Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
417/17.1T8PDL.L1-4
Relator: ALVES DUARTE
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
SERVIÇOS DE LIMPEZA
PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: − Presume-se legalmente que é laboral a prestação da actividade de uma pessoa a outra caso se verifiquem pelo menos duas das duas circunstâncias ou indícios referidos no art.º 12.º, n.º 1 do CT.

II.− Nesse caso, mesmo que não prove que o contrato celebrado com a contraparte era efectivamente de trabalho subordinado, o autor fica dispensado da prova dos factos que a isso conduziriam passando o ónus da prova a incidir sobre o demandado (art.os 340.º, n.os 1 e 2, 334.º, n.º 1 e 350.º, n.º 2 do CC).

III.− Preenche a presunção de laboralidade da relação contratual a prova pela apelada que prestava a actividade de limpeza nas instalações da apelante, que em parte usava materiais e equipamentos por ela fornecidos e que como contrapartida dela recebia, no fim de cada mês, uma quantia pecuniária fixa (art.º 12.º, n.º 1, alíneas a, b) e d) do CT).

IV.− Ilide essa presunção a apelante que provou factos que, no seu conjunto, com ela são incompatíveis e demonstram que a relação era de prestação de serviços, como sejam: a apelada "declarou o 'início de actividade' como 'trabalhadora independente' junto da autoridade tributária" (facto 3) e posteriormente "a sua cessação" (facto 19); entretanto, declarou tributariamente ou seus rendimentos como trabalhadora por conta própria (factos 7 a 11); nunca esteve inscrita na segurança social como trabalhadora da apelante (facto 12); subscreveu um "seguro de acidentes de trabalho como trabalhadora independente" (facto 4.b); nunca gozou nem recebeu férias e subsídios de férias e de Natal nem antes o exigiu da apelante (factos13 e 15); a apelante não lhe fixou um horário dentro do qual devesse observar para a prestação da sua actividade (facto 20); e, por fim, a apelante não tinha qualquer registo de assiduidade da autora, como existia para todos os trabalhadores da ré (facto 21).

(Sumário elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


IRelatório:


AAA intentou a presente acção declarativa com, processo comum, contra BBB, Ld.ª, pedindo que fosse reconhecida a existência de um contrato de trabalho a vigorar entre as partes, declarada a ilicitude do despedimento e condenada no pagamento de uma indemnização por despedimento ilícito, no valor de € 1034,47, de uma indemnização pelo subsídio de desemprego que deixou de auferir entre Fevereiro de 2016 e Fevereiro de 2017, no valor de € 6678,00, e das prestações retributivas acima mencionadas, no valor total de € 5883,48, tudo com acréscimo dos juros de mora, para tanto alegando, em síntese, que:
- em 1 de Fevereiro de 2013, foi contratada pela Ré para, no interesse sob as ordens, direcção e fiscalização desta última, mediante o pagamento de uma retribuição, desempenhar as funções de 'empregada de limpeza';
- não obstante o nexo de subordinação que a vinculava à Ré, esta, ao longo da vigência do contrato, sempre procurou enquadrar o mesmo como uma 'prestação de serviços';
- em 12 de Fevereiro de 2016, o legal representante da Ré comunicou-lhe, de forma verbal, a cessação deste contrato, sem indicar qualquer motivo ou justificação para o efeito, despedindo-a de forma ilícita;
- estão em falta, para além do mais, as seguintes prestações retributivas: € 926,00, a título de retribuição do período de férias e respectivo subsídio vencidos ano de 2013, € 466,84, a título de subsídio de Natal vencido no mesmo ano, € 1590,75 + € 1590,75, a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos nos anos de 2014 e 2015, € 556,50 + 556,50, a título de retribuição do período de férias e respectivo subsídio vencidos no ano de 2016, € 65,38 + € 65,38 + € 65,38, a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado neste último ano.

Citada a ré, foi convocada e realizada audiência de partes, na qual as mesmas não quiseram acordar sobre o litígio que as divide.

Para tal notificada, a ré contestou, pedindo a sua absolvição do pedido e alegando, em resumo, que:
- não celebrou um contrato de trabalho com a Autora, tendo esta última sido apenas sua colaboradora no âmbito de uma prestação de serviços, sem haver qualquer vínculo de subordinação entre ambas;
- não houve, da sua parte, qualquer comunicação de cessação do contrato, tendo sido a própria Autora, por sua iniciativa, a cessar a sua actividade.

