Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
124/13.4PASVC.L1-9
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: PROCESSO SUMÁRIO
PENA MÁXIMA
AMEAÇA
COACÇÃO DE FUNCIONÁRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/30/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário: I – A declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art.º 381º do CPP, na versão resultante da alteração operada pela Lei 20/2013, de 21/02, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, pelo Acórdão do TC n.º 174/2014, de 18/02 (DR 13/03), repristinou a versão anterior desta norma, isto é, a versão resultante da alteração de CPP operada pela Lei 48/2007, de 29/08;

           II – Ao anteceder a acusação do seguinte trecho: “…irá deduzir-se acusação para julgamento em Processo Sumário ao abrigo do disposto, igualmente, no art. 381°, n° 2, do Código de Processo Penal …”, o Ministério Público está a usar da prerrogativa prevista no referido art.º na versão repristinada;

            III - Integram o conceito de ameaça grave e violência para o efeito de preencherem o crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º/1 do CP, empunhar uma navalha e com ela tentar agredir um agente da autoridade e desferir-lhe empurrões, obrigando este a imobilizar o arguido, a fim de o manietar e evitar a agressão.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

No Tribunal judicial de S. Vicente, por sentença de 10/10/2013, constante de fls. 100/125, foram os Arg.[1] JV..., JS... e JI..., com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2], respectivamente, de fls. 21, 13 e16[3]), condenados nos seguintes termos:
“…Face ao exposto decido:

a) Condenar o arguido JV..., pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão.

b) Condenar o arguido JV..., pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo art. 347.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.
c) Efectuado o cúmulo das penas mencionadas em a) e b), condenar o arguido JV..., na pena de 3 (três) anos de prisão.

d) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido JV... pelo período de 3 (três) anos de prisão, mediante regime de prova com base em Plano de Reinserção Social a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social, que deverá dar especial enfoque à inserção profissional do arguido.

e) Condenar o arguido JS..., pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão.

f) Condenar o arguido JS..., pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo art. 347.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
g) Efectuado o cúmulo das penas mencionadas em e) e f), condenar o arguido JS..., na pena de 5 (cinco) anos de prisão.

h) Condenar o arguido JI..., pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.

i) Condenar o arguido JI..., pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo art. 347.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão.

j) Efectuado o cúmulo das penas mencionadas em h) e i), condenar o arguido JI..., na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
k) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido JI... pelo período de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, mediante regime de prova com base em Plano de Reinserção Social a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social, que deverá dar especial enfoque à inserção profissional do arguido.
l) Condenar os arguidos nas custas e encargos do processo, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (uma unidade de conta), nos termos das normas constantes dos art. 513.º, n.º 1 e 514.º do Código de Processo Penal e art. 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais. …”.

*

Não se conformando, o Arg. JS... interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 130/138, com as seguintes conclusões:

“…1 O arguido foi acusado e condenado, em processo sumário, pela prática de um crime de furto qualificado, que nos termos dos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) todos do Código Penal, prevê uma pena abstracta de 2 a 8 anos de pena de prisão;

2 Conforme Acórdão n.º 428/2013 do Tribunal Constitucional, de 15 de Julho de 2013, decidiu-se «julgar inconstitucional a norma do artigo 381º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 322, n.ºs 1 e 2, da Constituição»;

3 Face à inconstitucionalidade da aplicação do processo sumário ao crime de furto qualificado, cuja pena máxima abstractamente aplicável é de 8 anos de prisão, a presente condenação é nula (insanável), como estatui a al. d) do artigo 119.º do Código do Processo Penal;

4 Devendo-se mandar repetir todo o processado nos autos;
5 Independentemente da nulidade invocada, que procede por provada, o arguido não praticou o Crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal;
6 O gesto de empunhar a navalha utilizado pelo arguido não pode ser considerado minimamente idóneo a atingir, de facto, a liberdade de acção do agente de autoridade em causa;
7 Nem constitui acção suficientemente constrangedora que pudesse (como não pode) levar ao agente policial FD..., e seu colega, a deixar de agir quando o seu dever era actuar;
8 Como refere vasta jurisprudência nacional, deverá, portanto, considerar-se importante o mal que, nas circunstâncias do caso concreto, susceptível ou adequado a fazer "dobrar" a vontade do ameaçado, segundo um critério objectivo- individual;
9 Apesar de estarmos perante um crime de perigo, exige-se para a sua consumação, enquanto crime material, que a acção violenta ou ameaçadora tenha atingido, de facto, o seu destinatário;
10 O que não aconteceu, pois bastou o Agente FD..., sozinho, para manietar facilmente o arguido;
11 As especiais qualidades dos agentes de autoridade intervenientes no caso em apreço, no que diz respeito à capacidade de cada um deles suportar/gerir pressões e determinadas situações de confronto, a actuação do arguido, que se traduz apenas em "empunhar uma navalha" e sendo algemado sem dificuldades, não é dotada de idoneidade suficiente para inviabilizar os actos funcionais acima concretizados, como o não foi.
12 O comportamento do Arguido não se mostrou adequado a anular ou a dificultar de forma significativa a capacidade de actuação dos dois agentes da P.S.P. na ocasião em causa, tanto mais que estes possuem especiais qualidades no que diz respeito à capacidade de suportar pressões e estão munidos de instrumentos de defesa que não assistem ao cidadão comum.

13 Em conclusão, o comportamento do arguido não preenche os elementos objectivos do crime de resistência e coacção sobre funcionário, por não integrar os contornos de violência e de ameaça grave que a norma incriminadora exige, devendo o arguido ser absolvido da prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário.

14 Na medida em que os agentes não sentiram constrangidos, nem foram impedidos, de exercer as funções inerentes aos deveres do cargo.

Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirem:

a) Declarar nula (insanável) a condenação do arguido pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) todos do Código Penal, por inconstitucionalidade da norma do artigo 381º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição, devendo-se mandar repetir todo o processado nos autos; e

b) Ser absolvido o arguido pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal, por não se verificarem preenchidos os elementos objectivos do tipo do crime. …”.
*

A Exm.ª Magistrada do MP[4] respondeu ao recurso, nos termos de fls. 147/160, com as seguintes conclusões:

“…
1. O recurso interposto sobe nos próprios autos, imediatamente e tem efeito suspensivo do processo, cfr. artigos 406.°, n.° 1, 407.°, n.° 2, alínea a) e 408.°, n.° 1, alínea a), do Código de Processo Penal.

2. No âmbito dos presentes autos o arguido JS... foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário na pena única de 5 anos de prisão.
3. Inconformado com a sentença, veio o arguido dela interpor recurso, alegando, em síntese, que (i) A sentença condenatória é nula, devendo repetir-se todo o processado, porquanto o arguido foi julgado em processo sumário pela prática de crime punível com pena de prisão superior a 5 anos, o que é inconstitucional, nos termos do Acórdão do Tribunal Constitucional n.° 428/2013, de 15 de Julho de 2013; (ii) O gesto de empunhar uma navalha não preenche os elementos objectivos do crime de resistência e coacção sobre funcionário, pois não é adequada a anular ou dificultar de forma significativa a capacidade de actuação dos agentes de autoridade, por possuírem especiais qualidades no que diz respeito à capacidade de suportar pressões.
4. O arguido apresentou a sua versão dos factos em audiência de julgamento, não tendo gozado da faculdade legal de beneficiar de prazo não superior a 15 dias para preparação da sua defesa, conforme previsto no artigo 383.°, do Código Penal e do qual foi informado, sendo que se encontrava devidamente representado por defensor.
5. O julgamento comportou duas sessões de julgamento, por se ter considerado serem essas as necessárias, suficientes e adequadas à descoberta da verdade, tendo a Mma. Juiz de Direito redigiu a sua decisão final e procedeu à sua leitura ao arguido, não tendo aplicado pena de prisão superior a 5 anos.
6. As provas produzidas em sede de audiência de julgamento que determinaram a decisão em crise, a serem reproduzidas em julgamento em sede de processo comum e perante tribunal Singular, com uso da faculdade prevista pelo artigo 16.°, n.° 3 do Código de Processo Penal, levariam, necessariamente, à condenação do arguido pelos crimes pelos quais foi acusado e tal como foi sentenciado pelo Tribunal a quo.
7. Admitir a diminuição dos direitos de defesa do arguido perante um julgamento em processo sumário por um tribunal singular, seria admitir que o juiz por julgar só e se confrontar com provas evidentes e claras, se permita a não observar e fazer respeitar os elementares direitos de defesa do arguido.
8. É do nosso entendimento que não foram violadas quaisquer garantias de defesa, já que o julgamento em processo sumário é possível atenta a simplicidade probatória conferida pelo flagrante delito, sendo certo que o facto de o arguido ter estado presente perante Tribunal singular não leva necessariamente, como não levou, à diminuição da justeza da decisão proferida pela Mma. Juiz.
9. Aliás, nem o próprio arguido entende assim, já que da sua motivação de recurso não se retira que o Tribunal devesse ter realizado uma qualquer diligência de prova, que o Tribunal tenha ignorado um qualquer facto existente à data, que devesse ter sido explorado mais exaustivamente uma qualquer questão e que se assim tivesse sido feito a decisão devesse ter sido diferente, de onde apenas se pode concluir que, de facto, não existe um único facto de onde se possa inferir a violação ou o desrespeito dos direitos de defesa do arguido.
10. A actuação do arguido foi idónea a intimidar o agente de autoridade e obstaculizou a sua normal actuação, já que a postura do arguido, o seu comportamento agressivo e de confronto e o facto de estar munido com uma navalha fazia evidenciar que o mesmo estava disposto a enfrentar o agente de autoridade e que, como é evidente e resulta da natureza das coisas e das regras da experiência comum, opor-se eficazmente à sua actuação.
11. Num cenário de perseguição rodoviária, em que o recorrente e os outros dois arguidos foram interceptados no meio de um túnel com 3,1 km de extensão, onde não existia sinal de telecomunicações que permitisse qualquer pedido de auxílio / reforços, a horas em que dificilmente passaria qualquer veículo, temos para nós que a manifestação de vontade, pelo arguido, que estava acompanhado por outros dois indivíduos, de enfrentar os agentes policiais, fazendo para tanto o uso de uma navalha, é um comportamento intimidatório.
12. As especiais capacidades das forças de autoridade de gerir conflitos, de gerir pressões, de se defender de agressões e de exercer as suas funções não podem ser entendidas como "super-poderes", capazes de afastar os medos e receios de um qualquer ser humano que tem uma vida a salvaguardar, a sua, ainda que tenha de a arriscar para cumprir a missão em que foi investido.

13. O agente de autoridade ameaçado na sua integridade física e na sua vida pela concreta, real e evidente vontade de o arguido o enfrentar e de estar disposto a feri-lo, usou da sua especial capacidade de resposta e usou-a para cumprir os deveres em que foi investido, o que não invalida que o visado pela sua actuação não tenha logrado a sua pretensão de intimidar e de obstaculizar ao exercício daquela actividade.

14. A norma penal ínsita no artigo 347.°, do Código Penal visa proteger a autonomia intencional do Estado, a qual deve ser afirmada em quadros de normalidade e não em quadros de confrontação, intimidação e reaccionarismo agressivo e violento, que coloca em risco os agentes do Estado.

Pelo exposto, entendemos que o recurso interposto deve ser julgado improcedente e, deste modo, ser mantida a douta decisão recorrida. …”.

*

Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 177, com o seguinte teor:

“…O arguido foi julgado em processo sumário por crimes cuja soma do limite máximo das penas aplicáveis atinge 13 anos, por aplicação do art° 381°, do C.P.P., na redacção dada pela Lei n°20/2013, de 21/2.

O Plenário do Tribunal Constitucional já teve oportunidade de apreciar a questão, declarando a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma jurídica, através do Acórdão n.° 174/2014 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/).

Assim sendo, em estrito cumprimento do determinado pelo Acórdão n.° 174/2014, impõe-se declarar a nulidade da forma de processo adoptada uma vez que a norma supracitada, no presente momento, já não vigora no ordenamento jurídico português, por via do artigo 282°, n.° 1, da CRP, devendo os autos prosseguir como inquérito.

Assim sendo, ficam prejudicadas quaisquer outras questões.

Pelo exposto sou de parecer que o recurso merece provimento parcial. …”.

*
A sentença (ou acórdão) proferida em processo penal integra três partes distintas: o relatório, a fundamentação e o dispositivo. A fundamentação abrange a enumeração dos factos provados e não provados relevantes para a decisão e que o tribunal podia e devia investigar; expõe os motivos de facto e de direito que fundamentam a mesma decisão e indica, procedendo ao seu exame crítico e explanando o processo de formação da sua convicção, as provas que serviram para fundamentar a decisão do tribunal.
Tais provas terão de ser produzidas de acordo com os princípios fundamentais aplicáveis ou seja o princípio da verdade material; da livre apreciação da prova e o princípio “in dubio pro reo”. Igualmente é certo que, no caso vertente, tendo a prova sido produzida em sede de audiência de julgamento, está sujeita aos princípios da publicidade bem como da oralidade e da imediação.

O tribunal recorrido fixou da seguinte forma a matéria de facto:

“…

A) Matéria de Facto Provada
Produzida a prova e discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com pertinência para a decisão da mesma:
1) No dia 5 de Setembro de 2013, cerca das 04:20 horas, os arguidos dirigiram-se à residência de JA..., localizada no Sítio do Tanque, Ponta Delgada, São Vicente, em concretização de um plano, por eles previamente elaborado, nos termos do qual tinham decidido, em comunhão de esforços e intentos, apoderarem-se dos objectos de valor que ali se encontrassem.
2) Para o efeito, os arguidos fizeram-se transportar num veículo automóvel de marca Peugeot, modelo 106, com a matrícula (...), de cor vermelha.
3) Ao chegarem ao local referido em 1) o arguido JS... forçou a entrada através de uma janela da casa, enquanto os restantes arguidos permaneceram no exterior da residência efectuando uma vigilância ao local e certificando-se que ninguém se aproximava e os via.
4) Entretanto, o arguido JS..., no interior da casa, percorreu todas as suas divisões e apoderou-se dos seguintes objectos, que trouxe consigo e fez seus e dos demais arguidos:
- 1 (uma) carteira;
- 1 (um) telemóvel de marca Samsung;
- € 190,00 (cento e noventa euros) em notas e moedas;
- 3 (três) alianças em ouro;
- 5 (cinco) pulseiras em ouro;
- 1 (um) cordão de ouro;
Todos no valor aproximado de € 4.000,00 (quatro mil euros).
5) No entanto, quando o arguido JS... ainda se encontrava no interior da residência mencionada em 1), foi surpreendido pelo ofendido, tendo por isso encetado a sua fuga imediata, na posse daqueles objectos.
6) Os demais arguidos, ao aperceberem-se do sucedido, fugiram juntamente com o arguido JS... para o veículo automóvel identificado em 2), ao volante do qual abandonaram de imediato o local.
7) Cerca de 15 minutos depois, os arguidos foram interceptados pela P.S.P. dentro do Túnel da Encumeada, em São Vicente, tendo na sua posse os objectos referidos em 2) e 4).
8) Os arguidos actuaram em comunhão de esforços e intentos, com o propósito comum e concretizado de se apoderarem dos bens de valor que se encontravam dentro da residência do ofendido, apesar de saberem que os mesmos lhes não pertenciam e que actuavam sem o consentimento e contra a vontade do ofendido.
9) Mais sabiam os arguidos não terem autorização, por parte do respectivo proprietário ou qualquer outra pessoa responsável pela casa, para nela entrarem, contudo, apesar disso, aqueles previram e quiseram devassar o seu perímetro a ela acedendo da forma descrita, a fim de lograrem satisfazer os seus intentos.
10) Aquando da intercepção referida em 7), o arguido JS..., tendo-se apercebido que a P.S.P. tomava então conhecimento de que ele e os demais arguidos tinham praticado os factos descritos e que por isso tomariam as correspondentes providências legais a esse respeito, empunhou uma navalha com a qual tentou agredir o agente da P.S.P. FD... GP..., que então o abordou.
11) Todavia, este agente, recorrendo aos seus meios de defesa, logrou evitar a agressão e manietar o arguido, dando-lhe de imediato voz de detenção.
12) Porém, os restantes arguidos, ao aperceberem-se do sucedido, tentaram impedir o referido agente de concretizar a detenção, agarrando-o e empurrando-o, levando os demais agentes da P.S.P. a intervir em auxílio do mesmo, usando a força física e conseguindo, assim, imobilizar os arguidos.
13) Os arguidos tinham perfeito conhecimento de que FD... GP... era agente da P.S.P. e, como tal, membro da força pública de segurança, sendo certo que o mesmo se encontrava devidamente fardado com o uniforme típico daquele polícia.
14) Apesar desse conhecimento, os arguidos previram e quiseram, através das suas condutas, recorrer ao uso da violência, com o intuito de, assim, se oporem aos comandos que pelo referido agente tinham sido dirigidos ao arguido JS..., nomeadamente as ordens de imobilização e detenção que lhe foram  regularmente transmitidas, por forma a colocar em causa a autoridade subjacente a tal acto.
15) Os arguidos agiram sempre livre, deliberada e conscientemente, com total noção de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei e, bem assim, com plena capacidade de determinação segundo as prescrições legais, sendo certo que, não obstante tal conhecimento e capacidade, não se inibiram de agir do modo descrito em 7).
16) O arguido JV... reside com a mãe, em casa arrendada.
17) Encontra-se desempregado.
18) Não apresenta quaisquer antecedentes criminais.
19) O arguido JS... reside em casa da mãe da namorada, de dezassete anos, sendo o agregado familiar constituído por estes e ainda pela mãe da namorada e respectivo companheiro.
20) O arguido encontra-se desempregado, tendo mantido inscrição activa no Instituto Regional de Emprego até Agosto do presente ano, data em que a mesma foi suspensa em virtude de não ter procedido à sua renovação.
21) Tem como habilitações literárias o 4.º ano de escolaridade.
22) O arguido foi condenado:
a) No Processo n.º 686/05.0PDFUN, da 1.ª secção da Vara de Competência Mista do Funchal, por sentença transitada em julgado em 3 de Março de 2011, pela prática de um crime de violação de domicílio ou perturbação da vida privada e um crime de furto qualificado, praticados em 26 de Setembro de 2005, na pena única de 26 (vinte e seis) meses de prisão, suspensa por 3 (três) anos;
b) No Processo n.º 630/05.4PDFUN, do 2.º Juízo Criminal do Funchal, por sentença transitada em julgado em 15 de Março de 2010, pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 30 de Agosto de 2005, na pena de 1 (um) mês de prisão, suspensa por 3 (três) anos;
c) No Processo n.º 377/06.4TAFUN, do 2.º Juízo Criminal do Funchal, por sentença transitada em julgado em 17 de Novembro de 2010, pela prática de dois crimes de furto qualificado, praticados em 27 de Junho de 2005, na pena de 2 (dois) anos de prisão suspensa pelo período de 4 (quatro) anos;
d) No Processo n.º 611/05.8PDFUN, do 1.º Juízo Criminal do Funchal, por sentença transitada em julgado em 4 de Abril de 2011, pela prática de um crime de furto qualificado, em 18 de Agosto de 2005, na pena de 26 (vinte e seis) meses de prisão, suspensa por 2 (dois) anos;
e) No Processo n.º 168/05.0PDFUN, da 1.ª secção da Vara de Competência Mista do Funchal, por sentença transitada em julgado em 3 de Março de 2011, pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, praticado em 1 de Março de 2005, na pena de 5 (cinco) meses de prisão, substituída por 140 (cento e quarenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros);
f) No Processo n.º 575/11.9PDFUN, do 3.º Juízo Criminal do Funchal, por sentença transitada em julgado em 10 de Outubro de 2011, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 6 de Setembro de 2011, na pena de 18 (dezoito) meses de prisão, suspensa por igual período;
g) A pena de multa aplicada no processo referido em e) foi convertida em pena de prisão efectiva;
h) No Processo n.º 176/11.1PTFUN, do 1.º Juízo Criminal do Funchal, por sentença transitada em julgado em 16 de Março de 2012, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, praticado em 28 de Maio de 2011, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída por 120 (cento) e vinte dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros);
i) No Processo n.º 117/06.8PDFUN, do 2.º Juízo Criminal do Funchal, por sentença transitada em julgado em 16 de Abril de 2012, pela prática de dois crimes de furto qualificado, praticados em 11 de Fevereiro de 2006, na pena de 2 (dois) anos e 10 (dez) meses de prisão, suspensa por igual período;
j) No Processo n.º 33/06.3PDFUN, do 3.º Juízo Criminal do Funchal, por sentença transitada em julgado em 13 de Junho de 2011, pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 10 de Janeiro de 2006, na pena de 1 (um) ano de prisão, suspensa por igual período;
k) No Processo n.º 733/11.6PDFUN, da 2.ª secção da Vara de Competência Mista do Funchal, por sentença transitada em julgado em 23 de Janeiro de 2013, pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 30 de Outubro de 2011, na pena de 8 (oito) meses de prisão, suspensa por igual período;
23) O arguido JI... reside com um irmão, com problemas psiquiátricos, pensionista, uma irmã, desempregada, e uma sobrinha menor de idade.
24) O arguido encontra-se desempregado, sendo a sua progenitora que paga a renda da habitação onde reside, que lhe assegura algum dinheiro de bolso e algumas refeições.
25) Na pendência do presente processo, o arguido inscreveu-se no Instituto de Emprego da Madeira.
26) O arguido foi condenado:
l) No Processo n.º 8/05.0PEFUN, da 1.ª secção da Vara de Competência Mista do Funchal, por sentença transitada em julgado em 1 de Junho de 2005, pela prática de um crime de furto simples, praticado em 22 de Dezembro de 2004, na pena de 13 (treze) meses de prisão, suspensa por 3 (três) anos com a condição de pagar a indemnização no prazo de 4 (quatro) meses e de se sujeitar a plano a elaborar pelo I.R.S.;
m) No Processo n.º 716/02.7PDFUN, do 1.º Juízo Criminal do Funchal, por sentença transitada em julgado em 11 de Dezembro de 2006, pela prática de um crime de furto qualificado, praticado em 13 de Setembro de 2002, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses, suspensa por 18 (dezoito) meses;
n) No Processo n.º 222/04.5PEFUN, da 2.ª secção da Vara de Competência Mista do Funchal, por sentença transitada em julgado em 23 de Março de 2009, pela prática de um crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, praticado em 1 de Janeiro de 2003, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa por igual período.
B) Matéria de Facto Não Provada

Com relevância para a decisão da causa resultaram provados todos os factos. …”.

*
Como dissemos, o art.º 374º/2 do CPP[5] determina que, na sentença, ao relatório se segue a fundamentação que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.
A redacção deste preceito inculca a ideia, que a obediência a regras de bom senso, clareza e precisão apoiam, de que a fundamentação da decisão se repartirá pela enumeração dos factos provados, depois dos não provados e, seguidamente, pela exposição dos motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão com o exame crítico das provas.
Necessário e imprescindível é que o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado[6].
No cumprimento desse dever, o tribunal recorrido fundamentou a sua decisão de facto da seguinte forma:

“…A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada resulta da prova produzida em audiência de julgamento conjugada entre si.

JI... e JS... negaram a prática dos factos constantes da acusação, referindo antes que apenas tiveram conhecimento de que os bens ora em causa se encontravam  dentro  do  automóvel  em  que  seguiam  aquando  da intercepção dos agentes da polícia.

De igual forma, negaram que tivessem tido reagido contra a intervenção destes agentes, de forma a obstar a que os mesmos os detivessem.

JV... assumiu que foi ele, sozinho, sem qualquer conhecimento e intervenção dos demais arguidos, que entrou em casa do denunciante, por uma janela, e dali retirou aqueles bens.

Afirmou que o fez sem qualquer plano e que, entretanto, os restantes dois arguidos o esperaram no automóvel, com total desconhecimento do que estava a suceder. Disse ainda que, em momento algum lhes comunicou o que fizera.

Negou contudo que, aquando da ordem de paragem dos agentes da polícia, tivesse tentado reagir contra os mesmos ou que algum dos arguidos o tivesse feito.

Por sua vez, JA..., explicou detalhadamente que se encontrava na sua residência, a dormir, quando, por volta das 4:15 horas da manhã, acordou e viu uma pessoa, que identificou em audiência de discussão e julgamento como sendo o arguido JS..., dentro do seu quarto.

Disse que, ao ser visto, este imediatamente se colocou em fuga. Tendo-o seguido, viu três pessoas a fugir e, seguidamente, um veículo automóvel de cor vermelha a passar na estrada.

FD... GP..., agente da P.S.P. a desempenhar funções na Esquadra de São Vicente, descrevendo as circunstâncias em que foi ordenado aos arguidos que parassem, quando estes seguiam de automóvel, ordem que os mesmos não acataram e que motivou uma perseguição ao veículo em que seguiam, explicou que, imediatamente após pararem o automóvel, o arguido JS... saiu do mesmo e dirigiu-se a si empunhando uma navalha, não largando a mesma, mesmo quando intimado a fazê-lo.

Declarou que, posteriormente, enquanto o detinha, os outros dois arguidos tentavam impossibilitar a prática de tal acto, tendo-lhes sido dada também ordem de detenção.

Nesta sequência, quando revistou os arguidos, encontrou na posse do arguido JS... a carteira, encontrando ainda os demais bens, todos descritos no auto de apreensão de fls. 5 e 6, na posse dos outros dois arguidos e no veículo automóvel.

Complementarmente, referiu ainda que, aquando da ordem de paragem aos arguidos, não tinha qualquer conhecimento dos factos praticados pelos mesmos, vindo a saber de tal mais tarde, através de uma comunicação recebida.

SG…, também agente da P.S.P. a desempenhar funções em São Vicente, corroborou as circunstâncias descritas pela anterior testemunha, em que foi dada ordem de paragem aos arguidos.

Da mesma forma, descreveu a atitude dos arguidos à ordem que lhes foi dada, explicando que, num primeiro momento, o arguido JS..., com uma faca, tentou obstar à sua detenção e ainda o facto dos outros dois arguidos, aquando da detenção deste, terem intervindo de forma a obstar a tal.

Analisadas genericamente as declarações dos arguidos e os depoimentos das três testemunhas com intervenção nos factos, apresentam-se duas versões totalmente distintas dos factos: por um lado, a dos arguidos, por outro lado, a do ofendido e a dos agentes da P.S.P.

Nesta sede, cumpre referir que, a análise da prova não é feita de meras concordâncias de depoimentos de testemunhas, devendo ainda atender-se às regras da experiência comum e demais factores tais como credibilidade e isenção dos depoimentos prestados.

E, no presente caso, a versão apresentada pelos arguidos, não merece qualquer credibilidade, sendo cabalmente contrariada pela restante prova produzida. Vejamos.

Em primeiro lugar, a salientar o facto do arguido JS... ter sido identificado pelo ofendido em audiência de discussão e julgamento pela cor da t-shirt, tendo sido afirmado por FD... GP... que o arguido ainda tinha vestida a mesma t-shirt do momento em que foi detido (imediatamente após à prática dos factos).

A referir que o depoimento do ofendido se revelou totalmente isento e credível, apesar da sua intervenção directa nos factos, relatando estes de uma forma manifestamente espontânea.

Em segundo lugar, sobressai o facto de o ofendido ter referido que o automóvel que viu a descer a rua, imediatamente a seguir à ocorrência dos factos, ser de cor vermelha e tal ter sido corroborado pela testemunha FD... GP..., revelando que aquando da comunicação destes factos lhe foi referido que o veículo onde os suspeitos se deslocavam era vermelho.

Mas mais circunstâncias contrariam a versão apresentada pelos arguidos.

Se efectivamente os mesmos não tivessem qualquer acto a esconder, como se explica que, num primeiro momento, tenham tentado desobedecer à ordem de imobilização que lhes foi dada pelos agentes da P.S.P.? E ainda que, quando finalmente pararam, o arguido JS... tenha saído do automóvel demonstrando oposição à intervenção da polícia?

É que, se o arguido JS... desconhecia totalmente o que havia sucedido, nada deveria ter a temer…

Basta atentar no que sucedeu. O arguido JS... não pretendia parar uma vez que tinha na sua roupa interior a carteira do ofendido, encontrando-se os demais bens também na posse dos arguidos.

Ora, tais factos só por si, descredibilizam totalmente a versão apresentada pelos arguidos, levando-nos a concluir que os factos foram praticados pelos três, de comum acordo.

Passemos agora ao momento em que os arguidos foram interceptados pelos agentes da PSP.

Pelos três arguidos foi negada qualquer forma de oposição à intervenção dos agentes, afirmando antes que estes é que reagiram violentamente contra si, sem qualquer motivo. Ainda que pelos arguidos tenha sido admitida a posse de uma navalha, o que é confirmado pelo teor do auto de apreensão de fls. 3 verso, segundo os mesmos em momento algum esta foi utilizada.

Contudo, pelos agentes da P.S.P. de forma concordante entre si, conforme já exposto, foram descritas as circunstâncias em que os arguidos tentaram obstar à sua intervenção.

E, ambos os depoimentos mereceram total credibilidade, atenta a forma sincera como foram prestados, admitindo inclusive que efectivamente exerceram alguns actos de violência contra os arguidos, mas de forma a conseguirem reagir contra os mesmos.

A versão dos arguidos, de que saíram do automóvel e imediatamente foram alvo de uma série de actos violentos, sem qualquer razão que justificasse tal, face às regras da experiência comum e conjugadas com a demais factualidade aqui em causa, não nos merece qualquer credibilidade.

Face a todo o exposto, consideram-se provados os factos 1) a 7) e 10) a 12).

Em relação aos elementos subjectivos dos factos imputados aos arguidos, pertencendo os mesmos à vida interior de cada um, decorrem da conjugação da factualidade objectiva apurada com as regras da normalidade e da experiência comum do julgador. Com efeito, resulta das regras da experiência comum que, quem actua como os arguidos actuaram, não pode deixar de querer actuar tal como o descrito, de ter consciência da proibição da conduta e de conformar-se com as consequências legais da mesma.

Na descrição da situação pessoal dos arguidos valoraram-se as suas declarações conjugadas, no caso dos arguidos JI... e JS..., com o teor dos relatórios sociais de fls. 83 a 86 e 87 a 91.

Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, atendeu-se ao teor dos certificados de registo criminal de fls. 28 a 44, 45 a 50 e 51. …”.
*
É pacífica a jurisprudência do STJ[7] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação[8], sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[9].

Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no presente recurso são as seguintes:

I – O Recorrente não podia ter sido julgado em processo sumário, porque o art.º 381º do CPP é e foi declarado inconstitucional;

II - A actuação do Recorrente não preenche o requisito de violência sobre o Agente da Autoridade, pelo que se não mostra preenchido o tipo.

*

Cumpre decidir.

Os vícios de apreciação da prova, previstos no art.º 410º/2 do CPP, são de conhecimento oficioso[10] e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum[11].

Importa consignar que não vislumbramos na decisão recorrida nenhum dos referidos vícios.

*

I – Entende o Recorrente que não podia ter sido julgado, como foi, em processo sumário, porque a norma que previa essa possibilidade, o art.º 381º do CPP, é e foi declarado inconstitucional.

O art.º 381º do CPP na versão resultante da alteração operada pela Lei 20/2013, de 21/02[12], que foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da CRP[13] pelo Acórdão do TC[14] n.º 174/2014, de 18/02 (DR 13/03), tem a seguinte redacção:

1 - São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito, nos termos dos artigos 255.º e 256.º:

a) Quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial; ou

2 - O disposto no número anterior não se aplica aos detidos em flagrante delito por crime a que corresponda a alínea m) do artigo 1.º ou por crime previsto no título III e no capítulo I do título V do livro II do Código Penal e na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário.”.

O mesmo art.º 381º do CPP, na versão anterior à da Lei 20/2013, de 21/02, isto é, na versão resultante da alteração de CPP operada pela Lei 48/2007, de 29/08[15], tem a seguinte redacção:

1 - São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito, nos termos dos artigos 255.º e 256.º, por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções:

a) Quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial; ou

2 - São ainda julgados em processo sumário, nos termos do número anterior, os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão de limite máximo superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.”.

A declaração de inconstitucionalidade de uma norma determina a repristinação das normas que esta, eventualmente, haja revogado (art.º 282º/1 da CRP).

O MP, na acusação de fls. 54/59, escreveu o seguinte: “…Porém, considerando os antecedentes criminais dos arguidos, e, bem assim, o sentido das decisões proferidas por este Tribunal em casos análogos, antevê-se que, em concreto, não irá ser aplicada a nenhum deles uma pena de prisão superior a 5 anos de prisão efectiva.

Por conseguinte, e face às razões ora apresentadas, irá deduzir-se acusação para julgamento em Processo Sumário ao abrigo do disposto, igualmente, no art. 381°, n° 2, do Código de Processo Penal. …”.

Esta acusação foi deduzida em 05/09/2013, isto é, quando já haviam sido prolatados, pelo menos, dois acórdãos do TC a julgar inconstitucional o art. 381º do CPP, na versão resultante da alteração operada pela Lei 20/2013, de 21/02 (cf. os acórdãos 428/2013, de 15/07, e 469/2013, de 13/05).

Por isto e porque, de outra forma, a referência que o MP faz ao art.º 381º/2 do CPP não teria qualquer sentido, entendemos que tal referência corresponde ao uso pelo MP do entendimento previsto nesta norma, na versão resultante da alteração de CPP operada pela Lei 48/2007, de 29/08.

A constitucionalidade do art.º 16º/3[16] do CPP, que sustenta o disposto nesta versão do art.º 381º/2[17], está, há muito, consolidada jurisprudencialmente[18].

O tribunal recorrido, na determinação da pena única aplicada ao Recorrente, não ultrapassou os limites assim fixados.

Por isso, a decisão recorrida não padece da nulidade prevista no art.º 119º/f)[19] do CPP, pelo que é improcedente, nesta parte o recurso.

*

II - Entende o Recorrente que a sua conduta não preenche os elementos do tipo de crime pelo qual veio condenado.

Como se afirma no sumário do acórdão do STJ de 28/04/1999[20]: “…I - No crime de resistência e coacção sobre funcionário do actual 347º do Cód. Penal (Reforma de 1995), como resulta da sua própria inserção sistemática, conjugado com o seu teor, o bem jurídico que a lei quis especialmente proteger com a incriminação que contém é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade manifestada na liberdade de actuação do seu funcionário ou membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança, posta em causa pelo emprego de violência ou ameaça grave contra aqueles seus agentes, não abrangendo, por isso, a tutela da integridade física dos mesmos, como bem pessoal. …”[21].

Atento o princípio da intervenção mínima do direito penal, a violência e a ameaça grave previstas neste tipo hão-de ser, pelo menos, aqueles que por si só integrem outros tipos de crime que ponham em causa a integridade física ou a liberdade de actuação de outrem, nomeadamente, ameaça, ofensas corporais, homicídio, coacção, sequestro, etc.[22].

Ora, por um lado, os empurrões (facto provado12)) constituem crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143º do CP[23].

Por outro lado, empunhar uma navalha e com ela tentar agredir um agente da autoridade constitui, pelo menos, ameaça grave.

Tanto basta para concluir que integram o conceito de violência para o efeito de preencherem o crime de resistência e coação sobre funcionário.

Como diz Cristina Líbano Monteiro, in “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, tomo III, Coimbra Editora, 2001, “A utilização do critério objectivo-individual (…) há-de assentar na idoneidade dessa violência ou ameaça para perturbar a liberdade de acção do funcionário.”.

Ora, por um lado, os empurrões constituem crime de ofensa à integridade física (art.º 143º do CP)[24], e, em atitude agressiva contra o agente da autoridade, empunhar uma navalha e tentar com ela agredir este, tem uma carga ameaçadora grave, dela retirando qualquer cidadão comum a conclusão de que, se o agente prosseguisse a intenção de o abordar e deter, seria agredido com a navalha, o que constitui um crime de ameaça (art.º 153º/1 do CP).

Por outro lado, foram suficientes para obrigar à imobilização do Recorrente, a fim de o manietar e evitar a agressão.

Tanto basta para concluir que integram o conceito de ameaça grave e violência para o efeito de preencherem o crime de resistência e coação sobre funcionário.

Por último, o facto de o Arg. ter agido em co-autoria, o que resulta da matéria de facto provada, não obsta, obviamente, a que ele seja punido pela sua co-autoria.

Assim, é improcedente o recurso.

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Nestes termos e nos mais de direito aplicáveis, julgamos não provido o recurso e, consequentemente, confirmamos inteiramente a decisão recorrida.
Condenamos o Recorrente nas custas, com taxa de justiça que se fixa em 4 (quatro) UC.

Notifique.

D.N..

*****

Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP).

*****

Lisboa, 30/10/2014

João Abrunhosa

Maria do Carmo Ferreira

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[1] Arguido/a/s.
[2] Termo/s de Identidade e Residência.
[3] Prestados em 05/09/2013.
[4] Ministério Público.
[5] Código de Processo Penal.
[6] Relativamente à fundamentação de facto, cf. a jurisprudência plasmada no Ac. STJ de 17/11/1999, relatado por Martins Ramires, in CJSTJ, III, p. 200 e ss., do qual citamos: “O entendimento do STJ sobre o cumprimento deste preceito encontra-se sedimentado: trata-se de exposição tanto quanto possível completa, mas concisa, dos motivos de facto e indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, sem necessidade de esgotar todas as induções ou critérios de valoração das provas e contraprovas, mas permitindo verificar que a decisão seguiu um processo lógico e racional na apreciação da prova, não sendo ilógica, arbitrária contraditória ou violadora das regras da experiência comum ... .”.
Também neste sentido, ver Maria do Carmo Silva Dias, in “Particularidades da Prova em Processo Penal. Algumas Questões Ligadas à Prova Pericial”, Revista do CEJ, 2º Semestre de 2005, pp. 178 e ss., bem como a doutrina e a jurisprudência constitucional citadas. No mesmo sentido, cf. Sérgio Gonçalves Poças, in “Da sentença penal – Fundamentação de facto”, revista “Julgar”, n.º 3, Coimbra Editora, p. 21 e ss..
Ver ainda José I. M. Rainho, in “Decisão da matéria de facto – exame crítico das provas”, Revista do CEJ, 1º Semestre de 2006, pp. 145 e ss. donde citamos: “Em que consiste portanto a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a formação da convicção? Consiste simplesmente na indicação das razões fundamentais, retiradas a partir das provas segundo a análise que delas fez o julgador, que levaram o tribunal a assumir como real certo facto. Ou, se se quiser, consiste em dizer por que motivo ou razão as provas produzidas se revelam credíveis e decisivas ou não credíveis ou não decisivas. No primeiro caso o tribunal explica por que julgou provado o facto; no segundo explica por que não julgou provado o facto. … a motivação não tem porque ser extensa, de modo a significar tudo o que foi probatoriamente percepcionado pelo julgador. Pelo contrário, deve ser concisa, como é próprio do que é instrumental, conquanto não possa deixar de ser completa.”.
Ver, por último, o acórdão do Tribunal Constitucional de 17/01/2007, in DR, 2ª Série, n.º 39, de 23/02/2007, que decidiu, além do mais, “Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que não é sempre necessária menção específica na sentença do conteúdo dos depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa.”.
[7] Supremo Tribunal de Justiça.
[8] Nesse sentido, ver Vinício Ribeiro, in “CPP – Notas e Comentários”, Coimbra Editora, 2ª edição, 2011, pág. 1292.
Ver também a nota 1 do acórdão da RC de 21/01/2009, relatado por Gabriel Catarino, no proc. 45/05.4TAFIG.C2, in www.dgsi.pt, que com a devida vénia, reproduzimos: “Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; www.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).”.
[9] Cf. Ac. 7/95 do STJ, de 19/10/1995, relatado por Sá Nogueira, in DR 1ª Série A, de 28/12/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no art.º 410.º/2 CPP, nos seguintes termos: “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito.”.
[10] Cf. Ac. do STJ de 19/10/1995, in DR 1ª Série A, de 12/28/1995, que fixou jurisprudência no sentido de que é oficioso o conhecimento, pelo tribunal de recurso, dos vícios indicados no citado art.º 410.º/2 CPP.
[11] Assim, o Ac. do STJ de 19/12/1990, proc. 413271/3.ª Secção: " I - Como resulta expressis verbis do art. 410.° do C.P.Penal, os vícios nele referidos têm que resultar da própria decisão recorrida, na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos que lhe sejam externos, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução ou até mesmo no julgamento (...). IV É portanto inoperante alegar o que os declarantes afirmaram no inquérito, na instrução ou no julgamento em motivação de recursos interpostos".
[12] Que entrou em vigor em 23/03/2013.
[13] Constituição da República Portuguesa.
[14] Tribunal Constitucional.
[15] Que entrou em vigor em 15/09/2007.
[16] Com o seguinte teor: “Compete ainda ao tribunal singular julgar os processos por crimes previstos na alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, ou, em requerimento, quando seja superveniente o conhecimento do concurso, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.”.
[17] Cuja constitucionalidade, tanto quanto sabemos, não foi posta em causa.
[18] Ver, por todos, o acórdão do TA n.º 281/91, de 19/06/1991, relatado por Alves Correia, do qual citamos: “… 4. A questão da constitucionalidade da norma em apreço foi já objecto de detida análise por parte deste Tribunal, em vários Acórdãos, tirados pelas suas duas secções [v.g. Acórdãos nºs 393/89 (in DR, II Série, de 14/9/1989), 435/89 (in DR, II Série, de 21/9/1989) 436/89 (in DR, II Série, de 21/9/1989), 455/89, 465/89 (in DR, II Série, de 30/1/1990), 466/89,467/89, 41/90, 43/90, 44/90 (in DR, II Série, de 4/7/1990), 48/90 (in DR, II Série, de 11/7/1990), 95/90, 96/90, 97/90, 100/90, 101/90, 102/90, 137/90 (in DR, II Série, de 7/9/1990) 140/90, 142/90, 143/90 (in DR, II Série, de 7/9/1990) 145/90, 147/90, 164/90,165/90, 166/90, 167/90, 168/90, 178/90, 183/90, 195/90, 197/90, 206/90, 208/90, 217/90, 218/90, 219/90, 220/90, 226/90, 252/90, 269/90, 276/90, 282/90, 291/90, 293/90, 296/90, 297/90, 301/90,319/90, 320/90, 326/90, 327/90, 328/90, 335/90, 5/91, 9/91, 11/91, 24/91, 28/91, 31/91, 35/91, 41/91, 43/91, 45/91, 46/91, 47/90, 50/91, 78/91 e 79/91], tendo entendido, embora, no que respeita aos tirados na 2ª secção, com alguns votos discordantes, que a norma do artigo 16º, nº 3, do Código de Processo Penal, conjugada com o nº4 do mesmo preceito, não padece de qualquer inconstitucionalidade.
Designadamente, não viola o princípio da reserva do juiz, nem o princípio da legalidade da acção penal, nem o princípio das garantias de defesa, nem o princípio da acusação, nem o princípio do juiz natural, nem o princípio da igualdade, consagrados nos artigos 205º,206º,221º, nºs 1 e 2, 32º, nºs. 1 , 5 e 7, e 13º da Constituição. E também, manifestamente, não viola o princípio da legalidade da pena (nulla poena sine lege anteriore), consignado no artigo 29º, nº 3, da Lei Fundamental. …”.
[19] A nulidade, a existir seria a da al. f) e não d), como entende o Recorrente.
[20] Relatado por Armando Leandro, in CJSTJ, II/1999.
[21] No mesmo sentido, ver Cristina Líbano Monteiro, in “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, tomo III, Coimbra Editora, 2001, pág. 339.

[22] Sobre os elementos do tipo de resistência e coacção sobre funcionário, cf., por todos, o acórdão da RP de 14/12/2011, relatado por Vaz Carreto, in JusNet 8387/2011, do qual citamos: “…Tal tipo tem como elementos da acção:

- a oposição á prática de acto relativo ao exercício de funções; ou

- o constrangimento à prática de acto relativo ao exercício de funções, mas contrários aos deveres do cargo; e

- o emprego de violência ou ameaça grave.

E com essa incriminação visa-se proteger "a liberdade de acção pública do funcionário, ou seja, a actividade relativa ao exercício das suas funções" - Ac. RP 27-10-2010 (JusNet 5913/2010), www.dgsi.pr/jtrp, pois, com pequenas diferenças a Jurisprudência e a doutrina é unânime em afirmar que o bem jurídico protegido com a incriminação é:

"..., em primeira via, o próprio funcionário (e, indirectamente, o interesse público na execução das suas próprias funções), pelo que se trata de um bem jurídico eminentemente pessoal." - Ac STJ 2/12/98 BMJ N482, 60 (JusNet 7348/1998) e www.dgsi.ptjstj;

"...«é a autonomia intencional do Estado, protegida de ataques vindos do exterior da Administração Pública. Pretende evitar-se que não-funcionários ponham entraves à livre execução das "intenções" estaduais, tornando-as ineficazes. Se simultaneamente se protege a pessoa do funcionário incumbido de desempenhar determinada tarefa, a sua liberdade individual, essa protecção é tão só funcional ou reflexa. A liberdade do funcionário importa na estrita medida em que representa a liberdade do Estado. Na outra dimensão - na privada, na que possui como pessoa e como cidadão - não encontra resguardo neste tipo legal. Por outras palavras: acautela-se a liberdade de acção pública do funcionário, não a sua liberdade de acção privada».- Ac STJ 4/1/2007 (JusNet 3112/2007) www.dgsi.pt/jstj

"...protege-se o próprio funcionário no exercício das suas funções, e por causa destas, e, paralelamente, por via indirecta, o interesse público na prossecução das suas funções, com a autonomia funcional do Estado" - Ac stj 3/7/2007 www,dgsi.pt/jstj.

"... pretende-se tutelar o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade, manifestada na liberdade de actuação dos seus agentes aí referidos, ou como outros preferem dizer, a autonomia intencional do Estado, muito embora tenha naturalmente repercussões ao nível da protecção do funcionário - vide Lopes da Mota, in "Crimes contra a autoridade pública", in "Jornadas de Direito Criminal - Revisão do Código Penal", Vol. II (1998), p. 413 e 426; "Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial", Tomo III (2001), p. 339.

Neste sentido vem-se pronunciando o nosso STJ, destacando-se para o efeito o Ac. de 1999/Abr./28 [CJ (S) II/193], (JusNet 10288/1999) segundo o qual "No crime de resistência e coacção sobre funcionário do actual 347.º do Cód. Penal (Reforma de 1995), como resulta da sua própria inserção sistemática, conjugado com o seu teor, o bem jurídico que a lei quis especialmente proteger com a incriminação que contém é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade, manifestada na liberdade de actuação do seu funcionário ou membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança, posta em causa pelo emprego de violência ou ameaça grave contra aqueles seus agentes" in Ac. R.P.22/2/06 (JusNet 823/2006) www.dgsi.pt/jtrp Des. J Gomes. (cfr. também Ac R. P. 26/8/2008 www.dgsi.pt/jtrp Des. Maria do Carmo Silva Dias)

Ou

"O bem jurídico protegido por este normativo é a "Autonomia Funcional do Estado". Ac. Rel. Évora de 19/02/2002, in C.J.XXVII, 2002, tomo I, pag. 278 (JusNet 8610/2002). E Comentário Conimbricense, Tomo III, pag.339., autonomia essa protegida dos ataques vindos do exterior da Administração Pública.

Pretende evitar-se que não funcionários ponham entraves à livre execução das intenções estaduais tornando-as ineficazes

O que a lei visa proteger é o interesse que o Estado tem em fazer respeitar a sua autoridade manifestada na liberdade funcional de actuação do seu funcionário ou membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança, punindo quem empregue violência ou ameaça grave contra ele, para se opor a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo a esse exercício, mas contrário aos seus deveres.- Ac. S.T.J. de 25/09/2002, in C. J. Ano X, Tomo II - 2002,pág 182 (JusNet 8947/2002)." in Ac RP 21/9/05 (JusNet 7117/2005) www.dgsi.pt/jtrp

ou ainda

Neste tipo legal de crime "incrimina-se uma actividade dirigida ao agente de autoridade, traduzida numa atitude de oposição à execução de um acto ou numa atitude de constrangimento para a prática de um acto do poder público, mediante actos de coacção física (uso da força física) ou psíquica (ameaça e acto material e violento como fim de impedir o agente de autoridade de exercer as suas funções), perturbadores da segurança e tranquilidade ou mediante a exteriorização de uma vontade de fazer nascer um mal sério, geralmente imediato, de natureza a influenciar a acção legal do agente da autoridade" - Ac da RG de 2/11/2009, processo 28/07.0PEBRG (JusNet 7561/2009)www.dgsi.pt

Daqui, o bem jurídico, como fundamento, que é, e razão de ser da incriminação de tais condutas, decorrem importantes consequência são nível do conceito de violência ou ameaça grave.

Desde logo e da analise dos seus elementos constitutivos importa salientar que estamos perante um crime de mera actividade e de perigo, donde a consumação do crime «exige apenas a prática da acção coactora adequada a anular ou comprimir a capacidade de actuação do funcionário ou afim - Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Ed., 2000, pág. 347.

"Trata-se, assim, de um crime de perigo, em que não é necessária a efectiva lesão do bem jurídico que lhes está subjacente, mas apenas a possibilidade ou a probabilidade da correspondente conduta típica vir a afectar os interesses protegidos." Ac. RP 22/2/06 (JusNet 823/2006) www.dgsi.pt/jtrp Des. J Gomes

Ora a violência ou ameaça típicas ali previstas engloba todo o tipo de acto ou hostilidade que afecte a liberdade de actuação do agente publico no exercício das suas funções que se quer livre, e por isso violência será toda actuação (ainda que verbal) ou o acto de força ou mera hostilidade que seja idóneo a coagir o funcionário e, haverá ameaça grave se a acção do arguido afectar a segurança e tranquilidade da pessoa a quem se dirige e seja suficientemente séria para produzir o resultado visado, e por isso pode ser o resultado de qualquer forma de actuação ou do uso de um qualquer meio.

E porque a violência pode ser física ou psíquica (Ac STJ 3/7/2007 cit.), se entenda que

"A violência que é exigida pelo art. 347º do CP95 não tem que traduzir-se na prática de uma ofensa corporal."- Ac RP 21/9/05 (JusNet 7117/2005) WWW.dgsi.pt/jtrp.

"A violência ... não necessita de ser grave e nem sequer tem de consistir numa qualquer agressão física, consistindo antes num acto de força ou hostilidade que seja idóneo a coagir, a impedir ou dificultar a actuação legítima do funcionário ou equiparado - vide Ac. R.P. de 1995/Mar./29, in CJ II/232 (JusNet 10808/1995).; Ac. R. L. 1992/Fev./28 e 1991/Jun./01, in, respectivamente CJ I/188, III/186.- in Ac RP 22/2/2006 (JusNet 823/2006), e por outro lado "...a ameaça será grave desde que afecte a segurança e tranquilidade do funcionário a que se dirige, devendo ser suficientemente séria e apta para produzir o resultado tipificado"- Simas Santos et alli, C.P. Anotado Vol. II, 1996, pág. 1083. Cfr. no mesmo sentido Ac. R.E 07/10/1986, B MJ 362, 611.

Ora vistos os factos provados, cremos não haver dúvida de que o arguido usou de violência pois que não se tratou apenas da recusa a "... identificar-se tendo tentado abandonar o local, do que foi impedido pelos militares da GNR", mas da sua conduta perante esse impedimento de "nesse momento o arguido reagiu tentando agredir os militares ... com muros e empurrões, tendo de imediato sido imobilizado por estes", ou seja o arguido ao ser impedido de abandonar o local, tentou agredir os militares (assim evitando que estes impedissem a sua acção de abandono do local) com murros e pontapés, isso significa que usou de meios violentos (para se saber que tentou agredir com murros e pontapés é porque os praticou - deu murros e pontapés - que apenas não atingiram os visados, elementos da GNR que estavam a impedir a sua saída do local).

Não se trata por isso de um mero esbracejar ou empurrar, tentando arranjar espaço, inerente a uma qualquer discussão.

Assim o facto de não ter atingido/ agredido fisicamente os militares não integra o conceito de não uso de violência, impeditivo do preenchimento de tal elemento típico (que lhe concede uma especial característica: crime de execução vinculada - por meio de violência ou ameaça grave), e não impede a consumação do crime, tal como a não impede o facto de os militares terem conseguido dominar o arguido, imobilizando-o, e assim impedido a sua visada saída do local e desse modo o fim visado pelo arguido de não ser detido para ser identificado em face do crime denunciado (e razão da sua presença no local em exercício das suas funções) pois que não é elemento típico do crime que o arguido tenha conseguido os seus intentos (o acto do agente publico não seja praticado ou seja praticado o acto contrário aos seus deveres).

Neste sentido também o Ac da RG de 2/11/2009, processo 28/07.0PEBRG (JusNet 7561/2009), www.dgsi.pt, do seguinte teor "1. A resistência e coacção sobre funcionário não configura um crime de resultado, ou seja, não exige que o agente impeça, de facto, o exercício da função pública; basta que o agente se oponha com violência a este exercício (não sendo necessário que tal oposição tenha sucesso); trata-se, pois, de um crime de mera actividade."e de igual modo o Ac RP 26/11/08 (JusNet 6177/2008)cit.; …”.
[23] Código Penal.
[24] Nesse sentido, por todos, cf. os seguintes acórdãos: da RC de 21/01/2009, relatado por Fernando Ventura, no processo 525/06.4GCLRA.C1, in www.dgsi.pt; da RC de 06/10/2010, relatado por Esteves Marques, in JusNet 5582/2010; da RC de 07/03/2012, relatado por Alice Santos, in JusNet 1855/2012, e da RG de 02/12/2013, relatado por Maria Luísa Arantes, no processo 1734/11.0TAVCT.G1, in www.dgsi.pt.