Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
822/12.0TTALM.L1-4
Relator: PAULA SANTOS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
QUEDA
DESCARACTERIZAÇÃO
PRESUNÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/12/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I - Não tendo a apelante provado que o sinistrado desmaiou, ou que, tendo desmaiado, esse facto foi consequência de doença de que ele padecia, podemos afirmar desconhecer a que se deveu a inopinada queda do sinistrado e como tal estamos perante um evento súbito, inesperado, causador do acidente.
II - A Ré apenas alega que o acidente ocorreu no contexto do tumor de que o sinistrado padecia, que resulta de um facto intrínseco ao próprio corpo do mesmo, mas sem fazer qualquer prova cabal do assunto.
III - O acidente também não se encontra descaracterizado: não resultou provado que tivesse ocorrido qualquer violação, sem causa justificativa, das condições de segurança impostas pelo empregador, não está provado que a queda resulte de negligência grosseira do sinistrado, ou ainda que a queda resultou da privação da razão pelo sinistrado.
IV - Apenas sabemos que o trabalhador sofreu uma queda porque se sentiu mal. Qual a causa de se ter sentido mal? Não resultou provada. E tinha interesse para o caso, para efeitos de poder afastar a sua ligação à relação de trabalho. Trata-se de uma questão que se coloca a montante do funcionamento da presunção prevista no artigo 10º da LAT.A quem incumbia essa prova? À Ré, por se tratar de facto impeditivo do direito do Autor (cfr. 342º do C.Civil).
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório
AAA instaurou a presente acção, com processo especial, para a efectivação de direitos resultantes de acidente de trabalho contra BBB, S.A., peticionando a respectiva condenação no pagamento dos períodos de ITA, no montante de € 6.955,27, na pensão anual e vitalícia de € 5.934,88, e no subsídio de elevada incapacidade no montante de € 4.750,10, bem como € 20 a título de transportes.
Alega, em síntese que;
- Sofreu um acidente de trabalho no dia 21 de Junho de 2012, quando se encontrava a exercer as suas funções sob as ordens, direcção e fiscalização da CCC, Lda , como serralheiro mecânico;
- À data do evento auferia a retribuição anual de € 9.800;
- Esteve com uma ITA de 21.06.2012 até 21.06.2013, tendo-lhe sido atribuída uma IPP de 52,8% com IPATH.
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Foi realizada tentativa de conciliação, mas a Ré não aceitou o acidente como de trabalho.
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Regularmente citada, a Ré contestou a acção, alegando, em síntese:
- a dado momento do trabalho que estava a realizar, a uma altura de 15 m do solo, o Autor sentiu-se mal e pediu ao colega que o trouxesse até ao solo;
- o sinistro ocorreu em virtude de o sinistrado não ter cumprido com as normas de segurança transmitidas pela sua entidade empregadora;
- O Autor apenas teve o acidente em virtude de se ter sentido mal, uma vez que sofre de um tumor primário no cérebro.
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Foi proferido despacho saneador, o qual conheceu da validade e regularidade da instância.
Foi fixada a matéria de facto assente e a realização da base instrutória.
Foi determinado o desdobramento do processo.
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Foi proferida decisão no âmbito do apenso de fixação de incapacidade.
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Entretanto, face ao óbito do Autor, foram habilitados, para seguirem na causa, em substituição daquele, DDD, EEE e FFF.
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Foi realizado julgamento com observância do legal formalismo.
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Foi proferida sentença que “ julga a ação totalmente procedente porque totalmente provada e, em consequência, decide condenar a Ré no pagamento aos Autores das seguintes quantias: a) € 6.841,21 a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária para o trabalho;
b) Pensão anual de € 5.934,88 por incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, devida até 05.12.2015;
c) € 4.750,13 a título de subsídio de elevada incapacidade;
d) € 20 a título de despesas de transporte;
 e) Juros moratórios à taxa supletiva legal desde a data do evento até efetivo e integral pagamento sobre as quantias referidas em a);
f) Juros moratórios à taxa supletiva legal desde a data da alta até efetivo e integral pagamento sobre as quantias referidas em b) e c);
g) Juros moratórios à taxa supletiva legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento sobre as quantias referidas em d).
Custas a cargo de ambas as partes na proporção do respetivo decaimento, fixando-se o decaimento da Ré em 99,35% e o dos Autores no restante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiem (art. 527.º do Código de Processo Civil)”.
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Inconformada, a Ré interpôs recurso, concluindo nas suas alegações que:
(…)
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O Ministério Público contra-alegou, concluindo que:
(…).
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir
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II. Objecto do Recurso
Considerando o teor das conclusões de recurso, cumpre decidir se estamos perante um acidente de trabalho.
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III. Fundamentação de Facto
A – Matéria de Facto Provada
São os seguintes os factos considerados provados pela primeira instância
A. No dia 21.06.2012 AAA exercia as funções inerentes à categoria profissional de serralheiro mecânico, ao serviço, sob a autoridade, direção e fiscalização da CCC Lda.
B. AAA auferia a retribuição anual de € 9.800 (€ 700*14 meses).
C. Em 21.06.2012, a CCC. tinha a sua responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a BBB, por contrato titulado pela apólice n.º 010101400711501, pelo valor da retribuição anual de € 9.800.
D. No dia 21.06.2012, AAA encontrava-se a exercer as suas funções para a CCC Lda., nos trabalhos de manutenção de um pórtico do cais do Porto de Lisboa, utilizado para a carga e descarga de contentores.
E. Tais trabalhos tinham sido adjudicados à CCC Lda. pela (…), S.A.
F. AAA procedia à soldadura de um veio.
G. Os trabalhos decorriam sobre a estrutura do pórtico referido em D) a uma altura de cerca de 15 metros do solo.
H. AAA dispunha de cinto de segurança com arnês fixo a uma linha de vida.
I. A dada altura, AAA sentiu-se mal disposto, tendo solicitado ao seu colega de trabalho (…) que o trouxesse até ao solo.
J. (…) solicitou a deslocação para o pórtico de uma plataforma elevatória articulada instalada sobre a caixa de um camião.
K. A plataforma foi elevada hidraulicamente até ao local onde o sinistrado se encontrava.
L. A plataforma referida em J) é composta por um cesto metálico, aberto na parte superior.
M. De modo a tornar desnecessária a utilização do cinto de segurança no interior do cesto, após 21.06.2012 a CCC Lda. procedeu à instalação de um guarda-corpos intermédio a 0,45 metros de cada uma das aberturas laterais.
N. AAA despendeu € 20 em transportes.
O. O referido cesto tem a forma de um paralelepípedo rectangular com 1,20 metros de altura.
P. As laterais de menor extensão possuem uma abertura de 0,70 metros de altura, que se destinam à entrada e saída de pessoas.
Q. Na parte superior e a toda a volta do cesto existia um varandim para fixação dos arneses dos cintos de segurança.
R. AAA caiu.
S. Na sequência da queda, AAA sofreu traumatismo craniofacial, com fractura do complexo zigomato malar, fratura da bacia, com disrupção pélvica e diástase da sínfise púbica, traumatismo do membro inferior esquerdo, com fratura do maléolo peroneal e fratura cominutiva do calcâneo esquerdos, tendo sido tratado conservadoramente e realizada fisioterapia.
T. AAA padeceu de incapacidade temporária absoluta para o trabalho entre 21.06.2012 e 21.06.2013.
U. AAA ficou com sequelas da queda sofrida em 21.06.2012.
V. Que afetaram permanentemente a sua capacidade para o trabalho.
W. Foi atribuída ao sinistrado uma IPP de 52,8% com IPATH.
X. O sinistrado faleceu no dia 5 de Dezembro de 2015.
Z. AAA e (…) entraram no cesto da plataforma.
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B - Matéria de Facto Não provada
A primeira instância não considerou provados os seguintes factos
a) Que no momento em que AAA entrava, o cesto da plataforma tenha sofrido um movimento brusco.
b) Que tenha sido tal movimento brusco a causar a queda de AAA e que esta queda tenha ocorrido de uma altura de 6 a 8 metros do solo.
c) Alterado conforme decisão infra .
 d) Que AAA não tenha tido cuidado de colocar o arnês do cinto de segurança ao varandim.
e)Que a actuação vertida em d) tenha sido contra ordens expressas que lhe haviam sido transmitidas pela sua entidade empregadora.
f) Que iniciada a descida hidráulica do cesto, AAA sofreu um desmaio e que, passando por uma das aberturas laterais referidas em P. caiu ao solo, de uma altura de cerca de 5 metros.
g) Que AAA tenha desmaiado em virtude do tumor primário na região parietal direita do cérebro, diagnosticado após RM de 19.07.2012.
