá conter, por forma a elucidar todos os intervenientes, com vista à sua aprovação e subsequente homologação pelo juiz"]); nem qualquer outro, nomeadamente relativo à natureza do processo de impugnação do despedimento coletivo, aliás quase ininteligível: a natureza deste processo não impede em nada a aplicação da doutrina do acórdão uniformizador referido, que encontra pelo campo de aplicação nestes casos.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga o recurso improcedente e confirma a decisão recorrida.
Custas do recurso pelos recorrentes.

Lisboa, 9.10.2019
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
(Votei vencida, porque considero que, face às dúvidas suscitadas no âmbito do presente recurso, deveria ser solicitada nova informação referente ao trânsito em julgado da sentença que decretou a insolvência).
Celina Nóbrega
Decisão Texto Integral: