Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
344/19.8T9MFR.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
ELEMENTOS SUBJECTIVOS
NULIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/31/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I- A decisão administrativa, deve obedecer a um limite apropriado no que concerne quer à descrição, que há-de ser concreta e precisa, dos factos praticados que objetivamente integrem a contraordenação em causa na sua vertente objetiva ou material, quer à natureza dolosa ou negligente da atuação a que aqueles factos se reconduzem na sua vertente subjetiva ou culposa;
II-Ou seja, a imputação de factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são  relevantes para caracterizarem o comportamento contra-ordenacional, incluindo as circunstâncias de tempo e de lugar, e deve, além disso, conter os elementos do tipo subjectivo do ilícito contra-ordenacional e tendo de conter os elementos mínimos exigíveis a uma acusação;
III- Estando em falta, na Decisão Administrativa, a narração de factualidade concretizadora do tipo subjetivo da contra-ordenação que é imputada ao arguido, esse hiato, à luz da jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º1/2015 de 27 de Janeiro (in DR, 1ª Série, nº 18, de 27 de Janeiro de 2015), não pode ser integrada em julgamento, ou neste caso no recurso de contraordenação interposto para o Tribunal de 1ª instância e logo na sua decisão final,  mesmo com recurso ao disposto no artº 358º do CPP;
IV-Por conseguinte, será seguro concluir que a decisão administrativa que foi exarada nos autos já era nula, porque omissa em factos concretizadores do tipo subjetivo contraordenacional imputado, e pela qual condenou, o Recorrente e não esquecendo aqui que neste tipo de processos, como atrás se exarou esta reveste a natureza de uma “ acusação”. E nula será a sentença recorrida que padece do vício atrás referido, pois “ acrescentou” entre o mais os elementos subjectivos que entendeu, e que omissos completamente estavam na decisão administrativa e nem sequer tendo procedido a qualquer comunicação ao abrigo quer do disposto no artigo 358º ou 359º do C.P.P.:
V-De facto na primeira omitiu-se a referência obrigatória no elenco dos no tocante aos elementos subjectivos, e na sentença ora recorrida , acrescentaram-se, sem mais, aqueles elementos subjectivos, e outros factos, diga-se, e a seu bel prazer, quando tal lhe estava claramente vedado, e nem sequer tendo feito qualquer comunicação nos termos do artigo 358º do C.P.P., a qual no entanto também não seria legalmente admissível ,  sendo questão que não pode ser revertida por qualquer outro modo legal, ou seja com a sanação de tal nulidade, sob pena de se ignorar o Ac de fixação de Jurisprudência 1/2015 e tendo como consequência a absolvição do arguido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.RELATÓRIO
Nos presentes autos de contraordenação provenientes do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, juízo Local Criminal de Mafra, o arguido AA…, com os demais estados nos autos, foi condenado através de sentença proferida a fls. 190 a 195 V, pelo Tribunal “ a quo” nos seguintes termos:
-Revogo parcialmente a decisão administrativa mantendo a condenação do recorrente AA… pela pratica da contra –ordenação prevista e punida pelos artigos 30 ,nº 1 e 2, e 37, nº 1 alínea f) e nº 2 , ambos do DL nº 104/2006, de 27 de Setembro, fixando-se a coima no montante de €1 000,00 (mil euros).
 Inconformado porém, com esta decisão proferida nestes autos, veio o arguido/recorrente, a saber, AA…, interpor recurso a folhas 198 V. até 207, da sentença que nestes autos foi proferida na 1ª instância, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, apresentando então as devidas conclusões:
CONCLUSÕES
1.Por decisão datada de 10 de Dezembro de 2018 proferida pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica foi o recorrente condenado pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 30.º n.s 1 e 2, 37.º n.º 1 aI. f) e n.º 2 aI. a), ambos do Decreto de Lei n.º 194/2006 de 27 de Setembro numa coima no montante de € 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta euros), tendo o recorrente apresentado impugnação judicial da contra-ordenação.
2.Porém por sentença datada de 13 de Junho de 2019 foi negado provimento ao recurso apresentado pelo recorrente, tendo sido condenado ao pagamento de uma coima de € 1.000,00 (mil euros).
3.Contudo, e salvo melhor opinião não pode o ora recorrente concordar com tal decisão pois a decisão administrativa enferma de uma nulidade e de um erro de direito, carecendo de direito e de facto, devendo ser a mesma revogada.
Nulidade por Insuficiência dos Factos dado como provados
4.Dos factos dados como provados não resulta que o recorrente tenha praticado os factos de que vem acusado, encontrando-se assim em falta o elemento objectivo do crime em causa.
5.Pois na análise dos mesmos era MM quem se encontrava a comercializar pés de videira soltos sem etiqueta individuais do produtor.
6.Tendo sido igualmente MM, e não o aqui recorrente, quem cortou as fitas que atavam os molhos das videiras para vender ao pé.
7.O ora recorrente não se encontrava no tempo e lugar da alegada prática dos factos, como se provou pelo testemunho de TT, inspectora da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica, que referiu não ter avistado o ora recorrente encontrando-se apenas MM a comercializar tais produtos.
8.Assim, o presente processo de contra-ordenação deveria ter sido dirigido a MM, e não ao aqui recorrente, pois os factos que dão origem aos mesmos são imputados a esta.
9.Não se encontrando preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime em causa, uma vez que o recorrente não se encontrava no dia e na hora dos factos a praticar o ilícito em causa, pelo contrário ficou provado que era MM quem se encontrava a comercializar o material de propagação de videira.
10.Perante isto, deve a decisão administrativa ser nula por dela não constar quaisquer factos integradores de culpa (dolo ou negligência) relativamente à imputação objectiva e subjectiva da materialidade que lhe é atribuída.
11.Pois não foi concretizada a actuação do recorrente, inexistindo um nexo causal dos factos imputados ao recorrente e da culpa deste.
12.Deverá assim o recorrente ser expressamente absolvido de tais factos em razão da inadmissibilidade impossibilitante de presunções de dolo, negligência, qualquer outro elemento volitivo ou de forma genérica, culpa!
13.Pois o recorrente não praticou a contra-ordenação de que foi acusado.
14.O recorrente não foi o autor da infracção que lhe foi imputado
15.O tribunal a quo incorreu num erro de direito.
16.A falta de requisitos da decisão administrativa constitui a nulidade prevista no artigo 379º n.º 1 aI. a) do CPP, ex vi artigo 41º n.º 1 do RGCO.
17.Enfermando a decisão administrativa de vícios que se traduzem numa nulidade, os efeitos desta são apenas os constantes do art.122º do CPP.
18.Assim, em obediência a este preceito, competia ao Tribunal declarar a nulidade da decisão recorrida e determinar o reenvio do processo para a autoridade administrativa para nova decisão, a fim de suprir as deficiências indicadas e deste modo respeitar cabalmente o disposto no artigo 58 º do RGCO.
19.Nestes termos deve a presente nulidade ser declarada e, por conseguinte, deve ser a presente decisão administrativa ser considerada nula por dela não constar quaisquer factos integradores de culpa, uma vez que não foi o recorrente quem praticou os factos de que vem acusado conforme se colhe dos factos dado como provados da douta decisão, devendo de igual forma ser a presente decisão judicial revogada e, por conseguinte, o recorrente ser absolvido.
20.A douta decisão enferma de igual forma de um erro de direito, se não vejamos
21.O artigo 30.º n.º 1 e 2 do Decreto de Lei n.º 194/2006 de 27 de Setembro estabelece que,
"Materiais vitícolas que podem ser comercializados
1 - Apenas podem ser comercializados no País os materiais vitícolas que cumpram, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Sejam certificados, nos termos do artigo 26.º, como:
i) Material inicial, material base e material certificado, no caso de os materiais vitícolas se destinarem a ser utilizados como porta-enxertos;
ii) Material inicial, material base, material certificado e material standard, no caso dos materiais vitícolas que se destinam à produção de plantas ou partes de plantas de variedades para produção de uva;
b) Pertençam às variedades inscritas, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º;
c) Cumpram os requisitos previstos na legislação fitossanitária referida no artigo 27.º
2 - Os materiais vitícolas em comercialização devem satisfazer os requisitos previstos no presente decreto-lei, nomeadamente os que respeitam ao seu transporte, acondicionamento, identificação e armazenamento."
22.Ora da análise do artigo 26.º do mesmo diploma legal verifica-se que ao longo do seu texto não existe qualquer menção à obrigatoriedade de certificação oficial de pés de videira individuais, mas sim a obrigatoriedade de certificação de molhos ou embalagens.
23.Do exposto verifica-se que houve uma errada interpretação da norma de direito e a sua respectiva valoração jurídica dos factos na aplicação ao caso concreto.
24.Estamos perante um erro jurídico grosseiro e uma errónea aplicação do direito visível, pois não existe qualquer fundamento legal para a presente contra-ordenação, uma vez que a norma não prevê a obrigatoriedade de certificação individual, não se verificando assim nenhum acto ilícito.
25.Devendo deste modo, a douta decisão ser revogada e, por conseguinte, o ora recorrente ser absolvido.
26.Sem prescindir do acima mencionado e caso V/Exas. entendam que existe um ilícito contra-ordenacional e o mesmo é imputado ao ora recorrente, entende o recorrente que o mesmo não pode ser condenado a título de dolo.
27.Pois a presente a sanção coima revela-se desajustada e desproporcionada para a gravidade do facto, com o que mostra violada a noção de JUSTiÇA.
28.No dia 08.11.2014 o recorrente adquiriu material de propagação vegetativo de videira em causa a VIVEIROS VITOLlVEIRINHA de NN pelo preço de € 286.20, tendo sido emitida a factura n.º 309.
29.Aquando da referida aquisição NN não forneceu ao recorrente as etiquetas de certificação do material adquirido ao recorrente, não obstante, garantiu ao recorrente que o se material se encontra(va) certificado, tendo mais uma vez o recorrente acreditado.
30.Não tendo a testemunha NN informado o recorrente que para vender os pés de videira à unidade que teria de colocar as etiquetas individuais certificadas.
31.O ora recorrente não sabia e nem tinha a obrigação de conhecer as condições legais de comercialização de materiais vitícolas.
32.O recorrente agiu em erro, uma vez que acreditava que sendo o material certificado, como o era vendido por produtor certificado, como o foi, tendo sido emitida a competente factura, o que realmente sucedeu, poderia apresentar as etiquetas depois.
33.A conduta do recorrente no máximo foi praticada a título de negligência, pois até ao momento da acção de fiscalização ele nunca teve consciência do desvalor jurídico dos seus actos, nem nunca os previu ou aceitou como uma consequência necessária da sua conduta.
34.E assim, desde logo, deve o recorrente ser absolvido dado que, nos termos do disposto no artigo 8.º do RGCO só é punível o facto praticado com dolo ou nos casos expressamente previstos na lei com negligência.
35.No caso em apreço o DL aplicável não prevê a punição do facto a título de negligência.
36.De facto, os fins ou motivos que determinaram os factos e sua prática não se coadunam com a resolução de cometimento de uma conduta ilícita, apresentando o recorrente uma boa preparação para manter uma conduta lícita, pelo que é possível formular um juízo de prognose favorável.
37.E conforme supra referido a aplicação de uma coima manifesta-se in casu claramente desproporcionada, atentas as especiais condições da actuação do recorrente
38.Deve assim tal sanção ser substituída por outra menos gravosa, que não seja apta a produzir repercussões nefastas na subsistência da impugnante, dado que os limites da coima em nada se coadunam a reduzida relevância económica da factualidade descrita na decisão.
39.Nestes termos deve a douta decisão que condena o recorrente ao pagamento de uma coima na quantia de € 1.000,00 (mil euros) ser revogada, anulando essa decisão e, por conseguinte, absolver o recorrente.
Prescrição do procedimento criminal
40.O Decreto de Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro estabelece no artigo 27.º a prescrição do procedimento criminal.
41.Face à moldura da coima (€ 2.000,00 a € 3.700,00) aplicável ao caso, o prazo de prescrição da contra-ordenação imputada ao recorrente seria de 1 ano.
42.Os artigos 27.º e 28.º do RGCO prevêem as situações em que a prescrição do procedimento se suspende ou interrompe, respetivamente, sendo certo que o n.? 3 do artigo 28.0 do RGCO, dispõe que "A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade."
43.Caso não se tivesse verificado qualquer motivo de interrupção e/ou suspensão, forçoso seria concluir que o procedimento contraordenacional ter-se-ia prescrito em 09 Novembro de 2015.
44.Ora os presentes autos remontam a 08.11.2014, tendo o ora recorrente sido notificado para exercer o seu direito de defesa nos termos do artigo 50.º do RGCOC em 09.07.2015.
45.O prazo de prescrição do procedimento por contraordenação vem a interromper-se com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima, o que se verificou, no caso dos autos, em 10.12.2018.
46.Durante esse período não ocorreu nenhum facto interruptivo, assim a prescrição do procedimento contraordenacional, na data em que foi proferida a decisão administrativa já havia ocorrido.
47.Devendo, em face do exposto, ser reconhecida e ser ordenado o oportuno arquivamento dos autos.
Sic, contando com o sempre mui douto suprimento de VI Exas., se apresenta recurso, em razão da injustiça subjacente ao doutamente decidido bem como disformidade jurídica, requerendo-se, a revogação do douto acórdão.
Assim decidindo farão, V/Exas acostumada JUSTiÇA!

O recurso foi admitido a fls. 209, observando-se todos os termos legais.
O ministério Público apresentou a sua resposta, muito sintética a folhas 213 e 213 V e seguintes, pugnando a final pela improcedência do recurso.
Neste Tribunal a Digna Procuradora-Geral Adjunta nele apôs o seu visto.
O processo seguiu os seus termos legais.

II.FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.
De notar que constituindo os presentes autos a natureza de contra-ordenação, não é possível o recurso da matéria de facto nos termos do artº 412º nº 3 e 4 do CPC.

As questões suscitadas e a apreciar no presente recurso reconduzem-se à pretensão do recorrente e de acordo com as conclusões ínsitas no recurso que são as seguintes:
-Nulidade da sentença por insuficiência dos factos dados como provados;
-Erro de direito por errada interpretação dos artigos 26º,  30º nº 1 e 2 do DL 194/2006 de 27 de Setembro, devendo o recorrente ser absolvido;
-Falta do elemento subjectivo da contra-ordenação imputada ao arguido, pelo que também por esta razão o mesmo deverá ser absolvido;
-Prescrição do procedimento contra-ordenacional;
-Dosimetria da coima aplicada.

Tem o seguinte teor a sentença recorrida:

I. RELATÓRIO

Por decisão datada de 10 de Dezembro de 2018 proferida pela AUTORIDADE DE SEGURANÇA ALIMENTAR E ECONÓMICA o recorrente AA, filho de ZZ e de XX, nascido a ……., natural de Miranda do Corvo, residente na Rua……., foi condenado pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 30.º, n.os 1 e 2, e 37.º, n.º1, alínea f), e n.º2, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 194/2006, de 27 de Setembro, numa coima no montante de €1.250.
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Inconformado com o teor da decisão da autoridade administrativa veio o recorrente apresentar impugnação judicial alegando para tanto e em síntese que é comerciante de material vitícola tendo adquirido o material apreendido a produtor certificado, o qual não forneceu as etiquetas de certificação do material, garantindo todavia que o produto se encontrava certificado e que iria entregar-lhe as etiquetas posteriormente durante a feira, no que o recorrente acreditou.
O recorrente, que acreditou que o produto era certificado e que poderia entregar as etiquetas posteriormente, actuou com erro.
Referiu ainda o recorrente que agiu com negligência por não ter consciência do desvalor jurídico dos seus actos, nunca os tendo previsto nem aceite como consequência necessária da sua conduta.
Conclui pugnando pela revogação da decisão administrativa ou, caso assim se não entenda, que seja aplicada pena de admoestação ou, caso assim se não entenda, que seja reduzido o montante da coima.
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Foi admitido o recurso de contra-ordenação e foi designada data para a realização da audiência de discussão e julgamento.
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A audiência de discussão e julgamento realizou-se na presença do recorrente e com observância do formalismo legal.
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O Tribunal é o competente para apreciar a impugnação judicial apresentada.
A impugnação judicial foi apresentada tempestivamente e por quem detinha legitimidade para esse efeito.
Não existem nulidades, excepções ou questões prévias de que cumpra conhecer e que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
1. FACTOS PROVADOS

Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento resultam demonstrados os seguintes factos com interesse para a decisão da causa:
A) AA é comerciante de material vitícola, adquirindo material de propagação vegetativo de videira a produtores autorizados.
B) Em 08/11/2014 AA adquiriu material de propagação vegetativo de videira à Viveiros Vitioliveirinha de NN, produtor certificado daquele tipo de material,  pelo montante de €286,20, tendo aquele emitido a factura n.º 309.
C) Aquando da referida compra e venda, NN não forneceu as etiquetas de certificação de material individuais referindo que a Viticert não lhas havia entregue, garantindo que o material era certificado.
D) No dia 11 de Dezembro de 2014, pelas 11H15, na Feira Semanal da Malveira, sita no Largo da Feira/Largo Marcelino Simões, Malveira, Mafra, MM, cônjuge de AA, encontrava-se a comercializar 100 unidades do material de propagação vegetativo de videira referido em B), no valor total de €100, fazendo-o no chão e para venda ao público, tendo AA levado o referido material para a feira para venda a clientes, sendo que num número não concretamente apurado de molhos  de material de propagação vegetativo de videira algumas das fitas originais de acondicionamento já se encontravam cortadas e espalhadas/soltas no chão ou junto aos molhos, tendo sido violadas, não apresentando as etiquetas de certificação oficiais apensas (adquiridas à competente DGAV), existindo ainda um número não concretamente apurado de molhos que não possuíam nenhuma etiqueta de certificação oficial.
E) O acondicionamento de material de propagação vegetativo de videira é efectuado pelo produtor/entidade autorizado por entidades oficiais, o qual identifica o material vitícola através de etiqueta de certificação oficial emitida pelo organismo competente no qual é referida, entre outros, a quantidade, sendo obrigatória a etiquetagem quer para molhos de material de propagação vegetativo quer para apenas uma unidade daquele material.
F) A ausência de rastreabilidade e/ou de etiqueta de certificação oficial assim como a violação do acondicionamento do material de propagação vitícola não permitem a respectiva comercialização.
G) AA agiu com intenção e vontade, consciente e livre, conhecendo e tendo obrigação de conhecer e de saber das condições legais de comercialização de materiais vitícolas, sabendo que ao actuar nos termos descritos agia contrariamente aos normativos que regem a sua actividade o que previu e aceitou, como consequência directa, necessária e possível da sua conduta, não se abstendo de a empreender e conformando-se com tal resultado antijurídico.
H) O material apreendido e referido em D) foi destruído.
I) O recorrente é agricultor e comerciante de produtos agrícolas, auferindo, semanalmente, quantia entre €100 e €200, sendo que o rendimento líquido do recorrente no ano de 2014 ascendeu a €12.671,80.
J) O recorrente é casado, sendo a esposa vendedora de produtos agrícolas.
K) O recorrente tem dois filhos, com 37 e 32 anos de idades, trabalhando o mais velho com o recorrente e a esposa e sendo o mais novo independente financeiramente.
L) O recorrente reside em habitação própria a qual se encontra integralmente paga.
M) O recorrente frequentou o sistema de ensino até ao 4.º ano de escolaridade, que não chegou a completar.
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2. FACTOS NÃO PROVADOS

1) Que AA exerça a actividade mencionada em A) autorizado pela DGAV.
2) Que NN fornecesse o material vegetativo sem as etiquetas correspondentes e que tenha dito ao recorrente que as entregaria no dia seguinte e imediatamente lhas faria chegar.
3) Que no dia seguinte o recorrente tenha voltado a contactar com Nélson Rosário que lhas comunicou que a Viticert ainda não lhas iria entregar nesse dia e que deveria aguardar mais um ou dois dias.
4) Que entretanto o recorrente tenha sido contactado por vários clientes solicitando-lhe material de propagação vegetativo de videira, tendo-se comprometido a entregar tal material na feira da Malveira no dia 11 de Dezembro de 2014, pelo que nesta data o recorrente contactou com Nélson Rosário para que entregasse as etiquetas, comprometendo-se este a entregar-lhas em mão na feira da Malveira.
5) Que o recorrente tenha actuado conforme descrito em D) por lhe ter sido garantido que as etiquetas seriam entregues na feira, pelo que acreditava que sendo o material certificado e vendido por produtor certificado tendo sido emitida a correspondente factura, que poderia apresentar as etiquetas posteriormente.

Não resultou provada outra factualidade, sendo certo que não foi considerada matéria conclusiva, de direito ou sem relevância para a boa decisão da causa.       
*
3. FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

O tribunal estribou a sua convicção, no que respeita à factualidade julgada provada, na prova documental junta aos autos e nas declarações produzidas por AA e pelas testemunhas TT (inspectora da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica), António Jesus (viveirista e vizinho do recorrente), DD (agricultor sendo a sua esposa prima do recorrente) e NN (produtor e vendedor de material vitícola) em audiência de discussão e julgamento.
A prova da factualidade descrita em A) a G) resultou do cotejo do teor do auto de notícia de fls. 6 a 12, do auto de apreensão de fls. 13 a 16, 49 e 90 a 92, da factura de fls. 16, 21 e 46, da relação de mercadoria de fls. 22, da tabela de fls. 25, da carta de fls. 26 a 38, com as declarações produzidas por AA, TT, JJ, DD e NN em audiência de discussão e julgamento.
Efectivamente, o recorrente, prestando um depoimento espontâneo e firme relatou ao tribunal que é agricultor sendo também comerciante de produtos vitícolas (o que JJ e VV confirmaram), não tendo mencionado ser certificado pela DGAV pelo que o facto descrito em 1) não resultou demonstrado.
Espontaneamente relatou que os cem pés de videira em causa nos autos foram por si adquiridos a NN estando agrupados em molhos de vinte e cinco pés de videira cada, os quais tinham apostos selos, o que se mostra consonante com o teor da factura de fls. 16. Acrescentou que o referido produtor não entregou os selos de certificação individual, tendo a testemunha NN confirmado as declarações do recorrente reconhecendo ter emitido a factura de fls. 16.
AA relatou que na data e hora mencionadas em D) encontrava-se na Feira da Malveira com a esposa MM, estando esta a vender, dispondo-os no pavimento, pés de videiras (entre outros produtos) e o recorrente noutra zona da feira destinada à venda de aves.
Acrescentou que os pés de videira se encontravam acondicionados em molhos de vinte e cinco tendo todos aposto o selo.
Contudo, como alguns clientes pretendessem adquirir apenas um ou dois pés de videira e não o molho completo, a esposa do recorrente (referiu que o produto da venda dos pés de videira era para o casal) cortou a fita que atava o molho para vender os pés à unidade.
Mencionou que ao adquirir os molhos com selo aposto (sabendo que para o conjunto era necessário selo) desconhecia que apenas poderia vendê-los tal como se apresentavam acondicionados não podendo vender os pés individualmente sem o selo do produtor aposto em cada pé de videira, nunca tendo sido mencionado que era necessário o selo individual.
Acrescentou que aquando dos factos já há cinco anos que comercializava este tipo de material, adquirindo-o a NN.
Por sua vez, TT, prestando um depoimento espontâneo e firme e evidenciando um conhecimento pessoal dos factos porquanto os protagonizou, relatou ao tribunal que na data e hora mencionadas no auto de notícia, cujo teor confirmou, deslocou-se com a sua colega PP à Feira da Malveira onde encontraram MM a vender pés de videira conforme se encontravam nas fotografias de fls. 8 a 12, o que se mostra, segundo mencionou com firmeza, desconforme com as exigências legais já que a comercialização de material vitícola exige o acondicionamento ou em molhos devidamente atados e etiquetados com o selo do produtor ou individualmente (cada pé de videira) com a etiqueta do produtor aposta.
Referiu ter encontrado pés de videira soltos sem etiquetas individuais do produtor apostas e bem assim molhos cuja fita fora cortada e sem a etiqueta aposta, pelo que se desconhece a que molhos/pés de videira correspondiam os selos que se encontravam no local e sem estarem presos a qualquer pé de videira.
Com firmeza referiu que o material foi apreendido e entregue ao recorrente (já que MM disse estar a vender em nome do marido, não tendo a depoente visto AA pessoalmente, o que mencionou denotando isenção), tendo sido verificada a factura de fls. 16 a qual se encontrava emitida em nome de AA.
Finalmente, NN, prestando um depoimento espontâneo e firme, relatou ao tribunal, circunstanciadamente, que é produtor certificado de material vitícola, tendo vendido ao recorrente os molhos de 25 pés de videira constantes da factura de fls. 16.
Corroborando as declarações de AA, precisou que em cada molho (que é cintado) se encontrava aposto o selo correspondente, confirmando que as etiquetas de fls. 8 a 12 são as suas.
Acrescentou, no que denotou isenção, que para que o revendedor possa vender pés de videira à unidade é necessária uma etiqueta que o depoente solicitou à Viticert (associação responsável) para as entregar ao revendedor. Agastado, referiu que tais etiquetas chegam a demorar uma semana a serem entregues pela associação.
Com firmeza, NN mencionou crer que AA tinha conhecimento desta exigência, explicitando que já na altura dos factos se tinha ouvido falar (embora ainda não estivesse totalmente informado a este respeito) que era necessária a aposição de etiquetas individuais tendo-as o depoente solicitado.
Questionado, mencionou com firmeza que aquando da venda correspondente à factura de fls. 16 referiu a AA que já havia solicitado as etiquetas individuais, as quais lhas enviaria mas que iria demorar um pouco de tempo, sendo que quando as tivesse na sua posse entregar-lhas-ia. Mais informou a AA que se fosse necessário vender pés de videira à unidade que teria que colocar as etiquetas em causa.
Logo que as etiquetas chegaram, confirmando tratarem-se das de fls. 27 a 38, entregou-as a AA.
Do cotejo da prova produzida, pese embora AA tenha referido não ter conhecimento que para a comercialização individualizada de pés de videira é necessária a aposição de etiquetas em cada um, considerando o depoimento firme e espontâneo de NN que confirmou ter combinado com o recorrente a entrega de etiquetas individuais logo que as mesmas chegassem tendo-lhe mencionado o propósito de tais etiquetas (o que aliás é verosímil considerando que o material constante da factura de fls. 16 foi vendido em molhos de vinte e cinco e com os selos correspondentes apostos, pelo que outros selos adicionais teriam que ter outra finalidade), e não olvidando que, conforme NN evidenciou nas suas declarações, é sua preocupação estar informado a respeito das normas e exigências da sua actividade profissional,  exigência que o recorrente não pode deixar de ter, ficou o tribunal convencido da demonstração da factualidade elencada, não tendo a relatada em 2) a 5) sido mencionada pelo recorrente nem por NN pelo que a mesma não resultou demonstrada.
O facto descrito em H) resultou demonstrado com base no teor do auto de destruição de fls. 95 a 98, tendo o recorrente mencionado que ficou fiel depositário do material, o que a inspectora tributária confirmou, tendo o material sido destruído.
O recorrente referiu as suas condições sócio-económicas de modo espontâneo e determinado, tendo as suas declarações evidenciado clareza e firmeza pelo que se revelaram verosímeis.
Da declaração fiscal de fls. 51 resulta o rendimento líquido do recorrente no ano de 2014.
Da prova produzida foi pois a factualidade elencada a que resultou provada e não outra por ausência de meios probatórios a tanto conducentes.
*
III. ENQUADRAMENTO JURÍDICO
1. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

O recorrente foi condenado pela autoridade administrativa pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 30.º, n.os 1 e 2, e 37.º, n.º1, alínea f), e n.º2, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 194/2006, de 27 de Setembro, numa coima no montante de €1.250.
Estatui o artigo 30.º, n.os 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 194/2006, de 27 de Setembro, que “Materiais vitícolas que podem ser comercializados 1 - Apenas podem ser comercializados no País os materiais vitícolas que cumpram, cumulativamente, as seguintes condições: a) Sejam certificados, nos termos do artigo 26.º, como: i) Material inicial, material base e material certificado, no caso de os materiais vitícolas se destinarem a ser utilizados como porta-enxertos; ii) Material inicial, material base, material certificado e material standard, no caso dos materiais vitícolas que se destinam à produção de plantas ou partes de plantas de variedades para produção de uva; b) Pertençam às variedades inscritas, nos termos do n.º 1 do artigo 13.º; c) Cumpram os requisitos previstos na legislação fitossanitária referida no artigo 27.º 2 - Os materiais vitícolas em comercialização devem satisfazer os requisitos previstos no presente decreto-lei, nomeadamente os que respeitam ao seu transporte, acondicionamento, identificação e armazenamento.”.
O artigo 37.º, n.º1, alínea f), e n.º2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 194/2006, de 27 de Setembro, determina que “Contra-ordenações 1 - Para efeitos do presente decreto-lei, constituem contra-ordenações puníveis com coima as seguintes infracções: f) A comercialização de materiais vitícolas de variedades ou clones, em violação do disposto no artigo 30.º, com excepção do disposto na sua alínea c) do n.º 1; 2 - As contra-ordenações previstas no número anterior são puníveis, consoante o agente seja pessoa singular ou colectiva, com as seguintes coimas: a) De mínimo de (euro) 1000 e máximo de (euro) 3700 ou de mínimo de (euro) 3000 e máximo de (euro) 25000, quanto às infracções previstas nas alíneas b), d) e f) do número anterior;.”