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IV – Apreciação do Recurso
1.Da Nulidade por omissão de pronúncia
(…)
Não ocorre pois a invocada nulidade.
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2. Da Impugnação da Matéria de Facto
(…)
Considera-se, portanto, provado que o sinistrado e António Penedo estavam ambos dentro do cesto quando a queda ocorreu.
(…)
Procede, assim, apenas parcialmente o recurso que incidiu sobre a matéria de facto.
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V – Enquadramento Jurídico
Pretende a Ré e recorrente seja afastada a qualificação do evento a que se referem os autos - queda, quando o Autor se encontrava a trabalhar num pórtico do cais do porto de Lisboa, utilizado para a carga e descarga de contentores - como acidente de trabalho, considerando que não se verificou um acidente, nem,tão pouco, um nexo de causalidade entre o evento e a relação laboral.
No presente caso estamos perante um trabalhador por conta de outrem, ou seja, que estava vinculado por um contrato de trabalho (cfr. art. 3º nº1 da Lei 98/2009 de 04 de Setembro – Lei dos Acidentes de Trabalho - LAT).
O conceito de “acidente de trabalho” é fornecido, basicamente, pelo artigo 8.º da Lei n.º 98/2009, que o define como “... aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”. E no seu nº2: “Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
a)«Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontre ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente sujeito ao controlo do empregador;
b)«Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.”
 Assim, a caracterização de um acidente como de trabalho pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:
- um elemento espacial (em regra, o local de trabalho);
- um elemento temporal (correspondente, por norma, ao tempo de trabalho);
- um elemento causal (nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão, perturbação funcional ou doença, por um lado, e entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte).
Tratando-se de factos constitutivos do direito invocado, a alegação e prova dos pressupostos que integram a noção do “acidente de trabalho” compete àquele que reclama a respectiva reparação – artigo 342.º nº 1 do Código Civil.
Neste específico domínio, porém, a lei facilita este encargo alegatório e probatório, estabelecendo presunções a favor dos demandantes.
Assim, o artigo 10º nº1 da LAT dispõe que “A lesão constatada no local e tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.”
Como afirma o STJ, “Estas presunções assentam a sua razão de ser na constatação imediata ou temporalmente próxima de manifestações ou sinais aparentes entre o acidente e a lesão (perturbação ou doença) e que justificam, na versão da lei e por razões de índole prática, baseadas na normalidade das coisas e da experiência da vida, o beneficio atribuído ao sinistrado (ou aos seus beneficiários), a nível da prova, dispensando-os da demonstração directa do efectivo nexo causal entre o acidente e a lesão ou mesmo, na referida argumentação do art. 7º nº1 do RLAT, do concreto acidente gerador da lesão”[1].
Estamos na presença de uma presunção, de natureza ilidível, que tem o seguinte alcance: a mera verificação do condicionalismo enunciado no sobredito preceito demonstra a existência de nexo causal entre o acidente e a lesão, dispensando o beneficiário da sua prova efectiva. No entanto, o beneficiário tem de demonstrar a existência do próprio acidente, assim como não está abrangido pela presunção o nexo de causalidade entre as lesões corporais, perturbações funcionais ou doenças contraídas no acidente e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho, ou a morte da vítima, sendo a sua demonstração um ónus do sinistrado ou seus beneficiários.[2]/[3]
Na verdade, o acidente de trabalho é “uma cadeia de factos em que cada um dos respectivos elos estejam entre si sucessivamente interligados por um nexo causal: o evento naturalístico tem de «resultar» da «relação de trabalho»; como a lesão, perturbação ou doença, terão que «resultar» daquele evento; e, finalmente, a morte ou a incapacidade para o trabalho deverão filiar-se causalmente na lesão, perturbação ou doença.
De tal forma que, se esse elo causal se interromper em algum dos momentos do encadeado fáctico acima descrito, não poderemos sequer falar – pelo menos em relação àquela morte ou àquela incapacidade – em «acidente de trabalho»[4].
