Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1334/17.0YRLSB-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: AUTORIZAÇÃO DE IMPORTAÇÃO DE MEDICAMENTO
MEDICAMENTO GENÉRICO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. De um mero pedido de AIM, preço e comparticipação de um medicamento, desacompanhado de outros dados de facto, não se pode inferir a intenção de comercialização do medicamento genérico.

2. A AIM e a sua transferência, por si só, não constituem violação dos direitos da propriedade industrial, nomeadamente não se enquadram em nenhuma das situações descritas no art.º 101º do CPI.

3. A correcta interpretação do art 829º-A do C.C. passa pela consideração de que só se justifica a condenação em sanção pecuniária compulsória quando esteja comprovada a prática de factos objectivamente contrários à obrigação imposta na sentença ou de factos que tornem provável o seu incumprimento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa.



Relatório:


I.G..., LLC e J... UC., no âmbito do regime processual especial instituído pela Lei 62/2011, de 12/12, instaurou acção arbitral necessária, na qual demandaram Z....

As Demandantes notificaram a Demandada nos dia 13 de Maio de 2015 de que pretendiam submeter a arbitragem o litígio relativo a medicamentos genéricos que contêm a substância activa Daranavir.

No dia 15 de Setembro de 2015 ocorreu a designação do último árbitro.

O tribunal arbitral declarou-se instalado dia 10 de Novembro de 2015, conforme doc. junto aos autos a fls. 38 a 44, cujo teor se dá por reproduzido.

Da acta de instalação consta, além do mais, o seguinte:
“4.–Regras do processo
(…)
i)- Os prazos não se suspendem nos sábados, domingos e feriados, correndo durante as férias judiciais, com ressalva do mês de agosto;
(…)
l)- Findos os articulados, o Tribunal Arbitral fixará a matéria assente e a base instrutória, sendo as Partes notificadas para a audiência de produção de prova oral, que terá lugar nos 60 (sessenta) dias seguintes. (…)
4.2.– A presente arbitragem obedece subsidiariamente ao Regulamento de Arbitragem do Centro de arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa e às regras decorrentes da Lei de Arbitragem Voluntária aprovada pela lei n.º 63/20111, de 14/12, aplicável, em tudo o que não se encontrar previsto especificamente nos números anteriores; subsistindo ainda qualquer lacuna seguirá as que se mostrarem mais apropriadas à eficácia e celeridade processuais.
5.–Prazo da arbitragem
O prazo para a decisão arbitral é de 2 (dois meses) após o termo da fase de julgamento. O prazo pode ser livremente prorrogado por decisão do tribunal.
(…)”

As Demandantes apresentaram a p.i. na qual a 1ª Demandante alega ser titular da EP 810209 e do CCP 270 e a segunda Demandante alega ser titular da EP 1448567, da EP 1567529, da 2314591, da 1725566 e da 2089371, tendo peticionado a condenação da Demandada:
1.a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Darunavir identificado no art. 194º da p.i. ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, enquanto o CCP 270 se encontrar em vigor, ou seja, até 24 de Fevereiro de 2019;
2.a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Darunavir identificado no art. 194º da p.i. ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, na forma de darunavir etanolato, bem como nas formas equivalentes, incluindo o darunavir hidrato, enquanto as patentes EP 1567529, da 2314591 se encontrarem em vigor;
3.a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Darunavir identificado no art. 194º da p.i. ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, fabricadas sob os processos constantes das patentes EP 1448567, 1725566 e 2089371, enquanto as mesmas patentes se encontrarem em vigor;
4.a não transmitir a terceiros as AIMs identificadas no artigo 194º da p.i. até à caducidade dos referidos direitos de patente ora exercidos;
5.a pagar, nos termos do artigo 829.°-A do Código Civil, uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 110.000,00 (cento e dez mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação que vier a ser proferida, nos termos do primeiro, segundo e do terceiro pedidos; e
6.a suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente acção arbitral, e ainda a reembolsar as Demandantes das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas pagas pelas Demandantes em seu nome ou em suprimento da sua falta pela Demandada, bem como os honorários dos mandatários das Demandantes e outras despesas que estas tenham tido com o processo.

A Demandada apresentou contestação, alegando que os seus medicamentos genéricos não infringem a EP  1448567, nem a EP 1567529,  nem a EP 2314591, nem a EP 1725566, nem ainda a EP 2089371.

Houve resposta às excepções por parte das demandantes.

No Despacho Saneador proferido a 20 de Fevereiro de 2017 o tribunal arbitral conheceu parcialmente do mérito da causa nos seguintes termos:
“-A Demandada é condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em Vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Derunavir e em relação aos quais a Demandada requereu e obteve Autorizações de Introdução no Mercado ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, enquanto o CCP 270 se encontrar em vigor, ou seja, até 24 de fevereiro de 2019;
-A Demandada é absolvida quanto a todos os demais pedidos formulados pela Demandante G...;
-O Tribunal remete para e sentença final a decisão sobre a repartição pelas Partes dos honorários dos Árbitros e das despesas de presente acção”.

Da decisão absolutória da Demandada, vieram as Demandantes interpor recurso, tendo nas suas alegações, apresentado as seguintes conclusões:
1.O presente recurso vem interposto pelas Recorrentes do Despacho proferido pelo Tribunal Arbitral no dia 20 de Fevereiro de 2017 (data da notificação), no que se refere à absolvição da Demandada "quanto a todos os demais pedidos formulados pela Demandante G...".
2.O mesmo é dizer que tal recurso tem apenas como objecto a decisão do Tribunal Arbitral na parte em que (i) absolve a Demandada do pedido de condenação da Recorrida na não transmissão a terceiros das AIMs identificadas na Petição Inicial, até à data de caducidade dos direitos exercidos pelas Recorrentes e absolve a Demandada do pedido de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da condenação proferida pelo Tribunal Arbitral.
3.Os pontos da decisão acima enunciados merecem ser revogados na medida em que configuram uma interpretação infundada e errada das normas legais aplicáveis ao caso e uma incorrecta aplicação do Direito aos factos por parte do Tribunal a quo.
4.Em primeiro lugar, o Despacho recorrido, no segmento que constitui objecto do presente recurso, é nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, por nele ocorrer ambiguidade que torna a decisão ininteligível, sendo que a referida norma lhe é aplicável uma vez que o despacho em causa decidiu parcialmente do mérito da presente lide.
5.O que sucedeu foi que o Tribunal a quo proferiu decisão parcial da causa, condenando a Demandada no primeiro pedido formulado pelas ora Recorrentes na sua Petição Inicial e retirando as legais consequências do facto de não ter sido deduzida contestação em relação à EP 810 209 e respectivo CCP 270, daqui parecendo recorrer que o Tribunal não apreciaria, por meio do Despacho recorrido, nenhum pedido que não se relacionasse exclusivamente com a condenação em relação à EP 810 209 e respectivo CCP 270.
6.Contudo, o Tribunal Arbitral proferiu, no mesmo Despacho, decisão de absolvição da Recorrida em relação a todos os restantes pedidos que haviam sido formulados pela Demandante G... (que não deduziu qualquer pedido sozinha) e em momento algum circunscreve, de modo expresso, a decisão sobre os demais pedidos formulados pelas Demandantes apenas à condenação relativa EP 810 209 e respectivo CCP 270.
7.Neste sentido, a decisão em causa sofre de ambiguidade que a torna ininteligível, ou seja, contém uma imprecisão que não permite que seja retirado com segurança o seu teor decisório, ou a forma como se quis decidir o litígio.
8.A leitura do despacho do tribunal a quo sugere a um intérprete razoável mais do que um sentido possível, o que faz com que não seja possível decifrar, de maneira exacta, que sentido e amplitude têm a decisão proferida, a mesma só pode ser considerada nula, atento o seu teor equívoco e indeterminado.
9.Em segundo lugar, e independentemente da amplitude da decisão do Tribunal Arbitral, não podem as Recorrentes conformar-se com a decisão do Tribunal a quo de julgar improcedente o pedido de não transmissão a terceiros das AIMs dos autos, até à data de caducidade dos referidos direitos exercidos pelas Recorrentes.
10.Desde logo, o Tribunal identifica a questão e o problema a resolver, faz referência à análise que foi feita em algumas decisões dos tribunais estaduais, mas abstém-se (expressamente) de analisar a questão que lhe foi submetida e de a ponderar, interpretando e aplicando a lei de modo crítico, como se impunha, limitando-se a referir que há que seguir essas decisões não obstante opiniões pessoais ou posições já tomadas em contrário.
11.Pelo que só se pode considerar que a decisão se encontra ferida de invalidade (por violação, designadamente, do disposto nos artigos 615.º, n.º 1 alínea b), bem como dos artigos 2.º do CPC e 20.º da CRP, na medida em que o Tribunal Arbitral não fundamenta a sua decisão, nem faz uma apreciação crítica das questões que lhe foram trazidas.
12.Por outro lado, é legítimo e fundado o receio das Recorrentes de que as AIMs, uma vez concedidas, possam ser transferidas pela Recorrida para terceiros, ao abrigo do disposto no artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de agosto, e tal transferência, a verificar-se, conduz à total defraudação dos direitos das Recorrentes, uma vez que não lhes é possível, nesse caso, a repetição desta acção arbitral, ou de qualquer outra, contra o terceiro adquirente, por que a tanto se opõem os artigos 2.º e 3.º n.º 1 da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro.
13.Assim, a verificação daquela transferência, tratando-se do exercício de um direito do titular de AIMs, implica a total inviabilização do exercício dos direitos de propriedade industrial das Recorrentes contra o terceiro delas adquirentes.
14.Na medida em que as Recorrentes não têm como conhecer das transferências de que seja objecto cada AIM, é óbvio que a sua eventual transferência conduzirá inevitavelmente à inutilidade dos processos arbitrais iniciados contra o requerente inicial das autorizações, pois que quem poderá fazer uso destas é o transmissário, que as Recorrentes não conhecerão.
15.Para que seja conferida tutela efectiva à sentença condenatória da Recorrida, deve a Demandada ser condenada a não transmitir a terceiros as AIMs aqui em causa ou o seu pedido, enquanto os direitos de propriedade industrial das Demandantes, a que estes autos se reportam, se mantiverem em vigor.
16.Só assim são equilibradamente conciliados os direitos aqui em jogo, nos termos do disposto no artigo 335.º do Código Civil.
17.Por último (uma vez mais, independentemente da amplitude da decisão do Tribunal Arbitral), não podem as Recorrentes conformar-se com a decisão do tribunal a quo de julgar improcedente o pedido de condenação da Recorrida no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da condenação proferida.
18. Desde logo, o tribunal recorrido voltou a abster-se de analisar verdadeiramente a questão que lhe foi trazida pelas partes e de a ponderar, limitando-se a fazer nova referência à análise que foi feita em determinados casos pelos tribunais estaduais, aderindo a ela acriticamente sem sequer uma declaração de concordância, pelo que de novo se sublinha a invalidade da decisão recorrida, por violação, designadamente, do disposto nos artigos 615.º, n.º 1 alínea b), bem como dos artigos 2.º do CPC e 20.º da CRP, na medida em que o Tribunal Arbitral não fundamenta a sua decisão, nem faz uma apreciação crítica das questões que lhe foram trazidas.
19.Não pode, em todo caso aceitar-se a decisão do tribunal a quo, uma vez que a condenação principal que se requer nestas arbitragens é uma condenação inibitória, de non facere, pelo que esta se encontra por si só carenciada de um mecanismo capaz de pressionar o titular da AIM a acatar tal condenação.
20.Nos termos do artigo 829.º-A do CC, a condenação em sanção pecuniária compulsória, quando requerida pelo credor, não está na disponibilidade do Tribunal, antes constituindo um dever, sempre que exista condenação na prestação de facto infungível positivo ou negativo.
21.O que está em causa é uma condenação a pagar uma importância pecuniária, que acresce à condenação principal e se destina a conferir-lhe eficácia prática, levando o infractor a acatá-la, assumindo desta forma um fundamental carácter preventivo e dissuasor.
22.E na medida em que qualquer importância monetária só será devida (i. e. a condenação secundária só se torna operativa) se a condenação principal vier a ser desrespeitada e quando tal venha a ser, apresenta tal condenação natureza condicional.
23.Sem prejuízo da natureza, finalidade e pressupostos da condenação numa sanção pecuniária compulsória, o risco de lançamento de medicamentos genéricos contendo "Darunavir" pela Recorrida efectivamente existe.
24.A falta de contestação da Recorrida em relação à EP 810 209 e respectivo CCP 270 e a aplicação dos mais básicos princípios da experiência comum, permitem concluir que, na prática, a qualquer momento antes do termo de vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nestes autos - a Recorrida pode ver-lhe concedidas as AIMs que requereu e em poucas semanas ou meses poderá, munida das restantes autorizações administrativas, lançar os seus medicamentos genéricos no mercado.
25.Em qualquer caso, a execução desta sanção apenas ocorrerá se e quando a Recorrida não obedecer à injunção, o que significa que a sua fixação na presente acção não acarreta quaisquer consequências para a Recorrida.
26.Razões pelas quais deve ser revogado o Despacho ora em análise nos segmentos recorridos.

Terminam pedindo seja concedido provimento ao presente recurso, e por conseguinte:
a)- seja revogado o Despacho proferido pelo Tribunal Arbitral na parte em que se absolve a Recorrida dos pedidos (i) de condenação na não transmissão a terceiros das AIMs identificadas na Petição Inicial, até à data de caducidade dos referidos direitos exercidos pelas Recorrentes (independentemente da amplitude da decisão); e (ii) de condenação no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 110.000,00 (cento e dez mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação já proferida ou a ser proferida, em virtude da sua invalidade;
b)- seja o mesmo substituído por outro que condene a Recorrida (i) na não transmissão a terceiros das AIMs identificadas na Petição Inicial, até à data de caducidade da EP 810 209 e do CCP 270; e (ii) no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 110.000,00 (cento e dez mil euros) por cada dia de atraso no cumprimento da condenação já proferida relativamente à EP 810 209 e ao CCP 270.

A demandada apresentou contra-alegações, nas quais propugna pela manutenção do julgado.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.
*

II.As questões a decidir são as seguintes:
- se a decisão recorrida enferma de nulidade;
- se é caso de decretar a proibição da Demandada transmitir as AIMs a terceiros e de condenar esta numa sanção pecuniária compulsória.
*

III.Do mérito da apelação:
           
Das arguidas nulidades da decisão recorrida:

Da nulidade a que alude o art. 615º, n.º 1, al. c) do CPC:
As apelantes começam por sustentar, em essência, que a decisão recorrida, no segmento que constitui objecto do presente recurso, é nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC, pois que o Tribunal a quo em momento algum circunscreve, de modo expresso, a decisão sobre os demais pedidos formulados pelas Demandantes apenas à condenação relativa EP 810 209 e respectivo CCP 270, pelo que a decisão em causa sofre de ambiguidade que a torna ininteligível, ou seja, contém uma imprecisão que não permite que seja retirado com segurança o seu teor decisório, ou a forma como se quis decidir o litígio.

Vejamos.

Quanto à nulidade a que alude a al. c) do n.º 1, do art. 615º citado, esta apenas ocorre quando os fundamentos estão em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

A ambiguidade só releva se vier a redundar em ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236º, n.º 1, e 238º, n.º 1, do CC, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar - neste sentido cfr. o Ac. do STJ de 11/04/2007 (relatado pelo Cons. Santos Carvalho), acessível in www.dgsi.pt, citado pelas apelantes; e Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC Anotado volume 2º, Almedina, 3ª edição, pag. 735.

Ora, no dispositivo da decisão recorrida o tribunal arbitral exarou (os sublinhados são nossos):
- A Demandada é condenada a abster-se de, em território português, ou tendo em Vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Derunavir e em relação aos quais a Demandada requereu e obteve Autorizações de Introdução no Mercado ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, enquanto o CCP 270 se encontrar em vigor, ou seja, até 24 de fevereiro de 2019;
- A Demandada é absolvida quanto a todos os demais pedidos formulados pela Demandante G...;
- O Tribunal remete para e sentença final a decisão sobre a repartição pelas Partes dos honorários dos Árbitros e das despesas de presente acção”.
Decidiu, pois, o Tribunal Arbitral absolver a Demandada “quanto a todos os demais pedidos formulados pela Demandante G...”.

Essa decisão, tomada à letra, poderia levar a ser interpretada como se reportando a todos os pedidos formulados nos autos relativos a todas as EP invocadas, pois os pedidos deduzidos na p.i. foram formulados por ambas as Demandantes, sem especificarem de modo expresso que o 1º pedido apenas se reportava à 1ª Demandante, que o 2º e o 3º pedidos apenas se reportavam à 2ª Demandante; e que o 4º e 5º pedidos se reportavam a uma e a outra, não de forma conjunta, mas separada, consoante a EP em causa.

Certo é que na fundamentação daquela decisão constam, além de outras, as seguintes passagens relevantes sobre a temática em análise (os sublinhados são nossos):
1.- Conforme acima se referiu, na sua contestação a Demandada não se pronuncia sobre a EP 810 209 e sobre o respectivo CCP 270.
(…)
2.- Neste momento, não cabe ao Tribunal realizar qualquer juízo sobre as relações entre a EP 810 209 e todas as demais patentes invocadas no presente processo pela Segunda Demandada e perante as quais a Demandada toma posição na sua Contestação. O que agora cabe fazer é apenas retirar as consequências da falta de qualquer oposição da Demandada quanto à EP 810 209.
As implicações do que agora é decidido quanto à EP 810 209 para o que venha a ser decidido quanto às demais patentes não têm de (nem podem) ser analisadas neste momento.
(…)
Não se suscita nenhuma dúvida de que o que vale para a falta de contestação no seu todo vale também para a falta parcial de contestação. Sendo assim e de acordo com o pedido formulado pela Demandante G..., há que condenar a Demandada e abster-se de, em território português, ou tendo em vista e comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como principio activo o Darunavir e em relação aos quais a Demandada requereu e obteve Autorizações de Introdução no Mercado ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, enquanto o CCP 270 se encontrar em vigor, ou seja até 24 de fevereiro de 2019.
4.- As Demandantese, em concreto a Demandante G... - pede ainda que a Demandada seja condenada, com vista a garantir o exercício dos direitos dessa Demandante, a não transmitir a terceiros as Autorizações de Introdução no Mercado identificadas na Petição Inicial, até à caducidade dos referidos direitos de patente agora exercidos por aquela Demandante.
(…)
Assim, independentemente da opinião pessoal que cada um dos Árbitros tenha tido no passado sobre o problema, considera-se ser de seguir a jurisprudência estadual sobre a matéria. Neste sentido, deve a Demandada ser absolvida do pedido quanto ao pedido de não transmissão para terceiros das Autorizações de Introdução no Mercado de que é titular e que se encontram elencadas no art. 194.º da Petição Inicial.
5.- Ambas as Demandantes pedem ainda a condenação da Demandada a pagar, nos termos do disposto no art. 829.º-A do Código Civil, uma sanção pecuniária compulsória (…)
Dos factos apurados na presente acção quanto à EP 810 209 e ao CCP 270 não resulta que a Demandada esteja a violar ou a ameace violar essa Patente e o respectivo Certificado Complementar de Protecção. Sendo assim, seguindo a mesma orientação de neutralidade perante a posição que algum dos árbitros tenha adoptado no passado, entende-se ser de seguir a corrente jurisprudencial acima referida. Nesta base, não há fundamento para condenar a Demandada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, pelo que a mesma deve ser absolvida do correspondente pedido formulado pela Demandante G....
6.- As Demandantes pedem ainda que a Demandada seja condenada a suportar todos os custos e encargos decorrentes da presente acção arbitral, bem como a reembolsar as Demandantes das provisões por honorários dos árbitros e secretário e despesas administrativas, pagas pelas Demandantes em seu nome ou em suprimento da sua falta pela Demandada, bem como os honorários dos mandatários das Demandantes e outras despesas que estas tenham tido com o processo.
Tendo e Demandada decaído quanto ao pedido relativo à EP 810 209 e ao CCP 270, é indiscutível que, nessa parte, deverá ficar responsável pelos honorários dos Árbitros e demais despesas relativas à acção. Sucede, no entanto, que, como acima se referiu, se é certo que há que reconhecer o direito da Demandante G... quanto à EP 810 209 e ao CCP 270, também é verdade que ainda não é possível determinar o reflexo deste reconhecimento para o que venha a ser decidido quanto às demais Patentes alegadas nesta acção pela Segunda Demandante.
Sendo assim, remete-se para a sentença final a decisão sobre a repartição pelas Partes dos honorários dos Árbitros e das despesas da presente acção.

Desta fundamentação decorre que o Tribunal Arbitral não apreciou os pedidos formulados pela 2ª Demandante, ou seja, os 2º e 3º pedidos, bem como os 4º e 5º pedidos, na parte atinente às patentes de que a mesma é titular, ou seja, as EP 1448567, 1567529, 2314591, 1725566 e 2089371, para além do 6º pedido formulado por ambas as Demandantes relativo a matéria de custas/honorários.

Deste modo, a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral não é ininteligível.

Desatende-se, por isso, a arguida nulidade.

Da nulidade a que alude o art. 615º, n.º 1, al. b) do CPC:
Nas suas conclusões dizem ainda as apelantes que o Tribunal, no que toca à decisão de julgar improcedente o pedido de não transmissão a terceiros das AIMs dos autos, até à data de caducidade dos referidos direitos exercidos pelas Recorrentes, assim como quanto à decisão do tribunal a quo de julgar improcedente o pedido de condenação da Recorrida no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória por cada dia de atraso no cumprimento da condenação proferida, identifica a questão e o problema a resolver, faz referência à análise que foi feita em algumas decisões dos tribunais estaduais, mas abstém-se (expressamente) de analisar a questão que lhe foi submetida e de a ponderar, interpretando e aplicando a lei de modo crítico, como se impunha, limitando-se a referir que há que seguir essas decisões não obstante opiniões pessoais ou posições já tomadas em contrário, pelo que só se pode considerar que a decisão se encontra ferida de invalidade (por violação, designadamente, do disposto nos artigos 615.º, n.º 1 alínea b), bem como dos artigos 2.º do CPC e 20.º da CRP, na medida em que o Tribunal Arbitral não fundamenta a sua decisão, nem faz uma apreciação crítica das questões que lhe foram trazidas.

No que toca à nulidade fundada na al. b) do n.º 1 do art. 615º do CPC, só a falta absoluta de motivação constitui nulidade. A insuficiência ou mediocridade da motivação - como ensinava o Prof. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado Vol. V, pag 140 -, afecta o valor doutrinal da sentença, mas não produz nulidade.

Na decisão recorrida o Tribunal Arbitral exarou que:
“4.- As Demandantes – e, em concreto a Demandante G... - pede ainda que a Demandada seja condenada, com vista a garantir o exercício dos direitos dessa Demandante, a não transmitir a terceiros as Autorizações de Introdução no Mercado identificadas na Petição Inicial, até à caducidade dos referidos direitos de patente agora exercidos por aquela Demandante.
A problemática relativa à condenação da parte demandada nas arbitragens instituídas e reguladas pela Lei n.º 62/2011 a não transmitir a terceiros as Autorizações de Introdução no Mercado é delicada, pois que a mesma é susceptível de ser analisada segundo várias ópticas e de encontrar várias soluções. O que está em causa é, como já foi correctamente identificado, a resolução de um conflito de direitos: trata-se de saber como compatibilizar o direito do titular da Patente com o direito do titular da Autorização de Introdução no Mercado.
Se o problema é fácil de enunciar e de enquadrar, o mesmo não pode ser dito quanto à sua solução. Nos termos do disposto no art. 335.º do Código Civil, o conflito de direitos pode ser resolvido através de uma cedência recíproca em cada um dos direitos conflituantes ou através da prevalência de um dos direitos sobre o outro. No caso em análise, a cedência recíproca no direito do titular da patente e do direito do titular da autorização de introdução no mercado está, naturalmente, excluída, dado que os direitos não podem ser mutuamente comprimidos. Resta, pois, saber a qual dos direitos conflituantes deve ser concedida prevalência.
A questão já foi analisada pelos tribunais estaduais, precisamente no âmbito das arbitragens instituídas pela Lei n.º 62/2011, tendo acabado por prevalecer a orientação segundo a qual o titular de uma Patente Europeia e de um Certificado Complementar de Protecção tem o direito de impedir o início de comercialização do medicamento patenteado, mas não o de condicionar a transferência para um terceiro da propriedade de uma Autorização de Introdução no Mercado (cf., por exemplo, acórdão da Relação de Lisboa de 7/11/2013 (854/13.0YRLSB-6)).
A fundamentação subjacente a esta solução não deixa de ser interessante. A fundamentação é a seguinte: o titular da autorização de introdução no mercado não pode transmitir a terceiros mais do que ele próprio detém, sendo que o que esse titular detém é uma Autorização de introdução no Mercado que não pode ser usada em violação da proibição de esse mesmo titular violar direito da titular de Patente; portanto, qualquer terceiro que adquirir a referida autorização, adquiri-a com a limitação que é imposta ao anterior titular: em concreto, é titular da Autorização de Introdução no mercado, mas não e pode utilizar sem violar o direito do titular da Patente.
A argumentação é, no fundo, esta: não importa restringir o direito do titular da Autorização de Introdução no Mercado e afastar e sua faculdade de transmitir essa Autorização para terceiro, porque o direito daquele titular já se encontra suficientemente restringido com as limitações que decorrem do necessário respeito pelo direito do titular da Patente e ainda porque estas limitações são suficientes para assegurar os interesses deste último titular. Portanto, não se nega que o direito decorrente da Patente prevaleça sobre o direito resultante da Autorização de Introdução no Mercado, pois que as limitações impostas a este último direito só podem ter como justificação aquele direito de Patente; o que se nega é que a protecção do titular do direito de Patente necessite da condenação do titular da Autorização de Introdução no Mercado a não transmitir as faculdades inerentes a esta Autorização.
Assim, independentemente da opinião pessoal que cada um dos Árbitros tenha tido no passado sobre o problema, considera-se ser de seguir a jurisprudência estadual sobre a matéria. Neste sentido, deve a Demandada ser absolvida do pedido quanto ao pedido de não transmissão para terceiros das Autorizações de Introdução no Mercado de que é titular e que se encontram elencadas no art. 194.º da Petição Inicial.
5.- Ambas as Demandantes pedem ainda a condenação da Demandada a pagar, nos termos do disposto no art. 829.º-A do Código Civil, uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a 110.00,00 (cento e dez mil euros), por cada dia de atraso no cumprimento da condenação acima decidida.
Também esta matéria é (ou tornou-se) bastante problemática. A questão que importa resolver no caso concreto, é a seguinte: pode a Demandada ser condenada numa sanção pecuniária compulsória a título puramente preventivo e eventual ou pode essa Parte ser condenada nessa sanção apenas se houver uma violação ou, pelo menos, uma ameaça de violação do direito da Demandante Seartel?
Qualquer das respostas possíveis a esta questão é certamente discutível. Não se esconde que não é impensável que a sanção pecuniária compulsória seja aplicada como forma de compelir um cumprimento, quando haja indício de que o mesmo não venha a ocorrer no momento próprio.
Sucede, no entanto, que precisamente no âmbito da arbitragem Instituída e regulada pela Lei n.º 62/2011, a jurisprudência estadual se orienta por outros parâmetros. Assim, por exemplo:
- No já referido acórdão da Relação de Lisboa de 7/11/2013 (854/13 0YRLSB-6), decidiu-se que "e imposição de uma sanção pecuniária compulsória pressupõe a violação ou ameaça de violação do direito a acautelar, não se bastando com o mero reconhecimento desse direito";
- No acórdão da Relação de Lisboa de 21/12/2015 (1 546/15,1YRLSB-1), decidiu-se que o 'Tribunal Arbitral tem competência para aplicar uma sanção pecuniária compulsória, desde que alegados e demonstrados os requisitos, ou seja, perante uma obrigação de prestação de facto negativo, infungível e instantâneo resulte um incumprimento actual ou iminente da mesma'.
Dos factos apurados na presente acção quanto à EP 610 209 e ao CCP 270 não resulta que a Demandada esteja a violar ou a ameace violar essa Patente e o respectivo Certificado Complementar de Protecção. Sendo assim, seguindo a mesma orientação de neutralidade perante a posição que algum dos árbitros tenha adoptado no passado, entende-se ser de seguir a corrente jurisprudencial acima referida. Nesta base, não há fundamento para condenar a Demandada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, pelo que a mesma deve ser absolvida do correspondente pedido formulado pela Demandante G....

Em face da fundamentação assim vertida na decisão recorrida, importa reconhecer que na mesma se referem as razões de direito que determinaram a decisão tomada, por adesão aos fundamentos vertidos na jurisprudência desta Relação, em conformidade, aliás, com o disposto no art. 8º, n.º 3, do C. Civil (norma referenciada pelo Tribunal Arbitral no despacho em que se pronunciou sobre a nulidade em referência).

Assim, manifestamente, a decisão recorrida não enferma do vício da falta absoluta de motivação.

Desatende-se, por isso, a arguida nulidade.
*

Quanto à questão da transmissão das AIMs:
Prescreve o art. 3º, n.º 2, da Lei 62/2011 que “a não dedução de contestação, no prazo de 30 dias após notificação para o efeito pelo tribunal arbitral, implica que o requerente de autorização, ou registo, de introdução no mercado do medicamento genérico não poderá iniciar a sua exploração industrial ou comercial na vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nos termos do n.º 1”, ou seja, na acção arbitral contra si instaurada pelo titular do direito de propriedade industrial.

Trata-se de uma cominação estabelecida na lei para a falta de contestação.

Em consonância, o Tribunal Arbitral condenou a Demandada “a abster-se de, em território português, ou tendo em vista a comercialização nesse território, importar, fabricar, armazenar, introduzir no comércio, vender ou oferecer os medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Derunavir e em relação aos quais a Demandada requereu e obteve Autorizações de Introdução no Mercado ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, enquanto o CCP 270 se encontrar em vigor, ou seja, até 24 de fevereiro de 2019”.

Por outro lado, como decorre da acta de instalação do tribunal arbitral, as regras do processo são constituídas pelas normas obrigatórias constantes do modelo de arbitragem necessária descrito na Lei n.º 62/2011, de 12/12, e, subsidiariamente, na Lei de Arbitragem Voluntária e no Regulamento do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.

Ora, estabelece o art. 23º desse Regulamento que:
(Falta de Resposta)
1– Se não for apresentada Resposta ao Requerimento de Arbitragem ou aos pedidos formulados pelo demandado ou se, por qualquer circunstância, ficarem sem efeito, a arbitragem prossegue.
2– A ausência de Resposta ao Requerimento de Arbitragem ou aos pedidos formulados pelo demandado não isenta a outra parte de fazer prova quanto ao pedido e seus fundamentos.

Assim, relativamente aos demais pedidos formulados pela 1ª Demandante, tendo por referência a EP 810 209 e respectivo CCP 270, nomeadamente quanto ao pedido de a não transmissão a terceiros das AIMs identificadas no artigo 194º da p.i. até à caducidade dos referidos direitos de patente ora exercidos, não operou qualquer cominação decorrente da falta de dedução de contestação - art. 3º, n.º 2 da Lei n.º 62/2011.

Entendeu, todavia, o Tribunal Arbitral conhecer do referido pedido, naturalmente, em face dos elementos constantes dos autos, e tendo em conta que na p.i. não foi alegado qualquer outro facto relevante sujeito a prova sobre esta matéria.

Por outro lado:
A Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, instituiu um regime de arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada, para a composição de litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou certificados complementares de proteção.

Ora, de acordo com o art. 25º, n.º 2, do Estatuto do Medicamento (D.L. 176/2006, de 30 de Agosto, o pedido de autorização de introdução no mercado não pode ser indeferido com fundamento na eventual existência de direitos de propriedade industrial.

De igual modo, se passam as coisas quanto aos procedimento de inclusão do medicamento na comparticipação e de atribuição de preço de venda ao público (PVP) - arts 2º-A e. 8º, do Dec Lei n.º 48-A/2010, de 13/5.

Assim sendo, a AIM constitui um pressuposto essencial para a entrada do medicamento no mercado, mas não consubstancia um acto de comercialização desse mesmo medicamento.

Assim, ao titular da patente apenas assiste o direito de impedir o início da comercialização do medicamento, enquanto a sua patente não caducar, mas não de impedir terceiros de iniciar o procedimento tendente à obtenção de AIM nem impedir que a mesma seja concedida ou que seja fixado PVP do medicamento em causa.

Por outro lado, a titularidade de uma autorização de introdução no mercado de um determinado medicamento é, em si mesmo, um bem com valor económico, e como tal, em princípio, transacionável, mesmo que tenha natureza litigiosa.

Ora, se a AIM não viola, em si, os direitos exclusivos concedidos pela patente, nenhuma razão há para se considerar compreendido nesses direitos o de proibir ou impedir a transmissão, a qualquer título, de AIMs.

Daí que o art.º 37º nº 1 do DL 176/2006 de 30/08, faça apenas depender de decisão do Infarmed esse pedido de “transferência de titular de uma autorização de introdução no mercado”, mediante instrução do requerimento com os elementos devidos.

Assim, a AIM e a sua transferência, por si só, não constituem violação dos direitos da propriedade industrial, nomeadamente não se enquadram em nenhuma das situações descritas no art.º 101º do CPI.

É que o direito que a Demandada tem na sua esfera jurídica, apenas pode ser objecto de transmissão, nas exactas condições em que o mesmo se encontra na esfera jurídica da Demandadas, mesmo em relação aos próprios direitos litigiosos – arts. 577º, 579º e 588º do CC e 263º, n.º s 1º e 3º, do CPC .

Não pode, pois, transmitir mais do que o que detém.

Em consequência, se as AIMs requeridas pela Demandada, caso lhe sejam concedidas, não lhe permitem iniciar a exploração industrial ou comercial de medicamentos genéricos contendo como princípio activo o Derunavir ou qualquer outro medicamento contendo Darunavir como única substância activa ou em associação com qualquer outra ou outras substâncias activas, enquanto o CCP 270 se encontrar em vigor, ou seja, até 24 de fevereiro de 2019, então, o seu eventual adquirente ficará também sujeito à mesma proibição.

Deste modo, a 1ª Demandante não vê desprotegido o direito concedido pela patente e pelo CCP 270 já que é também oponível ao eventual adquirente - cfr. neste sentido Ac. STJ de 20 de Maio, de 2015 (relatado pelo Cons. Orlando Afonso) e Acs da RLde 3/10/2013 e de 12 de Dezembro de 2013, relatados, respectivamente, pelas Des. Teresa Pais e Fátima Galante, in www.dgsi.pt.

Sendo assim, não há que fazer uso do estatuído no art. 335º do C.C., na medida em que os direitos exclusivos da 1ª Demandante resultantes da EP e do CCP 270 que detém, ficam suficientemente acautelados pela condenação da Demandada nos termos determinados na decisão recorrida, pois esta decisão impõe-se não só à Demandada, como a qualquer entidade que adquira a propriedade das AIM’s que aquela venha a obter – vide neste sentido o Ac. RL de 7/11/2013  relatado pelo Des. António Martins, in www.dgsi.pt.

Improcede, assim, nesta parte, a apelação das Demandantes.

Da sanção pecuniária compulsória:

Dizem as apelantes que:
- Não pode, em todo caso aceitar-se a decisão do tribunal a quo, uma vez que a condenação principal que se requer nestas arbitragens é uma condenação inibitória, de non facere, pelo que esta se encontra por si só carenciada de um mecanismo capaz de pressionar o titular da AIM a acatar tal condenação;
- Nos termos do artigo 829.º-A do CC, a condenação em sanção pecuniária compulsória, quando requerida pelo credor, não está na disponibilidade do Tribunal, antes constituindo um dever, sempre que exista condenação na prestação de facto infungível positivo ou negativo;
- O que está em causa é uma condenação a pagar uma importância pecuniária, que acresce à condenação principal e se destina a conferir-lhe eficácia prática, levando o infractor a acatá-la, assumindo desta forma um fundamental carácter preventivo e dissuasor;
-Sem prejuízo da natureza, finalidade e pressupostos da condenação numa sanção pecuniária compulsória, o risco de lançamento de medicamentos genéricos contendo "Darunavir" pela Recorrida efectivamente existe;
- A falta de contestação da Recorrida em relação à EP 810 209 e respectivo CCP 270 e a aplicação dos mais básicos princípios da experiência comum, permitem concluir que, na prática, a qualquer momento antes do termo de vigência dos direitos de propriedade industrial invocados nestes autos, a Recorrida pode ver-lhe concedidas as AIMs que requereu e em poucas semanas ou meses poderá, munida das restantes autorizações administrativas, lançar os seus medicamentos genéricos no mercado.

Quanto à verificação das condições de aplicação da sanção pecuniária compulsória, as apelantes divergem da decisão impugnada, já que entendem que a condenação não depende da actualidade ou iminência do incumprimento da obrigação decretada na mesma, sendo apenas uma forma de obstar ao incumprimento que deve ser decretada desde que haja uma condenação em prestação de facto infungível, positivo ou negativo, sem que se deva ter em consideração o real risco de incumprimento.

Vejamos.

O artigo 829°-A n° 1 do Código Civil dispõe que:

«1.- Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.

2.- A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar.»

Esta sanção tem assim em vista, não propriamente indemnizar o credor pelos danos sofridos com a mora, mas forçar o devedor a cumprir, vencendo a resistência da sua oposição ou do seu desleixo, indiferença ou negligência.

Na linha do entendimento sufragado uniformemente nos Acs. desta Relação de 3/10/2013, 7/11/2013 e de 12/12/2013, acima referenciados, para cuja fundamentação nos permitimos remeter, entendemos que a correcta interpretação da norma em análise passa pela consideração de que só se justifica a condenação em sanção pecuniária compulsória quando esteja comprovada a prática de factos objectivamente contrários à obrigação imposta na sentença ou de factos que tornem provável o seu incumprimento.

E no Ac. do STJ de 20/05/2015, acima citado, entendeu-se que:
“A sanção pecuniária compulsória constitui uma condenação acessória da condenação principal do devedor no cumprimento da prestação decretada por sentença judicial, estando prevista no art. 829º-A do CC.
Dispõe este artigo no seu n.º 1 que «1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades cientificas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso».
Tem sido entendimento jurisprudência, na senda aliás dos ensinamentos doutrinários, que no caso de ainda não haver incumprimento da obrigação pelo devedor ou iminência desse mesmo incumprimento não há lugar à sanção: só se justifica a condenação em sanção pecuniária compulsória quando esteja comprovada a prática de factos objectivamente contrários à obrigação imposta na sentença ou de factos que tornem provável o seu incumprimento. De outra forma não tem justificação a ameaça de consequências mais gravosas que a própria inibição que se decreta.
O acórdão recorrido – confirmando nesta parte a decisão arbitral – condenou as demandadas a não iniciar a exploração industrial ou comercial de medicamentos contendo a Rosuvastatina como substância activa até à caducidade dos direitos de propriedade industrial invocados pela demandantes/recorrentes.
Estamos assim, sem margem para quaisquer dúvidas, perante uma prestação de facto negativo, infungível e instantâneo, na medida em que foi imposta à demandada a obrigação de não praticar em território português, ou tendo em vista a sua comercialização nesse território, diversos actos de fabricação e comercialização de medicamentos genéricos contendo a substancia activa Rosuvastatina, enquanto estiver em vigor o CCP de que as demandantes são titulares.
Tanto a decisão arbitral como o acórdão recorrido entenderam não ser admissível a fixação de uma sanção pecuniária compulsória.
O Tribunal Arbitral referiu – a fls. 19 da sentença constante de fls. 417 dos autos – que «esta obrigação há-de resultar de um incumprimento actual ou iminente, alegado pelas demandantes e verificado pelo tribunal arbitral. Como salienta Calvão da Silva, “sempre que a violação da obrigação negativa possa continuar ou ser repetida, impõe-se que a sentença condene o devedor a cumpri-la no futuro, ordenando-lhe que cesse e/ou não renove a sua infracção”» (….) «É justamente nestes casos em que a violação da obrigação negativa infungível pode estar iminente, continuar ou ser repetida, que se justifica (e impõe) o estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória, como meio de prevenir a continuação ou renovação do incumprimento (….)», concluindo a final que «Não parece existir, no caso sub judice, uma violação actual ou a ameaça de uma violação iminente do direito de patente ou certificado complementar relativos à referida substância activa (Rosuvastatina). (….) Por isso a sanção pecuniária compulsória não deverá ser arbitrada agora como forma de compelir o obrigado a cumprir, se e quando este praticar, no futuro, eventuais infracções durante a vigência da patente…».
Igual entendimento teve o Tribunal da Relação de Lisboa ao referir, no acórdão proferido nos autos, que «…as demandantes para além da circunstância de já terem sido atribuídas AIM ao genérico que pretendem comercializar, não alegaram outras circunstâncias factuais das quais possa resultar a formação de uma convicção no sentido de as demandadas neste processo arbitral (…) se encontrarem, neste momento, a fazer preparativos (não reconduzíveis ao cumprimento de exigências regulatórias públicas relacionadas com a demonstração da segurança, qualidade e eficácia do medicamento provida com esta substância activa) destinados à comercialização deste medicamento em Portugal (…)».
Com efeito, esta tem sido a posição vingadora em todos os acórdãos da Relação de Lisboa proferidos no âmbito de decisões arbitrais de propriedade industrial – cf. Ac. R.L. de 07-11-2013, proc. n.º 854/13.0YRLSB; Ac. R.L. de 13-02-2014, proc. n.º 1053/13.7YRLSB-2; Ac. R.L. de 12-12-2013, proc. n.º 617/13.3YRLSB-6 e Ac. RL de 26-06-2014, proc.nº787/13.0YRLSB.L1-2.
Todos eles são peremptórios em afirmar que a cominação de uma sanção pecuniária compulsória pressupõe uma violação actual ou iminente da obrigação de prestação de facto a que se refere.
Não obstante o STJ nunca ter sido chamado a pronunciar-se sobre esta concreta questão no âmbito dos direito de propriedade industrial, o facto é que nem por isso deixamos de encontrar alguns acórdãos que relacionam a sanção pecuniária compulsória com a forma de compelir o obrigado «rebelde» a cumprir. Exemplo disso são os Acórdãos deste STJ de 10-09-2009, proferido no âmbito da Revista 118/09.4YFLSB e de 14-01-2014, proferido no âmbito da Revista n.º 7244/04.4TBCSC.L1.S1, sendo que neste último se refere que a sanção pecuniária compulsória tem por fim determinar o devedor a cumprir «vencendo a resistência da sua oposição ou da sua inacção».´
Admite-se que uma interpretação puramente literal do nº1 do art.829º-A do CC nos conduza à solução preconizada pelas demandantes, isto é, de que a sanção pecuniária compulsória deve ser fixada desde que seja requerida pelo credor de uma prestação de facto infungível, positivo ou negativo, bastando, como condição da sua fixação, o reconhecimento judicial da obrigação, a natureza infungível da prestação determinada e o requerimento do credor para que o tribunal estivesse, desde logo vinculado à condenação do devedor no pagamento da mesma.
Mas, da leitura do art. 829º-A do CC no seu todo constata-se que a aplicação da sanção pecuniária compulsória implica uma ponderação de fundo, não compatível com uma aplicação automática, indiferente à verificação de circunstâncias que determinem a existência do sério risco da continuação da prática ou da própria prática da infracção. (sublinhado nosso)
Uma correcta interpretação da norma passa assim por relevar o cumprimento ou incumprimento do devedor, pois só se justifica a condenação em sanção pecuniária compulsória quando esteja comprovado que o devedor praticou, ou está na eminência de praticar – em termos de probabilidade –, factos objectivamente contrários à obrigação imposta na sentença.
Não tendo as recorrentes alegado e logrado demonstrar quaisquer factos dos quais se pudesse retirar que as demandadas se encontravam a levar a cabo preparativos destinados à comercialização dos genéricos de Rosuvastatina no território português, não poderemos concluir – tal como o entenderam as instâncias – pela existência de indícios de uma violação iminente dos direitos de propriedade industrial.
Não tem sentido, por isso, arbitrar uma sanção pecuniária como forma de compelir o obrigado a cumprir aquilo que ele nunca incumpriu, nem ameaçou incumprir”.

Ora, no caso presente não foram alegados nem estão demonstrados factos que comprovem ou sequer indiciem que a Demandada não irá cumprir com a obrigação negativa, de abstenção de comercialização de medicamento genérico contendo como princípio activo o Derunavir, enquanto o CCP 270 se encontrar em vigor.

De um mero pedido de AIMs, desacompanhado de outros dados de facto, não se pode inferir a intenção de comercialização do medicamento genérico, sendo que não foi alegado que a Demandada tivesse praticado quaisquer outros actos dos quais se pudesse inferir aquela intenção de colocação dos medicamentos respectivos no mercado, nomeadamente que tivesse notificado o INFARMED, IP, da data do início da comercialização efectiva do medicamento (vide art. 78º, n.º 1, do Estatuto do Medicamento).

Nesta medida não há aqui nenhuma iminência de risco ou ameaça de violação dos direitos da Demandante resultantes da patente que justifique a aplicação à Demandada da sanção pecuniária compulsória.

Improcede, assim, in totum, a apelação.

Sumário:
1.De um mero pedido de AIM, preço e comparticipação de um medicamento, desacompanhado de outros dados de facto, não se pode inferir a intenção de comercialização do medicamento genérico.
2.A AIM e a sua transferência, por si só, não constituem violação dos direitos da propriedade industrial, nomeadamente não se enquadram em nenhuma das situações descritas no art.º 101º do CPI.
3.A correcta interpretação do art 829º-A do C.C. passa pela consideração de que só se justifica a condenação em sanção pecuniária compulsória quando esteja comprovada a prática de factos objectivamente contrários à obrigação imposta na sentença ou de factos que tornem provável o seu incumprimento.
***

IV.Pelo acima exposto, decide-se:
1.- Julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida;
2.- Custas da apelação pelas apelantes;
3.- Notifique.


Lisboa, 24 de Abril de 2018

(Manuel Ribeiro Marques - Relator)
(Pedro Brighton - 1º Adjunto)
(Teresa Sousa Henriques - 2ª Adjunta)