A contra-ordenação consiste num “facto material (nullum crime sine actione) que preencha um tipo descrito na lei (nullum crimen sine lege), que tenha sido praticado culposamente (nullum crimen sine culpa) e que naquele tipo esteja prevista a aplicação de uma coima” .
Nos presentes autos resultou demonstrada a factualidade elencada em A) a F) que aqui se dá por integralmente reproduzida e da qual resulta o preenchimento dos elementos objectivos do tipo, sendo Arménio … quem também comercializava o material em causa nos autos.

Ao nível do elemento subjectivo, os comportamentos em questão são puníveis em termos dolosos ou negligentes (cfr. Artigo 37.º, n.º3, do Decreto-Lei n.º 194/2006, de 27 de Setembro).
Nos presentes autos resultou demonstrado que AA agiu com intenção e vontade, consciente e livre, conhecendo e tendo obrigação de conhecer e de saber das condições legais de comercialização de materiais vitícolas, sabendo que ao actuar nos termos descritos agia contrariamente aos normativos que regem a sua actividade o que previu e aceitou, como consequência directa, necessária e possível da sua conduta, não se abstendo de a empreender e conformando-se com tal resultado antijurídico.
Actuou pois dolosamente.

Inexistem causas de justificação ou de exclusão da culpa, não tendo resultado demonstrada factualidade subsumível a uma situação de erro.

Pelo exposto, o recorrente praticou a contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 30.º, n.os 1 e 2, e 37.º, n.º1, alínea f), e n.º2, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 194/2006, de 27 de Setembro.
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2. DA DOSIMETRIA DA COIMA E DA SANÇÃO ACESSÓRIA

A coima tem um montante mínimo de €1.000 e máximo de €3.700.
A autoridade administrativa optou pela aplicação de uma coima pelo montante de €1.250.
Estatui o artigo 18.º, do Regime Geral das Contra-ordenações, que “1 - A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que este retirou da prática da contra-ordenação. 2 - Se o agente retirou da infracção um benefício económico calculável superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode este elevar-se até ao montante do benefício, não devendo todavia a elevação exceder um terço do limite máximo legalmente estabelecido. 3 - Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.”
Determina o artigo 51.º, do Regime Geral das Contra-ordenações, que 1 - Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.”
Nos presentes autos verificamos que a contra-ordenação é grave atendendo à quantidade de pés de videiras que estavam a ser comercializados (cem) sem o cumprimento da legislação em matéria de acondicionamento dos mesmos e que a conduta foi praticada a título de doloso,
Sendo €100 o valor do material, ponderadas as condições sócio- económicas do recorrente e não olvidando que o material foi destruído, entende o tribunal reduzir o montante da coima para o seu limite mínimo, fixando-a em €1.000.
Em face do exposto, e sem mais considerandos, procede parcialmente o recurso de contra-ordenação.
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3. CUSTAS PROCESSUAIS

Ao abrigo do disposto nos artigos 93.º, n.º3 e 94.º, n.º 3, ambos do Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, e ponderada a procedência parcial do recurso, não há lugar ao pagamento de custas processuais.
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IV. DISPOSITIVO

Pelo exposto, julgo parcialmente procedente o recurso de contra-ordenação e em consequência:
a) Revogo parcialmente a decisão administrativa mantendo a condenação do recorrente AA pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 30.º, n.os 1 e 2, e 37.º, n.º1, alínea f), e n.º2, alínea a), ambos do Decreto-Lei n.º 194/2006, de 27 de Setembro, fixando a coima no montante de €1.000 (mil euros).
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Não há lugar a condenação no pagamento de custas processuais.
*
(…)
                                                                                                               QUESTÃO PRÉVIA:
- Prescrição do procedimento contra-ordenacional
Conforme se pode bem constatar de folhas 6 e os demais elementos do autos / sentença a folhas 191 (uma vez que se trata de um recurso de contra-ordenação e não sendo possível proceder à impugnação da matéria de facto) e uma vez que esta analisada na sua globalidade  se encontra isenta de qualquer nulidade que fosse de conhecimento oficioso por este Tribunal de recurso, o que se declara, os factos que deram origem aos presentes autos, ocorreram no dia 11.12.2014.
O processo foi remetido para o Tribunal de 1ª instância no dia 7 de Março de 2019 (vide folhas 3) e a sentença em primeira instância, foi proferida no dia 13 de Junho de 2019.
Quanto à questão da prescrição, deixamos exarado, antes de proferir decisão o seguinte.
Pretende o recorrente ver prescrito o presente procedimento criminal, por entender que o prazo prescricional é de 1 ano, conforme se pode bem ler nas conclusões do recurso.
Vejamos então:
De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2011 de 11-02-2011, in www.dgsi.pt , ali se diz e passando-se a citar: “A questão que reclama a nossa análise prende-se, especialmente, com o instituto da prescrição do procedimento contra-ordenacional, importando começar por ver a evolução legislativa que sofreu e as razões que a determinaram.
2.1 - Desde a sua versão originária, o Decreto-Lei n.º 433/82 contém um capítulo sobre prescrição (capítulo IV).
Na versão originária do regime geral, esse capítulo compreendia a regulação dos prazos da prescrição do procedimento por contra-ordenação (artigo 27.º), das causas da interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação (artigo 28.º), dos prazos de prescrição da coima (artigo 29.º), das causas da suspensão da prescrição da coima (artigo 30.º) e da aplicação às sanções acessórias do regime previsto para a prescrição das coimas (artigo 31.º).
Tendo o artigo 28.º a seguinte redacção:
«Artigo 28.º
Interrupção da prescrição
1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomadas ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com quaisquer declarações que o arguido tenha proferido no exercício do direito de audição.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.»
A suspensão da prescrição do procedimento por contra-ordenação não estava (pelo menos, directamente) contemplada no diploma.
2.2 - Pela Lei n.º 13/95, de 5 de Maio, a Assembleia da República concedeu ao Governo autorização legislativa para rever o regime geral do ilícito de mera ordenação social, constante do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro - já alterado pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro, mas sem incidência na matéria que, agora, nos ocupa -, definindo-se o sentido da legislação a aprovar, ao abrigo dessa autorização, como sendo, nomeadamente, o de «aperfeiçoar a coerência interna do regime geral do ilícito de mera ordenação social, bem como a coordenação deste com o disposto na legislação penal e processual penal» e de «introduzir regras sobre a suspensão da prescrição do procedimento» [cf. artigos 1.º e 2.º, alíneas c) e h), da Lei n.º 13/95, de 5 de Maio].
Na sequência, o Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, veio reformar o regime geral das contra-ordenações.
Logo se advertindo, no preâmbulo do diploma, para o «crescente movimento de neopunição, com o alargamento notável das áreas de actividade que agora são objecto de ilícito de mera ordenação social e, do mesmo passo, com a fixação de coimas de montantes muito elevados e a cominação de sanções acessórias especialmente severas». Pelo que, «compreensivelmente, não pode o direito de mera ordenação social continuar a ser olhado como um direito de bagatelas penais». Acrescentando-se, ainda, que é, nesta perspectiva, que deve entender-se a introduzida reforma do regime geral das contra-ordenações.
Entre os objectivos visados pela reforma, como, também, se destaca no preâmbulo do diploma, estão o de «acentuar a eficácia do sistema punitivo das contra-ordenações, tão mais necessário quanto mais extenso o domínio de intervenção e a relevância daquele sistema na vida comunitária» e o de «proceder ao aperfeiçoamento da coerência interna do regime geral de mera ordenação social, bem como a coordenação deste com o disposto na legislação penal e processual penal».
Sendo, «no plano da intensificação da coerência interna do regime geral de mera ordenação social e da respectiva coordenação com a legislação penal e processual penal», que se insere, entre outros aspectos, «a fixação de regras sobre a suspensão da prescrição do procedimento», como, ainda, consta do mesmo preâmbulo.
Regras estas que passaram a constar do artigo 27.º-A, com a seguinte redacção.
«Artigo 27.º-A
Suspensão da prescrição
A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal.»
2.3 - Quer antes quer depois da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, foi questão intensamente discutida na jurisprudência a de saber se o regime geral das contra-ordenações continha um regime completo e virtualmente exaustivo do instituto da prescrição do procedimento por contra-ordenação ou se, pelo menos por força da aplicação subsidiária do Código Penal, conforme o artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 433/82 (8), tal regime é complementado subsidiariamente pelo que se encontra estabelecido para os crimes no Código Penal.
É nesta controvérsia que o Acórdão, de fixação de jurisprudência, n.º 6/2001, de 8 de Março (9), se insere, constituindo um marco decisivo da compreensão jurisprudencial e da evolução legislativa da matéria, como, adiante, veremos.
A questão que suscitou essa fixação de jurisprudência estava em saber se a norma do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal era, ou não, aplicável ao regime prescricional das contra-ordenações.
Vindo a ser fixada a seguinte jurisprudência: «A regra do n.º 3 do artigo 121.º do Código Penal, que estatui a verificação da prescrição do procedimento quando, descontado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição, acrescido de metade, é aplicável, subsidiariamente, nos termos do artigo 32.º do regime geral das contra-ordenações (Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro), ao regime prescricional do procedimento contra-ordenacional.»
Já, então, se defendeu (10) que, a ser fixada a jurisprudência no sentido em que veio a ser fixada, então, na mesma, devia ser compreendida a aplicação subsidiária das causas de suspensão da prescrição previstas no artigo 120.º do Código Penal, propondo-se, subsidiariamente, a fixação de jurisprudência da forma seguinte: «O prazo máximo de prescrição do procedimento contra-ordenacional, havendo causas de interrupção, é obtido através da aplicação subsidiária do artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal (de 1995), ao regime geral das contra-ordenações, em conjugação com as causas de suspensão da prescrição previstas no artigo 120.º do Código Penal, também aplicáveis subsidiariamente, e com a causa de suspensão prevista no artigo 27.º-A do regime geral das contra-ordenações.»
2.4 - Com efeito, mesmo depois da introdução do artigo 27.º-A ao regime geral, pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, continuou a ser objecto de controvérsia jurisprudencial a questão de saber se, em processo contra-ordenacional, as causas de suspensão de prescrição do procedimento eram apenas as contempladas no estrito quadro de previsão do artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção emergente do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, ou se, ao invés, aí tinha aplicação subsidiária o regime geral das causas de suspensão do procedimento criminal constante do artigo 120.º do Código Penal, na redacção que lhe adveio do Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, e da Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro (artigo 119.º da versão originária do diploma).
Vindo o Supremo Tribunal de Justiça, pelo Acórdão n.º 2/2002, de 17 de Janeiro (11), a fixar jurisprudência, nos seguintes termos:
«O regime da suspensão da prescrição do procedimento criminal é extensivo, com as devidas adaptações, ao regime de suspensão prescricional das contra-ordenações, previsto no artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro.»
Convindo, a propósito, recordar que o artigo 119.º do Código Penal, na versão originária, prescrevia:
«Artigo 119.º
Suspensão da prescrição
1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não possa legalmente iniciar-se ou não possa continuar por falta de uma autorização legal ou de uma sentença prévia a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial para o juízo não penal;
b) O procedimento criminal esteja pendente, a partir da notificação do despacho de pronúncia ou equivalente, salvo no caso do processo de ausentes;
c) O delinquente cumpra no estrangeiro uma pena ou uma medida de segurança primitiva da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar dois anos, quando não haja lugar a recurso, ou a três anos, havendo-o.
3 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessa a causa de suspensão.»
Em consequência das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, a matéria da suspensão da prescrição passou a ser regulada no artigo 120.º do Código Penal, com a seguinte redacção:
«Artigo 120.º
Suspensão da prescrição
1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar, por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para a audiência em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia;
d) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar três anos.
3 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa de suspensão.»