Porém, a montante dessa verificação cumulativa destes pressupostos, torna-se imperioso, desde logo, que o evento possa ser havido como “acidente”, o que exige a sua produção ocasional, súbita e com origem externa.
Como se refere no Acórdão do STJ de 28/3/2007[5] “... a noção de acidente de trabalho se reconduz a um acontecimento súbito, de verificação inesperada e origem externa, que provoca directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte do trabalhador, encontrando-se este no local e no tempo de trabalho, ou nas situações em que é consagrada a extensão do conceito de acidente de trabalho”.
E ainda, como refere o acórdão desta secção de 24-03-2010[6]:
 “I- Perante o conceito legal estabelecido no art. 6º n.º 1 da LAT, para que um determinado evento possa ser considerado acidente de trabalho, tem, antes de mais, de se tratar de um verdadeiro acidente, ou seja, de um acontecimento ou evento de carácter súbito, na medida em que inesperado na vida do trabalhador por conta de outrem ou equiparado, enquanto no exercício da sua actividade profissional ou por causa dela, acontecimento que seja, directa ou indirectamente, gerador de consequências danosas no corpo ou na saúde do trabalhador, ao ponto de, no mínimo, reduzirem a sua capacidade de trabalho ou de ganho;
II- Por regra, o evento lesivo ou acidente, tem origem numa causa exterior – na medida em que estranha à constituição orgânica da vítima – e violenta. No entanto, nem o acontecimento exterior directo e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente (como acidente de trabalho). A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias.”
Feitos estes considerandos, vejamos se in casu estamos perante um acidente de trabalho em sentido jurídico.
A sentença recorrida considerou a sua verificação, defendendo que não resultou provado qualquer facto que permita concluir pela descaracterização do acidente nos termos do artigo 14º, tanto mais que não resultou provada a dinâmica do acidente.
Como se afirma no Acórdão da Relação do Porto de 09-10-2017 (P. 326/14.6T8PNF.P1), O desmaio traduz-se na perda dos sentidos e, deste modo, do uso da razão. O artigo 14º nº1, al. c) da LAT determina que “O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que: resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação”.
Carlos Alegre refere, a respeito do citado artigo – correspondente ao artigo 7º da Lei 100/97 de 13.09 – o seguinte: (…) “a privação acidental do uso da razão pode ter as mais variadas origens” (…) “seja qual for o tipo de privação do uso da razão que esteja na origem do acidente, este, ainda assim, será reparado, desde que ocorra uma das seguintes circunstâncias: 1ª que tal privação derive da própria prestação do trabalho” (…) “ou 2ª que tal privação seja independente da vontade do sinistrado; ou 3ª que a entidade patronal ou o seu representante, conhecendo o estado inadequado à prestação do trabalho da vítima, consinta essa prestação” (…) – obra citada, páginas 63/64.
Ora, não tendo a apelante provado desde logo que o sinistrado desmaiou, ou que, tendo desmaiado, esse facto foi a consequência da doença de que ele padecia, podemos afirmar desconhecer a que se deveu a inopinada queda do sinistrado e como tal estamos perante um evento súbito, inesperado, causador do acidente.
Volvendo ao caso dos autos, constata-se que a Ré apenas alega que o acidente ocorreu num contexto do tumor de que o sinistrado padecia,  que resulta de um facto intrínseco ao próprio corpo do mesmo, mas se lhe fazer qualquer prova cabal do assunto.
De qualquer forma, ainda que se entendesse que a lesão resulta de doença degenerativa prévia, o evento sempre seria qualificado como acidente de trabalho, por força do disposto no art.º 11º n.º 2 da Lei 98/2009 nos termos do qual, quando a lesão ou doença anterior, for agravada pelo acidente, a incapacidade avaliar-se-á como se tudo dele resultasse, a não ser que pela lesão ou doença anterior o sinistrado já esteja a receber pensão ou tenha recebido um capital de remição nos termos da presente lei.
Em síntese e respondendo à primeira questão de que cumpre conhecer, o evento traduzido na queda do Autor, aconteceu e deve ser qualificado como acidente de trabalho.
Acompanhamos a primeira instância ainda quando afirma que o acidente também não se encontra descaracterizado: não resultou provado que tivesse ocorrido qualquer violação, sem causa justificativa, das condições de segurança impostas pelo empregador, não está provado que a queda resulte de negligência grosseira do sinistrado, ou ainda que a queda resultou da privação da razão pelo sinistrado (cfr. art. 14º da Lei 98/2009).