Proferido despacho saneador, foi julgada a instância válida e regular, dispensada a fixação do objecto do processo e a enunciação dos temas de prova, admitidas as provas arroladas pelas partes e designada a data para realização da audiência de julgamento.

Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz preferiu a sentença, na qual julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a)- reconheceu a existência de um contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré, com data de 8 de Fevereiro de 2013;
b)- condenou-a a pagar-lhe a quantia de € 5881,35, a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal vencidos, com acréscimo dos juros de mora devidos sobre estas prestações, calculados à taxa legal, desde a data do seu vencimento até definitivo e integral pagamento;
c)- absolveu-a do que mais foi peticionado.
Inconformada, a ré interpôs recurso, pedindo que seja modificada a decisão da matéria de facto e revogada a sentença recorrida, julgando-se a acção totalmente improcedente, por não provada, culminando as alegações com as seguintes conclusões:
(…)

A autora não contra-alegou.

Admitido o recurso na 1.ª Instância, nesta Relação de Lisboa foi proferido despacho a conhecer das questões que pudessem obstar ao conhecimento do recurso[1] e a determinar que os autos fossem com vista ao Ministério Público,[2] o que foi feito, tendo nessa sequência o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto sido de parecer que o recurso não merece provimento.

Nenhuma das partes respondeu ao parecer do Ministério Público.

Colhidos os vistos,[3] cumpre agora apreciar o mérito dos recursos, cujo objecto, como pacificamente se considera, é delimitado pelas conclusões formuladas pelo apelante, ainda que sem prejuízo de se ter que atender às questões que o tribunal conhece ex officio.[4]

Assim, porque em qualquer caso nenhuma destas nele se coloca, importa apreciar:
i.- a impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto;
ii.- a qualificação do contrato celebrado entre as partes (de trabalho ou prestação de serviços) e suas consequências.
***

IIFundamentos.

1.Factos julgados provados:

"1.- A partir de, pelo menos, 8 de Fevereiro de 2013, vigorou um acordo ajustado entre AAA e BBB, Ld.ª, ao abrigo do qual a Autora prestava, no interesse da Ré, a actividade de limpeza.
2.- A Autora, em data anterior, já havia prestado esta actividade nas instalações da Ré, ao serviço de uma outra empresa.
3.- No âmbito do acordo descrito em 1) (…),na altura funcionária da Ré, com funções no departamento administrativo e financeiro, procedeu, em conjunto com a Autora, à inscrição de 'início de actividade' desta última, junto da autoridade tributária, como 'trabalhadora independente'.

4.− Na sequência do descrito no número anterior:
a)- a Autora assinou os respectivos formulários;
b)- e subscreveu, junto da seguradora (na altura denominada de) Império Bonança, de um 'seguro de acidentes de trabalho' (que veio a dar lugar à apólice com o n.º AC23794098);
c)- (…) tratou, em número não concretamente determinado de vezes, da emissão dos recibos electrónicos a serem passados pela Autora (tendo conhecimento, para tal, da senha de acesso).

5.− No âmbito do acordo descrito em 1), a Autora:
a)- prestava a actividade de limpeza das instalações da empresa, assim como, por indicação da Ré, de determinadas obras onde esta última tinha intervenção;
b)- usava materiais e equipamentos fornecidos pela Ré ('carrinho de limpeza' e produtos de limpeza) e materiais a si pertencentes (panos);
c)- prestava esta actividade de segunda a sexta-feira, todos os meses;
d)- como contrapartida, recebia da Ré, no fim de cada mês, uma quantia pecuniária fixa.

6.− Com vista a prestação desta actividade de limpeza, a Autora costumava entrar na empresa às 08:00 horas e sair às 17:00 horas.
7.− Na 'declaração de rendimentos' da Autora (modelo 3 / IRS), com referência ao ano de 2013, faz-se menção a: 'outras prestações de serviços e outros rendimentos' – € 4310,57'.
8.− Na 'declaração de retenção na fonte', para efeito de IRS no ano de 2014, apresentada pela Ré à Autora, faz-se menção a: 'rendimentos empresariais / profissionais – € 5929,37'.
9.− Na 'declaração de rendimentos' da Autora (modelo 3 / IRS), com referência ao ano de 2014, faz-se menção a: 'rendimento de actividades profissionais previstas na Tabela do art.º 151.º do CIRS e / ou na CAE' – € 5929,37'.
10.− Na 'declaração de retenção na fonte', para efeito de IRS no ano de 2015, apresentada pela Ré à Autora, faz-se menção a: 'trabalho independente – € 5663,04'.
11.− Na 'declaração de rendimentos' do ano de 2015 (modelo 3 / IRS), apresentada pela Autora junto da autoridade tributária, faz-se referência a: 'prestação de serviços efectuados a pessoas colectivas ou a pessoas singulares com actividade empresarial' – € 5929,37'.
12.− A Autora nunca esteve inscrita, junto da Segurança Social, como 'trabalhadora com qualificação' à Ré.
13.− No âmbito do acordo descrito nos números anteriores, a Autora não gozou qualquer 'período de férias'.
14.− E não recebeu qualquer prestação pecuniária a título de 'retribuição do período de férias', 'subsídio de férias' e 'subsídio de Natal'.
15.− Não tendo, até à instauração desta acção, instado a Ré para pagamento de tais prestações.
16.− Durante o período de vigência deste acordo, a Ré nunca instaurou um procedimento disciplinar contra a Autora.
17.− Em 8 de Fevereiro de 2016, foi emitido um recibo, dirigido pela Autora à Ré, no valor de € 495,29.
18.− Em 12 de Fevereiro de 2016, a Autora deixou de prestar actividade de limpeza no interesse da Ré, nos termos descritos nos números anteriores.
19.− Consta de 'declaração de cessação de actividade', assinada pela Autora, apresentada junto da autoridade tributária em 15 de Fevereiro de 2016, a data de cessação de '2016-01-31'".

2.Factos julgados não provados:
"a)- o acordo descrito em 1) tenha iniciado a sua vigência em 1 de Fevereiro de 2013;

b)- no âmbito deste acordo, as partes tenham ajustado:
- dar início à actividade, junto da autoridade tributária, apenas no dia 4 de Fevereiro de 2013, com o intuito de a Ré beneficiar de isenção de contribuição para a Segurança Social no período compreendido entre Fevereiro de 2013 a Novembro de 2014;
- ser a funcionária da Ré (…) a tratar da subscrição pela Autora de um 'seguro de acidentes de trabalho';
- ser a funcionária da Ré (…) a tratar do preenchimento e envio da 'declaração de rendimentos' da Autora (modelo 3 / IRS);
- caber à Ré proceder à retenção, a partir da quantia pecuniária a ser prestada à Autora, do valor correspondente a cotizações para a Segurança Social, de forma a assegurar o seu pagamento, assim como do valor correspondente à liquidação do 'seguro de acidentes de trabalho', também de forma a assegurar o seu pagamento;

c)- ainda no âmbito deste acordo, a Ré tivesse determinado uma hora de entrada e uma hora de saída;
d)- e a Autora pudesse substituir-se por outra pessoa na prestação desta actividade de limpeza;
e)- durante o período de vigência deste acordo, a Ré apenas tenha prestado actividade no interesse da Ré;
f)- a Autora tenha solicitado à Ré, de forma verbal, um 'período de férias', para descanso e maior participação na vida da sua filha;
g)- a Ré tenha negado à Autora esse 'período de férias';
h)- no dia 12 de Fevereiro de 2016, a Ré tenha comunicado à Autora, de forma verbal, que o acordo celebrado entre ambas as partes, descrito nos números anteriores, cessava a partir daquele momento;
i)- a Autora tenha uma filha com 16 anos de idade;
j)- quaisquer outros factos com relevância na decisão da presente causa".

3.Motivação da decisão:
(…)

4.O direito.
4.1.- A impugnação da decisão da matéria de facto.
4.1.1.- Vejamos então a impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto.
(…)

4.2.- As questões jurídicas.
Vejamos então como qualificar o contrato celebrado entre as partes e apurar, portanto, se é de trabalho subordinado.
A esse propósito importa desde logo referir que a lei aplicável é o Código do Trabalho de 2009 atendendo, por uma banda, a que o contrato foi celebrado entre as partes a 08-02-2013 e, por outra, ao disposto nos art.os 1.º e 14.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro,[5] 2.º, n.º 2 da Lei n.º 74/98, de 11 de Novembro e 12.º, n.º 1 do Código Civil,[6] como de resto todos os sujeitos do processo pacifica e adequadamente assumiram. Isto porque as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou de seus efeitos impera a regra segundo a qual lex tempus regit actum.[7]

Segundo o art.º 11.º daquele diploma legal que "contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa singular se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas".