A actual redacção do artigo resulta de alterações, introduzidas pela Lei n.º 65/98, de 2 de Setembro, que substituiu a expressão da alínea b) «requerimento para a audiência em processo sumaríssimo» por «requerimento para a aplicação de sanção em processo sumaríssimo» e introduziu uma nova alínea d) - passando a anterior alínea d) a alínea e) - do seguinte teor: «A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência.»
A jurisprudência fixada pelo referido Acórdão n.º 2/2002 está intimamente conexionada com a jurisprudência fixada pelo Acórdão n.º 6/2001, como, aliás, a fundamentação daquele acórdão evidencia, quando, nela, se afirma:
«[H]averá de convir-se que, decretado que está, em consideração, essencialmente, aos direitos de defesa do arguido, que o prazo prescricional, mesmo relativo a contra-ordenações, não pode, em caso algum, ir além do previsto no artigo 121.º, n.º 3, do Código Penal, nula ou pouca eficácia conseguiria um sistema que, para além disso, limitasse ao mínimo possível - no caso, à previsão do artigo 27.º-A do Decreto-Lei n.º 433/82, na redacção então vigente [(12)] - as hipóteses de suspensão daquela causa extintiva do procedimento, já que nem sequer a notificação da acusação ou acto equivalente teria essa força suspensiva, o que, por direitas contas, tornaria a aplicação de qualquer coima vulnerável a toda a espécie de manobras dilatórias, em suma, dependente em último termo, da vontade do acusado.
Neste contexto a aplicação subsidiária do artigo 120.º, n.º 1, do Código Penal ou do seu antecessor constitui, numa óptica plausível de equilíbrio estatutário, a contribuição mínima a exigir do arguido, a quem a interpretação fixada no Acórdão n.º 6/2001 inegavelmente outorgou um substancial benefício processual, porventura alheio à original intenção do legislador contra-ordenacional, mas, como se viu, não desdenhado pelo reformador.»
2.5 - A referência ao reformador compreende-se por, à data da prolação do Acórdão n.º 2/2002, já ter entrado em vigor a Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, que alterou a redacção dos artigos 27.º, 27.º-A e 28.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Embora o acórdão não a tenha considerado na resolução do conflito, pois, como se esclareceu, «a solução do problema, à luz do novo quadro legislativo, ultrapassa o objecto do presente recurso extraordinário, pelo que, àquele se terá de cingir o veredicto deste Supremo Tribunal», não deixou de ponderar que «a nova redacção do artigo 27.º-A do regime geral, conferida pela citada Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, ao aditar à anterior duas novas causas de suspensão da prescrição do procedimento dá corpo à ideia de que o legislador assumiu, explicitamente, a reposição daquele equilíbrio».
Com a alteração introduzida pela Lei n.º 109/2001, passou a redacção do artigo 27.º-A a ser a seguinte:
«Artigo 27.º-A
Suspensão da prescrição
1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos excepcionalmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses
Por seu lado, o artigo 28.º ficou com a seguinte redacção:
«Artigo 28.º
Interrupção da prescrição
1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem lugar quando, desde o seu início e ressalvando o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.»
(…)
2.6 - Na génese da Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, está a proposta de lei n.º 82/VIII (13), que o Governo apresentou à Assembleia da República, com vista à alteração do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro.
Sendo relevante, para a solução da questão que nos ocupa, conhecer a respectiva exposição de motivos.
Dela consta:
«O regime da prescrição no direito de mera ordenação social é matéria particularmente importante, em relação à qual se verificou a existência de divergências jurisprudenciais significativas e que foi objecto do recente Acórdão n.º 6/2001, de fixação da jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça. O entendimento consagrado nesta jurisprudência obrigatória, segundo o qual há um prazo máximo de prescrição no procedimento contra-ordenacional, é agora expressamente consagrado. Assim, passa a dispor-se que a prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo de prescrição acrescido de metade.
Todavia, se é compreensível que por razões de justiça material e de igualdade se transponha do regime penal para o contra-ordenacional este prazo máximo de prescrição, também é justo que por razões de eficácia do sancionamento se alarguem os prazos prescricionais e se tratem de forma mais detalhada as causas de suspensão e de interrupção do procedimento. Ou seja: ao reconhecermos que no procedimento contra-ordenacional pode estar em causa a aplicação de uma sanção gravemente limitadora dos direitos fundamentais de quem a ela é sujeito - pelo que se deve prever um prazo limite para a duração desse estado subjectivo de incerteza -, também temos de reconhecer que a possibilidade de fixação de coimas de montantes muito elevados e de sanções acessórias particularmente severas veio acompanhada por um adensamento das garantias processuais que se repercutiram na maior complexidade do procedimento.»
O alargamento dos prazos de prescrição do procedimento contra-ordenacional e a densificação das suas causas de suspensão e de interrupção mostra-se justificada, na mesma exposição de motivos, não «como um convite à lentidão da Administração» mas, antes, como imposição decorrente de que «o alargamento do direito das contra-ordenações a um conjunto de novas realidades se traduziu na agravação das suas sanções, na importação de garantias semelhantes às do processo penal e, consequentemente, na maior complexidade do procedimento».
Onde, ainda, se adverte que «há que ter em conta a possibilidade de interposição de recursos de despachos e medidas da Administração durante a primeira fase do procedimento, a impugnação judicial para o tribunal da 1.ª instância da decisão administrativa de aplicação de uma coima, o eventual recurso desta sentença para o tribunal da relação. O que, pela própria natureza deste procedimento e pelas especificidades das infracções em causa, poderá acarretar uma perda de celeridade por vezes superior à que existe em alguns processos penais simples».
Para, à laia de conclusão, se afirmar:
«Tem-se, portanto, em conta esta realidade que o regime jurídico da prescrição no procedimento contra-ordenacional não pode ignorar, sob pena de funcionar como uma carta de impunidade manifestamente injusta, pelo que se alargam os prazos de prescrição do procedimento e se densificam as suas causas de suspensão e de interrupção.»
Ideias que foram reafirmadas, na intervenção do, então, Ministro da Justiça, na discussão na generalidade da proposta de lei (14).
Esclareceu, nessa intervenção, que as alterações propostas procuravam «o ponto de equilíbrio» entre dois objectivos só aparentemente divergentes mas igualmente importantes. De um lado, a consagração de um prazo máximo de prescrição; de outro, o alargamento dos prazos prescricionais e das suas causas de suspensão e de interrupção.
Chamou a atenção para que a crescente complexidade do procedimento contra-ordenacional o tornou, também, muitas vezes mais moroso, pelo que, sob pena de se inviabilizar em muitos casos a justa punição, havia que adequar os prazos prescricionais a essa nova realidade. Salientou que, se «numa primeira análise, pode parecer estranha a existência de prazos de prescrição para o processo contra-ordenacional superiores àqueles consagrados para os processos criminais relativos às infracções mais graves», «a verdade é que as especificidades do processo contra-ordenacional e as especificidades das próprias infracções em apreciação podem acarretar uma perda de celeridade por vezes superior à que existe em alguns processos penais mais simples».
E apelou a que se recordasse «que o processo contra-ordenacional pode ter duas fases: uma, administrativa e, outra, judicial», «que há que ter em conta a possibilidade de interposição de recursos de despachos e medidas da Administração durante a primeira fase do procedimento», «que é possível a impugnação judicial da decisão administrativa para o tribunal de 1.ª instância» e «que, em muitos casos, é ainda possível a interposição de recurso desta sentença, provocando-se a intervenção do tribunal da relação».
Para concluir, dizendo que «se tornou fundamental ter em conta a complexidade real de muitos destes processos, sob pena de, caso ignoremos tal realidade, aceitando um prazo máximo de prescrição sem um alargamento corrector dos prazos prescricionais, estarmos a outorgar a muitos uma carta de impunidade manifestamente injusta».
Restará acrescentar que na Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro, foi transposta, sem qualquer alteração, a proposta de lei do Governo.
(7) Ibidem.
(8) Com a seguinte redacção: «Em tudo o que não for contrário à presente lei aplicar-se-ão subsidiariamente, no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações, as normas do Código Penal.»
(9) Publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 76, de 30 de Março de 2001, pp. 1808 e segs.
(10) Nas alegações da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, entidade que tinha aplicado a coima no processo que deu origem ao acórdão recorrido.
(11) Publicado no Diário da República, 1.ª série-A, n.º 54, de 5 de Março de 2002, pp. 1815 e segs.
(12) A do Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro.
(13) Disponível no Diário da Assembleia da República, 2.ª série-A, n.º 67/VIII/2, de 9 de Junho de 2001.
(14) Disponível no Diário da Assembleia da República, n.º 103/VIII/2, de 29 de Junho de 2001(…)”

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, a questão prévia a apreciar respeita à prescrição do procedimento contra-ordenacional.

