Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3258/05.5TVLSB-B.L1-7
Relator: CARLA CÂMARA
Descritores: REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
CONTA FINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/22/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I-A regra é a de que «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.» ( 6º, nº 7, do RCP)
II-Os critérios de cálculo da taxa de justiça, constituem zona constitucionalmente sensível; Apela a critérios de proporcionalidade, entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado, tendo presente evitar uma justiça de tal modo onerosa que impeçam o recurso à mesma.
III-A dispensa do remanescente da taxa de justiça a cobrar às partes e, assim, a correcção a efectuar, em obediência à aplicação de princípios constitucionais, só deverá ocorrer em situações de manifesta injustiça, de intolerável desequilíbrio entre o montante a satisfazer e a actividade desenvolvida pelo sistema de justiça.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


P… S.A. - EM LIQUIDAÇÃO ré nos autos acima identificados, veio apresentar «Reclamação da Conta e Requerer a Dispensa do Pagamento do Remanescente das Taxas de Justiça», vindo a ser proferido despacho que julgou improcedente a reclamação, indeferindo a requerida isenção total ou dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
*

Não se conformando com a decisão, dela apelou o reclamante, formulando as seguintes conclusões:
1.Vem o presente recurso interposto contra Despacho proferido depois de decisão final, em 31.05.2016, nos termos do qual se julgou “totalmente improcedente a apresentada reclamação, indeferindo a requerida isenção total ou dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça”.

2.Na reclamação apresentada pela Recorrente, e tal como consta do Despacho em crise, requereu a mesma que:

“deverá ser julgada integralmente procedente a presente reclamação, devendo, em consequência, determinar-se a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e a reforma da conta de custas n.º 960800001962016, ordenando-se;
a) que seja desconsiderado o remanescente das taxas de justiça seja:
(i)por aplicação da dispensa prevista no artigo 6.º n.º 7 do RCP, em conjugação com a tabela, por ser a única interpretação deste preceito conforme a Constituição; ou
(ii)pela recusa de aplicação e declaração de que são inconstitucionais por violação do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o principio de proporcionalidade, consagrado no artigo 18.º, n.º 2, segunda parte da mesma Constituição, as normas dos artigos 6.º, n.ºs 1 e 2, e 11.º do RCP, por referência à tabela do Anexo I, na interpretação segundo a qual numa acção declarativa ou recurso cujo valor excede €275.000,00 a fixação da taxa de justiça se determina exclusivamente em função do valor da causa de acordo com os valores constantes da tabela I-A e I-B, sendo definida sem qualquer limite máximo do montante das custas e sem atender à natureza e complexidade da causa e ao caráter desproporcionado do montante em questão.
b) Caso assim não se entenda dispensar todas as partes, nomeadamente a A., do pagamento do remanescente da taxa de justiça, sempre deverá ser a R. aqui Requerente, atenta a sua conduta, dispensada de tal pagamento.
c) Por último, ainda que assim não se entenda, deverá a Requerente ser dispensada do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça, tendo em conta o reduzido grau de complexidade do processado e a conduta dos litigantes.”

3.Para tanto e tal como consta do Despacho em crise, fundamentou a Requerente - com base na seguinte factualidade, entre outra, que não foi posta em causa pelo Despacho em crise - que:

“(...) DA PRIMEIRA INSTÂNCIA.
Após apresentação da mencionada petição inicial, em 06.06.2005, a R. NUNO D.., ……, LDA. e a R. ….  …. S.A. - EM LIQUIDAÇÃO apresentaram as suas contestações, respetivamente, em 08.09.2005 e em 16.09.2005.
As partes não apresentaram réplicas nem tréplicas.
Os referidos articulados cuja dimensão em nada extravasam o normal volume de acções semelhantes com valor inferior a €275.000,00.
Assim como os documentos juntos não constituem um volume extraordinário,
Demonstrando-se adequados à factualidade em apreço e, em última análise, sobejamente compensados pelo pagamento do valor máximo da taxa de justiça inicial na altura pago.
Por outro lado, em despacho saneador foram dados como assentes 34 factos e levados à base instrutória 30 quesitos, número que igualmente em nada extravasa a média de processos semelhantes com valor inferior a €275.000,00.
Por sua vez, também a prova testemunhal produzida em audiência, na qual foram ouvidas em apenas duas sessões, 4 testemunhas do Autor (das quais 1 testemunha eram comum da R. NUNO …., …….., LDA.), 7 testemunhas da R. aqui Requerente (das quais 4 testemunhas eram comum da R. NUNO ….., ……., LDA.) e outras 4 testemunhas exclusivas da R. NUNO ……, ……., LDA., num total de 15 testemunhas, se apresenta normal considerando o limite total de 60 testemunhas (20 por parte) que poderiam ter sido arroladas e não o foram.
Quanto à conduta das partes, sempre se diga que a mesma se revelou adequada e justa à defesa dos seus interesses, pois resulta claro que cooperaram para a descoberta da verdade, boa administração da justiça.
Com efeito, atenta a existência de cerca de 4 sessões de julgamento, o número de páginas da sentença (31), das quais 10 páginas consistem na fundamentação, e atento o número de factos (64), não se podem adjetivar de extraordinários para a ação em apreço, envolvendo três partes.
Não se vislumbraram, de facto, quaisquer questões processuais complexas, podendo-se afirmar também que não foi ao Tribunal suscitada qualquer questão substantiva de complexa análise.
Ora, atento o supra exposto, é manifesto que o processo não revestiu especial complexidade e que os serviços prestados se restringiram ao mínimo para a boa decisão da causa.

(...) DA SEGUNDA INSTÂNCIA.
Após proferida a Sentença, o A., inconformado, interpôs recurso da mesma em Março de 2012, tendo apresentado as suas alegações em Maio de 2012.
Nesta sequência, uma vez mais a R. aqui Requerente e a R. NUNO …….. ……… LDA. se viram obrigadas a exercer o seu direito de defesa tendo apresentado contra-alegações em Junho de 2012.
Os referidos articulados cuja dimensão em nada extravasam o normal volume de recursos semelhantes com valor inferior a €275.000,00.
Em 22.11.2012, foi proferido Acórdão pelo Tribunal da Relação, sendo que conforme se refere no mesmo “A única questão colocada neste recurso é a de saber, se, estão verificados os requisitos da responsabilidade civil por incumprimento contratual e que são constituintes da obrigação de indemnizar declamada nos autos”.
O Tribunal da Relação de Lisboa, conheceu e decidiu tal questão, puramente de direito e, salvo o devido respeito, de evidente simplicidade em apenas 5 páginas, tendo considerado improcedente o recurso apresentado pelo A. e tendo condenado o mesmo em custas.
Aqui chegados, e salvo o devido respeito, não temos senão como concluir que os serviços prestados pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em nada extravasam a normal tramitação morosidade e volume em recursos semelhantes, antes pelo contrário.
Note-se que, a conduta da Requerente foi motivada e justificada pela situação em causa, tendo sido desenvolvida no sentido de procurar obter uma solução justa que pusesse termo ao litígio,
Razão pela qual se requer que seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

(...) DA TERCEIRA INSTÂNCIA.
Após proferida o Acórdão, o A., inconformado, interpôs recurso do mesmo em Dezembro de 2012, tendo apresentado as suas alegações em Fevereiro de 2013.
Nesta sequência, uma vez mais a R. aqui Requerente se viu obrigada a exercer o seu direito de defesa tendo apresentado contra-alegações em Março de 2013.
Os referidos articulados cuja dimensão em nada extravasam o normal volume de recursos semelhantes com valor inferior a €275.000,00.
Em 24.05.2014, foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, que decidiu negar revista e condenou a A., Recorrente, em custas no Supremo e nas Instâncias.
O Supremo Tribunal de Justiça, conheceu e decidiu tal questão, puramente de direito e, salvo o devido respeito, de evidente simplicidade em apenas em 7 páginas.
Aqui chegados, e salvo o devido respeito, não temos senão como concluir que os serviços prestados pelo Supremo Tribunal de Justiça, em nada extravasam a normal tramitação morosidade e volume em recursos semelhantes, antes pelo contrário.
Note-se que, a conduta da Requerente foi motivada e justificada pela situação em causa, tendo sido desenvolvida no sentido de procurar obter uma solução justa que pusesse termo ao litígio,
Razão pela qual se requer que seja dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça.”

4.Face à Reclamação apresentada o Ministério Público promoveu “nos termos do disposto no artº 6º, nº 7 do R. C. Processuais, nada a opor a que o remanescente a taxa de justiça seja reduzido ao montante a que o Mmo. Juiz, segundo os princípios da proporcionalidade e da igualdade, no seu criterioso e prudente arbítrio, considere aplicáveis nos presentes autos”.

5.Por sua vez, o Tribunal a quo parece ter esquecido que nos termos do nos termos dos n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais “Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

6.Com efeito, não obstante o facto de os serviços prestados pelos Tribunais em nada extravasarem a normal tramitação morosidade e volume de ações semelhantes com valor inferior a €275.000,00, considerou o Tribunal a quo que:
a.“Ao contrário do alegado pela reclamante PARQUE ……. S.A. - EM LIQUIDAÇÃO, a instrução e julgamento, nas várias instâncias, da presente ação não se revelaram isentas de relativa complexidade.”
b.“No caso concreto, por força do enunciado princípio da proporcionalidade e atendendo ainda ao montante global das custas contadas e que a presente ação findou apenas no Supremo Tribunal de Justiça, revela-se adequada e equilibrada a exigência do pagamento, por todas as partes, da totalidade do remanescente da taxa de justiça devido.”
c.“Se é certo que a ora ré e reclamante foi sucessivamente absolvida nas instâncias
relativamente ao pedido da autora, tal facto não é motivo, por si só, de isenção ou redução, quanto à mesma reclamante, do pagamento do remanescente da taxa de justiça.”
d. “Acresce que, no caso concreto, os montantes de custas contados não se revelam gravemente desproporcionais aos serviços prestados pelos diversos tribunais envolvidos”.

7.Salvo devido respeito, não podemos concordar com ora transcrita fundamentação do Tribunal a quo no sentido de não dispensar do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
8.Em primeiro lugar, refere o Tribunal a quo, sem justificar, que a instrução e julgamento, nas várias instâncias, da presente ação não se revelaram isentas de relativa complexidade.
9.Contrariamente, e sem prejuízo do que se possa entender por relativa complexidade, facto é que instrução e julgamento, nas várias instâncias, da presente ação em nada extravasaram a normal tramitação morosidade e volume de ações semelhantes com valor inferior a €275.000,00.

10.Quanto à instrução, note-se que:
a. em despacho saneador foram dados como assentes 34 factos e levados à base instrutória 30 quesitos, número que igualmente em nada extravasa a média de processos semelhantes com valor inferior a €275.000,00;
b. a prova testemunhal produzida em audiência, foi ouvida em apenas duas sessões, num total de 15 testemunhas, o que se apresenta normal considerando o limite total de 60 testemunhas (20 por parte) que poderiam ter sido arroladas e não o foram.

11.Quanto ao julgamento, note-se que foram realizadas cerca de 4 sessões de julgamento, sendo a sentença proferida composta por 31 páginas, das quais 10 páginas consistem na fundamentação, não se podem adjetivar de extraordinários para a ação em apreço, envolvendo três partes.
12.Assim e quanto ao mais, tal “relativa” complexidade que em nada excede a “relativa” complexidade de ações semelhantes com valor inferior a €275.000,00, não obsta – antes pelo contrário – à dispensa do pagamento do remanescente que aqui se impõe.

13.Neste sentido, num caso de “relativa complexidade”, decidiu o Tribunal Central Administrativo Norte por acórdão proferido em 08.01.2016, no âmbito do processo n.º 01155/10.1BEBRG:
“Face a todo o exposto, atendendo ao comportamento processual das partes, em concreto ao das Recorrentes, sem qualquer reparo negativo a apontar, e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser deferir o pedido de redução do montante de custas, na vertente de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na conta final.”

14.Em segundo lugar, é inadmissível que o Tribunal pretenda justificar a não dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça atendendo ao facto de a presente acção apenas ter findado no Supremo Tribunal de Justiça.
15.Ora, tal facto apenas justifica a cobrança de taxa de justiça (calculada sobre o calor da causa até ao limite de €275.000,00) nas três instâncias por todas as partes e não o pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que o valor da causa excede o montante de €275.000,00.
16.E a este propósito, note-se que a Recorrente suportou o pagamento, além da taxa de justiça devida pela Contestação, das duas taxas de justiça devidas pelas Contra-alegações nas duas instâncias de recurso.
17.De facto, sendo cada instância tributada autonomamente, totalmente desprovido de sentido é justificar a cobrança do remanescente com tal fundamento.
18. Neste sentido, decidiu - num processo onde existiram “vários recursos e incidentes” - o

Tribunal da Relação de Évora que:
“No caso em concreto, pese embora existam vários recursos e incidentes, a complexidade do processo pode ser qualificada como normal para um processo de expropriação.
De resto o processado anormal, foi oportunamente taxado como incidentes.
E se houve alguns recursos, a sua taxação foi feita autonomamente, aumentando o valor da taxa de justiça que seria devida se o processo não os tivesse tido.
Daí que este processo, atenta a sua complexidade, não tenha em termos de serviço
efectivamente prestado, exigido do Estado uma actividade para além da que é exigida no caso dos normais processos de expropriação, independentemente do seu valor.
Mostra-se assim, em concreto, que a taxa de justiça, contada nos termos do CCJ aplicável, é manifestamente desproporcionada ao serviço prestado.” - Acórdão proferido em 17-03-2010 no processo n.º 302-A/1997.E1 http://www.dgsi.pt/JTRE.NSF/134973db04f39bf2802579bf005f080b/6097efc76626333580257887004addb6?OpenDocument.

19.Também num caso semelhante ao dos presentes autos – no qual a instrução e julgamento da causa também teve “relativa complexidade” – decidiu o Tribunal da Relação do Porto em Acórdão datado de 07.11.2013, proferido no âmbito do processo n.º 332/04.9TBVPA.P1, que:
“(...) No caso concreto, estamos perante uma acção ordinária que teve início e 16.07.2004; recebeu os articulados da petição inicial, contestação e réplica; e 15.12.2004 já tinha saneador produzido; foi realizada uma peritagem e foram pedidos esclarecimentos aos peritos; em Julho de 2005 já estava pronto para julgamento; na audiência que se prolongou em termos úteis por dois dias de trabalho foram ouvidas no total de 13 testemunhas; foi proferida sentença em 1.ª instância; foi interposto recurso para a Relação; foi proferido Acórdão pela Relação do Porto; foi interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça; foi proferido Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça; foram arguidas nulidades do Acórdão; foi proferido novo Acórdão a julgar improcedente esse requerimento. (...) No tocante às matérias abordadas no processo tratou-se de apreciar o incumprimento de uma união de contratos composta por um contrato-promessa de arrendamento e um contrato-promessa unilateral de venda e os pressupostos da respectiva obrigação de indemnizar.
Na conta elaborada apurou-se o valor de €16.830,00 de taxa de justiça devida por cada uma das partes (a que acresce a taxa de justiça de incidentes que estão excluídos desta questão), num total de €33.660,00 que se nos afigura claramente excessivo para o volume do processado (perfeitamente comum), a complexidade das matérias abordadas (relativamente escassa) e a conduta processual das partes (relativamente à qual nenhuma reserva ou critica calha fazer).
Em suma, no caso justifica-se que a conta final não considere o remanescente da taxa de justiça correspondente ao valor tributário superior a €275.000,00 (...).”

20.Em terceiro lugar, é também inaceitável que o Tribunal, ao ponderar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, desconsidere a conduta das partes, em especial a da aqui Recorrente - em violação do disposto no n.º 7 do art. 6 do RCP - referindo que “Se é certo que a ora ré e reclamante foi sucessivamente absolvida nas instâncias relativamente ao pedido da autora, tal facto não é motivo, por si só, de isenção ou redução, quanto à mesma reclamante, do pagamento do remanescente da taxa de justiça.”

21.Obviamente que se a Recorrente “foi sucessivamente absolvida nas instâncias relativamente ao pedido da autora” justificada se encontra a sua conduta processual, que se limitou a contestar e contra-alegar o pedido da A. - não tendo contribuído, de resto, para dar causa a esta ação nem às instâncias que a mesma percorreu.

22.Assim, a conduta das partes, em especial da Recorrente, motivada e justificada pela situação em causa, foi desenvolvida no sentido de procurar obter uma solução justa que pusesse termo ao litígio, sendo a mesma irrepreensível, facto esse a que o juiz deve atender aquando da ponderação da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça conforme do disposto no art.º 6º, nº 7, do Regulamento de Custas Processuais (RCP).

23.Também neste sentido se refere no mencionado acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido em 08.01.2016, no âmbito do processo n.º 01155/10.1BEBRG:
“Face a todo o exposto, atendendo ao comportamento processual das partes, em concreto ao das Recorrentes, sem qualquer reparo negativo a apontar, e considerando a relativa complexidade do processo, afigura-se ser deferir o pedido de redução do montante de custas, na vertente de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça na conta final.”

24.Por último e em conclusão, não se pode permitir que com tais fundamentos, o Tribunal a quo tenha concluído, a final, que “Acresce que, no caso concreto, os montantes de custas contados não se revelam gravemente desproporcionais aos serviços prestados pelos diversos tribunais envolvidos”.

25.Ora, se os serviços prestados pelos diversos tribunais envolvidos não foram superiores ao de ações semelhantes com valor inferior a €275.000,00 e se se cobram a mais €27.682,00 (ao A. o valor de €10.726,00, à aqui R. o valor de €10.726,00 e ao outro Réu o valor de €6.128,00) por tais serviços, a título de remanescentes de taxas de justiça,

26.Certo é que tais valores superiores, ao que se cobra pelos mesmos serviços em acções semelhantes, são manifestamente desproporcionais.

27.A fundamentação do Tribunal a quo - com recurso a critérios como a “relativa complexidade” e que “a presente ação findou apenas no Supremo Tribunal de Justiça” desconsiderando ainda a conduta das partes e o facto de “a ora ré e reclamante foi sucessivamente absolvida nas instâncias relativamente ao pedido da autora” - ofende os mais elementares princípios constitucionais!

28.A ausência de adequação das custas do processo à “relativa” complexidade da causa e ao processado efetivamente desenvolvido ou, por outras palavras, a falta de correspondência entre os custos dos meios do Estado envolvidos e o valor total da taxa cobrada, traduz-se numa violação do direito de acesso aos tribunais e do princípio fundamental da proporcionalidade.

29.O Tribunal de 1.ª Instância não se pronunciou verdadeiramente sobre a questão, com contornos de natureza constitucional – como tal, essencial e estruturante da própria ordem jurídica – suscitada pela Recorrente. De tal maneira, impõe-se seja equacionada no caso concreto.

30.Devendo, então, nesta sede, reconhecer-se que a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça se afigura de liminar justiça, porquanto o montante de €10.726,00 devido pela Recorrente a título de remanescente da taxa de justiça, se afigura claramente excessivo para o volume do processado.

31.Assim, e perante o pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça que foi apresentado pela Recorrente ao Tribunal de 1.ª Instância, – tendo por fundamento o facto de a fixação da taxa de justiça desconsiderando a complexidade do processo e a conduta processual das partes, calculada apenas com base no valor da causa, violar os princípios do acesso aos tribunais, da proporcionalidade e da igualdade –, deveria tal tribunal ter determinado a reforma da conta de custas desconsiderando o remanescente da taxa de justiça seja:
(iii)por aplicação da dispensa prevista no artigo 6.º n.º 7 do RCP, em conjugação com a tabela I-A, por ser a única interpretação deste preceito conforme a Constituição; ou
(iv)pela recusa de aplicação e declaração de que são inconstitucionais por violação do direito de acesso aos tribunais consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, conjugado com o princípio de proporcionalidade, consagrado
no artigo 18.º, n.º 2, segunda parte da mesma Constituição, as normas dos artigos 6.º, n.º 1, e 11.º do RCP, por referência à tabela do Anexo I, na interpretação  segundo a qual numa acção declarativa cujo valor excede €275.000,00 a fixação da               taxa de justiça se determina exclusivamente em função do valor da causa de acordo
com os valores constantes da tabela I-A sendo definida sem qualquer limite máximo
do montante das custas e sem atender à natureza, à complexidade da causa e ao carácter desproporcionado do montante em questão.
Sem prescindir,

32.A jurisprudência vem defendendo uma interpretação do artigo 6.º, n.º 7 do Regulamento
das Custas Processuais segundo a qual é lícito ao Juiz, aquando da ponderação das especificidades da situação concreta, e à luz dos princípios constitucionais da garantia de acesso aos tribunais e da proibição do excesso, dispensar as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça, quer a título integral, quer a título meramente parcial.
33.Efetivamente, a plena realização dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da adequação impõe que o juiz, na sua função moderadora, possa determinar a redução do montante devido a título de remanescente de taxa de justiça, quando as especificidades do caso concreto assim o determinem.
34.Assim, caso se entenda que o caso sub judice não revestiu a simplicidade exigida para a dispensa integral do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o que não se concede e somente por mero dever de patrocínio se pondera, deverá a Recorrente ser dispensada do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça, tendo em conta o reduzido grau de complexidade do processado e a conduta dos litigantes.

Conclui da seguinte forma: que « (…) considerando manifestamente desproporcionado o montante da taxa de justiça peticionado face aos serviços prestados e considerando que a presente causa teve uma tramitação simplificada, e que a conduta das Partes foi também desenvolvida no sentido de facilitar o desenrolar da mesma (…) determine e ordene a reforma/revogação da decisão do Despacho proferido em 31.05.2016, sendo o mesmo substituído por outro que (…) determine a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça e considerando nada mais haver a pagar pela Recorrente a título de taxa de justiça ordene a retificação/reforma da Conta de Custas n.º 920400074482016 em conformidade.
Caso assim não se entenda (…) deverá o Despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que - considerando manifestamente desproporcionado o montante da taxa de justiça peticionado face aos serviços prestados e considerando que a presente causa teve uma tramitação simplificada, e que a conduta das Partes foi também desenvolvida no sentido de facilitar o desenrolar da mesma - pelo menos, dispense a Recorrente do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça.»
*

Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC, a questão a decidir é a de apurar se estão verificados os pressupostos para a dispensa total ou parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
*

COM INTERESSE PARA A DECISÃO DO RECURSO DECORRE DOS AUTOS - considerando que o presente recurso subiu em separado, pelo que o apuramento advém das certidões que instruíram o recurso e do que consta deste apenso - QUE:

1.Interposta acção contra a aqui recorrente e outro, contestada por ambos, veio a mesma a ser julgada improcedente;
2.Os factos assentes prévios à audiência final e que constam da referida sentença são em número de 42, os quais corresponderam às enunciadas alíneas A) a AS) da matéria assente e os que resultaram da prova produzida são 21 (factos 43 a 64 da sentença);
3.Foi pelas RR. deduzido o incidente de intervenção principal provocada da Câmara Municipal de Lisboa, o qual veio a ser indeferido;
4.Deduzida a ilegitimidade das RR. foi a mesma conhecida em sede de audiência preliminar;
5.A base instrutória foi objecto de reclamação e decisão;
6.Foram realizadas 4 sessões de julgamento e inquiridas 15 testemunhas;
7.Interposto recurso pela A. , veio o Tribunal da Relação de Lisboa a julgá-lo improcedente;
8.O Supremo Tribunal de Justiça, conhecendo o recurso interposto pela A. dos autos veio a negar a Revista.
9.A conta de custas elaborada em 28 de Abril de 2016 liquida o valor de € 10 726,00, como total a pagar pela recorrente, constando do resumo da conta:
«Total da conta/Liquidação      ---------------                13 426,00€
(…)
Taxas de Justiça já pagas ----------------------               -2 700,00€
Total a pagar              -----------------------             10 726,00€»
10.A causa à data da admissão do presente recurso tinha 1445 páginas.
*

FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

i) Questão prévia:
Não tendo a questão sido suscitada nem no despacho recorrido, nem no objecto do recurso, coloca-se, todavia, a necessidade de conhecer do que vem referido no despacho de sustentação da decisão recorrida e que consta dos autos a fls 162 – 163, o qual, pertinentemente, suscita a questão do momento próprio para ser requerida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça o qual, nos termos deste despacho de sustentação não é o momento da reclamação a conta.

Vejamos:

O recorrente reclama da conta e pretende que esta seja alterada considerando o deferimento da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça que requer no mesmo articulado de reclamação.
Será este o momento próprio?
A questão é controversa, como se alcança da jurisprudência que se deixa enunciada: Ora se  entendendo que «  A reclamação da conta de custas não é o meio processualmente adequado à dedução da pretensão de dispensa da taxa de justiça remanescente ao abrigo do n.º 7 do art.º 6.º do RCP.» [1], existindo « (…) razões preponderantes para que a decisão sobre a dispensa do remanescente da taxa de justiça deva ser tomada antes da elaboração da conta, nomeadamente o princípio da economia e utilidade dos actos processuais, que tem afloramento no art.º 130º do CPC, nos termos do qual “não é lícito realizar no processo actos inúteis»[2]; Ora se entendendo que «A dispensa prevista no n.º 7 do art.º 6.º do RCP (…) haverá de ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma dessa decisão, não parecendo por isso a reclamação da conta o meio e o momento processualmente adequados para o efeito. Todavia, se o juiz não procede a esta avaliação e se encontram reunidos os pressupostos respectivos, não deixa de ser omitido acto prescrito por lei, e se a aplicação das regras relativas a custas conduz a resultados em que é manifesta a desproporcionalidade entre a actividade jurisdicional desenvolvida e a taxa de justiça a cobrar, poderão estar mesmo em causa princípios constitucionais estruturantes da ordem jurídica -nomeadamente o direito de acesso aos tribunais e o princípio da proporcionalidade- a impor que o ajuste, que a lei previu se fizesse através daquela específica norma, se possa ainda fazer na sequência de reclamação da conta final, por ser afinal esta que revela o excesso, que na maior parte das vezes só então ficará patente para as partes do processo.»[3]

Todavia, considerando que o despacho recorrido conheceu da dispensa do pagamento do remanescente no requerimento que foi deduzido após a notificação da conta de custas e que a este Tribunal está vedado conhecer de uma questão que não é objecto do recurso, cumpre apreciar das conclusões do mesmo, não se aferindo da sua eventual extemporaneidade.
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ii)Veio a aqui recorrente reclamar da conta de custas e requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Cumpre apreciar e decidir:
Como decorre do artigo 6.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais «a taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento».

O valor atribuído à causa pela autora foi o de € 885.490,31 (cfr. fls. 116).

Foi em função deste valor que foram considerados os pagamentos efectuados nos autos.

De facto, a base tributável para efeitos de taxa de justiça corresponde ao valor da causa, com os acertos constantes da tabela i, e fixa-se de acordo com as regras previstas na lei do processo respectivo (Artigo 11.º do Regulamento das Custas Processuais), valor esse que não foi, ao que se sabe, impugnado pela recorrente.

Ocorre que esta base tributável, para efeitos de pagamento da taxa de justiça correspondente, deu já origem a uma acesa controvérsia, vindo o Acórdão do Tribunal Constitucional nº421/2013[4], a julgar inconstitucionais as normas contidas nos artigos 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril, quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.

Importa, assim, aferir se ocorre fundamento, na esteira do que pretende a recorrente para dispensar ou reduzir, em razão de factores de proporcionalidade, complexidade/simplicidade dos autos e conduta das partes «no sentido de facilitar o desenrolar» da causa, como alega o recorrente.

Dispõe o artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais que «nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».

Se é certo que, no caso, a complexidade da causa não determinou a actuação do dispositivo previsto no n.º 5 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais - «O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.» -, certo é também que, tudo sopesado, não se afigura que a dispensa de pagamento se não possa basear, senão, numa atenuada complexidade da matéria de facto ou de direito da causa, ou dos termos e trâmites em que esta decorreu.

No caso, ao invés do invocado pela recorrente, não se afigura ser de concluir no sentido em que a mesma pugnou.

Com efeito, a regra é a de que «Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.» ( 6º, nº 7, do RCP; sublinhado nosso)

O juiz não entendeu estarem verificados os pressupostos para esta dispensa, pelo que oficiosamente nada determinou.

Solicitada a sua pronúncia, veio a proferir o despacho recorrido em que considera não estarem verificados os pressupostos da pretendida dispensa.

Da matéria que resulta destes autos de recurso, decorre que estes autos foram objecto de conhecimento até ao Supremo e que a recorrente foi absolvida nas instâncias.

A matéria sobre que recaíram as decisões não é isenta de complexidade e do relatório da sentença proferida em primeira instância igualmente decorre não terem estes autos uma linear tramitação, como pretende a recorrente.

Quanto à matéria em apreciação a mesma incidiu sobre a necessidade de um parecer prévio vinculativo por parte do Ministério da Educação e do Instituto da Solidariedade e Segurança Social para o licenciamento do projecto de arquitectura relativo ao Jardim Infantil que a A. pretendia edificar e, na afirmativa, sobre quem recaia a obrigação de o obter, convocando, designadamente, a aplicação de normas relativas ao licenciamento municipal de obras particulares, havendo que aferir-se dos pressupostos da responsabilidade civil por incumprimento contratual.

Quanto à tramitação da acção: Foi pelas RR. deduzido o incidente de intervenção principal provocada da Câmara Municipal de Lisboa, o qual veio a ser indeferido; Deduzida a ilegitimidade das RR. foi a mesma conhecida em sede de audiência preliminar; a base instrutória foi objecto de reclamação e decisão; foi interposto recurso da decisão final para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por outro lado, o remanescente a liquidar é de € 10.726,00.

Ocorrerá desproporcionalidade?
«O direito de acesso aos tribunais não compreende um direito à gratuitidade do serviço de justiça, sendo, pois, legítima a exigência do pagamento do serviço de justiça. Todos os processos, salvo se beneficiarem de isenção legal, estão sujeitos a custas (que em rigor são a única fonte de financiamento do sistema judicial que se encontra directamente relacionada com os seus utilizadores). Embora não em termos não absolutos, deve existir correspectividade entre os serviços prestados e as taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais».[5]

De facto, o direito de acesso aos tribunais não compreende um direito a litigar de forma gratuita[6] por um lado e, por outro, não exige rigorosa equivalência entre o custo do serviço e o montante da quantia a prestar pelo utente desse serviço[7].

«Todavia, ainda que assim se entenda, é preciso que o critério adoptado não seja desproporcionado (Acs. N.ºs. 495/96 e 247/99 (…)). Concretamente, se é certo que nada impede que o montante das custas seja variável – e possa tomar em consideração o valor dos interesses globais solucionados no processo ou a utilidade económica final da acção (Ac. n.º 708/05) - , a verdade é que um sistema de custas cujo montante aumente directamente e sem limite na proporção do valor da acção coloca dois tipos de problemas.
Por um lado, não está excluído que, rompida a proporcionalidade entre as custas cobradas e o serviço de administração da justiça prestado, se deixe de estar perante verdadeiras taxas e se entre, pelo contrário, no domínio dos impostos.
Por outro lado, no plano estritamente material, a solução em causa pode, na prática, consubstanciar-se na imposição de um sistema de custas excessivas, inaceitável em face do artigo 20.º (…)» [8]

Ou seja: O custo do recurso ao sistema de Justiça deverá ser proporcionado ao dispêndio de meios exigidos a este mesmo sistema.
Se o n.º 1 do artigo 6.º do RCP consagra o primeiro princípio, o n.º 7 do mesmo normativo permite adequá-lo ao caso concreto.
Como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29/11/2012 [9], os n.ºs. 1 e 7 do artigo 6.º do RCP «mostram a preocupação do legislador em procurar alcançar algum equilíbrio entre a natureza e características do pleito e a actividade jurisdicional a que dá lugar, por um lado, e o montante a que estará sujeita a parte a título de taxa de justiça.
Uma adequação perfeita é impossível, naturalmente, e daí que a lei confira ao juiz a faculdade de, criteriosa e fundadamente, procurar evitar discrepâncias gritantes entre os serviços de justiça prestados no pleito e por causa deste e a taxa de justiça. Taxa de justiça que pode, por vezes, alcançar valores extraordinariamente elevados…».

Como se referiu, também, no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 421/2013[10] citando diversa jurisprudência sobre a matéria, «a taxa de justiça assume, como todas as taxas, natureza bilateral ou correspetiva, constituindo contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do respetivo sujeito passivo. Por isso que, não estando nela implicada a exigência de uma equivalência rigorosa de valor económico entre o custo e o serviço, dispondo o legislador de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas», é, porém, necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar -se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afeta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (citado Acórdão n.º 227/2007).

Os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (artigo 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, apelando a critérios de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado, tendo presente evitar uma justiça de tal modo onerosa que impeçam o recurso à mesma.

No caso concreto, o valor atribuído à causa pela A. foi de € 885.490,31.

De acordo com o cálculo efectuado nos autos, o valor da taxa em dívida, de acordo com a conta final de custas, perfaz o montante de € 10 726,00 (do total de € 13 426,00, dos quais estão satisfeitos € 2.700,00 - €1 068,00 na primeira instância e € 816,00 por cada um dos recursos).

Atenda-se a que à recorrente assiste o direito a receber por via das custas de parte as quantias satisfeitas a título de taxa de justiça e custas.

De facto, nos termos do artigo 26.º, nº 3, do RCP: «A parte vencida é condenada, nos termos previstos no Código de Processo Civil, ao pagamento dos seguintes valores, a título de custas de parte:
a) Os valores de taxa de justiça pagos pela parte vencedora, na proporção do vencimento;
b) Os valores pagos pela parte vencedora a título de encargos, incluindo as despesas do agente de execução;
c) 50 % do somatório das taxas de justiça pagas pela parte vencida e pela parte vencedora, para compensação da parte vencedora face às despesas com honorários do mandatário judicial, sempre que seja apresentada a nota referida na alínea d) do n.º 2 do artigo anterior;
d) Os valores pagos a título de honorários de agente de execução.»

Retomemos a factualidade dos autos.

-A causa tem o valor de € 885.490,31;
-Os factos assentes prévios à audiência final e que constam da referida sentença são em número de 42, os quais corresponderam às enunciadas alíneas A) a AS) da matéria assente e os que resultaram da prova produzida são 21 ( factos 43 a 64 da sentença);
-Foi pelas RR. deduzido o incidente de intervenção principal provocada da Câmara Municipal de Lisboa, o qual veio a ser indeferido;
-Deduzida a ilegitimidade das RR. foi a mesma conhecida em sede de audiência preliminar;
-A base instrutória foi objecto de reclamação e decisão;
-Foram realizadas 4 sessões de julgamento e inquiridas 15 testemunhas;
-A causa terminou após a prolação de 3 decisões: pela 1ª instância, Tribunal da Relação e Supremo Tribunal de Justiça;
-A causa à data da admissão do presente recurso tinha 1445 páginas;
-A conta de custas elaborada em 28 de Abril de 2016 liquida o valor de € 10 726,00, como total a pagar pela recorrente.

Os dados do valor da causa, bem como as regras de contagem são antecipadamente conhecidas das partes pelo que as mesmas devem saber que, a final, a conta será elaborada em função do valor fixado.

Ora, a apreciação da causa não está isenta de complexidade para o funcionamento do sistema de Justiça: Foram proferidas decisões em 3 instâncias, decorreram 4 sessões de julgamento com a inquirição de 15 testemunhas, como referido pelo próprio recorrente, foram deduzidas excepções e deduzida reclamação da base instrutória e a matéria em apreço não se configura de manifesta simplicidade na medida em que convoca a aplicação de normas dispersas e em matéria específica, a do licenciamento.

A dispensa do remanescente da taxa de justiça a cobrar às partes e, assim, a correcção a efectuar, em obediência à aplicação de princípios constitucionais só deverá ocorrer em situações de manifesta injustiça, de intolerável desequilíbrio entre o montante a satisfazer e a actividade desenvolvida pelo sistema de justiça, o que não ocorre no caso em apreço.

Afigura-se-nos que a integral dispensa do remanescente é desconforme, também, com o desiderato legal, pelo que, se mostra adequado, ao caso em apreço, o despacho recorrido.

Igualmente não se vislumbra fundamento para a dispensa parcial e, na esteira do que deixámos referido, não ocorre fundamento para a pretendida dispensa do pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça.
*

DECISÃO:

Em face do exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas pela apelante.
*
              Lisboa, 22.11.2016                                                                                                       
Lisboa, 22-11-2016



(Carla Câmara)
(Maria do Rosário Morgado)
(Rosa Maria Ribeiro Coelho)



[1]Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2016, Processo 473/12.9TVLSB-C.L1-2, in www.dgsi.pt, no qual se encontram citados os acórdãos no mesmo sentido: Acórdão da Relação de Coimbra, de 03.12.2013, processo 1394/09.8TBCBR.C1; Acórdão da Relação de Lisboa, de 16.6.2015, processo 2264/06.7TVLSB-A.L1-1; Acórdão da Relação de Lisboa, 15.10.2015, processo 6431-09.3TVLSB-A.L1-6. Em sentido contrário, os Acórdãos igualmente elencados: Acórdão da Relação de Lisboa, de 07.11.2013, processo 332/04.9TBVPA.P1; Acórdão da Relação de Lisboa, 03.12.2013, processo 1586/08.7TCLRS-L2.7; Acórdão da Relação de Guimarães, de 27.3.2014, processo 612/09.7TBVCT.G2; Acórdão da Relação de Coimbra, de 29.4.2014, processo 2045/09.6T2AVR-B.C2; Acórdão do STA, de 21.5.2014, processo 0129/14; Acórdão da Relação do Porto, de 30.9.2014, processo 2424/07.3TBVCD-A.P1; Acórdão da Relação de Guimarães, de 14.5.2015, processo 464/09.7TBPVL-A.G1.
[2]Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-10-2015, Processo 6431-09.3TVLSB-A.L1-6, in www.dgsi.pt             
[3]Acórdão da Relação de Coimbra, de 29-04-2014, Processo 2045/09.6T2AVR-B.C2, in http://www.trc.pt/index.php/jurisprudencia-do-trc/processo-civil/6316-taxa-de-justica-calculo-dispensa-pagamento-remanescente
[4]DR, II Série de 16-10-2013
[5] Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 21/05/2013, processo: 412/11.4TCGMR.G1, relatado por MARIA DA PURIFICAÇÃO CARVALHO, disponível em http://www.dgsi.pt
[6]Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 227/2007, in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_busca_actc.php?ano_actc=2007&numero_actc=227
[7]Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 349/02, in http://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_busca_actc.php?ano_actc=2002&numero_actc=349
[8]Jorge Miranda e Rui Medeiros; Constituição da República Portuguesa, anotada, Tomo I, 2.ª ed., Wolters Kluwer/Coimbra Editora, 2010, p. 431.
[9]Proferido no processo n.º 3683/05.1TVLSB.L2.
[10] Publicado no D.R., 2.ª Série, n.º 200, de 16 de Outubro de
2013, p. 31098.