Desde logo, é importante frisar que o ónus da prova dos factos tradutores da ocorrência de um acidente pertence ao Autor, por serem os mesmos constitutivos do seu direito (cfr. art. 342º do C.Civil). E o Autor fez prova desses factos. Não restam dúvidas em como se verificam os dois primeiros elementos que caracterizam o acidente como de trabalho: o Autor encontrava-se a laborar no seu local de trabalho, e estava no “tempo de trabalho”, no âmbito das tarefas que estava a desempenhar. Provou também que sofreu lesões e incapacidades. Provou tudo o que tinha de provar, já que, quanto ao nexo de causalidade entre a existência da lesão e o evento, o mesmo presume-se.
Mas, como vimos, nem todo o sinistro verificado no local e tempo de trabalho é acidente de trabalho, pois, “para além de se relacionar com o tempo de trabalho, torna-se necessária a existência de uma causa adequada entre o acidente e o trabalho”[7]/[8]
Noutras palavras, “A responsabilidade objectiva emergente de acidente de trabalho baseia-se no risco que é inerente ao exercício de toda e qualquer actividade profissional, fazendo recair sobre o empregador, que com ela beneficia, a obrigação de reparar os danos correspondentes. Assim, a referência a um acontecimento externo tem apenas em vista excluir do âmbito dos acidentes de trabalho situações em que a lesão que provocou a incapacidade ou morte não se relaciona com a actividade desenvolvida sob a autoridade de outrem, ou seja, nas situações em que o dano decorre de uma realidade que apenas diz respeito ao trabalhador, a denominada causa endógena, e nada tem a  ver com a actividade desenvolvida.”[9]. Como afirma Carlos Alegre [10]trata-se de “actos totalmente estranhos à missão e, portanto, estranhos à autoridade patronal …”
Assim, falamos de acidente de trabalho quando ocorre um acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado.
In casu, sabemos apenas que o trabalhador sofreu uma queda porque se sentiu mal.
Qual a causa de se ter sentido mal? Não resultou provada. E tinha interesse para o caso, para efeitos de poder afastar a sua ligação à relação de trabalho. Trata-se de uma questão que se coloca a montante do funcionamento da presunção prevista no artigo 10º da LAT.
A quem incumbia essa prova? À Ré, por se tratar de facto impeditivo do direito do Autor (cfr. 342º do C.Civil).
Em face do exposto, entendemos não merecer censura a sentença recorrida, improcedendo o recurso.
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V – Decisão
Face a todo o exposto, acorda-se na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar totalmente improcedente o presente recurso de apelação interposto por BBB, SA, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
Registe.
Notifique.
Lisboa,

Paula de Jesus Jorge dos Santos
1º adjunto - José Feteira
2ª adjunto – Filomena Manso

[1]  Ac. STJ de 19-11-2008, Proc. 08S2466, e Ac Rel Lisboa de 19-05-2010, no âmbito da anterior LAT, mas com inteira aplicação à presente situação, face à similitude das normas legais aplicáveis.
[2] Mesmo acórdão.
[3] Como escreve o Prof. Pedro Romano Martinez:
“Não se trata de uma presunção da existência do acidente, mas antes uma presunção de que existe nexo causal entre o acidente e a lesão ocorrida” . In Direito do Trabalho, 4.ª edição, página 861, nota 2.
[4] Vitor Ribeiro – Acidentes de Trabalho – Reflexões e notas práticas, pág. 219-220.
[5] Proc 06S3957.
[6] Proc 3326/06.1TTLSB.L1-4.
[7] Pedro Romano Martinez  - Direito do Trabalho – 4º edição –, pág. 850.
[8] Como se afirma no Acórdão do STJ de 14-04-2010 –Proc. 59/05.0 TTVCT.S1 – “A simples constatação da morte da trabalhadora no local e tempo de trabalho não faz presumir a existência de um acidente de trabalho.”
[9]  Acórdão da Relação Lisboa de 10-11-2010 – Proc. 383/04.3 TTGMR.L1-4.
[10] Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais” – 2º edição – pág. 47.
Decisão Texto Integral: