Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4058/12.1TJLSB.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: ACÇÃO DE DESPEJO
EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
BENFEITORIAS ÚTEIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1.–A exigência da especificação pelo recorrente dos pontos concretos que considera incorrectamente julgados impõem-se, para possibilitar o exercício do contraditório, pela parte contrária, já que lhe incumbe, na resposta ao recurso, indicar os depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente e ainda, para possibilitar ao Tribunal ad quem a reapreciação do julgamento, cuja exactidão se impugna, com segurança e reflexão, tendo um exacto conhecimento do objecto da impugnação.
2.–A obrigação de pagar a renda imposta ao locatário, faz parte do sinalagma contratual, na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa.
3.–A excepção de não cumprimento do contrato, invocada pelo locatário, só opera em caso de incumprimento parcial da correspectiva obrigação por parte do locador, assente na privação, ainda que parcial, do gozo do arrendado.
4.–Em matéria de indemnização por benfeitorias úteis, o arrendatário só pode ser ressarcido, com base no enriquecimento sem causa, quando as mesmas não possam ser levantadas sem detrimento da coisa, impondo-se a alegação e prova, não só da realização das mesmas e que o seu levantamento deterioraria a coisa, como também dos respectivos custos e do seu valor actual.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.–RELATÓRIO:


TERESA ....., residente na ……, instaurou, em 30.10.2012, contra,  HASSAN ......., com estabelecimento comercial sito na Rua …., em Lisboa, a presente acção declarativa de condenação, através da qual pede:
a)-a resolução do contrato de arrendamento, e a condenação do réu a despejar imediatamente o andar locado, sito Rua …., em Lisboa e a entregá-lo livre e devoluto de pessoas e bens;
b)-a pagar à autora as rendas vencidas que, até à presente data, ascendem a €2.727,00 e vincendas, no valor de €303,00/mês, até à entrega do locado, ou,
c)-caso o réu opte pelo pagamento das rendas com a indemnização legal, deverá reconhecer-se a caducidade do contrato de arrendamento, com efeitos a partir de 30 de Novembro de 2013, por oposição da autora à prorrogação do período de renovação.

Fundamentou a autora, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:
1.-É comproprietária do prédio sito na Rua ……, designadamente do 1º andar do mencionado prédio;
2.-Entre os anteriores proprietários e o anterior arrendatário, Américo ....foi celebrado um contrato de arrendamento relativo ao 1º andar do mencionado prédio, pelo prazo de 6 meses, com inicio em 01/12/1973, tendo por objecto a actividade de pensão;
3.-Por escritura pública outorgada em 09/01/1989 o anterior proprietário do estabelecimento, Ali …., cedeu, por trespasse, ao réu a pensão instalada no 1º andar do mencionado prédio;
4.-A renda mensal em 01/01/2012 ascendia a €303,00;
5.-O réu deixou de pagar a renda a partir de 01/02/2012, por referência ao mês de Março, apesar das insistências da autora;

Citado, o réu apresentou contestação, em 28.10.2013, alegando, em síntese, que:
1.-Apenas deixou de pagar a renda que se venceu em Julho de 2012, não tendo havido insistências da autora;
2.-A seguir à aquisição do estabelecimento, em 1989, fez obras no mesmo para melhor o rentabilizar;
3.-A partir de 2005, a cobertura e a parte exterior do prédio onde está inserido o estabelecimento começaram a ficar deterioradas e a necessitar de obras;
4.-Esta situação foi comunicada ao representante dos proprietários, Sr. João … e aos proprietários;
5.-Apesar de prometerem fazer obras, não as faziam e não só o exterior, como as partes interiores do imóvel começaram a degradar-se;
6.-Não obstante o réu ter feito obras na sua fracção várias vezes até 2012, com tanta água e humidade, aquelas não eram suficientes para manter o estabelecimento com o mínimo de condições;
7.-Com as promessas dos proprietários e a intimação da Câmara ficou convicto que as obras iriam ser feitas;
8.-Como não tirava rendimento do estabelecimento, com tais promessas e com o não pedido de rendas, entendeu que retomaria o pagamento quando retomasse a actividade;
9.-Assim, não existe fundamento para a resolução do contrato.

Na contestação, o réu deduziu reconvenção, na qual pediu a condenação da autora e dos restantes proprietários da fracção e prédio onde esta se encontra, a indemnizar o réu/reconvinte na quantia de €250.927,85, ( €125.000,00 + €53.927,85 + €20.000,00 + 2.000,00 + 50.000,00), acrescida de juros de mora desde a citação.

Alegou, para tanto e em síntese, que:
1.-Logo em 1989, quando adquiriu o estabelecimento, fez obras de conservação na entrada, escadas e paredes do prédio até à entrada do seu estabelecimento;
2.-Fez também obras no interior do andar, nas quais despendeu a quantia de 3.600.000$00 (€18.000,00), e que equivaleria actualmente a €45.000,00;
3.-Desde essa data que exerce a actividade da hospedagem, a qual foi rentável até inicio de 2009;
4.-A partir de Janeiro de 2005 toda a cobertura e parte exterior do edifício começaram a precisar de obras, tendo comunicado tal situação aos proprietários e ao Sr. João Passarinho, mas estes nunca actuaram;
5.-Desde 2005 que tem feito obras no locado, mas com tanta água e humidade que se infiltrava na fracção, aquelas obras tornaram-se insuficientes para manter as instalações com o mínimo de condições para receber os clientes, os quais pouco a pouco, foram deixando de preferir o seu estabelecimento, mesmo com a redução de preços;
6.-Com materiais nas obras efectuadas o réu despendeu €3.167,85, na mão de obra gastou €5.760,00;
7.-Teve danos materiais sofridos com as infiltrações, designadamente em 2 televisões, 1 frigorifico e 1 esquentador, no valor de €2.000,00;
8.-Com o aluguer de quartos tinha um rendimento liquido mensal de €2.447,00;
9.-Deve o réu ser indemnizado em €125.000,00 nos termos dos art. 562º e ss do CC., no montante de €53.927,85, relativamente às obras que despendeu no locado; no valor correspondente que despendeu no trespasse - €20.000,00; no montante de €2.000,00 pelos danos materiais sofridos; e, em €50.000,00, a título do mau estar e problemas que criaram ao réu.

Em 22.11.2013, a autora replicou, referindo que o réu só pagou as rendas vencidas em Fevereiro a Maio de 2012, na pendência da presente acção, em 11/12/2012, mantendo-se em dívida as rendas vencidas a 01.06.2012 até à presente data.

Contestou o pedido reconvencional, alegando nunca ter sido informada de quaisquer deficiências do imóvel ou da necessidade de obras, sendo que o réu nunca comunicou, como deveria, as obras que realizou.

Por despacho de 10.12.2013 e, atento o valor da reconvenção, foi o processo remetido para as Varas Cíveis de Lisboa.

Por despacho de 25.02.2014, foi designada data para a realização da audiência prévia. Mas, em 21.05.2014, foi proferido despacho dando a mesma sem efeito. Foi admitida a reconvenção e elaborado o despacho saneador. Foram enunciados os temas da prova, com remissão para os articulados.
As partes apresentaram os requerimentos probatórios, tendo o réu requerido prova pericial, que foi ordenada, por despacho de 08.09.2015, tendo o perito apresentado o seu relatório, em 21.06.2015.
Por requerimento de 14.12.2016, a autora suscitou o Incidente de Despejo Imediato e, não tendo o réu procedido ao pagamento das rendas que se venceram na pendência da acção, não obstante ter sido notificado para tal, foi proferida decisão, em 05.01.2017, decretando o despejo imediato do locado. Inconformado o réu interpôs recurso, em 04.02.2017, que subiu em separado a este Tribunal da Relação de Lisboa.

Foi levada a efeito a audiência final, em 19.01.2017, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 03.02.2017,constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Pelo exposto, julgo a presente acção totalmente procedente, por provada e, consequentemente:
a)-Condeno o R. Hassan ….. a entregar o imóvel sito na Rua …. 1º andar, em Lisboa, livre de pessoas e bens, tal como já tinha sido decidido no incidente de despejo imediato, mas cuja decisão ainda não transitou em julgado.
b)-Condeno o R. Hassan … a pagar à A., Teresa …., o valor correspondente às rendas vencidas e não pagas, devidas desde Junho de 2012 até à data da entrega efectiva do imóvel, perfazendo, até à presente data, o montante de €17.271,00 (dezassete mil, duzentos e setenta e um euros).
c)-Julgo totalmente improcedente o pedido reconvencional deduzido pelo R. contra a A. e, consequentemente, absolvo Teresa …..  do mesmo.
d)-Condeno o R. no pagamento das custas do processo, cfr. art. 527º,1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.
Registe e notifique.

Inconformado com o assim decidido, o réu interpôs recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES do recorrente:
i.-O Réu tomou de trespasse o estabelecimento sito na Rua …., 1º., em Lisboa;
ii.-Ali investiu tudo o que tinha e não tinha que pediu emprestado, no trespasse, em vultuosas obras e em tudo o mais para dotar, como dotou, o estabelecimento, para exercer a sua atividade, o que conseguiu até Janeiro/Fevereiro de 2009;
iii.-Dele obtendo, até àquela data, o necessário para fazer face a todos os encargos, e um resultado líquido de cerca de 2.400,00 euros por mês;
iv.-A partir daquela data, devido à deterioração do prédio, que provocou, sobretudo a partir de 2005, a destruição do locado, o Réu deixou de realizar, pelo compreensivo afastamento dos clientes, o suficiente para poder manter o estabelecimento;
v.-De 2009 a 2012, apenas realizou para os encargos fixos;
vi.-A partir daquela última data, o Réu foi obrigado a procurar outro trabalho para poder sobreviver;
vii.-Encontra-se numa situação económica muito difícil, o que lhe proporcionou a concessão do apoio judiciário;
viii.-Por tudo quanto investiu no locado e pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu, por culpa exclusiva dos proprietários deste, deverá ser indemnizado, pelo menos, na quantia de €10.312,50;
ix.-E receber aquela indemnização para recuperar o estabelecimento, e manter-se neste, na condição de arrendatário.
x.-Entende o Réu que, na douta sentença recorrida, não foi feita a devida aplicação ou mesmo foram violadas pela Mmª. Juiz a quo”, as normas dos artºs. 562º., 563º., 799º/1, 1031º., 1071º/b), 1074º/1 e 1111º., todos do Cód. Civil.

Pede, por isso, o apelante, que seja declarado provado que os proprietários, intimados e alertados pela Câmara Municipal de Lisboa, conheciam o mau estado do prédio e do locado onde este se encontra, não fizerem as obras necessárias, e que o réu gastou, no mínimo, a quantia de €10.312,50, devendo proceder a apelação, revogada a decisão recorrida e substituída por outra que determine o direito do réu a continuar no locado, como arrendatário, e que ele seja ressarcido de todos os danos que sofreu, no mínimo, a quantia referida.

A autora apresentou contra-alegações, em 05.04.2017, propugnando pela improcedência do recurso e a confirmação da sentença recorrida e formulou as seguintes CONCLUSÕES:
i.-O Rte reconhece que deixou de pagar as rendas a partir da que se venceu em 01 de Junho de 2012 (JUL/2012), situação de incumprimento que se mantém;
ii.-Sendo o objecto do recurso delimitado pelas CONCLUSÕES, nem sequer nelas é especificado o alcance pretendido com a reanálise da matéria de facto, nem quais os factos em causa;
iii.-O Rte, pretendendo embora a reanálise da matéria de facto alegada na reconvenção, não indica as passagens das gravações nem os documentos em que se apoia para obter a reapreciação (artº 640º nº 1 e nº 2 alínea b) do CPC) o que implica a rejeição imediata do recurso.
iv.-Como se refere na douta sentença, “no que respeita ao pedido indemnizatório formulado pelo R., verificou-se que não foi efectuada qualquer prova da violação contratual (contrato de arrendamento) por parte da A. conforme já referido ao apreciar a excepção de não cumprimento, razão pela qual não está obrigada a reparar qualquer dano nos termos do disposto nos art.s 562º e 563 do código Civil.”
v.-“Também não se provaram quaisquer factos que nos permita concluir pela existência de responsabilidade extra contratual por parte da A., nos termos em que dispõe o art. 483º do Código Civil, já que não se provou que tivesse ocorrido alguma violação ilícita por parte da A. de algum direito do R., que este tivesse sofrido danos e muito menos que esses sejam imputáveis a qualquer actuação da A. (vide douta sentença);
vi.-Improcedem todas as conclusões do Rte;
vii.-A douta sentença sob recurso não merece qualquer censura.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.–ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas, a solução a alcançar pressupõe a ponderação das seguintes questões:
i)-DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA E OS ESPECÍFICOS ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO IMPOSTOS AO RECORRENTE;
ii)-DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS.

O que implica a análise:   
a)-DA RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO POR FALTA DE PAGAMENTO DE RENDAS E A EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO DO CONTRATO, por forma a apurar se pode o apelante, enquanto arrendatário, deixar de cumprir a sua obrigação de pagamento de renda, invocando vícios da coisa locada.
b)-DA INDEMNIZAÇÃO INSERTA NO PEDIDO RECONVENCIONAL.

III.–FUNDAMENTAÇÃO.

A–FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi dado como provado na sentença recorrida,
o seguinte:
1.–A A. é comproprietária do imóvel sito na Rua …., em Lisboa, inscrito na matriz predial da freguesia de S. Paulo, sob artigo nº 127 e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 139/19980310, da mesma freguesia.
2.–Por contrato escrito celebrado em 03 de Abril de 1974, e pelo prazo de seis meses, prorrogado por iguais períodos, os então proprietários deram de arrendamento a Américo ....o 1º andar do prédio descrito em a), tendo ali sido consignado que o arrendamento teve inicio a 01/12/1973.
3.–O arrendamento em causa destinava-se a pensão, residencial ou lar.
4.–A renda mensal era de 7.000$00.
5.–Por escritura pública datada de 09/01/1989, no 18º Cartório Notarial de Lisboa,  Ali …… cedeu, por trespasse, ao Réu a pensão instalada no 1º andar do prédio descrito em a), pelo preço de 1.200.000$00 (um milhão e duzentos mil escudos).
6.–A renda referente ao 1º andar do imóvel descrito em a), ascendia em 01/01/2012 a €303,00 mensais.
7.–O Réu não pagou a renda vencida em Junho de 2012 (referente ao mês de Julho), nem as que se venceram subsequentemente.
8.–O atraso do Réu com o pagamento das rendas vem do ano de 2004.
9.–O R. fez obras no andar quando o tomou de trespasse, na entrada, nas escadas e paredes do prédio até à entrada da pensão sita no 1º andar e que consistiram na picagem, reboco e pintura nalgumas zonas.
10.–O R. fez obras no interior da fracção, tendo instalado redes de águas nos quartos, colocação de roupeiros, revestimentos de paredes em instalações sanitárias e cozinha, pavimento de quartos, instalações sanitárias e cozinha.
11.–As obras mencionadas em i) e j) terão tido um valor aproximado de 2.062.500$00.
12.–O edifício referido em a) tem uma cobertura nova, alegadamente de 2015.
13.–Há diversas patologias na zona do saguão relacionadas com infiltração de águas que aparentam resultar da deficiente conservação da cobertura.
14.–Houve algumas obras/intervenções na fracção locada.
15.–A fracção locada tem vestígios de humidade, pavimentos deformados e com aparente instabilidade para suportar a utilização dos mesmos com segurança, mas as patologias apenas se manifestam em 30/40% da fracção.
16.–Em 19 de Junho de 2016 havia quartos da fracção em causa ocupados por clientes.
17.–Caso não existissem problemas de falta de estanquidade da cobertura, o estabelecimento do R. estaria em melhores condições.
18.–O R. não soube indicar em que zonas do imóvel realizou obras nos anos de 2005, 2007, 2010, 2011 e 2012.
19.–No apartamento existem camadas de revestimento de parede (azulejos) nas instalações sanitárias, algumas zonas com alcatifa e carpetes nos quartos.
20.–A Câmara Municipal de Lisboa intimou os senhorios a fazer obras no prédio.
AO ABRIGO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 607º, Nº 4 E 663º, Nº 2, do NCPC
21.–A intimação referida em 20. foi efectuada na sequência de despacho de 11.08.2011, através do EDITAL/74/11/UPBAB.

B–FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

i.DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA em resultado da  impugnação da matéria de facto

Os poderes do Tribunal da Relação, relativamente à modificabilidade da decisão de facto, estão consagrados no artigo 662º do CPC, no qual se estatui:  (…)

Sempre que haja sido gravada a prova produzida em audiência, o Tribunal da Relação dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.

Considerando que, no caso vertente, a prova produzida em audiência foi gravada, sempre poderia este Tribunal da Relação proceder à reapreciação da prova.

Mas será que o recorrente deu observância aos específicos ónus de impugnação legalmente exigidos. Vejamos.

No que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640º, do Código Processo Civil que:
(…)
A exigência legal implica, consequentemente, a indicação, pelo recorrente, de forma precisa, clara e determinada, dos concretos pontos de facto em que diverge da apreciação do tribunal de 1ª instância. E, implica ainda a fundamentação dessa sua divergência com expressa referência às provas produzidas, i.e., indicando os pontos concretos de prova eventualmente desconsiderados, bem como a indicação dos pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento.

E, compreende-se esta rigorosa exigência legal visto que a intenção do legislador ao permitir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, não foi consagrar a simples repetição das audiências no Tribunal da Relação, mas detectar e corrigir concretos, apontados e fundamentados erros de julgamento.

De resto, e como se defende no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.12.2008 (Pº 08A3489), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt., (…) o que o legislador quis foi proibir a impugnação genérica da decisão da matéria de facto, mediante simples manifestação de discordância.

Com efeito, o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu ponto de vista, tornam patente um tal erro. Tem, por isso, o recorrente de explicar e desenvolver os fundamentos que mostram que a decisão de 1ª instância está incorrecta quanto ao julgamento da matéria de facto, explicação que deve consistir na apreciação dos meios de prova que justificam decisão diversa da impugnada, o que implica, necessariamente, a indicação do conteúdo dos meios de prova invocados, a sua relevância e valoração.

A exigência da especificação pelo recorrente dos pontos concretos que considera incorrectamente julgados impõem-se para que o recorrido e o tribunal ad quem, que há-de julgar o recurso, fiquem habilitados a conhecer nitidamente o objecto da impugnação, os factos sobre que esta incide. A parte contrária necessita de o saber para exercer o seu direito ao contraditório e porque lhe incumbe, na resposta ao recurso, indicar os depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente; o Tribunal ad quem carece de o saber para poder reapreciar, com segurança e reflexão, o julgamento cuja exactidão se impugna.
 
Pretende a lei, por conseguinte, ao impor ao recorrente os citados ónus, desmotivar impugnações temerárias e infundadas da decisão da matéria de facto, e a sua não observância acarreta a rejeição do recurso – cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 55 e FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 170.

Este especial ónus de alegação a cargo do recorrente, deve ser cumprido com o todo o rigor, sendo certo que o ónus de indicar claramente os pontos determinados da matéria de facto que o recorrente reputa de mal julgados e de fundamentar a imputação do erro de julgamento da decisão de facto, constitui até uma simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando a própria seriedade do recurso.

No caso em apreço, o apelante parece pretender impugnar a matéria de facto, mas a verdade é que não elucida de forma precisa, clara e determinada, quais os concretos pontos de facto em que discorda da apreciação do tribunal de 1ª instância.

É que, muito embora se infira da alegação do apelante que este estará em desacordo com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não se mostra ter sido observada a supra mencionada exigência legal prevista no artigo 640º do CPC., pois não resulta das conclusões da alegação do recorrente o cumprimento da aludida exigência legal, nem sequer se colhe do corpo alegatório do recorrente a especificação, de forma precisa, clara e determinada, qual a factualidade que deveria ter sido dada como provada e os consequentes e concretos meios probatórios, que o recorrente entende não terem sido devidamente considerados ou que foram erradamente considerados, através da exacta indicação das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, não procedendo sequer à transcrição dos excertos que considera relevantes para fundamentar a sua discordância, com relação à apreciação efectuada pelo tribunal de 1ª instância, por forma a ter em conta, no reexame das provas, tais factos que derivavam dos concretos meios probatórios, em detrimento dos demais meios probatórios e, portanto, da irrelevância da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, para se poder concluir pela eventual verificação de erro de julgamento.

Ademais, consagra o nº 5 do artigo 607º do CPC o princípio da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e decide segundo a convicção prudente que tenha formado acerca de cada facto, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso esta não pode ser dispensada.

De harmonia com esse princípio, ao qual se contrapõe o princípio da prova legal, as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram no julgador acerca da existência de cada facto, só cedendo às situações de prova legal que se verifiquem, designadamente, tendo em consideração o disposto nos artigos 350º, nº 1, 358º, 371º e 376º todos do Código Civil, nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais.

No caso vertente, a prova produzida assentou nos depoimentos das testemunhas ouvidas, na prova pericial e na prova documental.

Como tem sido entendimento jurisprudencial, tal como a prova testemunhal, a força probatória da perícia é apreciada livremente pelo Tribunal, nos termos do artigo 389º do Código Civil – v. Acs. STJ de 21.11.2006 (Pº 06A3489) e de 22-09-2009 (Pº 161/05.2TBVLG.S1) e da R.L. de 16.2.2006 (Pº 279/2006-6) e de 11-03-2010 (Pº 949/05.4TBOVR-A.L1-8).

Ora, não estando em causa nos autos uma prova tarifada, há que entender que se deverá atender-se à convicção criada no espírito do juiz, com observância das regras de prudência na apreciação das provas, sendo as mesmas valoradas de acordo com critérios de razoabilidade.

E, resulta da fundamentação da matéria de facto em apreço vertida na sentença recorrida, que o Tribunal a quo efectuou uma ponderação de todas as provas produzidas: a prova pericial; os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas aos factos que deu como provados e não provados, em confronto com toda a documentação junta aos autos, procedendo, como cumpre, a uma análise crítica dessas provas.

Considerando que está manifestamente em causa uma impugnação genérica da decisão da matéria de facto, mediante simples manifestação de discordância, o que o legislador rejeitou ao impor, a cargo do apelante, os concretos ónus previstos no citado artigo 640º do CPC, a que o recorrente não deu integral cumprimento, impedido está este Tribunal da Relação de reponderar a prova produzida em que assentou a decisão recorrida, com relação à matéria alegada, razão pela qual permanecerá inalterável a prova fixada pelo Tribunal a quo, e tanto mais que inexiste motivo para alteração oficiosa da decisão sobre a matéria de facto.
                       
Importa então proceder à subsunção jurídica face à matéria de facto dada como provada, por forma a ponderar se assiste razão ao recorrente quando defende que a sentença recorrida violou as normas dos artigos 562º, 563º, 799º, 1, 1031º, 1071º, al. b) 1074º, nº 1 e 1111º, todos do Código Civil.

ii.DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA,
TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS  
     
Insurge-se o recorrente contra a sentença recorrida que o condenou a entregar o imóvel arrendado e o condenou a pagar as rendas vencidas e não pagas e que absolveu a autora do pedido reconvencional, por entender que lhe deveria ser reconhecido o direito de prosseguir no locado, como arrendatário, e de ser indemnizado, pelo menos, pelo valor das obras que efectuou no locado, no montante de € 10.312,50.

Vejamos se lhe assiste razão.

Foi considerado na sentença recorrida, e resulta da factualidade apurada, que em causa está um contrato de arrendamento para fins não habitacionais, sendo o réu, desde 09.91.1989, arrendatário do imóvel de que a autora é comproprietária, destinando-se o arrendamento em causa a pensão, residencial ou lar – v. Nºs 1 a 5 da Fundamentação de Facto.

Como é sabido, a primeira e mais elementar obrigação de todo o locatário, como se enuncia na alínea a) do artigo 1038º do Código Civil, é a de pagar o aluguer ou renda estipulada, sendo, por seu turno, obrigações do locador, entregar ao locatário a coisa locada e assegurar-lhe o gozo desta para os fins a que a mesma se destina, de harmonia com o disposto no artigo 1031º do mesmo diploma legal.

Em perfeita harmonia com esta natureza, a violação da aludida obrigação do locatário permite ao locador a resolução do contrato, posto que, como se estatui no nº 3 do artigo 1083º do C.C., é inexigível ao locador a manutenção do arrendamento, em caso de mora superior a dois meses no pagamento da renda.

Ficou, in casu, demonstrado que o réu não pagou a renda vencida em Junho de 2012 (referente ao mês de Junho), nem as que se venceram subsequentemente e que o atraso do réu com o pagamento das rendas remonta a 2004 – v. Nºs 7 e 8 da Fundamentação de Facto.

É certo que o réu/apelante alegou, em suma, que os proprietários do imóvel, de que é arrendatário, não fizeram as obras que o prédio necessitava, o qual se começou a degradar, o que significa que o réu invocou, como o considerou a sentença recorrida, a excepção de não cumprimento do contrato.

A excepção de não cumprimento do contrato é entendida como uma excepção dilatória de direito material. Dilatória, porque não exclui definitivamente o direito invocado pelo autor, e de direito material, porque fundada em razões de direito substantivo, e cujo ónus alegatório incumbe ao arrendatário, tal como lhe incumbe a prova da factualidade conducente à demonstração da exceptio que consubstancia, portanto, matéria de excepção.

A excepção de não cumprimento encontra-se consagrada no artigo 428º do Código Civil, estatuindo-se, no seu nº 1, que: «Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.»

Como refere JOSÉ JOÃO ABRANTES, A Excepção de Não Cumprimento do Contrato no Direito Civil Português, Almedina, Coimbra, 39, a excepção de não cumprimento do contrato é a faculdade que, nos contratos bilaterais, cada uma das partes tem de recusar a sua prestação enquanto a outra, por seu turno, não realizar ou não oferecer a realização simultânea da sua prestação.

O exercício da “exceptio” pressupõe a existência de um contrato bilateral, a simultaneidade do prazo e a mora de um dos contraentes.

Nos contratos bilaterais cada uma das partes está vinculada ao cumprimento de, pelo menos, uma prestação e cada uma dessas prestações funciona como a contrapartida da outra.

Como esclarece J. J. JOÃO ABRANTES, ob. cit., 61, o contraente que, relativamente às obrigações em sinalagma, se não encontra obrigado ao cumprimento prévio, tem ao seu dispor a aludida excepção, como única forma de o garantir contra o não cumprimento pelo outro de prestações atrasadas.

Nos contratos em que a prestação se protela no tempo, denominados de duração ou de prestação duradoura, mesmo o contraente que deva efectuar a sua prestação antes do outro pode lançar mão da excepção de não cumprimento do contrato, baseando-se na inexecução de prestações anteriores, isto é, de prestações correspondentes a outras que ele próprio anteriormente tenha efectuado.
Elucidam também P. LIMA E A. VARELA, Código Civil Anot., Vol. I, 3ª ed., 381 que, mesmo estando o cumprimento das prestações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá sempre ser invocada pelo contraente cuja prestação deve ser efectuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro.

Este entendimento é, de resto, perfilhado por VAZ SERRA, na RLJ ano 105, 283, anotação ao Ac. STJ de 19.11.71, BMJ 211, 297, por CALVÃO DA SILVA, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, Coimbra, 1987, 331 e por maioritária jurisprudência que igualmente admite a sua aplicação no domínio do contrato de arrendamento – v. a título meramente exemplificativo e entre muitos, Acs. STJ de 13.5.2003 (Pº JSTJ000), e de 21.02.2006 (Pº 05A3593), acessíveis em www.dgsi.pt
                 
A exceptio non adimplenti contractus é, no essencial, um meio de conservação do equilíbrio sinalagmático que deverá existir na génese e no próprio desenvolvimento dos contratos bilaterais, em especial no seu cumprimento, justificando-se essa exceptio quando ocorra uma ausência de correspondência ou de reciprocidade entre as obrigações que, no âmbito dos contratos bilaterais, emergem para ambas as partes. Pressupõe, portanto, a existência de um nexo de interdependência causal entre o incumprimento da outra parte e a suspensão da prestação pelo excipiens, devendo ser alegada tendo em vista compelir à execução da obrigação correspectiva por parte do outro contraente.

O sinalagma existente no contrato de arrendamento reside precisamente na obrigação do arrendatário de pagar a renda, contraposta à obrigação do locador de assegurar o gozo da coisa para o fim a que a mesma se destina. Daí que é pacífico o entendimento de que, enquanto o senhorio não proceder à entrega do prédio arrendado, o arrendatário não está obrigado a pagar a renda, podendo invocar a exceptio, de harmonia com o disposto no citado artigo 428º, nº 1 do C.C. Entregue ao locatário a coisa locada, o sinalagma em grande medida se desfaz, pois a obrigação de proporcionar o gozo da coisa é uma obrigação sem prazo ou dia certo para o seu cumprimento, ao passo que é a termo a do pagamento da renda – v. a este propósito ARAGÃO SEIA, Regime do Arrendamento Urbano, 5ª ed. 355-356 e Ac. STJ de 21.02.2006 (Pº 05A3593).

Já o mesmo não se poderá afirmar com relação à obrigação de realização de obras na casa arrendada, por parte do senhorio e o ónus do arrendatário de habitar o arrendado. Inexiste entre eles a correspectividade ou sinalagma que justifique a invocação da excepção de incumprimento do contrato.

É que, a obrigação de pagar a renda imposta ao locatário, faz parte, como se disse, do sinalagma contratual, na medida em que se contrapõe à obrigação fundamental, imposta ao locador, de proporcionar o gozo da coisa. Mas, o sinalagma liga entre si as obrigações essenciais de cada contrato bilateral, mas não todos os deveres de prestação dele nascidos. Daí que, como se refere no Ac. STJ de 11.10.2007 (Pº 07B2934), acessível no mesmo sítio da Internet “no arrendamento, o pagamento da renda tem como correspectivo a cedência do arrendado e não também a obrigação de nela fazer obras”.

Sucede, todavia, que a jurisprudência dos Tribunais Superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, tem admitido que, no caso de privação parcial do gozo do prédio, por causa não imputável ao locatário, este tem o direito de ver reduzida a parte proporcional da renda, que é, afinal, ainda um caso de afloração do princípio da excepção de não cumprimento do contrato – v. entre muitos e a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 11.12.1984, RLJ119, 137-141, de 11.10.2001, C.J. 2001, 3, 69, de 09.12.2008 (Pº 08A3302), de 03.12.2009 (Pº 1925/03.7BPVZ.S1) e 10.09.2009 (Pº 375/1999.C1.S1), Ac, TRL de 01.07.2012 (Pº 1688/09.2YXLSB.L1-6); Ac. TRP de 04.07.2013 (Pº 858/12.0TJPRT.P1); Ac. TRC de 22.05.2012 (Pº 3536/10.1TJCBR-A.L1), todos acessíveis na Internet, no sítio www.dgsi.pt.

Sustenta M. J. ALMEIDA COSTA, em anotação ao supra mencionado Ac. STJ de 11.12.1984, RLJ. 119, 145 que: O locatário tem a faculdade de invocar a excepção de inadimplência, quando se verifica mero incumprimento parcial da correspectiva obrigação do locador. Mas, a boa fé exige, por um lado, que a falta assuma relevo significativo e, por outro lado, que se observe proporcionalidade ou adequação entre essa falta e a recusa do excipiente (…). A ideia de proporcionalidade ou equilíbrio da contraprestação manifesta-se no instituto da redução (artigo 292º do CC).

Admite-se, pois, que a exceptio possa ser invocada pelo locatário quando ocorra incumprimento parcial da correspectiva obrigação, por parte do locador, assente na privação, ainda que parcial, do gozo do arrendado. O que se exige é que essa privação do uso seja relevante e que haja adequação entre a ofensa do direito e o exercício da excepção.

No caso vertente, está em causa um arrendamento que remonta a 1974, verificando-se no imóvel diversas patologias na zona do saguão relacionadas com infiltração de águas que aparentam resultar da deficiente conservação da cobertura. Por seu turno, a fracção locada tem vestígios de humidade, pavimentos deformados e com aparente instabilidade para suportar a utilização dos mesmos com segurança, patologias essas que se manifestam em 30 a 40% da fracção – v. Nºs 13 e 15 da Fundamentação de Facto.

Mas será que tais ocorrências permitem ao réu, na qualidade de locatário, suspender totalmente o pagamento da renda desde 2012 ?
Evidentemente que não.

O locador tem obrigação de fazer as reparações indispensáveis para assegurar o gozo da coisa locada, de harmonia com o fim contratual.

As reparações que se inscrevem no dever genérico do artigo 1031º, alínea b) do C.C. têm de ser pedidas pelo locatário, sobre quem impende o dever jurídico de avisar o locador dos vícios que detecte na coisa ou dos perigos que a ameaçam para que este os possa providenciar (artigo 1038º, alínea h) do C.C). 

É certo que o réu não provou que haja dado conhecimento aos representantes dos senhorios da necessidade de estes efectuarem obras no edifício e na fracção – v. Nº 2 dos Factos Não Provados.

Porém, provado ficou que os proprietários do prédio onde se insere a fracção aqui em causa foram intimados pela CML, em 2011, para procederem a obras, com particular incidência na cobertura. Mas, tão pouco se provou que o Município se tivesse substituído aos proprietários do imóvel, tendo, ao invés, ficado apurado que o edifício tem uma cobertura nova que, alegadamente, terá sido colocada em 2015 – v. Nºs 12, 20 e 21 da Fundamentação de Facto.

Por outro lado, já se tem entendido que a obrigação de realização de obras pelos senhorios tem de ser aferida de harmonia com o princípio da equivalência das atribuições patrimoniais - de que há manifestação no artigo 237º do C.C. – como principio geral de direito, sendo necessário atender à relação entre o custo das obras pretendidas e a renda paga pelo arrendatário, dado que não sendo assim, se estaria a violar o princípio da justiça e a proibição do abuso do direito – v. a este propósito, Acs. STJ de 28.07.1981, BMJ 309, 336 e de 11.12.2012 (Pº 655/06.2TBCMN.G1.S1).

