Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10921/2007-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: TRIBUNAL COMPETENTE
TRIBUNAL DE COMÉRCIO
INSOLVÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/20/2007
Votação: DECISÃO INDIVIDUAL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I. Ao contrário do poder conferido pelo n.º 2 do art. 508.º do CPC, que é vinculativo, o do n.º 3 é discricionário, ficando o seu exercício ao arbítrio do tribunal, ponderados ao caso os princípios processuais aplicáveis.
II. O tribunal de comércio tem competência material, para a declaração de insolvência de pessoa singular, que desenvolve uma actividade de características comerciais e é identificada como comerciante em nome individual.
OG
Decisão Texto Integral: O recurso é o próprio e com o efeito devido.
Nada obsta ao conhecimento do seu objecto.
Dada a simplicidade que aparenta, profere-se desde já, ao abrigo do disposto no art. 705.º do CPC, decisão liminar:
I. RELATÓRIO
I – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento, S.A., instaurou, em 20 de Novembro de 2006, no 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa, contra C, comerciante em nome individual, acção declarativa especial de insolvência, pedindo que fosse declarada a insolvência da Requerida.
Para tanto, alegou, em síntese, ser credora da Requerida, a qual lhe ficou a dever a quantia € 66 954,88, resultante da falta de pagamento das rendas de um contrato de arrendamento comercial, que terminou em 14 de Julho de 2006; ter a Requerida abandonado o locado, onde exercia a sua actividade principal, sem ter designado substituto idóneo; a impossibilidade dos credores obterem a satisfação dos seus créditos.
Citada pessoalmente a Requerida, esta não deduziu oposição.
Seguiu-se, em 5 de Fevereiro de 2007, o despacho que, declarando o Tribunal incompetente em razão da matéria, absolveu da instância a Requerida.

Inconformada com a decisão, recorreu a Requerente que, tendo alegado, formulou no essencial as seguintes conclusões:
a) Resulta da p.i. a natureza de comerciante da Requerida.
b) Foi invocada a fuga do titular do estabelecimento, por referência ao art. 20.º, n.º 1, alínea c), do CIRE.
c) Caso restassem dúvidas acerca da natureza de comerciante da Requerida, cabia despacho de aperfeiçoamento.
d) Foram violados os arts. 77.º e 89.º da LOFTJ, 2.º do Código Comercial, e 67.º do CPC.

Pretende a Requerente, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida.

A Requerida não contra-alegou.

O despacho recorrido foi, tabelarmente, sustentado.

Distribuído o recurso o recurso, em 18 de Dezembro de 2007, e sendo aceite a sua admissibilidade, cumpre agora apreciar e decidir.

No presente recurso, está em causa, essencialmente, a competência material do tribunal de comércio para declarar a insolvência da devedora.

II. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Descrita a dinâmica processual relevante, importa então conhecer do objecto do recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, e cuja questão jurídica emergente foi antes posta em relevo.
O despacho recorrido baseou a sua decisão, essencialmente, na circunstância de não resultar da petição inicial que na esfera jurídica da recorrida se integre um qualquer estabelecimento comercial (fls. 31).

Desde logo, importa referir que o Tribunal a quo, antes de proferir a decisão recorrida, não cuidou de observar a regra consagrada no art. 3.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), impossibilitando as partes, designadamente a recorrente, de se pronunciarem sobre a questão da incompetência material. Essa observância era ainda mais justificável depois da prolação do despacho liminar de fls. 22, porquanto, do modo como se procedeu, as partes foram apanhadas completamente de surpresa, com o efeito colateral de se provocar certa e indesejável morosidade, que os autos evidenciam, na apreciação da pretensão jurisdicional, com os eventuais prejuízos daí decorrentes.
Prudentemente, podia ainda o Tribunal a quo ter feito uso dos poder discricionário conferido pelo art. 508.º, n.º 3, do CPC, convidando a recorrente a aperfeiçoar o respectivo articulado, para o esclarecimento da natureza jurídica da actividade da recorrida.
Ao contrário do poder conferido pelo n.º 2 do art. 508.º do CPC, que é vinculativo, o do n.º 3 é discricionário, ficando assim o seu exercício ao arbítrio do tribunal, depois da justa ponderação dos princípios processuais aplicáveis.
De qualquer modo, pode admitir-se que dúvidas não se suscitassem, não obstante o teor do despacho liminar proferido.

Ao contrário do que, sumariamente, se afirmou no despacho recorrido, da petição inicial, considerada no seu conjunto, resulta que a recorrida tem uma actividade de natureza comercial.
Na verdade, desde logo, foi identificada como “comerciante em nome individual”.
Foi também alegado que a recorrida “abandonou precipitadamente o local, onde exercia a sua principal actividade, sem ter designado substituto idóneo” - art. 20.º do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE).
Por outro lado, do contrato junto com a petição inicial, resulta que o local dado de arrendamento – cujo incumprimento pela falta de pagamento das rendas justifica a qualidade de credor – “destina-se exclusivamente à instalação e funcionamento de todos e quaisquer serviços e actividades que constituem o objecto social” da recorrida.
Apesar de não se colher, com inteiro rigor, a caracterização da actividade comercial desenvolvida pela recorrida, as circunstâncias mencionadas não deixam espaço para se poder concluir que actividade imputada à recorrida tem uma natureza diferente, sendo certo que aquela não a impugnou, designadamente os factos que a consubstanciam.
Por isso, não pode deixar de se reconhecer que o tribunal de comércio tem competência material, para a declaração de insolvência de pessoa singular, que desenvolve uma actividade de características comerciais e é identificada como comerciante em nome individual.
Verificado este pressuposto, torna-se claro que o Tribunal a quo, à luz do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 89.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, que aprovou a Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ), é materialmente competente, para preparar e julgar o processo especial de insolvência instaurado contra a recorrida

2.2. Em face do descrito, pode retirar-se de mais relevante e em conclusão:
I. Ao contrário do poder conferido pelo n.º 2 do art. 508.º do CPC, que é vinculativo, o do n.º 3 é discricionário, ficando o seu exercício ao arbítrio do tribunal, ponderados ao caso os princípios processuais aplicáveis.
II. O tribunal de comércio tem competência material, para a declaração de insolvência de pessoa singular, que desenvolve uma actividade de características comerciais e é identificada como comerciante em nome individual.

Nestes termos, relevando o essencial das conclusões do recurso, merece o mesmo obter provimento e, em consequência, é de revogar a decisão recorrida, por se revelar como sendo ilegal.

2.3. A recorrida está, subjectivamente, isenta do pagamento de custas, não obstante tenha ficado vencida no recurso - art. 2.º, n.º 1, alínea g) do Código das Custas Judiciais.

III. DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
Conceder provimento ao recurso, revogando a decisão recorrida.
Lisboa, 20 de Dezembro de 2007
(Olindo dos Santos Geraldes)