A este respeito estatuem as normas do Dl 433/ 82 de 27 de Outubro
CAPÍTULO IV
Prescrição
  Artigo 27.º
Prescrição do procedimento
O procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido os seguintes prazos:
a) Cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49879,79;
b) Três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2493,99 e inferior a (euro) 49879,79;
c) Um ano, nos restantes casos.
Contém as alterações dos seguintes diplomas:
 - DL n.º 244/95, de 14/09
 - Lei n.º 109/2001, de 24/12
  Consultar versões anteriores deste artigo:
 -1ª versão: DL n.º 433/82, de 27/10
 -2ª versão: DL n.º 244/95, de 14/09
Artigo 27.º-A
Suspensão da prescrição
1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.
Contém as alterações dos seguintes diplomas:
 - Lei n.º 109/2001, de 24/12
Consultar versões anteriores deste artigo:
 -1ª versão: DL n.º 244/95, de 14/09
Artigo 28.º
(Interrupção da prescrição)
1 - A prescrição do procedimento por contra-ordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infracções, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contra-ordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
Contém as alterações dos seguintes diplomas:
 - Lei n.º 109/2001, de 24/12
Consultar versões anteriores deste artigo:
-1ª versão: DL n.º 433/82, de 27/10

O recorrente alega que o procedimento contra-ordenacional prescreveu por face à moldura da coima (€2000,00 a € 3700,00) aplicável ao caso o prazo de prescrição da contra-ordenação imputada ao recorrente seria de um ano.
Vide pontos 40 até 47 das conclusões do recurso apresentado pelo recorrente que acima se deixaram transcritos.
Mas não tem razão.
Então: O arguido foi condenado pela pratica de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 30º nº 1 e 2, e 37º nº 1 alínea f), e nº 2 alínea a), ambos do Decreto Lei nº 194/2006 de 27 de Setembro, fixando a coima no montante de mil euros.
As normas incriminadoras, têm o seguinte teor:
Materiais vitícolas que podem ser comercializados
1 — Apenas podem ser comercializados no País os materiais vitícolas que cumpram, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Sejam certificados, nos termos do artigo 26.º, como:
i) Material inicial, material base e material certificado, no caso de os materiais vitícolas se destinarem
a ser utilizados como porta-enxertos;
ii) Material inicial, material base, material certificado e material standard, no caso dos materiais vitícolas que se destinam à produção de plantas ou partes de plantas de variedades para produção de uva;
b) Pertençam às variedades inscritas, nos termos do n.o 1 do artigo 13.o ;
c) Cumpram os requisitos previstos na legislação fitossanitária referida no artigo 27.o
2 — Os materiais vitícolas em comercialização devem satisfazer os requisitos previstos no presente decreto-lei, nomeadamente os que respeitam ao seu transporte, acondicionamento, identificação e armazenamento.
(…)
Artigo 37º
Contra-ordenações
1 — Para efeitos do presente decreto-lei, constituem contra-ordenações puníveis com coima as seguintes infracções:
a) A produção de materiais vitícolas por quem não seja titular de licença de produtor, em violação do disposto nos artigos 11.o e 12.;
b) A produção de materiais vitícolas de variedades ou clones, em violação do disposto no n.o 1 do artigo 13.º;
c) A não destruição de viveiros e de materiais vitícolas nos termos notificados, em violação do disposto no artigo 23.º;
d) A colheita, transporte, confecção, armazena- mento, identificação e acondicionamento dos materiais vitícolas, em violação do disposto no artigo 25.;
e) A comercialização de materiais vitícolas por quem não seja titular de licença de fornecedor, em violação do disposto nos artigos 28.º e 29.º;
f) A comercialização de materiais vitícolas de variedades ou clones, em violação do disposto no artigo 30.º, com excepção do disposto na sua alínea c) do n.º 1;
g) A comercialização de materiais vitícolas que não respeitem as regras de etiquetagem, documento de acompanhamento, calibres e acondicionamento, em violação do definido nos anexos III a V.
2 — As contra-ordenações previstas no número anterior são puníveis, consoante o agente seja pessoa singular ou colectiva, com as seguintes coimas:
a) De mínimo de E 1000 e máximo de E 3700 ou de mínimo de E 3000 e máximo de E 25 000, quanto às infracções previstas nas alíneas b), d) e f) do número anterior;
b) De mínimo de E 2000 e máximo de E 3700 ou de mínimo de E 4500 e máximo de E 44 000, quanto às infracções previstas nas alíneas a), c), e) e g) do número anterior.
3 — A tentativa e a negligência são puníveis, sendo os montantes mínimos e máximos das coimas reduzidos para metade.

A coima abstracta tem, no caso dos euros, o máximo de € 3 700.00 (três mil e setecentos euros) e o mínimo de mil euros, conforme se pode retirar das normas legais aplicáveis.

O art. 27º do Regime Geral das Contra-ordenações, que trata da prescrição do procedimento contra-ordenacional, preceitua na sua al. b),  que “o procedimento por contra-ordenação extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contra-ordenação hajam decorrido (…) três anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante igual ou superior a (euro) 2.493,99 e inferior a (euro) 49.879,79, sendo este o caso dos autos.
O montante referido na norma reporta-se  ao limite máximo da coima aplicável.
Esta afirmação decorre do elemento literal e do elemento sistemático de interpretação, sendo a única que garante a coerência do texto normativo, mais concretamente do regime legal da prescrição.

Na al. a) do art. 27º faz-se uma referência expressa ao limite máximo da coima – “cinco anos, quando se trate de contra-ordenação a que seja aplicável uma coima de montante máximo igual ou superior a (euro) 49.879,79”.
Na al. b) não pode deixar de se continuar a referir um máximo de coima abstracta, semelhantemente aliás ao que sucede com a metodologia empregue no tratamento da prescrição criminal – assim o art. 118º, nº 1 do Código Penal.
 É certo que este argumento, por si só, não se revelaria decisivo, atenta a diferença qualitativa entre crime e contra-ordenação. Mas não deixa de poder ser apreciado como elemento complementar de ponderação, na avaliação hermenêutica do tratamento da prescrição num direito global sancionatório público.
Atendendo a que a moldura penal abstracta aplicável à contra-ordenação em causa é de coima de € 1 000,00 a € 3 700,00, e que será então este máximo de coima o valor atendível para decidir da prescrição do respectivo procedimento.
Temos assim que o prazo normal de prescrição do procedimento contra-ordenacional é de três anos, tendo como limite temporal inultrapassável esse prazo acrescido de metade, e tudo nos termos do disposto nos artigos 27º alínea b),
Ora tendo em conta que a data da pratica dos factos ocorreu em 11 de Dezembro de 2014, e devendo-se proceder à contagem do prazo nos termos do artº 119º do C.P.P., uma vez que o DL 433/82 de 27.10, não tem norma especifica neste conspecto, sendo portanto omisso (ver também AC do TRC de 1.06.2011 in www.dgsi.pt ) o prazo prescricional teve o seu inicio naquela data.
Assim e mesmo tendo em conta as circunstâncias interruptivas e suspensivas da prescrição bem indicadas no art. 28º, nº 1 – a), c) e d), nº 3 e 27º nº 1- a) e nº 2 do Regime Geral das Contra-Ordenações, nos termos do art. 28º, nº 3 do Decreto-Lei nº 433/82, a prescrição tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade – ou seja, 3 anos + 1 ano e 6 meses + 6 meses, prazo esse que ainda não se encontra exaurido, pelo que a contra-ordenação imputada ao arguido ainda não se encontra para já prescrita, o que se declara.

