Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2898/16.1T8VFX.L1-6
Relator: ANA PAULA A. A. CARVALHO
Descritores: REMESSA DOS AUTOS À 1.ª INSTÂNCIA
DEVER DE FUNDAMENTAR A PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REMESSA DO PROCESSO À 1.ª INSTÂNCIA
Sumário: Não estando devidamente fundamentada a factualidade controvertida atinente a saber se ocorreu ou não uma prestação defeituosa nos serviços médicos prestados pelos réus, impõe-se a remessa dos autos ao tribunal de 1ª Instância para que fundamente a decisão nos termos do artigo 662º nº 2 alínea d) do C.P.C.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 6ª Seção do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO

AP instaurou a presente ação declarativa comum contra Clínica Dr. RC Medicina Dentária, Lda. e Dr. RC, peticionando a condenação dos réus no pagamento da quantia de €8.742,60, acrescida de juros de mora, desde a citação até integral pagamento.

Para o efeito, alega em síntese o seguinte:

No dia 12.09.2013, o autor deslocou-se à clínica do réu em Reguengos de Monsaraz para uma consulta dentária, devido à coroa de um dos dentes frontais superiores estar instável. Na clínica e após conselho do réu, proprietário da ré, foi decidido colocar implantes em substituição de 3 dentes (o frontal superior, outro também no maxilar superior e outro no inferior).
Os tratamentos foram realizados nos dias 19.11.2013, 25.11.2013 e 19.12.2013.
O réu garantiu que usava a melhor tecnologia americana e que era um dentista de referência.
Acontece que depois da intervenção cirúrgica e da colocação dos implantes e coroas, o autor apresentava dor no implante frontal, o outro implante no maxilar superior abanava, o implante do maxilar inferior partiu.
Resultando em dores, danos na língua e nas paredes afins da boca de forma permanente.
O autor enviou várias mensagens electrónicas e efetuou várias chamadas telefónicas para os réus.
Na ausência de resposta, o autor teve de se deslocar em 05.01.2014 às urgências do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra. E dirigiu-se à clínica Maló, em 15.01.2014, onde procedeu à substituição de coroas em cerâmica sobre os implantes previamente colocados na posição do dente 14 e do dente 35, cf. retificação de fls. 49-50.
Devido à fratura de cerâmica e pela inexistência de ponto de contacto distal na coroa, veio a resultar inflamação gengival devido a retenção alimentar e desconforto.
As dores, a insensibilidade sentida, a dificuldade em falar e em comer têm provocado desgosto e abalo psicológico no autor, que tem até vergonha em conviver, isolando-se em casa, sem conviver com outras pessoas.
Em virtude dos tratamentos efetuados pelos réus, o autor pagou €600,00 em 12.09.2013, €2.220,00 em 19.09.2013, €700,00 em 19.11.2013, €350,00 em 25.11.5013, €1.050,00 em 19.12.2013.
Quando se deslocou em 05.01.2014, pelas 12.41 horas, às urgências do Hospital de Coimbra, despendeu a quantia de €20,60.
O autor conclui que existe uma omissão de diligência e falta de competência exigível ao 2.º réu, que os réus agiram com negligência ao ignorarem as chamadas telefónicas e as mensagens eletrónicas do autor para reparar os implantes que foram mal colocados.
Pelo contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, a ré obrigou-se a prestar ao autor a assistência médica necessária, empregando os conhecimentos e técnicas disponíveis, respeitando as legis artis, tendo em vista tratar ou curar o doente e diminuir-lhe o sofrimento.
Por outro lado, o réu, enquanto médico, estava ainda obrigado a vigiar/acompanhar o autor, seu doente, no pós-operatório.
Para que nasça a obrigação de indemnizar é necessário que o médico pratique um ato ilícito, culposo e adequado a causar danos ao doente.
O prestador de serviços deve indemnizar o autor, por cumprimento defeituoso.
Impende sobre o prestador de serviços médicos uma presunção de culpa, que lhe cumpre ilidir, atento o disposto no artigo 799.º do Código Civil.
Os réus violaram os deveres de zelo, sendo responsáveis pela indemnização pelos danos não patrimoniais, no valor de €3.000,00, num total de €8.742,60.
 
Na contestação, os réus defendem-se por impugnação.

Fixou-se o valor da causa e procedeu-se ao saneamento do processo, tendo-se identificado o objecto do litígio e enunciado os temas da prova.
 
Realizou-se a audiência final e elaborou-se a sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu os réus do pedido.
*
Não se conformando, o autor apresentou recurso de apelação, pugnando pela revogação da decisão recorrida com a consequente condenação dos recorridos nos pedidos contra eles formulados.

O apelante formula as seguintes conclusões das alegações de recurso:

« A) DA MATÉRIA DE FACTO:
I) Antes de mais, importa assinalar que o presente recurso de apelação vem interposto da douta sentença de fls. dos autos, que julgou totalmente improcedente a Ação de Processo Comum e, consequentemente, absolveu os Recorridos do pedido, de pagamento ao Recorrente da quantia de 8.742,60€, a título de danos patrimoniais e danos não patrimoniais, fundamentando o Recorrente a sua pretensão em responsabilidade civil por acto médico.
II) Por seu turno, o Recorrente considera incorretamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao facto provado 7), uma vez que os meios probatórios constantes do processo, com especial enfoque para o depoimento da testemunha FC, impunham decisão diversa, explanando o Tribunal a quo que, para a formação da sua convicção, contribuiu o depoimento da testemunha SC, o qual não merece qualquer credibilidade, atento o facto de a mesma se encontra manifestamente
compatibilizada com os Recorridos, tendo manifestado animosidade em relação mesmos, uma vez que é trabalhadora assalariada daqueles há 13 anos, na clínica dentária com sede em Reguengos de Monsaraz.
III) Na realidade, optou o Tribunal Singular por considerar provado este facto, com base no depoimento no depoimento da testemunha SC, cujo depoimento, com o devido respeito, não merece qualquer credibilidade, como supra alegado, pelo que o seu depoimento sempre seria manifestamente insuficiente para provar este facto, não podendo a douta decisão recorrida ter considerado provado o facto provado 7), pelo que, destarte, a mesma violou o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C., padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de facto.
IV) Além disso, a este propósito, uma vez que se revela essencial para a boa decisão da causa e por se encontrar não provado pelo depoimento da testemunha FC, requer-se, de acordo com o preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do C.P.C., que o facto provado 7) seja considerado como “Não provado” e, consequentemente, devidamente eliminado.
V) Por conseguinte, o ora Apelante considera incorretamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao facto provado 9) e os concretos meios probatórios do processo ou do registo e gravação nele realizado que impunham decisão diversa são o depoimento da testemunha FC, resultando nitidamente do seu depoimento que esta presenciou o Apelante a tentar contactar, por várias vezes, tanto a Apelada clínica no seu número de telefone, como o Apelado dentista como no seu número de telemóvel pessoal, tendo tais tentativas sido malogradas.
VI) Desta feita, por ser essencial para a boa decisão dos autos e por se encontrar provado pelo depoimento da testemunha acima referida, requer-se, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do C.P.C., que o facto provado 9) passe a ter a redação seguinte: “O autor telefonou para os números de telefone da Ré e do telemóvel do Réu, mas ninguém atendeu.”
VII) Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C., entende o Recorrente que a douta decisão recorrida não extraiu as devidas presunções do facto provado 14), impostas pelas regras de experiência, uma vez que, resulta com clareza do depoimento da testemunha JS que o material cerâmico de que se revestem as coroas dentárias implantadas no Apelante é um material robusto e bastante sólido, apresentando, de acordo com o mesmo, o risco de fracturação das coroas dentárias de cerâmica é igual ao risco de fracturação de um dente humano, o que conjugado com o depoimento da testemunha FC, que partilhou a mesma casa de habitação do Recorrente, entre 19/12/2013 e 25/12/2013, e ter presenciado o Apelante a ter cuidados devidos e necessários com os seus dentes após a realização da implantação das coroas dentárias, não se nos revela outra conclusão senão que as coroas dentárias implantadas pelos Apelados, no Apelante, não se revestiram da qualidade adequada e que seria empregue por qualquer médico dentista mediano, o que não sucedeu no caso em apreço, apresentando as mesmas fraca qualidade, afigurando-se-nos, nestes termos, inquestionável a prática pelos Apelados de acto médico de caráter defeituoso, ainda para mais quando o próprio Apelado dentista garantiu ao Apelante que usava a melhor tecnologia americana e que era um dentista de referência, tal como resulta do facto provado 3) da fundamentação da douta sentença ora recorrida.
VIII) Destarte, uma vez demonstrado o cumprimento defeituoso dos deveres do médico dentista e o facto ilícito praticados pelos Recorridos, desviante das leges artis, considera o Apelante que a douta decisão recorrida, uma vez que não extraiu do facto provado 14), bem como do depoimento da testemunha JSMaia, as presunções impostas pelas regras da experiência, a mesma violou, de facto, o disposto no artigo 607.º, n.º 4 in fine, padecendo a mesma de erro de julgamento da matéria de facto.
IX) Por seu lado, o Apelante considera incorretamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao facto provado 17) e os concretos meios probatórios constantes dos autos, que impunham decisão diversa, são o Doc. 15, junto com a Acção, e o depoimento da testemunha FC.
X) De facto, do teor do Doc. 15 resulta que o Apelante, no dia do episódio de urgência no Centro Hospital e Universitário de Comibra, no dia 05/01/2014, se queixou de dores físicas a nível dos implantes dentários, do mesmo constando “ … fragilidade das próteses, fratura de duas delas (com desconforto ao mastigar), dor muito ligeira na inserção da prótese do incisivo superior esq.”, não tendo a douta sentença recorrida assentado numa análise adequada da prova testemunhal supra transcrita, produzida em audiência de julgamento, devendo o Tribunal a quo ter formado a convicção para responder ao facto provado 17), no sentido de que o Apelante sofreu efetivamente dores físicas e danos na língua e paredes afins da boca, de forma permanente, pelo, em tal caso, a mesma viola o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C., padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de facto, restando ao ora Apelante requerer.
XI) Nestes termos, por se revestir de essencial importância para a boa decisão da causa e por se encontrar provado pelo depoimento da testemunha FC, requer-se, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do C.P.C., que o facto provado 17), passe a ter a redação seguinte: “O autor, além do desconforto inerente, sofreu dores físicas e desgosto moral.”
XII) Por sua vez, o ora Recorrente considera igualmente incorretamente julgado o ponto da matéria de facto correspondentes ao facto não provado 19) e os concretos meios probatórios do processo que impunham decisão diversa são os Docs. 12, 13 e 14, juntos com a Petição Inicial, bem como o depoimento da testemunha FC, devendo ser proferida, no entender do Recorrente, a decisão de “Provado”, uma vez que o aqui Apelante logrou fazer prova deste facto.
XIII) De facto, de harmonia com os Docs. 12, 13 e 14, nas datas de 24/12/2013, 25/12/2013 e 02/01/2014, o Recorrente endereçou três e-mails para o endereço “geral@clinicasdrricardocruz.pt”, aos quais não obteve qualquer resposta por parte dos Recorridos, quer através do endereço de e-mail “geral@clinicasdrricardocruz.pt”, quer pelo endereço “clinicasricardocruz@sapo.pt”, atento o facto de, após inúmeras tentativas malogradas, não ter conseguido contactar telefonicamente, quer o Apelado dentista, no seu número de telemóvel, quer a Apelada clínica dentária, no respetivo número de telefone, constantes do cartão profissional dos mesmos, entregue ao Apelante, na fase cirúrgica, o qual se destinou a possibilitar ao Recorrente solicitar assistência, auxílio ou tratamento de qualquer natureza aos ora Apelados, caso viesse a revelar-se necessário, o que veio a suceder, de acordo com o que foi julgado provado nos facto 9) e facto 18), da douta sentença do Tribunal a quo.
XIV) Na realidade, perante as fortes dores físicas sentidas e os danos permanentes que lhe foram causados e a inércia dos Recorridos, apenas restou ao Apelante o envio e-mails acima indicados, tendo, no primeiro dos e-mails que endereçou aos Apelados, tal como resulta do Doc. 12, lhes transmitido o cumprimento defeituoso da prestação de serviços médicos por parte do Apelado Dentista, bem como solicitado a sua assistência médica para efeitos de resolução urgente do problema.
XV) Acresce ainda que, não se pode afigurar qualquer razão para o ora Apelante aderir à douta posição da sentença recorrida, de que não resultou provado o envio de vários e-mails para os Apelados por parte do Apelante, pois, para além do depoimento da testemunha FC merecer inteira credibilidade, sendo o seu depoimento suficiente para que resultasse provado o facto 19), tendo resultado do respetivo depoimento, com evidência, que o Apelante enviou vários e-mails para os Apelados, os quais foram remetidos para o endereço de e-mail “geral@clinicasdrricardocruz.pt”, fornecido, por parte do Apelados, ao Apelante, no cartão profissional do dentista e da clínica, destinado a possibilitar ao ora Apelante solicitar assistência, auxílio ou tratamento de qualquer natureza aos ora Apelados, caso viesse a ser necessário, o que se veio a concretizar, sempre tal facto, inequivocamente, teria de ser considerado provado face aos Docs. 12, 13 e 14, juntos à Petição Inicial.
XVI) Destarte, uma vez mais, por se revelar essencial para a boa decisão da causa e por se encontrar provado, quer pelos Docs. 12, 13 e 14, quer pelo depoimento da testemunha FC, requer-se, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do C.P.C., que o facto não provado 19), seja julgado “Provado”.
XVII) Por outro lado, considera o Recorrente incorretamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao facto não provado 20), impondo os concretos meios probatórios constantes dos autos, com especial enfoque nos Docs. 11 e 15, juntos com o articulado do Autor, aqui Recorrente, e no depoimento da testemunha FC, a prolação de decisão diversa, devendo, no modesto entender do Recorrente, ser proferida a decisão de “Provado”.
XVIII) Com efeito, saliente-se que, do Doc. 15, resulta que o Recorrente, no dia do episódio de urgência no Centro Hospital e Universitário de Coimbra, no dia 05/01/2014, se queixou de dores físicas a nível dos implantes dentários, do mesmo constando “ … fragilidade das próteses, fratura de duas delas (com desconforto ao mastigar), dor muito ligeira na inserção da prótese do incisivo superior esq.”, ao passo que, em conformidade com o Doc. 11, junto à Petição Inicial, do mesmo resulta que a coroa #14, constituída de material de cerâmica, teve de ser substituída por uma nova coroa, em virtude de aquela, implantada pelos Apelados, se ter partido e a coroa #35 pelo facto de inexistir ponto de contacto distal, pelo que, assim sendo, com o devido respeito, não podem restar dúvidas de que se as coroas empregues fossem de qualidade mediana, como seriam aquelas implantadas por qualquer médico dentista mediano e observando o dever geral de cuidado com mediana prudência, não haveria qualquer necessidade de substituição, ainda para mais quando o Apelado dentista havia garantido ao Apelante que usava a melhor tecnologia americana e que era um dentista de referência, tal como julgado provado, pela douta sentença recorrida, o facto correspondente ao facto provado 3).
XIX) Além disso, do depoimento da testemunha FC, resulta claramente que a mesmo presenciou, além das dores físicas do Apelante no implante frontal, as coroas dentárias, implantadas pelos Recorridos, a abanarem e a caírem, bem como a fratura de uma delas.
XX) Desta feita, por ser essencial para a boa decisão da causa e por se encontrar provado, tanto pelos Docs. 11 e 15, como ainda pelo depoimento da testemunha acima referida, requerse, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do C.P.C., que o facto provado 20) seja devidamente julgado como “Provado”.
XXI) Além disso, por não assentar numa análise adequada da prova testemunhal supra transcrita, produzida em audiência de julgamento, considera o Recorrente incorrectamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao facto não provado 21), impondo os concretos meios probatórios constantes dos autos, com especial enfoque no Doc. 15, junto com a Acção, e no depoimento da testemunha FC, a prolação de decisão diversa, devendo, no modesto entender do Recorrente, ser proferida a decisão de “Provado”, uma vez que se impunha ao Tribunal a quo ter formado a convicção para responder ao facto não provado 21), no sentido de que o Apelante sofreu efetivamente dores físicas e danos na língua e paredes afins da boca, de forma permanente.
