Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | JOÃO ABRUNHOSA | ||
Descritores: | PROCESSO SUMÁRIO PENA MÁXIMA AMEAÇA COACÇÃO DE FUNCIONÁRIO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 10/30/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I – A declaração da inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, do art.º 381º do CPP, na versão resultante da alteração operada pela Lei 20/2013, de 21/02, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, pelo Acórdão do TC n.º 174/2014, de 18/02 (DR 13/03), repristinou a versão anterior desta norma, isto é, a versão resultante da alteração de CPP operada pela Lei 48/2007, de 29/08;
II – Ao anteceder a acusação do seguinte trecho: “…irá deduzir-se acusação para julgamento em Processo Sumário ao abrigo do disposto, igualmente, no art. 381°, n° 2, do Código de Processo Penal …”, o Ministério Público está a usar da prerrogativa prevista no referido art.º na versão repristinada; III - Integram o conceito de ameaça grave e violência para o efeito de preencherem o crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347º/1 do CP, empunhar uma navalha e com ela tentar agredir um agente da autoridade e desferir-lhe empurrões, obrigando este a imobilizar o arguido, a fim de o manietar e evitar a agressão. | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Nos presentes autos de recurso, acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
No Tribunal judicial de S. Vicente, por sentença de 10/10/2013, constante de fls. 100/125, foram os Arg.[1] JV..., JS... e JI..., com os restantes sinais dos autos (cf. TIR[2], respectivamente, de fls. 21, 13 e16[3]), condenados nos seguintes termos: a) Condenar o arguido JV..., pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) todos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de prisão. b) Condenar o arguido JV..., pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo art. 347.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão. d) Suspender a pena de prisão aplicada ao arguido JV... pelo período de 3 (três) anos de prisão, mediante regime de prova com base em Plano de Reinserção Social a elaborar pela Direcção-Geral de Reinserção Social, que deverá dar especial enfoque à inserção profissional do arguido. e) Condenar o arguido JS..., pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) todos do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão. f) Condenar o arguido JS..., pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo art. 347.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão. h) Condenar o arguido JI..., pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos art. 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) todos do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão. i) Condenar o arguido JI..., pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo art. 347.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão. j) Efectuado o cúmulo das penas mencionadas em h) e i), condenar o arguido JI..., na pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão. * Não se conformando, o Arg. JS... interpôs recurso da referida decisão, com os fundamentos constantes da motivação de fls. 130/138, com as seguintes conclusões: “…1 O arguido foi acusado e condenado, em processo sumário, pela prática de um crime de furto qualificado, que nos termos dos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) todos do Código Penal, prevê uma pena abstracta de 2 a 8 anos de pena de prisão; 2 Conforme Acórdão n.º 428/2013 do Tribunal Constitucional, de 15 de Julho de 2013, decidiu-se «julgar inconstitucional a norma do artigo 381º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 322, n.ºs 1 e 2, da Constituição»; 3 Face à inconstitucionalidade da aplicação do processo sumário ao crime de furto qualificado, cuja pena máxima abstractamente aplicável é de 8 anos de prisão, a presente condenação é nula (insanável), como estatui a al. d) do artigo 119.