No mais, dir-se-á e seguindo o exarado no Ac do STJ publicado do Diário da República nº219/2018, série I de 2018-11-14:
O ilícito de mera ordenação social é caracterizado pelo legislador português através de um critério, tradicionalmente designado como meramente formal (cf. art. 1.º, do RGCO) - isto é, constitui ilícito de mera ordenação social aquele que é cominado com uma coima (a doutrina tem oscilado entre um critério quantitativo, um critério qualitativo ou um critério misto, cf. entre muitos outros, entre nós, Costa Andrade, Contributo para o conceito de contra-ordenação (a experiência alemã), AAVV, Direito Penal Económico e Europeu, textos doutrinários, vol. I, Coimbra: Coimbra Editora, 1998, p. 75 e ss, Mário Monte, Lineamentos de Direito das Contraordenações, 2.ª ed., Braga: AEDUM, 2014, p. 55 e ss, Nuno Brandão, Crimes e Contra-Ordenações (da cisão à convergência material), Coimbra: Coimbra Editora, 2016, passim, onde conclui não ser possível divisar uma autonomia material entre as contraordenações e os crimes "com base numa total e contínua relação de divergência material", considerando que a autonomia material deverá ser analisada em função da sanção, dado que constitucionalmente não se mostra viável a aplicação de sanções privativas da liberdade ao ilícito de mera ordenação social; para uma visão crítica desta conceção, cf. Conde Monteiro, Breves reflexões epistemológicas sobre a delimitação entre o ilícito contraordenacional e o ilícito jurídico-penal em face da ordem jurídica portuguesa, Scientia Ivridica, maio/agosto 2017, tomo LXVI, n.º 344, p. 203 e ss, em particular, nota 68, Augusto Silva Dias, Direito das Contra-Ordenações, Coimbra: Almedina, 2018, p. 45 e ss,).
Todavia, assume particular importância a ilicitude dos comportamentos que integram um ilícito contraordenacional. Na verdade, também o ilícito de mera ordenação social é um ilícito ético-socialmente relevante (em sentido idêntico, Figueiredo Dias, Direito Penal Parte Geral, 2.ª ed., Coimbra: Coimbra Editora, 2007, 7/ § 10 e ss, p. 161), sendo as condutas ético-socialmente irrelevantes antes da sua integração numa proibição - "Existem na verdade condutas às quais, antes e independentemente do desvalor da ilicitude, corresponde, e condutas às quais não corresponde um mais amplo desvalor, moral, cultural ou social. A conduta, independentemente da sua proibição legal, é no primeiro caso axiológico-socialmente relevante, no segundo caso axiológico-socialmente neutra. O que no direito de mera ordenação social é axiológico-socialmente neutro não é o ilícito, mas a conduta em si mesma, divorciada da proibição legal; sem prejuízo de uma vez conexionada com esta, ela passar a constituir substrato idóneo de um desvalor ético-social" (Figueiredo Dias, ob. e loc. cit., itálicos do Autor; em sentido contrário, considerando que existem condutas ético-socialmente censuráveis independentemente da proibição legal e às quais foi atribuído o estatuto de contraordenação, cf. Nuno Brandão, Por um sistema contra-ordenacional a diferentes velocidades, Scientia Ivridica, maio/agosto 2017, tomo LXVI, n.º 344, p. 281; também com uma posição crítica, Augusto Silva Dias, Direito das Contra-Ordenações, Coimbra: Almedina, 2018, p. 47 e ss)(…)”
Igualmente é por todos consabido e encontrando-se devidamente estratificado, quer na lei, quer na jurisprudência o seguinte:
Considerando-se o Acórdão de fixação de jurisprudência, em Acórdão nº3/2019, in DR 124/2019, série 1 de 2019-07-02, o qual estatuiu que: “Em processo contraordenacional, no recurso da decisão proferida em 1.ª instância o recorrente pode suscitar questões que não tenha alegado na impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa”, diremos  e considerando-se o recurso interposto pelo recorrente o seguinte.
Daqui decorre que a impugnação da decisão da autoridade administrativa não é um verdadeiro recurso. A causa é retirada do âmbito administrativo e entregue a um órgão independente e imparcial, o tribunal.
E o tribunal irá decidir do mérito da causa como se fosse a primeira vez - o julgador não estará vinculado, nem limitado pelas questões abordadas na decisão impugnada, nem estará limitado pelas questões que tenham sido suscitadas aquando da impugnação, estando apenas limitado pelo objeto do processo definido pela decisão administrativa.
 Esta sofre uma transformação - o Ministério Público recebe da autoridade administrativa os autos, e remete-os ao juiz "valendo este ato como acusação" (art. 62.º, n.º 1, do RGCO) (10).

Aquela decisão administrativa passa a constituir uma "decisão-acusação", e aquela fase administrativa "transforma-se" em fase instrutória.

Porém, a transformação aparente da decisão da autoridade administrativa numa acusação apenas serve para demonstrar que, a partir da análise dos autos enviados pela entidade administrativa ao MºPº, este considerou que destes resultam indícios suficientes de se ter verificado a contraordenação e de quem foi que a praticou.
 E, não deixa de ser uma decisão, que se mantém, se o arguido decidir retirar a impugnação judicial (ou nas palavras da lei "recurso de impugnação" - art. 59.º, n.º 2, do RGCO) até à sentença em 1.ª instância ou até ao despacho referido (cf. art. 71.º, n.º 1, do RGCO), pese embora necessite do acordo do MºPº, quando esta desistência ocorra depois de ter início a audiência de discussão e julgamento. Mas já uma decisão que deixa de produzir os seus efeitos caso o MºPº, com o acordo do arguido, retire a acusação até à sentença em 1.ª instância (cf. art. 65.º-A, do RGCO) ou até ao despacho previsto no art. 64.º do RGCO.
Ou seja, a decisão da autoridade administrativa, havendo impugnação judicial, vale como acusação pelo Ministério Público (11), mas o seguimento do processo judicial depende ainda da vontade do arguido e/ou do MP, com a concordância de um ou outro respetivamente.
Decidindo o tribunal de 1.ª instância o mérito da causa como se fosse a primeira vez, os seus poderes de cognição são plenos, abarcando as questões de facto e de direito, e com possibilidade de determinação do âmbito de prova a produzir (cf. art. 72.º, n.º 2, do RGCO).
Não se limita a analisar a prova trazida pela Administração (12) e eventualmente a proceder a uma renovação para assim evitar o reenvio do processo para a autoridade administrativa, valorando ainda a prova que o impugnante, eventualmente, tenha indicado. O que nos permite afastar o entendimento desta fase de processo como uma fase de recurso. Além de que, o Ministério Público pode "promover a prova de todos os factos que considera relevantes para a decisão" (art. 72.º, n.º 1, do RGCO).
A estas regras acrescenta o RGCO uma outra - o tribunal de recurso pode, na sua decisão, "alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão" desde que cumprido o princípio da proibição da reformatio in pejus, previsto no art. 72.º-A, do RGCO.

Ora, tendo em conta este dispositivo, o tribunal de 2.ª instância não tem simples poderes de cassação, mas verdadeiros poderes de substituição, podendo decidir de outra forma, com outros fundamentos e noutro sentido.
Além disto, significa que o tribunal de 2.ª instância pode, a partir da matéria de facto já sedimentada, alterar a qualificação jurídica (22), ou reanalisar a consequência jurídica aplicada (alterando a coima e aplicando ou não sanções acessórias), ou considerar que os factos não integram a prática de qualquer uma contra-ordenação, ou ainda considerar, e porque tem os seus poderes de cognição restritos a matéria de direito (art. 75.º, n.º 1, do RGCO), que se verifica um dos vícios previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP (23), caso em que, nos termos do art. 75.º, n.º 2, al. b), do RGCO, deverá devolver o processo ao tribunal recorrido (à semelhança do que ocorre no processo penal, por força do disposto no art. 426.º, do CPP).
No entanto o supra exarado tem alguns limites, naturalmente consignados, e neste caso do teor que iremos deixar exarado.
In casu, afigura-se a este Tribunal que a Decisão da Autoridade Administrativa padece de uma nulidade inultrapassável que cumpre conhecer e que inquina de modo acutilante todos os autos, senão vejamos:
Se relermos a decisão administrativa que está nos autos a folhas 102 até 106 v. constatamos facilmente que esta não encerra em si e nos factos imputados ao arguido, nenhum de natureza subjectiva, comummente os chamados elementos subjectivos do tipo ( nem a qualquer  titulo de dolo nem se referindo a negligência- vide artigos 13º, 14º e 15º do Código Penal) , neste caso da contraordenação que lhe era imputada.
No entanto na decisão recorrida estes elementos subjectivos do tipo contraordenacional aparecem então pela  primeira vez optando o Tribunal “ a quo” pelo dolo, para além de novos factos sem que, até se tenha lançado mão do disposto no artº 358º /359º do C.P.P.
 
Efetivamente, e uma vez observado o disposto no artigo 14.º do Código Penal, constata-se que tipo subjetivo de ilícito conceitualiza-se na sua formulação mais geral, como conhecimento e vontade da realização do tipo objectivo de ilícito, o mesmo será dizer, o dolo do tipo decompõe-se no conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento punitivo) de realização do fato. (…) do que no elemento intelectual do dolo verdadeiramente e antes de tudo se trata é da necessidade para que o dolo do tipo se afirme, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias de fato que preenche um tipo de ilícito objectivo (cfr. os ensinamentos de Jorge de Figueiredo Dias em Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, Janeiro de 2011, Coimbra Editora, páginas 348-351; bem assim a jurisprudência que, em concretização desses ensinamentos, definiu a estrutura do dolo como comportando um elemento intelectual e elemento volitivo, consistindo aquele na representação pelo agente de todos os elementos que integram o fato ilícito e na consciência de que esse fato é ilícito e a sua prática é censurável, de molde que «a afirmação da existência do elemento intelectual do dolo exige que o agente tenha conhecimento da ilicitude ou ilegitimidade da prática do fato» – vide o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra 21.01.2014, processo n.º2572/10.2TALRA.C1, Vasques Osório).
Portanto, «[n]um crime/ ou contraordenação doloso, da acusação há-de constar necessariamente, pela sua relevância para a possibilidade de imputação do crime ao agente, que o arguido agiu livre (afastamento das causas de exclusão da culpa - o arguido pôde determinar a sua acção), deliberada (elemento volitivo ou emocional do dolo – o agente quais o facto criminoso) e conscientemente (imputabilidade – o arguido é imputável), bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (elemento intelectual do dolo, traduzido no conhecimento dos elementos objectivos do tipo)» (cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 01.06.2011 no processo 150/10.5T3OVR.C1, Maria Pilar Oliveira).

Igualmente de relevo para a presente decisão, haverá de ter presente a jurisprudência fixada pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º1/2015 de 27 de Janeiro (in DR, 1ª Série, nº 18, de 27 de Janeiro de 2015):
-«[a] falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e da vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no art. 358.º do Código de Processo Penal».
Neste quadro doutrinal e jurisprudencial assim exposto, este Tribunal perfilha o entendimento segundo o qual «[a]jurisprudência fixada [pelo dito] Acórdão Uniformizador nº1/2015 não tem exclusivamente por objecto a falta absoluta, na acusação, da descrição do tipo subjetivo do crime imputado. (…)
 O Acórdão Uniformizador nº 1/2015 veio fixar o sentido oposto a tal entendimento [recurso ao mecanismo do art. 358º, nº 1 do C. Processo Penal], impedindo o recurso ao dito mecanismo para integrar também a deficiente descrição, por omissão narrativa, do tipo subjetivo do crime imputado, (…) e determinando, consequentemente, que a deficiente ou incompleta definição do tipo subjetivo de ilícito conduza, necessariamente, à absolvição» (aqui, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.03.2016, no processo 2572/10.2TALRA.C2, Vasques Osório).

Deixamos aqui exarado que se concorda com o acórdão de fixação de jurisprudência acima referido, e mais entendemos que o mesmo não pode deixar de se aplicar também às contraordenações, e especialmente no caso dos autos, pois atente-se que estando omissa na decisão administrativa qualquer facto de índole subjectivo relativamente à contraordenação imputada ao arguido, o Tribunal de 1ª instância na sentença que exarou “ acrescentou” estes elementos,  bem como compôs e acrescentou factos de acordo com, julgamos nós, a prova produzida( não tendo sequer procedido a qualquer comunicação quer nos termos do artº 358º ou 359º do CPP), mas tendo-se olvidado por completo do atrás exarado ou seja, e repetindo de forma simplista, que a decisão administrativa se reconduz a uma acusação no seu sentido próprio de raiz, e que face aquele Ac de Fixação de Jurisprudência, não se podem acrescentar elementos subjectivos mesmo com recurso ao disposto no artº 358º do CPP, quando estes completamente omissos estavam na decisão administrativa e não dando sequer ao arguido a ilusória oportunidade de se defender dos NOVOS factos agora inseridos “ex novo” na sentença recorrida.

Repetindo porque nunca é demais, outrossim com relevo para a presente decisão, e revertendo ao regime contra-ordenacional, nos termos do preceituado pelo n.º1 do artigo 58.º do R.G.C.O., e no que aqui releva, a «decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter: a) [a] descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas», havendo de considerar-se tais exigências (…) satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos.
De facto, os ditos requisitos visam, precisamente, a salvaguarda da possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão (MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, Contra-Ordenações – Anotações ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, 2.ª edição de Janeiro de 2003, Vislis Editores, p.334; assim como o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.01.2007, processo n.º 06P3202, Henriques Gaspar).
Por isso, e pese embora não se preveja no diploma legal sob análise a consequência derivada da ausência da menção dos elementos indicados, a aplicação subsidiária dos preceitos do processo criminal (ex vi artigo 41.º do referido regime) haverá de determinar a nulidade da decisão, de harmonia com o disposto no artigo 379.°, n.°1, alíneas b) e c), ambos do Código de Processo Penal.
 Em síntese «decisão administrativa que não contenha os requisitos do artigo 58º, do referido Diploma, está ferida de nulidade, sendo-lhe aplicável a disposição do artigo 379.º, n.º 1, al. b) e c), do C.P.P., sendo estas, incontestavelmente de conhecimento oficioso pelo Tribunal» (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12.07.2011, processo n.º990/10.5T2OBR.C1, Alberto Mira; bem como, inter alia, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09.11.2009, processo n.º 686/08.8TTOAZ.P1, Fernanda Soares).
Neste conspecto – e sem descurar que à «decisão administrativa não é exigível o rigor formal que deve informar uma decisão criminal, havendo apenas que acatar o disposto no artigo 58º do RGCO», devendo «as exigências de fundamentação da decisão da autoridade administrativa (…) ser menos profundas do que as exigidas para os processos criminais» (acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 09.07.2009, processo n.º2761/08-1, Maria Fernanda Palma) –, é na própria definição do que seja uma contraordenação que se deteta tratar-se de «todo o facto ilícito e censurável que preencha um tipo legal no qual se comine uma coima» (artigo 1.º do R.G.C.O.), acrescentando-se que só «é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência» (artigo 8.º do mesmo diploma legal).
De facto, «dos princípios basilares do direito contra-ordenacional é o princípio da culpa», sendo «necessário que [o facto] possa ser imputado a título de dolo ou negligência, consistindo o dolo no propósito de praticar o facto descrito na lei contra-ordenacional e a negligência na falta do cuidado devido, que tem como consequência a realização do facto proibido por lei» (acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11.03.2009, processo n.º529/08.2TBTMR.C1, Jorge Gonçalves, por apelo aos ensinamentos de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, in O Movimento da Descriminalização, em Jornadas de Direito Criminal, p.3331, apud MANUEL SIMAS SANTOS e JORGE LOPES DE SOUSA, op. cit., p.118, autor aquele que explicou – a propósito da consagração, igualmente no R.G.C.O., do princípio da culpabilidade, com afloramentos em várias normas daquele diploma como os artigos 8.º, n.º 2, 9.º, n.º1, 16.º, n.º 2, 18.º, n.º 1, 21.º, n.º1, 26.º, alínea a), e 51.º –, que não se trata de uma culpa, como a jurídico-penal, baseada numa censura ética, dirigida à pessoa de agente e à sua atitude interna, mas apenas de uma imputação do facto à responsabilidade social do seu autor; dito de outra forma, da adscrição social de uma responsabilidade que se reconhece exercer ainda uma função positiva e adjuvante das finalidades admonitórias da coima).
Significa isto, e sem olvidar a menor exigência de fundamentação que impende sobre a decisão administrativa, que a mesma deve obedecer a um limite apropriado no que concerne quer à descrição – que há-de ser concreta e precisa – dos factos praticados que objetivamente integrem a contraordenação em causa (a sua vertente objetiva ou material), quer à natureza – dolosa ou negligente – da atuação a que aqueles factos se reconduzem (a sua vertente subjetiva ou culposa).
Por outras palavras, bem mais elucidativas, a «imputação de factos tem de ser precisa e não genérica, concreta e não conclusiva, recortando com nitidez os factos que são relevantes para caracterizarem o comportamento contra-ordenacional, incluindo as circunstâncias de tempo e de lugar», e deve, «além disso, (…) conter os elementos do tipo subjectivo do ilícito contra-ordenacional» (acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 06.11.2008, processo n.º 08P2804, Rodrigues Costa).

 No caso dos presentes autos, falta, entre o indicado como provado na Decisão Administrativa, a narração de factualidade concretizadora do tipo subjetivo da contra-ordenação lhe imputada, falta essa que, à luz da jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, não pode ser integrada em julgamento, ou neste caso no recurso de contraordenação interposto para o Tribunal de 1ª instância e logo na sua decisão final,  mesmo com recurso ao disposto no artº 358º do CPP.
Por conseguinte, e recuperando as normas acima citadas, é seguro concluir que a decisão administrativa que foi exarada nos autos já era  nula, porque omissa em factos concretizadores do tipo subjetivo contraordenacional imputado (e pela qual condenou) o Recorrente e não esquecendo aqui que neste tipo de processos, como atrás se exarou esta reveste a natureza de uma “ acusação”.

Ainda nesta senda se inculca que a sentença recorrida padece do vício atrás referido, pois “ acrescentou” entre o mais os elementos subjectivos que entendeu, e que omissos completamente estavam na decisão administrativa e nem sequer tendo procedido a qualquer comunicação ao abrigo quer do disposto no artigo 358º ou 359º do C.P.P.

Assente na nulidade da decisão administrativa pelos motivos atrás exarados, nula é também a sentença proferida pelo Tribunal “ a quo” mas por outros motivos.
 De facto na primeira omitiu-se a referência obrigatória no elenco dos factos (não sendo suficiente a inócua referência que ali se faz no primeiro parágrafo de folhas 105) aos elementos subjectivos, e na segunda / na sentença ora recorrida ( não esqueçamos…), acrescentaram-se sem mais aqueles elementos subjectivos, e outros factos, diga-se e a seu bel prazer, quando tal lhe estava claramente vedado ( e nem sequer tendo feito qualquer comunicação nos termos do artigo 358º /359º , ambos do C.P.P.) ,  sendo questão que não pode ser revertida por qualquer outro modo legal, ou seja com a sanação de tal nulidade.
Tudo isto se reconduz e por violação do artº 379 nº 1  b) e c) do CPP e na violação do disposto no acórdão de fixação de jurisprudência nº 1 /2015 in DR nº 18/2015, série I de 2015-01-27, com o qual se concorda e se  subscreve na integra, que  exarou o seguinte:- «A falta de descrição, na acusação, dos elementos subjectivos do crime, nomeadamente dos que se traduzem no conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor, não pode ser integrada, em julgamento, por recurso ao mecanismo previsto no artigo 358.º do Código de Processo Penal

 Deste modo não é possível proceder a qualquer sanação da nulidade verificada na sentença recorrida pelo que o arguido terá que ser absolvido da contraordenação pelo qual foi condenado, o que se declara.
Desta forma inútil se torna o conhecimento das demais questões levantadas pelo recurso apresentado pelo arguido.

III.DECISÃO
Face ao exposto, decide-se declarar nula a sentença recorrida nos termos do disposto no artigo 379 nº 1 b) e c) do CPP, e consequentemente, decide-se absolver o arguido AA, devidamente identificado nos autos, da contraordenação p.p. pelos artigos 30º nº 1 e 2 e 37º nº 1 al. f) e nº 2 al. a) ambos do DL nº 194/2006 de 27 de Setembro pelo qual foi condenado.
Sem custas por não serem devidas.

Notifique e D.N.
Lisboa, 31 de Outubro de 2019
(elaborado em computador e integralmente revisto pela Juíza Desembargadora signatária nos termos do disposto no artº 94º nº 2 do C.P.P.)

Filipa Costa Lourenço
Cristina Santana