Acresce que, em 19.06.2016, o réu ainda tinha quartos da fracção em causa ocupados por clientes – v. Nº 16 da Fundamentação de Facto - o que não pode deixar de significar que o arrendado não está inabitável devido a falta de obras de conservação e/ou reparação.

O réu/apelante, na qualidade de arrendatário, deu continuidade à exploração do seu negócio, não interpelou os proprietários da fracção para a realização de obras, não pediu a redução proporcional da renda, nem resolveu o contrato. Deixou simplesmente de pagar.

Assim, corrobora-se a fundamentação de direito aduzida na sentença recorrida, nomeadamente no que concerne ao incumprimento da obrigação de pagar a renda a que o réu estava vinculado perante os senhorios e, consequentemente, à inoperância da excepção de não cumprimento do contrato invocada pelo réu/apelante.

Improcede, nesta parte, a apelação.

Visa, por outro lado, o réu/apelante, a procedência do pedido reconvencional, pelo menos quanto à condenação da autora no pagamento de € 10.312,50, relativamente às obras que efectuou no arrendado.

A este propósito, e em relação ao pedido reconvencional, ficou provado que, em 1989, quando o réu tomou de trespasse a fracção, fez obras na entrada e parede do prédio até à entrada da pensão, e que consistiram na picagem, reboco e pintura em algumas zonas. Fez também obras no interior da fracção, tendo instalado redes de águas nos quartos, colocação de roupeiros, revestimentos de paredes em instalações sanitárias e cozinha, pavimento de quartos, instalações sanitárias e cozinha, despendendo cerca de Esc. 2.062.500,00 – Nºs 9 a 11 da Fundamentação de Facto.

Tratam-se de obras a que o réu entendeu dever proceder, porventura para adequar o andar ao seu ramo de negócio, desconhecendo-se, inclusivamente, se as mesmas foram autorizadas (o que foi negado pela autora na réplica).

De resto, tão pouco se provou que o réu haja efectuado outras obras, qual o tipo de obras em causa, em que momento temporal terão ocorrido, pelo que nunca se poderia aferir se as mesmas constituíam benfeitorias, necessárias, úteis ou voluptuárias, para efeitos de aplicação do disposto nos artigos 1273º e 1275º do C.C.

Como resulta do nº 1 do artigo 216º, do Código Civil, são benfeitorias “ (…) todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa “, podendo elas ser, necessárias, úteis ou voluptuárias. E, nos termos do nº 3 do citado normativo, são benfeitorias necessárias, aquelas que são realizadas com a intuito de evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa. Já as úteis, não sendo indispensáveis à conservação da coisa, aumentam-lhe, todavia, o valor. Finalmente, as voluptuárias, não sendo também indispensáveis, nem sobem o valor da coisa, servem apenas para recreio do benfeitorizante.

De acordo com o artigo 1046º, nº 1 do C.C., na falta de estipulação em contrário, e fora dos casos do artigo 1036º do CC – obras urgentes – o locatário é equiparado ao possuidor de má fé quanto a benfeitorias que haja feito na coisa locada.

Assim, conjugando-se o assim estatuído com o disposto nos artigos 1273º e 1275º, do Código Civil, resulta que “Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela” , sendo que “Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa “.

No que concerne às benfeitorias voluptuárias “O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não pode levantá-las nem haver o valor delas” (nº 1 do artigo 1275º do C.C.). Já o respectivo nº 2, determina que “O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias voluptuárias que haja feito”.
Ora, no caso vertente, face à exígua factualidade apurada, nada  resulta  dos autos que leve  a concluir que as obras eventualmente, realizadas, foram efectuadas com a finalidade de evitar a perda, deterioração ou destruição da coisa e nem sequer se provou que, no mínimo, seriam susceptíveis de aumentar valor do locado.
Mesmo em relação às obras realizadas aquando do início da actividade do réu, após o trespasse e, embora se desconheça se foram autorizadas, sempre as mesmas poderiam enquadrar-se na tipologia de benfeitorias úteis, tendo este o direito a levantá-las, desde que o pudesse fazer sem o detrimento da coisa ou, não evitando o seu levantamento o apontado detrimento, assistiria àquele que as efectuou tão só o direito ao respectivo valor, sendo porém este último calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Sucede, porém, que no contrato de arrendamento celebrado com o primitivo arrendatário, em relação à fracção aqui em causa onde está instalada a pensão que o réu tomou de trespasse  – v. Nºs 2 e 5 da Fundamentação de Facto – consta uma cláusula que, não só impõe a necessidade de autorização escrita do senhorio para a realização de obras no locado, as quais farão parte integrante do prédio, como também ali se estipula que o inquilino não poderá pedir qualquer indemnização ou alegar direito de retenção relativamente às obras realizadas (v. cláusula 4ª do documento de fls. 34-40).

Assim sendo, também nesta parte, claudica a apelação, razão pela qual se julga a mesma improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.

O apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido (fls. 173).

IV.–DECISÃO.

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se o apelante no pagamento das custas respectivas.



Lisboa, 12 de Outubro de 2017



Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Arlindo Crua