º do Código do Processo Penal; 4 Devendo-se mandar repetir todo o processado nos autos; 13 Em conclusão, o comportamento do arguido não preenche os elementos objectivos do crime de resistência e coacção sobre funcionário, por não integrar os contornos de violência e de ameaça grave que a norma incriminadora exige, devendo o arguido ser absolvido da prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário. 14 Na medida em que os agentes não sentiram constrangidos, nem foram impedidos, de exercer as funções inerentes aos deveres do cargo. Nestes termos e nos demais de Direito, que V. Exas. doutamente suprirem: a) Declarar nula (insanável) a condenação do arguido pela prática de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e) todos do Código Penal, por inconstitucionalidade da norma do artigo 381º, n.º 1, do Código de Processo Penal, na redacção introduzida pela Lei 20/2013, de 21 de fevereiro, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstratamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da Constituição, devendo-se mandar repetir todo o processado nos autos; e b) Ser absolvido o arguido pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal, por não se verificarem preenchidos os elementos objectivos do tipo do crime. …”. A Exm.ª Magistrada do MP[4] respondeu ao recurso, nos termos de fls. 147/160, com as seguintes conclusões: “… 2. No âmbito dos presentes autos o arguido JS... foi condenado pela prática de um crime de furto qualificado e de um crime de resistência e coacção sobre funcionário na pena única de 5 anos de prisão. 13. O agente de autoridade ameaçado na sua integridade física e na sua vida pela concreta, real e evidente vontade de o arguido o enfrentar e de estar disposto a feri-lo, usou da sua especial capacidade de resposta e usou-a para cumprir os deveres em que foi investido, o que não invalida que o visado pela sua actuação não tenha logrado a sua pretensão de intimidar e de obstaculizar ao exercício daquela actividade. 14. A norma penal ínsita no artigo 347.°, do Código Penal visa proteger a autonomia intencional do Estado, a qual deve ser afirmada em quadros de normalidade e não em quadros de confrontação, intimidação e reaccionarismo agressivo e violento, que coloca em risco os agentes do Estado. Pelo exposto, entendemos que o recurso interposto deve ser julgado improcedente e, deste modo, ser mantida a douta decisão recorrida. …”. * Neste tribunal a Exm.ª Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer de fls. 177, com o seguinte teor: “…O arguido foi julgado em processo sumário por crimes cuja soma do limite máximo das penas aplicáveis atinge 13 anos, por aplicação do art° 381°, do C.P.P., na redacção dada pela Lei n°20/2013, de 21/2. O Plenário do Tribunal Constitucional já teve oportunidade de apreciar a questão, declarando a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, daquela norma jurídica, através do Acórdão n.° 174/2014 (disponível in www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/). Assim sendo, em estrito cumprimento do determinado pelo Acórdão n.° 174/2014, impõe-se declarar a nulidade da forma de processo adoptada uma vez que a norma supracitada, no presente momento, já não vigora no ordenamento jurídico português, por via do artigo 282°, n.° 1, da CRP, devendo os autos prosseguir como inquérito. Assim sendo, ficam prejudicadas quaisquer outras questões. Pelo exposto sou de parecer que o recurso merece provimento parcial. …”. * O tribunal recorrido fixou da seguinte forma a matéria de facto: “… A) Matéria de Facto Provada Com relevância para a decisão da causa resultaram provados todos os factos. …”. * “…A convicção do Tribunal para a determinação da matéria de facto dada como provada resulta da prova produzida em audiência de julgamento conjugada entre si. JI... e JS... negaram a prática dos factos constantes da acusação, referindo antes que apenas tiveram conhecimento de que os bens ora em causa se encontravam dentro do automóvel em que seguiam aquando da intercepção dos agentes da polícia. De igual forma, negaram que tivessem tido reagido contra a intervenção destes