XXII) Na realidade, a este propósito saliente-se o teor do Doc. 15, correspondente a Relatório resumo de episódio de urgência, emitido pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E., do qual resulta que o Recorrente, na data do episódio de urgência, a 05/01/2014, se queixou de dores físicas a nível dos implantes dentários, bem como “ … fragilidade das próteses, fratura de duas delas (com desconforto ao mastigar), dor muito ligeira na inserção da prótese do incisivo superior esq.”
XXIII) Acresce ainda a este respeito, cumpre salientar que resulta claramente do depoimento da testemunha FC que o Recorrente, como consequência da prestação defeituosa do acto médico e da fraca qualidade das coroas colocadas sobre os três implantes, sofreu dores e danos, de forma permanente, tendo tais dores e danos se prolongado até ao dia 15/01/2014, aquando do seu tratamento na clínica Maló.
XXIV) De facto, importa assinalar que o Recorrente logrou fazer prova deste facto, desde logo, tendo indicado uma testemunha que presenciou as dores físicas, abalo emocional e sofrimento psicológico, bem como os danos sofridos pelo ora Apelante, e juntado aos autos documentos comprovativos das dores sentidas e danos sofridos causadas pela defeituosa prestação médica do Apelado dentista, portanto, assim sendo, entende o Recorrente que a douta decisão recorrida não poderia ter considerado como não provado o facto não provado 21), violando a mesma, nesse caso, o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C. e padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de facto.
XXV) Deste modo, ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1, do C.P.C., uma vez que é essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa, tal como se encontra provado pelo depoimento da testemunha FC, resta requerer que o facto não provado 21) seja considerado como “Provado”, para todos os efeitos legais.
XXVI) Nesta senda, considera o Recorrente incorretamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao facto não provado 22), impondo os concretos meios probatórios constantes dos autos, entre os quais, o Doc. 11, junto com a Petição Inicial, que fosse proferida decisão diversa, devendo, no entender do Recorrente, ser proferida a decisão de “Provado”.
XXVII) Com efeito, em conformidade com o Doc. 11, correspondente a Relatório Clínico, datado de 15/10/2014, cumpre referir que, do mesmo resulta que a necessidade de substituição da coroa colocada pelo Apelado dentista, de metal-cerâmica, na posição #14, se justificou “… pela fratura de cerâmica na zona vestibular/cervical …”, ao passo que a necessidade de substituição da coroa, também de metal-cerâmica, na posição do dente #35, se deveu à “ … inexistência de ponto de contacto distal na coroa do #35, com a consequente
inflamação gengival devido a retenção …”, pelo que, desta feita, facilmente se constata que tal documento atesta precisamente o contrário do Facto não provado 22).
XXVIII) Nestes termos, sempre se dirá que a douta decisão recorrida não poderia ter considerado como não provado o facto não provado 22), pelo que, assim sendo, a mesma viola o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C., padecendo, assim, de erro de julgamento da matéria de facto, restando ao ora Apelante requerer, de acordo com o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do C.P.C., que o facto não provado 22) seja considerado como “Provado”, para todos os efeitos legais.
XXIX) Além disso, com o devido respeito, o Apelante considera incorretamente julgado o ponto da matéria de facto correspondente ao facto não provado 23), atento o facto de os constantes meios probatórios do processo, com especial enfoque no depoimento da testemunha FC, impunham decisão diversa, tendo a mesma presenciado as dores psíquicas, abalo emocional e psicológico, desgosto e abalo moral sofridos pelo aqui Apelante, como consequência da prestação defeituosa levada a cabo pelos Apelados, não tendo o Tribunal a quo analisado adequadamente a prova testemunhal produzida, acima transcrita, nem retirado as ilações e presunções impostas regras de experiência, violando o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do C.P.C., padecendo a mesma de erro de julgamento da matéria de facto.
XXX) Desta feita, por se revelar essencial para a descoberta da verdade material e boa decisão da causa e por se encontrar provado pelo depoimento da testemunha FC, requer-se, ao abrigo do disposto no artigo 640.º, n.º 1, do C.P.C., que o facto não provado 23) seja devidamente julgado como “Provado”.
B) DA MATÉRIA DE DIREITO:
XXXI) Atento o facto do ora Recorrente, mediante o pagamento de um preço, ter solicitado aos ora Recorridos, serviços de terapêutica dentária, enquanto clínica dentária e médico dentista, tal exprime vinculação contratual, pelo que, assim sendo, importa desde já assinalar que, no caso em apreço e atenta a noção do artigo 1154.º, do C.C., estamos perante uma modalidade contratual de prestação de serviços médico-cirúrgicos, celebrada entre “clínica” e “paciente”, correspondendo aquela a qualquer unidade de prestação de serviços de saúde, independentemente de qual o seu objeto concreto e da forma de organização empresarial ou jurídica.
XXXII) Neste sentido, é de salientar que os presentes autos versam a questão da responsabilidade civil pela prática de acto médico, enquanto acto executado por um profissional de saúde que consiste numa avaliação diagnóstica, prognóstica ou de prescrição e execução de medidas terapêuticas, como é o caso em apreço, em que o período pós-operatório está, pela natureza das coisas, abrangido pela fórmula contratual, impendendo sobre os R.R., ora Apelados, o dever de garantir a assistência e a vigilância do A., ora Apelante, enquanto paciente.
XXXIII) Desta feita, no que concerne ao requisito da ilicitude, resulta a mesma da violação de um dever jurídico, em regra, no caso do cumprimento defeituoso, no âmbito de deveres secundários ou acessórios de conduta, os quais acompanham o cumprimento adequado da prestação principal.
XXXIV) Em conformidade com o decorre do artigo 798.º, do C.C., ilícito contratual traduz-se na desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado pelo respectivo obrigado, existindo incumprimento se for cometida uma falta técnica, por acção ou omissão, dos deveres de cuidado, conformes aos dados adquiridos da ciência, implicando o uso de meios humanos ou técnicos necessários à obtenção do melhor tratamento.
XXXV) Na realidade, importa assinalar que os ora Apelados, com especial enfoque nos deveres de proteção da Pessoa, violaram deveres acessórios de conduta, decorrentes do princípio da boa fé no cumprimento das obrigações, ao abrigo do preceituado no artigo 762.º, n.º 2, do C.C.
XXXVI) Com efeito, existindo um denominador comum e insofismável na atividade médica e concretamente na prática do ato médico, independentemente da sua natureza contratual ou extracontratual, correspondente à exigência de uma atuação que observe os deveres gerais de cuidado, cumpre elucidar que os Apelados violaram o dever de proteção e vigilância do Apelante no período posterior à intervenção cirúrgica a que foi submetido na clínica dentária, qualificável como Schutzpflicht, cujo incumprimento do princípio da boa fé, nos termos do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do C.C., permitiu a agressão que vitimou o Apelante e os danos patrimoniais e morais que sofreu.
XXXVII) Acresce ainda que, é sobre os R.R., aqui Apelados, que impendia o ónus de ilidir a presunção de culpa tipificada no artigo 799.º, do C.C., e, não tendo logrado a esse respeito produzido prova em contrário, facilmente se constata que os mesmos se constituíram em responsabilidade contratual, pelos prejuízos que o Apelante sofreu em consequência da agressão.
XXXVIII) Desta feita, independentemente de qual a natureza da sua obrigação do médico, esteja, na situação sub judice dentista, vinculado ou não por contrato, exige-se sempre que o mesmo cumpra as legis artis, com a diligência normal de um médico médio (a reasonable doctor), existindo, no caso do contrato de prestação de serviços, como obrigação contratual principal, a obrigação de tratamento do paciente, a qual se pode desdobrar em diversas prestações, tais como: de observação, de diagnóstico, de terapêutica, de vigilância e ainda de informação.
XXXIX) Por seu turno, a respeito da obrigação de vigilância ou acompanhamento que impende sobre os Apelados, cumpre realçar o entendimento vertido no Acórdão do S.T.J., datado de 11/07/2006 (Revista n.º 1503/06 – 6.ª Secção – Nuno Cameira (Relator), Sousa Leite e Salreta Pereira):
“Por se reconhecer que existe então um dever de vigilância no período pós-operatório, deve entender-se que a obrigação complexa a que o cirurgião e, reflexamente, o hospital ficaram vinculados perdura para além do momento da conclusão da cirurgia.”
XL) Na verdade, importa ainda referir que, na presente situação dos autos, do defeituoso ato médico perpetrado pelo Apelado dentista resultou a violação de um direito absoluto do Apelante, consistente no direito à sua integridade física e integrado na sua personalidade, consagrados legal e constitucionalmente no artigo 70.º, n.º 1, do C.C. e no artigo 25.º, da Constituição da República Portuguesa.
XLI) Por sua vez, quanto à culpa, enquanto juízo normativo de censura ético-jurídica, corresponde esta a uma deficiente conduta, cumprindo apurar-se onde esteve a deficiente conduta profissional do médico, in casu, na execução da operação ou no pós-operatório, constituindo ponto comum à responsabilidade civil contratual e à responsabilidade civil delitual ou extracontratual, a exigência de que o médico tenha agido culposamente, isto é, que o mesmo tenha agido de tal forma que a sua conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada, podendo determinar-se que, perante as circunstâncias concretas de
cada situação, o médico devia e podia ter atuado de modo diferente, salientando-se a este propósito o colendo entendimento vertido no Acórdão do S.T.J., datado de 22/05/2003, “ … o doente tem que provar que um certo diagnóstico, tratamento ou intervenção foi omitido e, por assim ser, conduziu ao dano, pois se outro acto médico tivesse sido (ou não tivesse sido) praticado teria levado à cura, atenuado a doença, evitado o seu agravamento, ou mesmo a morte.”
XLII) Com efeito, o Apelado dentista, perante as circunstâncias concretas da situação subjudice, cumpriu defeituosamente a obrigação que sobre o mesmo impendia, tendo colocado em perigo e lesado os direitos à integridade física e psíquica do paciente, ora Recorrente, facilmente se constatando, face ao supra exposto, que o Apelado dentista agiu culposamente, uma vez que, com recurso às regras da arte clínica recomendadas, não cumpriu satisfatoriamente a sua prestação, tendo utilizado meios inaceitáveis e desadequados, além de que, confrontando a sua atuação com o padrão de conduta profissional exigível a um operador medianamente competente e prudente, torna-se por demais evidente que se verificou uma desconformidade da atuação concreta por parte do mesmo, tendo a sua atuação médica se revelado desadequada em função da situação patológica do doente após a intervenção contratada.
XLIII) Por seu lado, no que respeita à apreciação da culpa do Apelado dentista, efetua-se a mesma pela diligência de um bom pai de família, de acordo com o disposto nos artigos 799.º, n.º 2, aplicável ex vi ao artigo 487.º, n.º 2, ambos do C.C., pelo que, assim sendo, constata-se que, independentemente do mérito e competência que podem ser reconhecidos ao médico dentista em apreço, o certo é que, na realidade, perante as mesmas circunstâncias, qualquer médico dentista mediano teria colocado sobre cada um dos três implantes coroas dentárias de qualidade minimamente ajustada e adequada, uma vez que, só dessa forma a conduta do médico dentista seria conforme com as regras de atuação, suscetíveis de, em abstrato, propiciarem ao ora Recorrente, a produção do resultado minimamente almejado.
XLIV) Destarte, com o devido respeito, sendo invocado pelo aqui Apelante o cumprimento defeituoso, afigura-se-nos que o mesmo logrou provar a desconformidade objetiva entre o ato prestado e as legis artis, tendo os ora Recorridos, omitido os atos adequados à obtenção do resultado e realizado a prestação a que estavam vinculados, de forma deficiente e errada, dai se produzindo danos e dores físicas, abalo psicológico e sofrimento para o ora Recorrente, os quais não teriam ocorrido se outro fosse o ato médico efetivamente praticado, nomeadamente se outros fossem os materiais integrantes das coroas dentárias concretamente empregues pelos Apelados, salientando-se ainda este respeito as doutas palavras do Acórdão do S.T.J., datado de 15/12/2011 (Revista n.º 209/06.3TVPRT.P1.S1 – 1.ª Secção – Gregório Silva Jesus (Relator), Martins de Sousa e Gabriel Catarino), segundo o qual: “Em termos gerais, ponto comum à responsabilidade contratual e à responsabilidade extracontratual, ter o médico agido culposamente significa ter o mesmo agido de tal forma que a sua conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada, pois em face das circunstâncias concretas do caso, o médico devia e podia ter actuado de modo diferente.”
XLV) Por conseguinte, quanto ao regime de responsabilidade civil contratual de clínicas por condutas de médicos, e para efeitos de equiparação dessas condutas, como é o caso em apreço, importa assinalar o disposto no artigo 800.º, n.º 1, do C.C., pelo que, deste modo, a culpa do Apelado médico estende-se à Apelada clínica, tendo sido causa adequada dos padecimentos e dores do A., ora Apelante, correspondentes a danos não patrimoniais suficientemente graves para merecerem a tutela do direito, ao abrigo do disposto no artigo 496.º, mostrando-se, de facto, verificados todos os pressupostos da obrigação de indemnizar, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 483.º, todos do C.C..
XLVI) Acresce ainda que, no que diz respeito à causalidade adequada, importa salientar o entendimento plasmado no Acórdão do S.T.J, de 18/09/2007 (Revista n.º 2334/07 – 1.ª Secção – Alves Velho (Relator), Moreira Camilo e Urbano Dias): “Em sede de causalidade adequada, por sua vez, tem de ser provado pelo paciente que certo tratamento ou intervenção foram omitidos, ou que os meios utilizados foram deficientes ou errados – determinação dos actos que deviam ter sido praticados e não foram, do conteúdo do dever de prestar – e, poderá tal ter acontecido, em qualquer fase do processo, se produziu o dano, ou seja, foi produzido um resultado que não se verificaria se outro fosse o acto médico efectivamente praticado ou omitido.”
XLVII) Nestes termos, segundo a teoria da causalidade adequada, consagrada no artigo 563.º, do C.C., existe nexo causal entre o cumprimento defeituoso da prestação por parte dos Apelados e as dores e danos na língua e paredes afins da boca sofridos pelo ora Apelante, na medida em que as lesões e danos acima descritos foram causados pelo cumprimento defeituoso da prestação, tendo, nos termos e para os efeitos do artigo 563.º, do C.C., resultado direta e necessariamente dos atos praticados pelos Apelados, tratando-se de factos que consubstanciam uma relação natural de causa e efeito, em termos de a prestação defeituosa de ato médico constituir, naturalisticamente, condição sine qua non dos danos considerados, além de que, tanto pelo fato de a relação de causa e efeito surgir explicitamente esboçada na matéria de facto alegada e provada, como ainda resulta de conexão com outros pontos de facto no contexto discursivo do elenco, revelado, inclusive, por aplicação dos critérios previstos no artigo 236.º, n.º 1, do C.C.
XLVIII) Além disso, cumpre referir que, na situação sub judice, mesmo de acordo com a “formulação negativa” da teoria da causalidade adequada, sustentada por Enneccerus/Lehman e constantemente acolhida na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, “ … o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto …”, o que, na realidade, é de excluir na situação dos autos, portanto, resta concluir que estamos em sede de causalidade adequada, uma vez que a conduta dos ora Apelados, foi decisiva para o resultado produzido, qual foi o do cumprimento defeituoso da prestação, tendo resultado na fratura, desaperto e
queda de coroas dentárias e na produção de dores físicas, abalo emocional e danos na língua, paredes afins da boca, bem como ainda na dificuldade em comer e em falar, insensibilidade e desgosto e abalo psicológico do Recorrente.
XLIX) Por seu turno, relativamente aos danos não patrimoniais, de acordo com o entendimento sufragado pelo Professor Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, neles estão abrangidos prejuízos, como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética, que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens, como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra ou o bom nome, que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária, sendo, de acordo com o preceituado no artigo 496.º, n.ºs 1 e 3, do C.C., indemnizáveis os danos não patrimoniais que “… pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.”
L) De facto, no que respeita à fixação do montante da compensação pecuniária por este tipo de dano, para efeitos de formulação do juízo de equidade, os Professores Antunes Varela e Pires de Lima, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, pág. 501, sufragam a douta posição que “O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, ... E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”
LI) Assim sendo, com o devido respeito, que é muito, como consequência dos danos produzidos na integridade física e moral do aqui Apelante, direitos de personalidade, como tais absolutos e invioláveis, e tendo em conta para efeitos de fixação do montante critérios como a equidade, a gravidade do dano, o grau de culpa do lesante, o bom senso prático, entre outros, afigura-se-nos que o montante de 3.000,00€, a título de danos não patrimoniais, revela-se adequado e equitativo, no qual deverão os Apelados serem condenados a ressarcir o ora Apelante.
LII) Em suma, em virtude do que acima ficou exposto e provado, verificam-se, in totum, os pressupostos de responsabilidade civil dos ora Apelados, uma vez que, encarada a atuação destes, quer à luz da responsabilidade civil contratual, quer nos termos da responsabilidade delitual, está demonstrada a prática pelos Recorridos do facto ilícito, bem como a sua culpa, danos e nexo de causalidade, pelo que, uma vez que se verificam os pressupostos da obrigação
de indemnizar, cumpre condenar os Apelados a ressarcir o ora Apelante dos danos sofridos em consequência do erro cometido e da prestação defeituosa executada.
Nestes termos e nos mais de Direito, cujo douto suprimento de V. Exas. expressamente se requer, deve ser concedido integral provimento ao presente recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida e, consequentemente,
condenando-se os Recorridos nos pedidos contra eles formulados, assim se fazendo a costumada e inteira Justiça.»
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Foram apresentadas contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença e improcedência do recurso.
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Obtidos os vistos legais, cumpre apreciar.
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Questões a decidir:

O objeto e o âmbito do recurso são delimitados pelas conclusões das alegações, nos termos do disposto no artigo 635º nº 4 do Código de Processo Civil. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº 3, do Código de Processo Civil). Similarmente, não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas (Abrantes Geraldes, Recursos no N.C.P.C., 2017, Almedina, pág. 109).

Importa apreciar as seguintes questões:

a). Se a decisão quanto à matéria de facto provada e não provada enferma da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c) do C.P.C e deve ser alterada no sentido apontado pelo apelante, por não ter extraído as devidas ilações impostas pelo artigo 607º nº 4 do C.P.C.?

b). Caso venha a ser alterada a decisão quanto à matéria de facto, se existe fundamento para julgar verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual imputada aos réus, nos termos dos artigos 798º, 762º nº 2 e 799º do C.C., com a consequente obrigação de indemnizar o autor?
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A factualidade provada e não provada consignada na sentença recorrida é a seguinte:

1) No dia 12.09.2013, o autor deslocou-se à clínica da ré em Reguengos de Monsaraz para uma consulta dentária, devido à coroa de um dos dentes frontais superiores estar instável.
2) Na clínica, o autor foi observado pelo réu médico e após conselho do réu foi decidido colocar implantes em substituição de 3 dentes (o frontal superior, outro também no maxilar superior e outro no inferior), através de coroa agarrada a implante.
3) O réu garantiu que usava a melhor tecnologia americana e que era um dentista de referência.
4) Em setembro, procedeu-se à colocação de implantes dentários, através de cirurgia, consistente na abertura da parede do osso e colocação de implantes.
5) Após a cicatrização, foram tirados os pontos, colocadas as coroas provisórias e feitos os moldes.
6) Em 19.12.2013, o réu colocou uma coroa sobre cada um dos 3 implantes.
7) Nessa altura, foi comunicado ao autor que na semana seguinte, a clínica estaria fechada.
8) Uns dias depois, o autor apercebeu-se que um dos dentes estava a abanar.
9) O autor telefonou para número de telefone da ré, mas ninguém atendeu.
10) Quando o autor chegou à porta da clínica da ré, no dia 23 de Dezembro, as portas estavam fechadas, por se encontrarem de férias.
11) No dia 25.12.2013, o autor apresentou reclamação junto da DECO, da Ordem dos Dentistas e da Entidade Reguladora da Saúde.
12) O autor descolou-se em 05.01.2014 às urgências do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.
13) Em Janeiro, SC, funcionária da ré, telefonou para o autor, que recusou a marcação de qualquer consulta.
14) O autor dirigiu-se à clínica Maló, em 15.01.2014, onde procedeu à substituição de uma coroa em cerâmica, que se encontrava rachada, e aparafusou outra coroa.
15) Em virtude dos tratamentos efetuados pelos réus, o autor pagou a quantia total de €4.300,00, sendo de €2.200,00 relativos à fase cirúrgica.
16) Quando se deslocou em 05.01.2014, pelas 12.41 horas, às urgências do Hospital de Coimbra, despendeu a quantia de €20,60.
17) O autor sentiu desconforto e ficou sentido por não ter sido contactado pessoalmente pelo dentista.
18) Na fase cirúrgica, o réu deu o número de telemóvel ao autor.
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Não se provou que:
19) O autor enviou vários emails para os réus.
20) Acontece que depois da intervenção cirúrgica e da colocação dos implantes e coroas, o autor apresentava dor no implante frontal, o implante do maxilar inferior partiu.
21) Resultando em dores, danos na língua e nas paredes afins da boca de forma permanente.
22) Devido à fratura de cerâmica e pela inexistência de ponto de contacto distal na coroa, veio a resultar inflamação gengival devido a retenção alimentar e desconforto.
23) As dores, a insensibilidade sentida, a dificuldade em falar e em comer têm provocado desgosto e abalo psicológico no autor, que tem até vergonha em conviver, isolando-se em casa, sem conviver com outras pessoas.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

a). Se a decisão quanto à matéria de facto provada e não provada enferma da nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c) do C.P.C. e deve ser alterada no sentido apontado pelo apelante, por não ter extraído as devidas ilações impostas pelo artigo 607º nº 4 do C.P.C.?

Nas alegações de recurso é sustentado que «a douta sentença apelada enferma da nulidade prevista no artigo 615.º, n.º1, alínea c), e viola o disposto no artigo 607.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil, de ora em diante apenas designado por “C.P.C.”», pois algumas das respostas dadas pelo tribunal recorrido à matéria de facto são deficientes, obscuras e contraditórias.

Em sede de conclusões recursórias, o apelante pugna essencialmente pela alteração da decisão quanto aos factos provados e não provados por entender que não foram devidamente valorados excertos das testemunhas que identifica, bem como o teor da prova documental, em particular, o relatório resumo de episódio de urgência, emitido pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. junto como documento 15.


A respeito das nulidades da sentença, dispõe o artº 615 nº 1 do C.P.C. que esta enferma de nulidade, no que ao caso importa, quando:
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

Trata-se de um vício formal que respeita à estrutura (alíneas b) e c) e aos limites da sentença (alíneas d) e e), cuja verificação afecta a sua validade.

Constitui entendimento igualmente pacífico da doutrina e da nossa jurisprudência que a nulidade prevista no artº. 615º, nº. 1, al. c) do NCPC (correspondente ao artº. 668º, nº. 1, al. c) anterior à reforma introduzida pela Lei nº. 41/2013 de 26/6) só se verifica quando os fundamentos invocados na sentença devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diversa da que a sentença expressa, ou seja, o raciocínio do juiz aponta num determinado sentido e o dispositivo conclui de modo oposto ou diferente (cfr. Prof. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 141; acórdãos do STJ de 23/11/2006, proc. nº. 06B4007 e da RE de 19/01/2012, proc. nº. 1458/08.5TBSTB e de 19/12/2013, proc. nº. 538/09.4TBELV, Ac. do T.R.E. de 25/06/2015, Proc. nº 855/15.4T8PTM.E1 todos acessíveis em www.dgsi.pt), sabido que essa contradição remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.

Ora, examinada a sentença e tendo por base a factualidade provada e não provada que ficou exarada, não se verifica qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão. O raciocínio exposto na decisão recorrida conduzia logicamente ao resultado alcançado, independentemente da sua correcção jurídica. Não é esta também ambígua ou obscura, no sentido de que se “preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos.» ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 151.

Consequentemente, é de concluir que a decisão recorrida não padece do vício de nulidade apontado pelo recorrente.

Resta apreciar a questão suscitada quanto à alteração da matéria de facto por não terem sido extraídas as devidas ilações impostas pelo artigo 607º nº 4 do C.P.C.

Relativamente à estrutura da sentença cível, passou-se a concentrar na mesma peça processual a decisão da matéria de facto controvertida e a respectiva integração jurídica, o que impõe um cuidado acrescido na elaboração da fundamentação, seguindo as exigências traçadas pelo nº 4 do artigo 607º do C.P.C.

Assim, sendo este um dos segmentos principais da sentença, «deve reportar o resultado da convicção formada pelo juiz relativamente à matéria abarcada pelos “temas de prova”, em resultado da apreciação dos meios de prova que foram produzidos na audiência final ou da análise do processado» e o «importante é que o juiz exponha com clareza os motivos essenciais que o determinaram a decidir de certa forma a matéria de facto controvertida contida nos temas da prova, garantindo que a parte prejudicada pela decisão (com a aludida sustentação) possa sindicar, perante a Relação, o juízo probatório formulado relativamente a tal factualidade, designadamente na medida em que foi sustentada em factos instrumentais e nas regras de experiência que foram expostas» (Abrantes Geraldes, obra citada, Apêndice II – Sentença Cível, pág. 596 e 603).

A fundamentação fática consignada na decisão recorrida é do seguinte teor:

«O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida nos autos, analisada conjugada e criticamente, segundo as regras de experiência comum e juízos de normalidade, designadamente:
- Nos documentos juntos aos autos.
- No depoimento das testemunhas FC, EA, SC, JS.
- Nas declarações de parte do réu RC e do autor AP
**
Em síntese:
A factualidade provada deve-se às declarações de parte, bem como dos depoimentos das testemunhas, que depuseram de forma circunstanciada e convincente.
Os factos não provados deveram-se à falta de prova.»

Com o devido respeito, a motivação do tribunal de primeira instância não esclarece praticamente nada em que medida as provas produzidas foram ou não relevantes para este ou aquele sentido, face aos temas da prova enunciados, e em particular é totalmente omissa a fundamentação quanto à conjugação dos testemunhos e declarações de parte produzidas com os documentos juntos aos autos, cujo valor probatório nem sequer é devidamente apreciado.

Não basta referir de uma forma genérica que a prova foi «analisada conjugada e criticamente, segundo as regras de experiência comum e juízos de normalidade», sem esclarecer quais as razões e as ilações que foram extraídas, ou dito de outro modo, sem se demonstrar com uma clareza mínima e ainda que simplificada ou resumida qual foi o percurso analítico e lógico percorrido.

Na análise exaustiva de Abrantes Geraldes, «quer relativamente aos factos provados, quer quanto aos factos não provados, o juiz deve justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 607º, nº 5), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos» (obra citada, pág.296 e 297).

Conforme é assinalado pelo mesmo autor (obra citada, pág. 298, e igualmente por Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum, pág. 280, nota 34), quando a decisão proferida sobre algum facto essencial não estiver devidamente fundamentada a Relação deve determinar a remessa dos autos ao Tribunal de 1ª Instância, a fim de preencher essa falha com base nas gravações efectuadas e meios de prova inseridos nos autos.

Na situação em apreço, a fundamentação fática padece globalmente de falta de fundamentação, pelos motivos expostos, e no particular quanto à factualidade controvertida atinente a saber se ocorreu ou não uma prestação defeituosa nos serviços médicos prestados pelos réus.

Impõe-se, consequentemente, nos termos da alínea d) do nº 2 do artigo 662º do C.P.C., a remessa dos autos ao tribunal recorrido para que o Senhor Juiz que elaborou a sentença proceda à sua devida fundamentação, quanto aos factos provados e não provados, tendo por base os depoimentos gravados e os documentos inseridos nos autos, mostrando-se assim prejudicada a apreciação das restantes questões suscitadas nas conclusões recursórias.
*
DECISÃO

Em face do exposto, determina-se a remessa dos autos ao tribunal de primeira instância, para que fundamente a decisão, nos termos do artigo 662º nº 2 alínea d) do C.P.C., tendo em consideração os depoimentos gravados e os documentos inseridos nos autos.

Custas pelo vencido, a final.

Lisboa, 17.05.2018,

Ana Paula Albarran Carvalho

Maria Manuela Gomes

Gilberto Jorge