Por sua vez, o art.º 1154.º do Código Civil diz-nos que "contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição".

Atendendo às definições legais acima apontadas poderemos dizer, de forma sumária, que o elemento diferenciador essencial entre os contratos de trabalho e de prestação de serviços é a circunstância de, naquele, a pessoa ser contratada para desenvolver a sua actividade sujeita à autoridade e direcção daquela que o contratou, vulgarmente designada por subordinação jurídica e que, no fundo, se traduz na prerrogativa destoutra dar àquela ordens e instruções quanto ao modo, ao tempo e ao lugar da prestação dessa actividade e, por sua vez, na obrigação desta as receber e observar, enquanto que no contrato de prestação de serviços a pessoa é contratada não tanto para desenvolver uma actividade mas essencialmente proporcionar à contraparte o resultado da sua actividade, para o que poderá agir de forma livre e autónoma quer quanto ao modo, ao tempo e ao lugar necessários a esse desiderato finalístico, ainda que seja conjecturável que em razão do resultado pretendido possam ser estabelecidas determinadas restrições em qualquer desses domínios. Não só a doutrina tem vindo a assinalar, persistente e pacificamente, que o elemento diferenciador[8] por excelência entre uma e outra figura contratuais se materializa na liberdade com que a actividade é desenvolvida pelo prestador de serviço e na subordinação jurídica, mais ou menos evidente e muitas das vezes meramente potencial[9] e de graus variados,[10] com que é prestada pelo trabalhador, como também a jurisprudência o vem afirmando.[11] Lembrando, a este respeito, as proficientes palavras do Supremo Tribunal de Justiça, «o elemento típico distintivo do vínculo juslaboral é a subordinação jurídica do trabalhador, traduzida no poder do empregador de conformar, mediante ordens, directivas e instruções, a prestação a que o trabalhador se obrigou».[12]

Mas ainda que a subordinação jurídica se não evidencie de forma expressa, é ainda possível detectá-la a partir de determinados factos indiciários ou tipológicos, não em si mesmo e isoladamente considerados mas da concatenação de uns com os outros e vistos no seu conjunto, como sejam o local onde é prestada a actividade, a existência de um horário de trabalho, a propriedade dos meios de produção, a determinação das tarefas a realizar, os objectivos a atingir, o gozo de férias pagas ou o modo como é feito o pagamento de impostos e de contribuições para a Segurança Social.[13]

De todo o modo, porque a existência do contrato de trabalho é facto constitutivo do direito ajuizado pelo autor, pois que da sua prova depende a procedência do pedido por ele formulado na acção, o ónus da sua prova em princípio correria por conta da apelada.[14] No entanto, essa regra inverte-se "quando haja presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida nesse sentido, e, de um modo geral, sempre que a lei o determine".[15]

Ora, a este propósito o art.º 12.º do Código do Trabalho de 2009 comporta a presunção de "existência de contrato de trabalho quando, na relação entre a pessoa que presta uma actividade e outra ou outras que dela beneficiam, se verifiquem algumas das seguintes características".[16] As quais subsequentemente enuncia assim: "a) A actividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado; b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da actividade; c) O prestador de actividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma; d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de actividade, como contrapartida da mesma; e) O prestador de actividade desempenhe funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da empresa".[17] Porém, como resulta do plural ali usado, só se verifica tal presunção no caso de se evidenciarem pelo menos duas circunstâncias ou indícios de laboralidade da relação jurídica.[18] No entanto, tal presunção é ilidível mediante a prova do contrário, na medida em que a lei não proíbe a sua ilisão ao empregador;[19] o que, naturalmente, "passa pela alegação e prova de indícios consistentes e relevantes da autonomia do trabalhador na execução contratual".[20]

Como decorrência disso, tem a jurisprudência vindo a enfatizar que a verificação dos indícios de laboralidade não podem ser lidos a se, isoladamente de toda a realidade contratual circundante, mas antes em resultado de uma apreciação conjunta no âmbito da relação donde dimanam.[21] O que aliás bem se compreende, pois que num mundo em mudança crescentemente rápida, em que as possibilidades tecnológicas permitem hoje o que ontem era impensável, desde as possibilidades de transporte físico de pessoas e produtos para os quatro cantos do mundo medidas por horas onde antes era por anos ou de comunicações praticamente instantâneas, que sentido faria considerar presumidamente provada a existência de um contrato de trabalho apenas porque a parte que desenvolve a actividade o faz nas instalações e com meios da empresa ou até mesmo dentro de um horário certo por ela estabelecido. Por isso é que, por exemplo, se compreende que a Relação de Guimarães tenha julgado que "não constitui presunção da existência de um contrato de trabalho a verificação das características das alíneas a) e b) do art.º 12.º n.º 1 do CT, quando a natureza da actividade – um posto médico numa empresa – pressupõe que seja esta a providenciar pelo fornecimento do equipamento, instrumentos e local de trabalho e se provou que a empresa não interferia com a prestação da actividade em si pelo prestador e pretendia apenas a obtenção de um resultado, sem interferir no modo de o conseguir".[22] Isto porque se, por um lado, consubstanciam indícios da laboralidade as circunstâncias da actividade ser realizada em local pertencente ao empregador e que este forneça os instrumentos a isso necessário mas, por outro, porque é normal que as empresas disponham de local e meios próprios para prestar serviços médicos aos seus trabalhadores, naturalmente que aqueles indícios se esbatem e se mostrem insuficientes para produzir o efeito presuntivo que, noutro contexto, seguramente produziriam (por exemplo, se um Banco contratar alguém para receber depósitos e pagar cheques no caixa que mantém numa agência aberta ao público, para isso usando os meios informáticos e outros que dispõe para o efeito, já faz todo o sentido relevar esses indícios como de laboralidade pois que para realizar essas actividades os Bancos celebram contratos de trabalho e não de outra natureza e, em consequência, fará todo o sentido operar a correspondente presunção). De todo o modo, uma vez que a presunção é apenas uma particular forma de demonstrar o direito, mesmo que o autor não prove factos que a consubstanciem, naturalmente que não fica impedido de provar outros factos que provem por si mesmo a celebração e vigência entre as partes de um contrato de trabalho.[23]

Baixando agora aos factos, vimos que a apelante pretexta que o contrato firmado com a apelada era de avença e não de trabalho.

Conforme resulta da sentença em dissídio, o Tribunal a quo orientou a sua decisão no sentido de considerar se provaram factos que preenchiam a previsão das alíneas a), b) e d) do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho e por via disso a presunção de laboralidade da relação jurídica em apreço nos autos.

Vejamos.

Tendo em conta o que atrás referimos, no que para o caso sub iudicio importa integram a presunção de laboralidade os seguintes factos provados, tal como de resto foi relevado na sentença em dissídio:

5.− No âmbito do acordo descrito em 1), a Autora:
a)- prestava a actividade de limpeza das instalações da empresa, assim como, por indicação da Ré, de determinadas obras onde esta última tinha intervenção − para a alínea a) do n.º 1 do art.º 12.º do CT;
b)- usava materiais e equipamentos fornecidos pela Ré ('carrinho de limpeza' e produtos de limpeza) e materiais a si pertencentes (panos) − para a alínea b) do n.º 1 do art.º 12.º do CT;
d)- como contrapartida, recebia da Ré, no fim de cada mês, uma quantia pecuniária fixa − para a alínea d) do n.º 1 do art.º 12.º do CT.
No que concerne às circunstâncias relativas às alíneas a), b) e alínea d) do n.º 1 do art.º 12.º do Código do Trabalho, provaram-se factos que as preenchem, é certo, embora se deva dizer que pouco relevam para a efectiva caracterização da relação como de trabalho subordinado (sendo o objecto mediato do contrato a limpeza pela apelada das instalações da apelante naturalmente que por definição isso excluía a hipótese daquela prestar a sua actividade noutro lugar, somente parte dos instrumentos que utilizava pertenciam à apelante e o pagamento de quantia certa não é exclusivo desse tipo de contrato). De todo o modo, verificada que estava a presunção legal, ficava a apelada dispensada de demonstrar os factos a que ela conduzia, invertendo-se, por consequência, o respectivo ónus da prova (art.os 350.º, n.º 1 e 2 e 344.º, n.º 1 do Código Civil).

Porém, o certo é que a apelante logrou demonstrar factos que no seu conjunto evidenciam que o contrato em apreço efectivamente não era de trabalho subordinado mas de prestação de serviços e com isso cumpriu o ónus da prova que lhe competia.

Com efeito, provou a apelante que a apelada declarou o "'início de actividade' como 'trabalhadora independente' junto da autoridade tributária" (facto 3) e posteriormente a sua cessação (facto 19); entretanto, declarou tributariamente ou seus rendimentos como trabalhadora por conta própria (factos 7 a 11); nunca esteve inscrita na segurança social como trabalhadora da apelante (facto 12); subscreveu um "seguro de acidentes de trabalho de trabalhadores independentes" (facto 4.b); nunca gozou nem recebeu férias e subsídios de férias e de Natal nem antes o exigiu da apelante (factos 13 e 15); a apelante não lhe fixou um horário dentro do qual devesse observar para a prestação da sua actividade (facto 20); e, por fim, a apelante não tinha qualquer registo de assiduidade da autora, como existia para todos os trabalhadores da ré (facto 21).

Assim e em resumo diremos que a apelação deve ser provida, a sentença revogada e a acção julgada improcedente, com a consequente absolvição da apelante do pedido.
***

IIIDecisão.

Termos em que se acorda conceder provimento à apelação e, em consequência:
i)- quanto à impugnação da decisão proferida acerca da matéria de facto:
i. fixar a seguinte redacção dos factos provados:
enumerado em 3:
"No âmbito do acordo descrito em 1), (…), na altura funcionária da Ré com funções no departamento administrativo e financeiro, a pedido da autora ajudou-a a proceder à inscrição de 'início de actividade' como 'trabalhadora independente' junto da autoridade tributária";
enumerado em 4:
"Na sequência do descrito no número anterior:
(…)
b)- e subscreveu, junto da seguradora (na altura denominada de) (…), de um 'seguro de acidentes de trabalho de trabalhadores independentes' (que veio a dar lugar à apólice com o n.º …);
c)- (…) tratou por três ou quatro vezes da emissão dos recibos electrónicos a serem passados pela Autora (tendo conhecimento, para tal, da senha de acesso)";                                  
ii.− adicionar aos provados os seguintes factos:
"20. A ré não determinou um horário para a entrada e a saída da autora".
"21.- Não existia qualquer registo de assiduidade da autora, como existia para todos os trabalhadores da ré";
iii.− eliminar o facto não provado em c);
iii)− quanto à questão jurídica, conceder provimento à apelação, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar a acção improcedente e absolver a ré / apelante do pedido.

Custas pela apelada (art.º 527.º, n.os 1 e 2 do Código de Processo Civil e 6.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-B a ele anexa).
*


Lisboa, 09-05-2018.


(António José Alves Duarte)
(Maria José Costa Pinto)
(Manuela Bento Fialho)


[1]Art.º 652, n.º 1 do Código de Processo Civil.
[2]Art.º 87.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho.
[3]Art.º 657.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
[4]Art.º 639.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. A este propósito, Abrantes Geraldes, Recursos no Processo do Trabalho, Novo Regime, 2010, Almedina, páginas 64 e seguinte. 
[5]Que aprovou e determinou a aplicação do Código do Trabalho de 2009.
[6]Que no fundo tornava desnecessária a ressalva feita pelo citado art.º  7.º, n.º 1 da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.
[7]A este propósito, vd. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-01-2009, no processo n.º 08S2278 e de 31-01-2012, no processo n.º 121/04.0TTSNT.L1.S1, da Relação de Lisboa, de 16-03-2011, no processo n.º 2943/08.4TTLSB.L1-4 e da Relação do Porto, de 17-12-2014, no processo n.º 278/14.2TTPRT, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[8]Ou, nas palavras de Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, 5.ª edição, Almedina, 2015, página 34, «o critério verdadeiramente delimitador do contrato de trabalho em relação a figuras próximas».
[9]Idem, ibidem, página 38. No mesmo sentido, vd. Pedro Romano Martinez Direito do Trabalho, 7.ª edição, Almedina, 2015, página 38, nota de rodapé número 32 e o acórdão da Relação de Lisboa, de 25-09-2013, no processo n.º 472/2006, publicado em http://195.23.10.149/rlisboa/2013/09/472-2006.pdf.
[10]Em função de determinados aspectos específicos da relação laboral, como sejam a especial confiança no trabalhador ou o nível das suas qualificações técnico-científicas exigidas pela natureza da actividade que desempenha, como lembra Palma Ramalho, ob. e loc. cits., página 39.
[11]Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 14-01-2009, no processo n.º 08S2278, de 31-01-2012, no processo n.º 121/04.0TTSNT.L1.S1, de 09-02-2012, no processo n.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1, de 08-05-2012, no processo n.º 539/09.2TTALM.L1.S1, e de 08-10-2014, no processo n.º 168/10.8TTVNG.P3.S1, da Relação de Coimbra, de 03-04-2014, no processo n.º 5/13.1T4AGD.C1, de 26-09-2014, no processo n.º 160/14.3TLRA.C1 e da Relação do Porto, de 25-02-1997, no processo n.º 9620848, de 17-12-2014, 186/14.7T4AVR.P1, 17-12-2014, no processo n.º 278/14.2TTPRT, de 15-06-2015, no processo n.º 1250/15.5TTVNG.P1, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[12]Em acórdão de 24-02-2011, no processo n.º 2867/04.4TTLSB.S1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[13]Neste sentido, vd. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 13-02-2008, no processo n.º 356/07-4.ª, publicado em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=26592&codarea=3, de 14-01-2009, no processo n.º 08S2278, de 31-01-2012, no processo n.º 121/04.0TTSNT.L1.S1 e de 08-05-2012, no processo n.º 539/09.2TTALM.L1.S1, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[14]Art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil. Neste sentido, vd. João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2014, página 84 e o acórdão da Relação do Porto, de 09-09-2013, no processo n.º 260/07.6TTVRL.P1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[15]Art.º 344.º, n.º 1 do Código Civil.
[16]Art.º 12.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
[17]Art.º 12.º, n.º 2 do Código do Trabalho.
[18]Isto porque a lei fala em "algumas das seguintes características", no plural, portanto. Neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, 5.ª edição, Almedina, 2014, página 55, Abílio Neto, Código do Trabalho Anotado, 4.ª edição, Ediforum, Lisboa, 2013, página 91 e Pedro Romano Martinez Direito do Trabalho, 7.ª edição, Almedina, 2015, página 330 e, na jurisprudência, os acórdãos da Relação de Lisboa, de 03-12-2014, no processo n.º 2923/10.0TTLSB.L1-4 e de 11-02-2015, no processo n.º 4113/10.2TTLSB.L1-4, da Relação de Coimbra, de 10-07-2013, no processo n.º 446/12.1TTCBR.C1, de 26-09-2014, no processo n.º 446/12.1TTCBR.C1, de 26-09-2014, no processo n.º 160/14.3TLRA.C1 e de 13-02-2015, no processo n.º 182/14.4TTGRD.C1, da Relação de Évora, de 26-02-2015, no processo n.º 42/13.6TTTMR.E1 e da Relação do Porto, de 12-05-2014, no processo n.º 521/12.2TTSTS.P1, de 19-05-2014, no processo n.º 321/12.0TTPRT.P1 e de 09-02-2015, no processo n.º 597/13.5TTMAI.P1, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[19]Art.º 350.º, n.º 2 do Código Civil. Neste sentido, João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 4.ª edição, Coimbra Editora, 2014, página 90 e, na jurisprudência, os acórdãos da Relação de Coimbra, de 13-02-2015, no processo n.º 182/14.4TTGRD.C1 e da Relação de Évora, de 10-07-2014, no processo n.º 313/11.6TTFAR.E1 e de 26-02-2015, no processo n.º 42/13.6TTTMR.E1, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[20]Acórdão da Relação do Porto, de 19-05-2014, no processo n.º 321/12.0TTPRT.P1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[21]Acórdãos da Relação de Lisboa, de 23-10-2013, no processo n.º 4113/10.2TTLSB.L1-4 , da Relação do Porto, de 19-05-2014, no processo n.º 321/12.0TTPRT.P1, da Relação de Coimbra, de 10-07-2013, no processo n.º 446/12.1TTCBR.C1 e de 13-02-2015, no processo n.º 182/14.4TTGRD.C1 e da Relação de Guimarães, de 14-05-2015, no processo n.º 995/12.1TTVCT.G1 e de 11-06-2015, no processo n.º 346/13.8TTVCT.G1, todos publicados em http://www.dgsi.pt.
[22]Acórdão da Relação de Guimarães, de 11-06-2015, no processo n.º 346/13.8TTVCT.G1, publicado em http://www.dgsi.pt.
[23]Acórdão da Relação do Porto, de 09-09-2013, no processo n.º 260/07.6TTVRL.P1, publicado em http://www.dgsi.pt.