agentes, de forma a obstar a que os mesmos os detivessem. JV... assumiu que foi ele, sozinho, sem qualquer conhecimento e intervenção dos demais arguidos, que entrou em casa do denunciante, por uma janela, e dali retirou aqueles bens. Afirmou que o fez sem qualquer plano e que, entretanto, os restantes dois arguidos o esperaram no automóvel, com total desconhecimento do que estava a suceder. Disse ainda que, em momento algum lhes comunicou o que fizera. Negou contudo que, aquando da ordem de paragem dos agentes da polícia, tivesse tentado reagir contra os mesmos ou que algum dos arguidos o tivesse feito. Por sua vez, JA..., explicou detalhadamente que se encontrava na sua residência, a dormir, quando, por volta das 4:15 horas da manhã, acordou e viu uma pessoa, que identificou em audiência de discussão e julgamento como sendo o arguido JS..., dentro do seu quarto. Disse que, ao ser visto, este imediatamente se colocou em fuga. Tendo-o seguido, viu três pessoas a fugir e, seguidamente, um veículo automóvel de cor vermelha a passar na estrada. FD... GP..., agente da P.S.P. a desempenhar funções na Esquadra de São Vicente, descrevendo as circunstâncias em que foi ordenado aos arguidos que parassem, quando estes seguiam de automóvel, ordem que os mesmos não acataram e que motivou uma perseguição ao veículo em que seguiam, explicou que, imediatamente após pararem o automóvel, o arguido JS... saiu do mesmo e dirigiu-se a si empunhando uma navalha, não largando a mesma, mesmo quando intimado a fazê-lo. Declarou que, posteriormente, enquanto o detinha, os outros dois arguidos tentavam impossibilitar a prática de tal acto, tendo-lhes sido dada também ordem de detenção. Nesta sequência, quando revistou os arguidos, encontrou na posse do arguido JS... a carteira, encontrando ainda os demais bens, todos descritos no auto de apreensão de fls. 5 e 6, na posse dos outros dois arguidos e no veículo automóvel. Complementarmente, referiu ainda que, aquando da ordem de paragem aos arguidos, não tinha qualquer conhecimento dos factos praticados pelos mesmos, vindo a saber de tal mais tarde, através de uma comunicação recebida. SG…, também agente da P.S.P. a desempenhar funções em São Vicente, corroborou as circunstâncias descritas pela anterior testemunha, em que foi dada ordem de paragem aos arguidos. Da mesma forma, descreveu a atitude dos arguidos à ordem que lhes foi dada, explicando que, num primeiro momento, o arguido JS..., com uma faca, tentou obstar à sua detenção e ainda o facto dos outros dois arguidos, aquando da detenção deste, terem intervindo de forma a obstar a tal. Analisadas genericamente as declarações dos arguidos e os depoimentos das três testemunhas com intervenção nos factos, apresentam-se duas versões totalmente distintas dos factos: por um lado, a dos arguidos, por outro lado, a do ofendido e a dos agentes da P.S.P. Nesta sede, cumpre referir que, a análise da prova não é feita de meras concordâncias de depoimentos de testemunhas, devendo ainda atender-se às regras da experiência comum e demais factores tais como credibilidade e isenção dos depoimentos prestados. E, no presente caso, a versão apresentada pelos arguidos, não merece qualquer credibilidade, sendo cabalmente contrariada pela restante prova produzida. Vejamos. Em primeiro lugar, a salientar o facto do arguido JS... ter sido identificado pelo ofendido em audiência de discussão e julgamento pela cor da t-shirt, tendo sido afirmado por FD... GP... que o arguido ainda tinha vestida a mesma t-shirt do momento em que foi detido (imediatamente após à prática dos factos). A referir que o depoimento do ofendido se revelou totalmente isento e credível, apesar da sua intervenção directa nos factos, relatando estes de uma forma manifestamente espontânea. Em segundo lugar, sobressai o facto de o ofendido ter referido que o automóvel que viu a descer a rua, imediatamente a seguir à ocorrência dos factos, ser de cor vermelha e tal ter sido corroborado pela testemunha FD... GP..., revelando que aquando da comunicação destes factos lhe foi referido que o veículo onde os suspeitos se deslocavam era vermelho. Mas mais circunstâncias contrariam a versão apresentada pelos arguidos. Se efectivamente os mesmos não tivessem qualquer acto a esconder, como se explica que, num primeiro momento, tenham tentado desobedecer à ordem de imobilização que lhes foi dada pelos agentes da P.S.P.? E ainda que, quando finalmente pararam, o arguido JS... tenha saído do automóvel demonstrando oposição à intervenção da polícia? É que, se o arguido JS... desconhecia totalmente o que havia sucedido, nada deveria ter a temer… Basta atentar no que sucedeu. O arguido JS... não pretendia parar uma vez que tinha na sua roupa interior a carteira do ofendido, encontrando-se os demais bens também na posse dos arguidos. Ora, tais factos só por si, descredibilizam totalmente a versão apresentada pelos arguidos, levando-nos a concluir que os factos foram praticados pelos três, de comum acordo. Passemos agora ao momento em que os arguidos foram interceptados pelos agentes da PSP. Pelos três arguidos foi negada qualquer forma de oposição à intervenção dos agentes, afirmando antes que estes é que reagiram violentamente contra si, sem qualquer motivo. Ainda que pelos arguidos tenha sido admitida a posse de uma navalha, o que é confirmado pelo teor do auto de apreensão de fls. 3 verso, segundo os mesmos em momento algum esta foi utilizada. Contudo, pelos agentes da P.S.P. de forma concordante entre si, conforme já exposto, foram descritas as circunstâncias em que os arguidos tentaram obstar à sua intervenção. E, ambos os depoimentos mereceram total credibilidade, atenta a forma sincera como foram prestados, admitindo inclusive que efectivamente exerceram alguns actos de violência contra os arguidos, mas de forma a conseguirem reagir contra os mesmos. A versão dos arguidos, de que saíram do automóvel e imediatamente foram alvo de uma série de actos violentos, sem qualquer razão que justificasse tal, face às regras da experiência comum e conjugadas com a demais factualidade aqui em causa, não nos merece qualquer credibilidade. Face a todo o exposto, consideram-se provados os factos 1) a 7) e 10) a 12). Em relação aos elementos subjectivos dos factos imputados aos arguidos, pertencendo os mesmos à vida interior de cada um, decorrem da conjugação da factualidade objectiva apurada com as regras da normalidade e da experiência comum do julgador. Com efeito, resulta das regras da experiência comum que, quem actua como os arguidos actuaram, não pode deixar de querer actuar tal como o descrito, de ter consciência da proibição da conduta e de conformar-se com as consequências legais da mesma. Na descrição da situação pessoal dos arguidos valoraram-se as suas declarações conjugadas, no caso dos arguidos JI... e JS..., com o teor dos relatórios sociais de fls. 83 a 86 e 87 a 91. Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, atendeu-se ao teor dos certificados de registo criminal de fls. 28 a 44, 45 a 50 e 51. …”. Da leitura dessas conclusões e tendo em conta as questões de conhecimento oficioso, afigura-se-nos que as questões fundamentais a decidir no presente recurso são as seguintes: I – O Recorrente não podia ter sido julgado em processo sumário, porque o art.º 381º do CPP é e foi declarado inconstitucional; II - A actuação do Recorrente não preenche o requisito de violência sobre o Agente da Autoridade, pelo que se não mostra preenchido o tipo. * Cumpre decidir. Os vícios de apreciação da prova, previstos no art.º 410º/2 do CPP, são de conhecimento oficioso[10] e têm que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum[11]. Importa consignar que não vislumbramos na decisão recorrida nenhum dos referidos vícios. * I – Entende o Recorrente que não podia ter sido julgado, como foi, em processo sumário, porque a norma que previa essa possibilidade, o art.º 381º do CPP, é e foi declarado inconstitucional. O art.º 381º do CPP na versão resultante da alteração operada pela Lei 20/2013, de 21/02[12], que foi declarada inconstitucional, com força obrigatória geral, na interpretação segundo a qual o processo sumário aí previsto é aplicável a crimes cuja pena máxima abstractamente aplicável é superior a cinco anos de prisão, por violação do artigo 32º, n.ºs 1 e 2, da CRP[13] pelo Acórdão do TC[14] n.º 174/2014, de 18/02 (DR 13/03), tem a seguinte redacção: “1 - São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito, nos termos dos artigos 255.º e 256.º: a) Quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial; ou
2 - O disposto no número anterior não se aplica aos detidos em flagrante delito por crime a que corresponda a alínea m) do artigo 1.º ou por crime previsto no título III e no capítulo I do título V do livro II do Código Penal e na Lei Penal Relativa às Violações do Direito Internacional Humanitário.”. O mesmo art.º 381º do CPP, na versão anterior à da Lei 20/2013, de 21/02, isto é, na versão resultante da alteração de CPP operada pela Lei 48/2007, de 29/08[15], tem a seguinte redacção: “1 - São julgados em processo sumário os detidos em flagrante delito, nos termos dos artigos 255.º e 256.º, por crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não seja superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções: a) Quando à detenção tiver procedido qualquer autoridade judiciária ou entidade policial; ou
2 - São ainda julgados em processo sumário, nos termos do número anterior, os detidos em flagrante delito por crime punível com pena de prisão de limite máximo superior a 5 anos, mesmo em caso de concurso de infracções, quando o Ministério Público, na acusação, entender que não deve ser aplicada, em concreto, pena de prisão superior a 5 anos.”. A declaração de inconstitucionalidade de uma norma determina a repristinação das normas que esta, eventualmente, haja revogado (art.º 282º/1 da CRP). O MP, na acusação de fls. 54/59, escreveu o seguinte: “…Porém, considerando os antecedentes criminais dos arguidos, e, bem assim, o sentido das decisões proferidas por este Tribunal em casos análogos, antevê-se que, em concreto, não irá ser aplicada a nenhum deles uma pena de prisão superior a 5 anos de prisão efectiva. Por conseguinte, e face às razões ora apresentadas, irá deduzir-se acusação para julgamento em Processo Sumário ao abrigo do disposto, igualmente, no art. 381°, n° 2, do Código de Processo Penal. …”. Esta acusação foi deduzida em 05/09/2013, isto é, quando já haviam sido prolatados, pelo menos, dois acórdãos do TC a julgar inconstitucional o art. 381º do CPP, na versão resultante da alteração operada pela Lei 20/2013, de 21/02 (cf. os acórdãos 428/2013, de 15/07, e 469/2013, de 13/05). Por isto e porque, de outra forma, a referência que o MP faz ao art.º 381º/2 do CPP não teria qualquer sentido, entendemos que tal referência corresponde ao uso pelo MP do entendimento previsto nesta norma, na versão resultante da alteração de CPP operada pela Lei 48/2007, de 29/08. A constitucionalidade do art.º 16º/3[16] do CPP, que sustenta o disposto nesta versão do art.º 381º/2[17], está, há muito, consolidada jurisprudencialmente[18]. O tribunal recorrido, na determinação da pena única aplicada ao Recorrente, não ultrapassou os limites assim fixados. Por isso, a decisão recorrida não padece da nulidade prevista no art.º 119º/f)[19] do CPP, pelo que é improcedente, nesta parte o recurso. * II - Entende o Recorrente que a sua conduta não preenche os elementos do tipo de crime pelo qual veio condenado. Como se afirma no sumário do acórdão do STJ de 28/04/1999[20]: “…I - No crime de resistência e coacção sobre funcionário do actual 347º do Cód. Penal (Reforma de 1995), como resulta da sua própria inserção sistemática, conjugado com o seu teor, o bem jurídico que a lei quis especialmente proteger com a incriminação que contém é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade manifestada na liberdade de actuação do seu funcionário ou membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança, posta em causa pelo emprego de violência ou ameaça grave contra aqueles seus agentes, não abrangendo, por isso, a tutela da integridade física dos mesmos, como bem pessoal. …”[21]. Atento o princípio da intervenção mínima do direito penal, a violência e a ameaça grave previstas neste tipo hão-de ser, pelo menos, aqueles que por si só integrem outros tipos de crime que ponham em causa a integridade física ou a liberdade de actuação de outrem, nomeadamente, ameaça, ofensas corporais, homicídio, coacção, sequestro, etc.[22]. Ora, por um lado, os empurrões (facto provado12)) constituem crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art.º 143º do CP[23]. Por outro lado, empunhar uma navalha e com ela tentar agredir um agente da autoridade constitui, pelo menos, ameaça grave. Tanto basta para concluir que integram o conceito de violência para o efeito de preencherem o crime de resistência e coação sobre funcionário. Como diz Cristina Líbano Monteiro, in “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, tomo III, Coimbra Editora, 2001, “A utilização do critério objectivo-individual (…) há-de assentar na idoneidade dessa violência ou ameaça para perturbar a liberdade de acção do funcionário.”. Ora, por um lado, os empurrões constituem crime de ofensa à integridade física (art.º 143º do CP)[24], e, em atitude agressiva contra o agente da autoridade, empunhar uma navalha e tentar com ela agredir este, tem uma carga ameaçadora grave, dela retirando qualquer cidadão comum a conclusão de que, se o agente prosseguisse a intenção de o abordar e deter, seria agredido com a navalha, o que constitui um crime de ameaça (art.º 153º/1 do CP). Por outro lado, foram suficientes para obrigar à imobilização do Recorrente, a fim de o manietar e evitar a agressão. Tanto basta para concluir que integram o conceito de ameaça grave e violência para o efeito de preencherem o crime de resistência e coação sobre funcionário. Por último, o facto de o Arg. ter agido em co-autoria, o que resulta da matéria de facto provada, não obsta, obviamente, a que ele seja punido pela sua co-autoria. Assim, é improcedente o recurso. ***** Notifique. D.N.. ***** Elaborado em computador e integralmente revisto pelo relator (art.º 94º/2 do CPP). ***** Lisboa, 30/10/2014 João Abrunhosa Maria do Carmo Ferreira _______________________________________________________ [22] Sobre os elementos do tipo de resistência e coacção sobre funcionário, cf., por todos, o acórdão da RP de 14/12/2011, relatado por Vaz Carreto, in JusNet 8387/2011, do qual citamos: “…Tal tipo tem como elementos da acção: - a oposição á prática de acto relativo ao exercício de funções; ou - o constrangimento à prática de acto relativo ao exercício de funções, mas contrários aos deveres do cargo; e - o emprego de violência ou ameaça grave. E com essa incriminação visa-se proteger "a liberdade de acção pública do funcionário, ou seja, a actividade relativa ao exercício das suas funções" - Ac. RP 27-10-2010 (JusNet 5913/2010), www.dgsi.pr/jtrp, pois, com pequenas diferenças a Jurisprudência e a doutrina é unânime em afirmar que o bem jurídico protegido com a incriminação é: "..., em primeira via, o próprio funcionário (e, indirectamente, o interesse público na execução das suas próprias funções), pelo que se trata de um bem jurídico eminentemente pessoal." - Ac STJ 2/12/98 BMJ N482, 60 (JusNet 7348/1998) e www.dgsi.ptjstj; "...«é a autonomia intencional do Estado, protegida de ataques vindos do exterior da Administração Pública. Pretende evitar-se que não-funcionários ponham entraves à livre execução das "intenções" estaduais, tornando-as ineficazes. Se simultaneamente se protege a pessoa do funcionário incumbido de desempenhar determinada tarefa, a sua liberdade individual, essa protecção é tão só funcional ou reflexa. A liberdade do funcionário importa na estrita medida em que representa a liberdade do Estado. Na outra dimensão - na privada, na que possui como pessoa e como cidadão - não encontra resguardo neste tipo legal. Por outras palavras: acautela-se a liberdade de acção pública do funcionário, não a sua liberdade de acção privada».- Ac STJ 4/1/2007 (JusNet 3112/2007) www.dgsi.pt/jstj "...protege-se o próprio funcionário no exercício das suas funções, e por causa destas, e, paralelamente, por via indirecta, o interesse público na prossecução das suas funções, com a autonomia funcional do Estado" - Ac stj 3/7/2007 www,dgsi.pt/jstj. "... pretende-se tutelar o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade, manifestada na liberdade de actuação dos seus agentes aí referidos, ou como outros preferem dizer, a autonomia intencional do Estado, muito embora tenha naturalmente repercussões ao nível da protecção do funcionário - vide Lopes da Mota, in "Crimes contra a autoridade pública", in "Jornadas de Direito Criminal - Revisão do Código Penal", Vol. II (1998), p. 413 e 426; "Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial", Tomo III (2001), p. 339. Neste sentido vem-se pronunciando o nosso STJ, destacando-se para o efeito o Ac. de 1999/Abr./28 [CJ (S) II/193], (JusNet 10288/1999) segundo o qual "No crime de resistência e coacção sobre funcionário do actual 347.º do Cód. Penal (Reforma de 1995), como resulta da sua própria inserção sistemática, conjugado com o seu teor, o bem jurídico que a lei quis especialmente proteger com a incriminação que contém é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade, manifestada na liberdade de actuação do seu funcionário ou membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança, posta em causa pelo emprego de violência ou ameaça grave contra aqueles seus agentes" in Ac. R.P.22/2/06 (JusNet 823/2006) www.dgsi.pt/jtrp Des. J Gomes. (cfr. também Ac R. P. 26/8/2008 www.dgsi.pt/jtrp Des. Maria do Carmo Silva Dias) Ou "O bem jurídico protegido por este normativo é a "Autonomia Funcional do Estado". Ac. Rel. Évora de 19/02/2002, in C.J.XXVII, 2002, tomo I, pag. 278 (JusNet 8610/2002). E Comentário Conimbricense, Tomo III, pag.339., autonomia essa protegida dos ataques vindos do exterior da Administração Pública. Pretende evitar-se que não funcionários ponham entraves à livre execução das intenções estaduais tornando-as ineficazes O que a lei visa proteger é o interesse que o Estado tem em fazer respeitar a sua autoridade manifestada na liberdade funcional de actuação do seu funcionário ou membro das forças armadas, militarizadas ou de segurança, punindo quem empregue violência ou ameaça grave contra ele, para se opor a que pratique acto relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique acto relativo a esse exercício, mas contrário aos seus deveres.- Ac. S.T.J. de 25/09/2002, in C. J. Ano X, Tomo II - 2002,pág 182 (JusNet 8947/2002)." in Ac RP 21/9/05 (JusNet 7117/2005) www.dgsi.pt/jtrp ou ainda Neste tipo legal de crime "incrimina-se uma actividade dirigida ao agente de autoridade, traduzida numa atitude de oposição à execução de um acto ou numa atitude de constrangimento para a prática de um acto do poder público, mediante actos de coacção física (uso da força física) ou psíquica (ameaça e acto material e violento como fim de impedir o agente de autoridade de exercer as suas funções), perturbadores da segurança e tranquilidade ou mediante a exteriorização de uma vontade de fazer nascer um mal sério, geralmente imediato, de natureza a influenciar a acção legal do agente da autoridade" - Ac da RG de 2/11/2009, processo 28/07.0PEBRG (JusNet 7561/2009)www.dgsi.pt Daqui, o bem jurídico, como fundamento, que é, e razão de ser da incriminação de tais condutas, decorrem importantes consequência são nível do conceito de violência ou ameaça grave. Desde logo e da analise dos seus elementos constitutivos importa salientar que estamos perante um crime de mera actividade e de perigo, donde a consumação do crime «exige apenas a prática da acção coactora adequada a anular ou comprimir a capacidade de actuação do funcionário ou afim - Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo III, Coimbra Ed., 2000, pág. 347. "Trata-se, assim, de um crime de perigo, em que não é necessária a efectiva lesão do bem jurídico que lhes está subjacente, mas apenas a possibilidade ou a probabilidade da correspondente conduta típica vir a afectar os interesses protegidos." Ac. RP 22/2/06 (JusNet 823/2006) www.dgsi.pt/jtrp Des. J Gomes Ora a violência ou ameaça típicas ali previstas engloba todo o tipo de acto ou hostilidade que afecte a liberdade de actuação do agente publico no exercício das suas funções que se quer livre, e por isso violência será toda actuação (ainda que verbal) ou o acto de força ou mera hostilidade que seja idóneo a coagir o funcionário e, haverá ameaça grave se a acção do arguido afectar a segurança e tranquilidade da pessoa a quem se dirige e seja suficientemente séria para produzir o resultado visado, e por isso pode ser o resultado de qualquer forma de actuação ou do uso de um qualquer meio. E porque a violência pode ser física ou psíquica (Ac STJ 3/7/2007 cit.), se entenda que "A violência que é exigida pelo art. 347º do CP95 não tem que traduzir-se na prática de uma ofensa corporal."- Ac RP 21/9/05 (JusNet 7117/2005) WWW.dgsi.pt/jtrp. "A violência ... não necessita de ser grave e nem sequer tem de consistir numa qualquer agressão física, consistindo antes num acto de força ou hostilidade que seja idóneo a coagir, a impedir ou dificultar a actuação legítima do funcionário ou equiparado - vide Ac. R.P. de 1995/Mar./29, in CJ II/232 (JusNet 10808/1995).; Ac. R. L. 1992/Fev./28 e 1991/Jun./01, in, respectivamente CJ I/188, III/186.- in Ac RP 22/2/2006 (JusNet 823/2006), e por outro lado "...a ameaça será grave desde que afecte a segurança e tranquilidade do funcionário a que se dirige, devendo ser suficientemente séria e apta para produzir o resultado tipificado"- Simas Santos et alli, C.P. Anotado Vol. II, 1996, pág. 1083. Cfr. no mesmo sentido Ac. R.E 07/10/1986, B MJ 362, 611. Ora vistos os factos provados, cremos não haver dúvida de que o arguido usou de violência pois que não se tratou apenas da recusa a "... identificar-se tendo tentado abandonar o local, do que foi impedido pelos militares da GNR", mas da sua conduta perante esse impedimento de "nesse momento o arguido reagiu tentando agredir os militares ... com muros e empurrões, tendo de imediato sido imobilizado por estes", ou seja o arguido ao ser impedido de abandonar o local, tentou agredir os militares (assim evitando que estes impedissem a sua acção de abandono do local) com murros e pontapés, isso significa que usou de meios violentos (para se saber que tentou agredir com murros e pontapés é porque os praticou - deu murros e pontapés - que apenas não atingiram os visados, elementos da GNR que estavam a impedir a sua saída do local). Não se trata por isso de um mero esbracejar ou empurrar, tentando arranjar espaço, inerente a uma qualquer discussão. Assim o facto de não ter atingido/ agredido fisicamente os militares não integra o conceito de não uso de violência, impeditivo do preenchimento de tal elemento típico (que lhe concede uma especial característica: crime de execução vinculada - por meio de violência ou ameaça grave), e não impede a consumação do crime, tal como a não impede o facto de os militares terem conseguido dominar o arguido, imobilizando-o, e assim impedido a sua visada saída do local e desse modo o fim visado pelo arguido de não ser detido para ser identificado em face do crime denunciado (e razão da sua presença no local em exercício das suas funções) pois que não é elemento típico do crime que o arguido tenha conseguido os seus intentos (o acto do agente publico não seja praticado ou seja praticado o acto contrário aos seus deveres). Neste sentido também o Ac da RG de 2/11/2009, processo 28/07.0PEBRG (JusNet 7561/2009), www.dgsi.pt, do seguinte teor "1. A resistência e coacção sobre funcionário não configura um crime de resultado, ou seja, não exige que o agente impeça, de facto, o exercício da função pública; basta que o agente se oponha com violência a este exercício (não sendo necessário que tal oposição tenha sucesso); trata-se, pois, de um crime de mera actividade."e de igual modo o Ac RP 26/11/08 (JusNet 6177/2008)cit.; …”. |