Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29241/16.7T8LSB-A.L1-7
Relator: ANA RODRIGUES DA SILVA
Descritores: SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
RESIDÊNCIA ALTERNADA
PROGENITORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/18/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO RECORRIDA
Sumário: · O estabelecimento da residência alternada permite equilibrar o princípio da igualdade entre os progenitores e o superior interesse da criança;
· O conflito parental não pode ser limitador da escolha que melhor acautele o interesse das crianças, esse sim único critério a atender na fixação da residência da criança.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I. RELATÓRIO
1. A. intentou a presente acção de regulação de responsabilidades parentais contra B..
2. Efectuadas as diligências requeridas e a audiência de julgamento, foi proferida decisão nos seguintes termos:
“Nestes termos, ponderando todo o exposto e o preceituado no art. 40º do RGPTC e arts. 1905º, 1906º, 1911º, 1912º, 2003º e seguintes do CC, regulam-se as responsabilidades parentais relativamente aos menores C., D. e E. pela forma seguinte:
1- Os menores residem habitualmente com a mãe;
2- Os menores passam fins-de-semana alternados com o pai, de 5ª a 2ª feira, preferencialmente com entregas e recolhas na escola;
3- Na semana cujo fim-de-semana é com a progenitora, o pai vai buscar os filhos à 5ª feira e entrega-os 6ª feira (entregas e recolhas preferencialmente na escola);
4- Os dias feriados que calhem a 2ª, 5ª ou 6ª feira serão passados com o progenitor a quem cabia o fim-de-semana com os filhos,
5- Os períodos de férias dos menores são passados metade com cada progenitor.
5.1. – No Natal e na Páscoa cada progenitor passa com os filhos uma semana, iniciando-se estes períodos com o pai nos anos pares e iniciando-se com a mãe nos anos ímpares. No período de Natal a mudança de semana deverá ocorrer a 25/12, pelas 11 horas;
5.2- Nas férias escolares de verão, os menores passam metade com cada progenitor, em períodos que não excedam 15 dias, nos anos pares estes períodos iniciam-se com o pai e nos anos impares iniciam-se com a mãe;
6- No dia do Pai e no aniversário do pai os menores passam o dia com o progenitor;
7- No dia da Mãe e no aniversário da mãe os menores passam o dia com a progenitora;
8- No dia de aniversário de cada menor, o aniversariante toma uma refeição principal com cada progenitor, sendo o almoço do aniversariante no ano de 2019 com a mãe e o jantar com o pai e nos seguintes de forma sucessiva e alternada;
9- As questões de particular importância da vida dos filhos são decididas em comum pelos progenitores;
10- O pai contribui com a prestação de alimentos de 80€ para cada filho (total de 240€ para os 3), a transferir/depositar para conta bancária da progenitora, até ao dia 8 de cada mês;
11- Aquela prestação mensal deverá ser actualizada em março de 2020, de acordo com o índice de preços fixado pelo INE;
12- As despesas de saúde, na parte não comparticipada por sistema de saúde ou seguro, e as escolares com livros e material escolar são repartidas a metade pelos pais;
13- As despesas com atividades extracurriculares acordadas pelos pais são repartidas a metade;
14- O progenitor que efectuar despesas de entre as aludidas de saúde, educação ou extracurriculares deverá enviar ao outro, no prazo de 10 dias, documento comprovativo, devendo esse último efectuar o pagamento da metade que lhe compete em 30 dias, por depósito ou transferência bancária para a conta indicada;
15- A progenitora deve informar com antecedência o pai das consultas médicas dos filhos;
16- Os cartões de cidadão dos menores quando estes estiverem de férias com o pai deverão estar na posse deste;
17- Os progenitores devem informar-se mutuamente de situações de saúde que ocorram com os filhos, consultas agendadas e medicamentos que devam tomar;
18- O progenitor que for o encarregado de educação deve manter o outro informado sobre as questões mais relevantes do percurso escolar do seu educando.
19- Os progenitores não podem unilateralmente inscrever os menores em actividades que decorram no período de férias dos filhos com o outro progenitor”.

3. Inconformado, o Requerente recorreu dessa decisão, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“I – O presente processo de regulação de responsabilidades parentais sofreu vicissitudes várias, teve articulados e prova documental extensos, diversas conferências de pais, audição dos três menores, audição técnica especializada e várias sessões de audiência de julgamento, com depoimento de múltiplas testemunhas.
II – Os três menores foram ouvidos, tendo os dois mais velhos (16 e 14 anos), os que já têm maior maturidade para opinar sobre as questões que lhes dizem respeito, mostrado claramente à Mma. Juíza a sua preferência pela residência alternada com ambos os pais,
III - Os filhos referiram textualmente que gostavam tanto do pai como da mãe e que gostariam de estar tanto com um como com outro, não manifestando preferência por qualquer um deles e mostrando até repúdio caso um dos progenitores fosse afastado da sua vida quotidiana, uma vez que ambos sempre foram pais muito presentes na vida dos filhos.
IV - O afecto que os três filhos nutrem pelo pai foi, aliás, corroborado pela apelada nas suas declarações.
V - Em sede de alegações, também o Digno Procurador do MP defendeu que o melhor para acautelar o seu superior interesse seria que o tribunal fixasse um regime de residência alternada com rotatividade semanal, frisando que, mesmo em caso de conflito acentuado entre os progenitores, esse regime se mostrava o mais adequado.
VI - Quer nas conferências de pais, quer no decurso do julgamento, e até ao longo de toda a sentença, sempre a Mma. Juíza transmitiu aos pais que o melhor seria os filhos poderem estar com ambos, alertando para os benefícios para os filhos, neste caso concreto, do regime de guarda ou residência alternada.
VI - Todos os indícios e meios de prova constantes dos autos revelam à saciedade que o melhor é que os filhos possam estar com ambos os pais em pé de igualdade.
VII - Não pode ser descurado o importante facto de estarmos perante uma progenitora que, detendo a guarda única dos filhos desde a separação do casal, tudo tem feito para contornar o regime provisório, decidindo na maior parte das situações a seu bel-prazer.
VIII - O apelante não se pode, assim, conformar com uma sentença totalmente injusta, com incoerências manifestas, numa errada subsunção dos factos dados como provados ao direito aplicável, sentença esta em que foi dada maior relevância ao conflito parental do que ao real interesse dos menores em causa.
IX - Basta atentar na prova produzida nos autos para que a decisão mereça ser invertida.
X - “Os menores nutrem afecto por ambos os progenitores e sentem-se bem na casa de ambos. C. preferia viver em semanas alternadas com cada progenitor e D. e E., principalmente esta última, receiam que a haver mais alguma alteração possa intensificar o conflito dos pais.” (ponto 41 da matéria provada).
XI – Com o regime fixado nesta sentença persistirá, pois, uma situação de instabilidade e incerteza permanentes para os menores, uma vez que a apelada não se coíbe de exercer a sua autoridade sempre que pode, deixando o apelante numa posição frágil pois apenas está com os filhos ocasionalmente e quando a apelada permite que se cumpra o regime.
XII - A apelada usa os filhos para atingir o apelante que é o seu verdadeiro alvo, acusando o pai de coisas ridículas e falsas, como de os filhos virem de sua casa doentes e com piolhos, ou de o pai não lhes lavar a roupa.
XIII - A manter-se o regime equivalente ao que tem vigorado como provisório (guarda com a mãe) a mãe irá sempre potenciar o conflito com o pai.
XIV – Existiu, aliás, uma clara intenção de provocar o conflito extremo para que, em sede de tribunal, a mãe pudesse defender a manutenção do regime provisório argumentando exactamente com este conflito, como ficou patente nas alegações finais da defensora da apelada.
XV - A pensão que o apelante paga aos filhos (€450,00/mensais mais metade das várias despesas) extravasa em muito as suas necessidades reais, pelo que bem andou a sentença ao reduzir a pensão de alimentos fixada a título provisório para o valor mensal de €80/filho, por tal ser mais adequado à realidade, no sentido de estar de acordo com as necessidades dos filhos e as possibilidades do pai.
XVI – Contudo, a fixação de pensão de alimentos apenas se justifica caso seja fixada a residência única com a mãe, o que não se aceita, já que, tendo os pais situações financeiras semelhantes, faz sentido que cada um suporte as despesas correntes dos menores em cada semana sua, ficando as despesas escolares, de saúde e de actividades a cargo dos pais em partes iguais.
XVII - Basta ler atentamente este processo para se concluir que os pais cumprem todos os critérios que costumam ser invocados para defesa da implementação da residência alternada.
XVIII - O interesse da criança resulta, como refere a Mma. Juíza a quo da ponderação de todos estes critérios e da análise de todas as circunstâncias concretas que rodeiam o processo.
XIX - As crianças, sobretudo a mais velha, manifestam o claro desejo de estar com ambos os pais e a sua vontade foi expressa e claramente transmitida ao tribunal, concluindo a Mma. Juíza que “Os menores manifestam querer estar com ambos os pais e dispõem de estrutura interna que o permite, são crianças resilientes e equilibradas, apesar de todo o sofrimento que o conflito parental lhes causa.”
XX - Sendo um dos critérios acima referidos relevantes para a fixação do regime a vontade da criança, esta não pode ser ignorada sob pena de a sua audição de nada servir, o que não foi de todo a intenção do legislador.
XXI - Conclui assim a sentença em toda a linha ser vantajoso para os menores estes residirem habitualmente com ambos os pais. (fls 16).
XXII - Apesar do conflito, tem sido entendido que mesmo assim a guarda alternada pode ser a melhor solução para os filhos, desde que no respeito do seu melhor interesse.
XXIII – Na sentença, o julgador acaba por assumir como único critério para a tomada de decisão o conflito entre os pais, desvalorizando por completo a vontade das crianças e a posição da procuradoria na defesa dos menores, além da posição naturalmente do pai que também procura o melhor para os seus filhos, desde o início do processo.
XIV - A fixação da residência alternada terá a virtude, na opinião do apelante, de diminuir verdadeiramente esse conflito ao eliminar quase por completo as discussões entre as partes sobre dias e horas de entrega, fixação de férias e celebrações festivas, despesas, etc., sendo para tal necessário definir pormenorizadamente estas questões, de modo a prevenir conflitos futuros.
XV - Desprezando todos os critérios tão bem elencados anteriormente para defender a residência alternada para, a posteriori, relevar apenas e só o conflito entre os pais como motor da decisão a proferir, A Mma. Juíza acaba por determinar um regime de guarda única com a mãe, com o qual a própria julgadora parece não se identificar nem conformar como sendo o melhor in casu.
XVI - O que ressalta do texto da sentença anterior à decisão em perfeita contradição com a decisão proferida in fine.
XVII - A guarda alternada tem vindo a ser reconhecida pela doutrina e jurisprudência como o melhor para as crianças que não sejam de tenra idade, sempre que os pais vivam perto um do outro e as crianças tenham uma forte relação/ligação com ambas as figuras parentais, que é o caso destes autos”.

4. Em sede de contra-alegações, a Requerida defendeu a improcedência do recurso, tendo o Ministério Público acompanhado o Requerente no recurso, entendendo que a sentença proferida deve ser revogada e substituída por outra que consagre a residência das crianças junto de ambos os progenitores, em semanas alternadas.

5. A Requerida interpôs recurso subordinado, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“A) Vem o presente Recurso interposto da parte da decisão proferida pela Sentença Final que determinou que “O pai contribui com uma prestação de alimentos de 80€ para cada filho (total de 240 € para os 3) a transferir/depositar na conta bancária da progenitora, até ao dia 8 de cada mês»
B) Não se conforma a ora Recorrente com esta decisão porquanto reduziu de € 150,00 para € 80,00 o montante da prestação de alimentos a contribuir pelo Recorrido, para cada filho.
C) Os factos que serviram de base a tal decisão, a saber: (i) o progenitor trabalha na G…., tendo o vencimento líquido de €1.490,66. E em ainda um mandato … na J.F. de B., recebendo € 805,34; (ii) No ano fiscal de 2017 o progenitor declarou rendimentos em IRS de € 41.899,68; (iii) O progenitor suporta metade dos encargos com a casa morada de família em empréstimo, impostos (€ cerca de 432,16) na qual está a viver a progenitora com os filhos; (iv) O progenitor vive em casa arrendada, pagando a renda mensal de € 950,00, são os mesmos que já estavam vertidos nos Autos e que suportaram a fixação provisória da pensão de alimentos devida aos 3 menores, que em 16/02/2017 o Tribunal entendeu fixar no montante de € 150,00 a cada filho.
D) Desde a fixação da pensão provisória de alimentos até ser proferida a Sentença final não ocorreu alteração das circunstâncias com consequente redução do rendimento auferido pelo Progenitor – muito pelo contrário, foi a progenitora que viu os seus rendimentos reduzidos em cerca de 15 % correspondentes à função de P.r. que deixou de exercer no início de 2018 na sequência de eleições naquele Instituto.
E) Nem nada foi alegado pelo Progenitor nesta matéria que permitisse determinar uma redução da pensão de alimentos já anteriormente fixada.
F) O dever de prestar alimentos «no caso de filhos menores constitui uma das três vertentes do que hoje em dia se chama “responsabilidades parentais “(v. recomendação nº 84 de 28/02/84 do Comité de Ministros do Conselho da Europa).…Difere esta obrigação dos pais para com os filhos da obrigação de alimentos «stricto sensu» por isso é que os alimentos dos pais aos filhos são sempre devidos independentemente dos seus recursos económicos e do estado de carência económica dos filhos, posto que se trata de direitos cujo exercício é obrigatório e prioritário em atenção à pessoa e ao interesse do menor. Socorrendo-se de princípios de equidade e do preenchimento de conceitos indeterminados o juiz não poderá deixar de valorar o binómio (possibilidades económicas de cada um dos progenitores e necessidades dos filhos (art. 2004º do CC) por outro lado atenderá que este dever para com os menores abrange sobretudo para o guardião prestações de facto que se analisam numa prestação de cuidados tendentes à educação e formação moral da criança ou adolescente e todos os actos destinados a promover a saúde e segurança do mesmo, que não são equacionáveis numa formula aritmética pura.» in Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.01.2007, in www.dgsi.pt
G) Não tem pois o montante de alimentos que ser reportado seja a que índice for da economia, inclusive valor do ordenado mínimo nacional porquanto dentro dos critérios referidos o que releva é realmente o pressuposto do rendimento económico da família a que o menor pertence e as suas necessidades em função deste mesmo estatuto cujo dever incumbe aos pais assegurar.» in Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.01.2007, in www.dgsi.pt
H) Na noção do artº 2003º do Código Civil, entende-se por alimentos «tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário do alimentado e, se este for menor, compreende ainda a sua instrução e educação. E, o artº 2004º nº 1 do CCivil, dispõe que os alimentos serão proporcionais aos meios daquele que houver de prestá-los e à necessidade daquele que houver de recebê-los.
I) A medida dos alimentos depende, in casu, da verificação das seguintes condições: possibilidade do alimentante; e necessidade dos alimentados. Ora, aquela manteve-se inalterável desde a fixação provisória anteriormente fixada; estas eventualmente com algumas diferenças pouco significativas também se mantêm.
J) O direito a alimentos é indisponível e irrenunciável, cfr. artº 2008, nº 1 do CCivil, e a modificação de circunstâncias pode condicionar a alteração dos alimentos, cfr. artº 2012 do Código Civil, o que não se verifica in casu - in Acórdão do Tribunal de Guimarães de 11.07.2013 in www.dgsi.pt
K) Em suma: (i) em 16/02/2017 o nível de remunerações do progenitor era o mesmo que em 2018 e 2019; (ii) as despesas com os 3 menores são sensivelmente as mesmas, sendo possível, em face dos elementos documentais trazidos aos autos, e outras alegadas por recurso a regras de experiência comum – as que a Mmª Juiz a quo considerou como Factos Não Provados (pág. 9 da sentença) -, fazer uma média que leva a concluir que o valor ora fixado é manifestamente insuficiente, não podendo esquecer que estamos perante famílias de classe média, ambos os progenitores são técnicos superiores, e que os progenitores têm a obrigação legal de proporcionar aos filhos, no mínimo, o nível de vida que reservam para si.
L) Os rendimentos da progenitora sofreram uma alteração substancial pois, tal como indicara ab initio a remuneração especial pelo cargo de p.r. não tinha carácter duradouro e ao serem-lhe retiradas essas funções viu reduzidos os seus rendimentos no início de 2018 em 444,87€ correspondentes ao suplemento anteriormente pago – factos que se encontram devidamente documentados nos autos e provada a diminuição desta, cfr. ponto 24 dos Factos Provados (pág 6 da sentença), sem que daí se retire qualquer ilação.
M) É do conhecimento geral, e decorre de regras de experiência comum, quanto se gasta, nos dias de hoje, para suprir as necessidades de sustento, habitação e vestuário, como resulta do artº 2003º do Código Civil, com a agravante que os menores em causa são crianças/adolescentes de 16 (quase 17), 14 (quase 15) e 9 (quase 10) anos, em fase de desenvolvimento físico e psíquico, o que faz aumentar estas necessidades por referência comparativa a um adulto.
N) Pelo que não decidiu bem o Tribunal a quo quando reduziu a pensão de alimentos devida a cada menor de € 150,00 para € 80,00 não tendo atendido às reais necessidades de alimentos dos três menores em causa, limitando-se a fixar a pensão por referência à alegada capacidade económica do progenitor.
O) Capacidade essa que nem sequer se alterou para menos desde a altura em que este mesmo Tribunal fixou a pensão de alimentos devida a cada menor, e tendo até ficado provado no anexo de procedimento cautelar de arrolamento – sentença de 1ª instância já confirmada pela Relação de Lisboa e transitada em julgado -, que o progenitor passou a ser proprietário, em conjunto com os seus pais e uma irmã, de avultadas quantias existentes em saldos bancários e activos financeiros, precisamente quando o casamento dos progenitores estava a chegar ao fim, na altura em que o progenitor deixou de fazer vida em comum com a progenitora...
P) Sempre se dirá ainda, que se o Tribunal a quo considerou, anteriormente nos autos, que o valor de € 150,00, fixado a título de pensão provisória de alimentos para cada menor, era adequado e equilibrado para prover às necessidades de alimentos dos mesmos, não se compreende, desta feita, qual foi o elemento fáctico que determinou no Julgador a mudança de entendimento nesta matéria para agora considerar que € 80,00 de pensão de alimentos suprem as necessidades de alimentos de cada menor.
Q) Em face do exposto deve a Sentença ser revogada no que toca a este ponto e ser substituída por outra que determine o pagamento pelo Progenitor a cada menor de uma pensão de alimentos no montante de € 150,00, como já fora anteriormente fixado nos autos.
R) Deverá ser atribuído efeito suspensivo ao presente Recurso, com base nos seguintes motivos: (i) a manter-se aquela quantia com uma redução significativa (mais de 50%), isso causará um prejuízo irreparável que se reflectirá inevitavelmente na vida dos menores; (ii) para além da redução da pensão em mais de 50%, a progenitora já viu o seu próprio rendimento reduzido no decurso do ano de 2018 em cerca de 15%, o que necessariamente trará aos menores cortes na sua vivência e no seu actual modo de vida.
S) O progenitor, sensível como é às questões relacionadas com dinheiro, no presente mês de Abril só transferiu 30€ de pensão compensando a diferença para os 240€ com o valor de 450€ que tinha pago em Março – pelos vistos não sabe que nesta matéria não se fazem compensações – o que necessariamente implicará um requerimento/pedido de aumento da quantia exequenda na execução que a aqui Recorrente apresentou por falta de pagamento de montantes relativos à parte da pensão variável e, em consequência, mais um motivo de atrito entre os progenitores…
T) A decisão ora posta em crise prejudica as condições de vida dos menores e não existe justificação legal para tal pois não houve alteração de circunstâncias, violando a mesma o disposto nos artºs 1906.º/7 (1ª parte), 2004º/1 do CC, e o art.º 40.º/1 (1ª parte) do RGPTC por aplicação incorrecta desses comandos”.

6. Em contra-alegações, o Requerente e o Ministério Público pugnaram pela improcedência do recurso subordinado.

II. QUESTÕES A DECIDIR
Considerando o disposto nos arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do CPC, nos termos dos quais as questões submetidas a recurso são delimitadas pelas conclusões de recurso, impõe-se concluir que as questões a decidir são:
- da fixação de residência alternada;
- da fixação de pensão de alimentos.
*
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
           
A decisão recorrida considerou os seguintes factos:
“Factos Provados
1- C. nasceu a 27/6/2….
2- D. nasceu a 1/6/2…
3- E. nasceu a 28/7/2…
4- Os pais de C., D. e E. casaram a 30/10/1999.
5- Por decisão de 21/9/2017, transitada em julgado, foi decretado o divórcio entre os ora requerente e requerida, tendo a data da separação de facto sido fixada a 14/7/2016.
6- A 16/2/2017 foi estabelecido o seguinte regime de regulação das responsabilidades parentais destes irmãos:
- Os menores residem habitualmente com a mãe;
- Os menores passam fins-de-semana alternados com o pai, de 5ª a 2ª feira (entregas e recolhas na escola);
- Na semana cujo fim-de-semana é da com a progenitora, o pai vai buscar os filhos à 5ª feira e entrega-os 6ª feira (entregas e recolhas na escola);
- Os períodos de férias dos menores são passados metade com cada progenitor, em períodos que não excedam 15 dias;
- As questões de particular importância da vida dos filhos são decididas em comum pelos progenitores;
- O pai contribui com a prestação de alimentos de 150€ para cada filho;
- As despesas de saúde e as escolares com livros, material escolar e alimentação escolar são repartidas a metade pelos pais;
- As despesas com atividades extracurriculares acordadas são repartidas a metade;
- A progenitora deve informar com antecedência o pai das consultas médicas.
7- Aquele regime foi complementado em 3/8/2017, quanto à obrigação de a mãe entregar ao pai os cartões de cidadão dos menores, quando estes estivessem de férias com o pai e ainda foram concretizadas as datas do período de férias de verão daquele ano com cada progenitor.
8- Posteriormente, a 11/12/2017, foram concretizados os termos do período de férias de Natal dos menores com cada progenitor, bem como as seguintes questões:
- os cartões de cidadão dos menores serão entregues pela mãe ao pai nos períodos de férias em que os mesmos estejam ao seu cuidado;
- os 2 cães só transitam para casa do pai em férias com os menores se o pai nisso anuir, por não serem indispensáveis para o bem-estar dos filhos, nem ser de impor ao pai criar condições habitacionais para os ter;
- as roupas, calçado e acessórios dos filhos devem transitar entre ambas as habitações, devidamente higienizados;
- os dias feriados que calhem a 2ª, 5ª ou 6ª feira serão passados com o progenitor a quem cabia o fim-de-semana com os filhos.
9- Em março de 2017 foi instaurado processo de promoção e proteção na CPCJ Lisboa/Ocidental a favor destes irmãos.
10- E em agosto daquele ano os autos foram arquivados, por se considerar não estarem os menores em situação de perigo, justificado nos seguintes termos:
“o C. e as irmãs não se encontrarem em situação de perigo, uma vez revelam capacidades pessoais e exteriorizam capacidade de adaptabilidade à realidade, pelo que as fragilidades identificadas provêm da atuação dos pais, havendo premência que estes cumpram o estabelecido e, relação ao exercício das responsabilidades parentais”
11- Nas datas de 23/2/2017, de 16/3/2017 e de 23/3/2017, a PSP foi chamada a dirimir o diferendo entre os pais quanto a recolha dos menores na escola e subsequente início de fim-de-semana com o pai2.
12- A 18/5/2017, a PSP foi chamada por discordância entre os pais, uma vez que a progenitora pretendia que o progenitor só levasse os filhos se os dois canídeos também fossem e o progenitor alegava não ter condições habitacionais para os ter consigo3.
13- Na audição técnica efetuada pelo Instituto de Segurança Social4 é mencionado quanto à avaliação das competências parentais que durante o tempo em que o casal viveu junto existiu cooperação e um ambiente afetuoso e tranquilo, sendo que após a separação sobressai o conflito, ilustrado como:
“espiral agressiva e destrutiva que há muito perdeu razoabilidade. (…) o casal parental mostra-se no presente debilitado nas suas competências parentais e sem consciência de que a relação com os filhos vai perdendo qualidade. (…) A comunicação entre o casal parental mantém-se muito difícil desde a separação, sendo frequente o descontrole comportamental quando se encontram, mesmo na presença dos filhos.”
14- Quanto ao impacto deste conflito parental nos filhos, é mencionado naquele relatório:
“… sendo notório o forte afeto positivo que nutrem por cada um dos pais, apesar da imensa mágoa e crescente mau estar face ao litígio instalado e às constantes discussões e acusações mútuas que testemunham.”;
E
“Os menores aparentam (por enquanto) equilíbrio emocional e mostram-se muito preocupados com os pais e até embaraçados com alguns comportamentos protagonizados por estes, tentando, num esforço desmedido para a sua condição de crianças, validar as expetativas de cada um no atual processo.”
15- Como forma de superação desta situação, é recomendado por aqueles técnicos do ISS:
“Aconselha-se por isso os requeridos a procurar ajuda especializada, para que possam recuperar o equilíbrio emocional que lhes permita autonomizar as questões do casal face à necessária articulação e cooperação na gestão da vida dos filhos e à manutenção de empatia com estes.”
16- E ainda é salientado que o conflito parental se afigura associado à indivisão dos bens do casal, aconselhando-se:
“Neste contexto, parece-nos avisado que não se altere a vida dos menores até que as questões patrimoniais sejam resolvidas, para que os assuntos relativos aos filhos sejam geridas sem interferência da tensão associada às questões pendentes entre os membros do casal parental.”
17- A comunicação entre os pais é praticamente inexistente, tendo a progenitora bloqueado os contactos do progenitor no telemóvel.
18- As dificuldades de comunicação entre os pais reflectiram-se, por exemplo, no retardar por cerca de 1 ano de teste a E,. quanto a intolerância de lactose; no atraso na toma por D. de vacina; em discórdias sobre falta de roupa enviada para fim-de-semana, limpeza das roupas; desconhecimento de medicamentos a tomar pelos menores; diferendos quanto a férias escolares com os filhos (mesmo estando regime fixado).
19- As trocas dos períodos previstos com cada progenitor são muito difíceis de se concretizarem, bem como a possibilidade de o pai poder ir buscar os filhos à escola ou a actividades nos períodos da mãe e em que esta não possa fazê-lo.
20- A comunicação da progenitora ao progenitor sobre percurso escolar dos filhos e consultas médicas não é regular.
21- A progenitora é professora do ensino superior, no I…….
22- No ano fiscal de 2016 a progenitora declarou rendimentos do trabalho dependente de 49.486,59€ e de trabalho independente de 1.260€.
23- No ano fiscal de 2017 a progenitora declarou rendimentos do trabalho de 50.932,93€.
24- De janeiro a maio de 2018 a progenitora recebeu os seguintes valores líquidos: 2.331,09€; 2.147,59€; 1.995,41€; 1.990,64€ e 2.000,18€.
25- - A progenitora tem as seguintes despesas mensais:
- metade empréstimo, seguro da casa e de vida 432,16€
- electricidade, em janeiro de 2018 pagou 56,55€;
- água, entre 3/3 e 2/4/2018 pagou 23,37€;
- gás, dezembro de 2017 pagou 21,46€;
- comunicações e TV, fevereiro 2018 pagou 34,99€;
- supermercado e alimentação, em valor não concretamente apurado;
- combustível, em valor não concretamente apurado, e portagens em março 2018 de 55,40€;
- seguro de carro, 39,68€ (476,25€ anual).
26- O progenitor trabalha na G…, tendo o vencimento líquido de 1.490,66€5. Tem ainda um mandato …na J.F. de B., recebendo 805,34€
27- No ano fiscal de 2017, o progenitor declarou rendimentos em IRS de 41.899,68€.
28- O progenitor suporta metade dos encargos com a casa de morada de família em empréstimo, seguros, impostos (cerca de 432,16€), na qual está a viver a progenitora com os filhos.
29- O progenitor vive em casa arrendada, pagando a renda mensal de 950€.
30- O progenitor leva os filhos à escola e às actividades que praticam, cuida da sua alimentação, higiene, apoio ao estudo e demais cuidados necessários.
31- Na organização dos seus tempos de trabalho o progenitor procura dedicar o seu tempo disponível a acompanhar os filhos.
32- Por sentença proferida a 16/2/2017 (apenso B), transitada em julgado, foi homologado o seguinte acordo entre os ora requerente e requerida:
“1- A utilização provisória da casa de morada de família fica atribuída à requerente (B.) até à partilha de bens comuns do casal. 2- As despesas relativas com encargos bancários, seguro e outros encargos (taxas, impostos e licenças) serão suportados por ambas as partes até à partilha do bem.
3- Os consumos domésticos do referido bem (água, eletricidade, gás, telecomunicações) serão suportados pela requerente.”
33- Encontra-se pendente execução especial por alimentos, intentada pela progenitora contra o progenitor, por alegada falta de comparticipação em despesas com os filhos, no valor de 1.326,85€.
34- O progenitor deduziu embargos de executado àquela execução especial por alimentos, encontrando-se a acção em fase de audiência prévia
35- C. frequenta o 11º ano de escolaridade. Tem as actividades systema (arte marcial russa), escuteiros e catequese, as quais pratica por gosto próprio.
36- D. frequenta o 9º ano de escolaridade. Pratica as actividades de escuteiros, catequese e futebol.
37- C. e D. estudam na Escola Secundária do R…, a qual é próxima da casa de cada um dos pais, regressando por vezes a pé da escola.
38- E. frequenta o 4º ano de escolaridade e tem actividades de natação, escuteiros e catequese.
39- No presente ano lectivo, nos períodos que passam com o pai este vai buscar o C. e D. à escola, ou esta última a casa, passam em casa para trazer as mochilas e vão posteriormente buscar a E., que sai mais tarde da escola. As mochilas do C. e D. são eles que preparam e a da E. é a mãe.
40- Os 3 menores consideram que os cães estão bem em casa da mãe e que a casa do pai não tem condições para eles estarem (varanda fechada, enquanto em casada mãe estão no pátio).
41- Os menores nutrem afecto por ambos os progenitores e sentem-se bem na casa de ambos, C. preferia viver em semanas alternadas com cada progenitor e D. e E., principalmente esta última, receiam que a haver mais alguma alteração possa intensificar o conflito dos pais.
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Factos Não Provados
1- O progenitor tem uma personalidade irrascível por baixo duma aparência calma.
2- O progenitor mente acintosamente.
3- O progenitor contraria qualquer proposta da progenitora com o argumento “não mandas”.
4- A progenitora paga renda de casa no valor mensal de 850€.
5- A progenitora proíbe os filhos de falarem ao telefone com o pai depois das 21 horas.
6- Os jovens estão inscritos em actividades no tempo que deveriam estar como pai para os privar do convívio com este e família paterna.
7- O progenitor está a suportar despesas com cartões de crédito, que tinham responsabilidades assumidas antes da separação.
8- Os menores registam as seguintes despesas mensais:
- 20€ de carregamento de telemóvel;
- 312,10€ para desporto e actividades extracurriculares, sendo 32,10€ para natação, 190€ para escuteiros, 80€ para “actividades regulares” e 10€ para catequese;
- 60€ “para pequenas despesas diárias, presentes de aniversários para os amigos e saídas com amigos adequadas à sua idade”;
- 150€ para vestuário e calçado (50 por mês e por filho);
- 90€ para despesas médicas, medicamentosas e vacinação;
- 50€ (600€ ano) para livros e material escolar;
- 56,85€ em componente de apoio à família na escola e refeitório escolar;
numa média mensal de 738,95€.
9- A progenitora tem as seguintes despesas mensais:
- empregada doméstica 250€ x 14 meses;
- reparações e inspecção de carro 64,16€ (770€ : 12)”.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
Vem o presente recurso interposto da decisão que fixou a residência dos menores com a mãe e fixou um valor a título de prestação de alimentos, sendo que todas as demais questões fixadas no regime estabelecido e que não foram objecto de recurso, nem se mostrem prejudicadas pela impugnação efectuada, se mostram transitadas.
Consequentemente, estão em causa as seguintes alíneas do regime fixado:
“1- Os menores residem habitualmente com a mãe;
2- Os menores passam fins-de-semana alternados com o pai, de 5ª a 2ª feira, preferencialmente com entregas e recolhas na escola;
3- Na semana cujo fim-de-semana é com a progenitora, o pai vai buscar os filhos à 5ª feira e entrega-os 6ª feira (entregas e recolhas preferencialmente na escola);
4- Os dias feriados que calhem a 2ª, 5ª ou 6ª feira serão passados com o progenitor a quem cabia o fim-de-semana com os filhos,
(…)
10- O pai contribui com a prestação de alimentos de 80€ para cada filho (total de 240€ para os 3), a transferir/depositar para conta bancária da progenitora, até ao dia 8 de cada mês;
11- Aquela prestação mensal deverá ser actualizada em março de 2020, de acordo com o índice de preços fixado pelo INE”.

Apreciemos, então, cada um destes aspectos.

· Da fixação da residência dos menores:
Como já referido, a sentença recorrida, embora adoptando o regime do exercício conjunto da parentalidade no que se refere às questões de particular importância da vida dos menores (cfr. ponto 9), fixou a residência dos menores com a mãe, ora Apelada, decisão com a qual o Apelante se insurge.
Nos termos do art. 1906º, nº 1 do CC, “As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do filho são exercidas em comum por ambos os progenitores nos termos que vigoravam na constância do matrimónio”, referindo o nº 5 do mesmo preceito que “O tribunal determinará a residência do filho e os direitos de visita de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro”.
Mais se refere no art. 1906º, nº 7 do CC que “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
Como foi já amplamente debatido quer na Doutrina, quer na Jurisprudência, esta redacção do art. 1906º do CC, resultando da revisão operada pela Lei 61/2008, de 31 de Outubro.
Este diploma surgiu na sequência dos trabalhos da Comissão de direito da família europeu e que preconizaram uma mudança de paradigma, tendo substituído o tradicional conceito de “poder paternal” pelo de “responsabilidade parental” e acolhido a regra do exercício comum das responsabilidades parentais.
Na sequência desta mudança passou a ser determinante na fixação da residência dos menores a prossecução do interesse destes de acordo com todas as circunstâncias relativas ao caso concreto.
O interesse do menor constitui um conceito jurídico indeterminado utilizado pelo legislador e que podia ser já encontrado na Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 1386 (XIV) de 20 de Novembro de 1959.
Estabelece esta Convenção, no seu princípio 2º, “A criança gozará de uma protecção especial e beneficiará de oportunidades e serviços dispensados pela lei e outros meios, para que possa desenvolver-se física, intelectual, moral, espiritual e socialmente de forma saudável e normal, assim como em condições de liberdade e dignidade. Ao promulgar leis com este fim, a consideração fundamental a que se atenderá será o interesse superior da criança”.
Este princípio decorre igualmente da Convenção sobre os Direitos da Criança, assinada em 26.01.1990, em Nova Iorque, aprovada pela Resolução da Assembleia da República nº 20/90 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, em particular nos seus arts. 3º e 9º, dos quais resultam que todas as decisões relativas a crianças terão primacialmente em conta o interesse superior destas, comprometendo-se os Estados subscritores a respeitar os direitos da criança separada de um ou de ambos os pais.
O superior interesse do menor norteia assim todas as decisões relativas a crianças e jovens, devendo ser densificado em cada caso concreto.
Como se refere no AC. TRL de 16-03-2017, in www.dgsi.pt, “o superior interesse do menor é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, com a primazia da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor”.
Por outro lado, e no que se refere à residência da criança, tem-se verificado uma evolução doutrinária e jurisprudencial no sentido da consagração da residência alternada como a solução mais adequada para o desenvolvimento das crianças, desde que respeitadas as condições mínimas de adequação ao caso concreto e afastados os casos de violência ou de maus tratos a menores, expressamente previstos no art. 1906º-A do CC.
Na verdade, a jurisprudência maioritária admite a residência alternada, mesmo em situações de falta de acordo entre os pais, por ambos pretenderem a residência exclusiva, fundando-a, além do mais, no princípio da igualdade entre os progenitores e no superior interesse da criança. Veja-se a resenha jurisprudencial e doutrinária efectuada a este propósito no Ac. TRL, de 7-08-2017, proc. 835/17.5T8SXL-A-2.
De salientar também o Ac. TRC de 9-10-2018, proc. 623/17.9T8PBL.C1, quando refere “Embora o nosso legislador não tenha ainda transposto para o direito nacional o princípio da residência alternada, o artigo 1906º CC não exige o acordo dos progenitores para a sua fixação (…) nem sequer a inexistência de conflitualidade entre os cônjuges, sendo que a existência de alguma conflitualidade será mesmo compreensível e expectável numa situação de pós rutura do casal.
De qualquer modo, ao consagrar entre as circunstancias relevantes para o interesse do menor, “as que promovam uma relação de grande proximidade com os dois progenitores e favoreçam amplas oportunidades de contacto do filho, com ambos os progenitores”, não deixa de implicitamente apontar para esta solução, por se afigurar a residência alternada como a mais apta a possibilitar-lhe contactos em igual proporção e em circunstancias similares, com ambos os progenitores e respetivas famílias, por contraposição à residência habitual do filho com um dos progenitores e o convívio com o outro apenas em férias, dias festivos e fins de semana Cfr., Acórdão do TRE de 09-11-2017, relatado por Francisco Matos, disponível in www.dgsi.pt.”.
Tal como se lê no Ac. TRC, de 27-04-2017, proc. 4147/16.3T8PBL-A.C1, “a solução da residência alternada tem ganhado força pela consciência de que os laços afetivos se constroem dia-a-dia e não se compadecem com o tradicional regime de fins de semana quinzenais – a fixação da residência junto de um só dos progenitores leva ao progressivo esbatimento da relação afetiva com o outro progenitor, fazendo com que o menor se sinta uma mera “visita” em casa deste, levando a que o progenitor desista de investir na relação por se sentir excluído do dia-a-dia da criança.
Haverá que promover um tempo de qualidade com ambos os progenitores, de modo a que, cada um deles possa acompanhar o dia-a-dia do seu filho, nos trabalhos escolares, nas brincadeiras, no momento de deitar, etc., levar e ir buscar à escola, conhecer os professores, os amigos, etc., de modo a que o menor continue a ter um pai por inteiro e uma mãe por inteiro”.
E como menciona Ana Teresa Leal no texto “Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais. A Residência alternada” in A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança, Tomo I, ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Julho 2014, pág. 377, em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf, “a residência alternada pode minimizar os efeitos negativos da separação e pode constituir um fator inibidor de que o progenitor não residente se acomode e delegue no outro progenitor a responsabilidade pela educação e acompanhamento dos filhos, mesmo que o exercício das responsabilidades parentais seja conjunto. A vinculação afetiva constrói-se no dia-a-dia. Entre os pais e a criança tem que existir uma proximidade física que possibilite um entrosamento e uma interligação afetiva real e consistente, sob pena de os laços já existentes se desvanecerem e os ainda inexistentes nunca chegarem a acontecer”.
Por outro lado, não será despiciendo referir que todos os estudos actuais na área da psicologia e pedo-psiquiatria apontam para a solução da residência alternada como aquela que “melhor salvaguarda os interesses da criança, na medida em que permite que a mesma mantenha com ambos os progenitores um relacionamento o mais próximo possível do existente no período de vivência em comum” (cfr. Ana Teresa Leal, loc. cit. pág. 391).
Analisada desta forma sintética o quadro geral aplicável aos autos, passemos a apreciar o caso vertente.
Com interesse para essa apreciação, importa, antes de mais, reter que os menores em causa nos autos têm hoje 17, 15 e 9 anos, sendo que a criança mais nova terá já 10 anos no início do próximo ano escolar (cfr. factos nºs 1, 2 e 3).
Por outro lado, os progenitores estão separados há cerca de três anos (facto nº 5), residindo os menores, desde aí, com a mãe, passando férias e fins de semana com o pai, ressaltando dos factos provados uma grande conflitualidade entre os progenitores.
Mais resulta dos factos provados que o progenitor leva os filhos à escola e às actividades que estes praticam, cuida da sua alimentação, higiene, apoio ao estudo e demais cuidados necessários, que na organização dos seus tempos de trabalho o progenitor procura dedicar o seu tempo disponível a acompanhar os filhos (factos nºs 30 e 31); que C. e D. estudam na Escola Secundária do R.., a qual é próxima da casa de cada um dos pais, regressando por vezes a pé da escola, que E. frequenta o 4º ano de escolaridade e que todos os menores tem várias actividades curriculares (desporto, escuteiros e catequese); que, no presente ano lectivo, nos períodos que passam com o pai este vai buscar o C. e D. à escola, ou esta última a casa, passam em casa para trazer as mochilas e vão posteriormente buscar a E., que sai mais tarde da escola. As mochilas do C. e D. são eles que preparam e a da E. é a mãe (factos nºs 37 a 39) e ainda que os menores nutrem afecto por ambos os progenitores e sentem-se bem na casa de ambos, C. preferia viver em semanas alternadas com cada progenitor e D. e E., principalmente esta última, receiam que a haver mais alguma alteração possa intensificar o conflito dos pais (facto nº 41).
Decorre assim dos factos provados estarmos perante dois adolescentes e uma pré-adolescente, enquadrados escolar e socialmente, todos com hábitos já adquiridos durante a vivência com ambos os progenitores, tendo autonomia e capacidade de organização suficientes para se adaptarem à realidade decorrente da residência alternada, tal como mostram os factos relatados em 39.
Todos os menores mantém uma relação afectiva com ambos os progenitores, desempenhado cada um destes um papel de referência na vida dos menores, com condições socioeconómicas e de alojamento equiparáveis, sendo patente o esforço dos menores na minimização do conflito (vide facto nº 14).
Da conjugação de todos estes factos decorre uma paridade entre as condições oferecidas por cada um dos progenitores, à excepção do alojamento dos cães da família, acordando os menores que estes ficam melhor em casa da mãe, face à existência de um pátio.
Perante este quadro fáctico e depois de defender as vantagens da residência alternada, optou o tribunal recorrido pela residência com a mãe, justificando essa decisão com base no conflito existente entre os progenitores.
Ora, como já se referiu o critério orientador da decisão a tomar deve ser o superior interesse da criança, sendo fundamental encontrar um equilíbrio entre as várias componentes da vida das crianças por forma a que as mesmas cresçam de forma sadia e equilibrada.
Na maioria dos casos, e desde que reunidas as condições logísticas necessárias e que todos os intervenientes sejam emocionalmente estáveis, a única forma de que tal possa suceder é o estabelecimento de residência alternada entre ambos os progenitores, porquanto apenas esta permitirá à criança uma vivência plena com ambos e respectivas famílias alargadas.
Não nos parece que o conflito parental possa ser limitador da escolha que melhor acautele o interesse das crianças, esse sim único critério a atender.
O citado Ac. TRC de 9-10-2018, refere que “A ideia de que a guarda partilhada expõe a criança ao conflito tem implícita a afirmação de que, em caso de conflito, a criança fica mais protegida se confiada a um deles, o que é extremamente discutível: a confiança a um só dos progenitores ao atribuir a este um poder de facto sobre a criança (progenitor que, na prática tudo decide) em detrimento do outro, que assim se vê afastado do dia-a-dia da criança, alimentando a posição de irredutibilidade do progenitor guardião (que, face ao poder que a guarda exclusiva lhe dá não se vê na necessidade de fazer concessões) e aumentando o sentido de frustração do outro, é potenciador da conflitualidade entre os progenitores”.
Por outro lado, e tal como se descreve neste aresto e em vários estudos publicados, a residência alternada diminui o conflito parental, porquanto permite a divisão de responsabilidades entre os pais na gestão quotidiana da vida dos filhos, assim afastando os pontos de discórdia entre ambos.
Acresce que, estando as decisões sobre as questões de particular importância atribuídas a ambos os progenitores, esse conflito continuará sempre presente se os progenitores não encontrarem um modo de equilibrar as suas pretensões, atendendo aos interesses dos filhos, podendo a necessidade constante de interacção com os filhos e de responsabilização efectiva de cada um dos progenitores na vida destes ser determinante para apaziguar as tensões e os conflitos existentes, muitas vezes relacionados com questões da vida quotidiana.
No caso dos autos, a idade dos menores, a forma sadia como cresceram em família até ao momento da separação (facto 13), a sua autonomia e capacidade de adaptação (facto 39), a presença do pai nos momentos do quotidiano dos filhos e que atestam as suas capacidades parentais (factos 30 e 31) e as vantagens reconhecidas por todos os especialistas no crescimento das crianças com pai e mãe, em termos equitativos, permitem concluir que o desenvolvimento afectivo e emocional dos menores sairá reforçado numa situação de residência alternada, já que todos os demais aspectos estão alternados entre os progenitores (veja-se o exemplo, paradigmático, da função de encarregado de educação que foi decidido ser alternada).
Não se pode atender unicamente ao conflito entre os progenitores e às dificuldades de comunicação entre estes e referidas em 19 para decidir o futuro destas crianças, sendo certo que essas dificuldades existirão sempre, mesmo que seja para que o pai passe apenas fins-de-semana com os menores ou quanto aos períodos festivos e de férias.
Mais importante do que esse conflito será a consciencialização de ambos os progenitores que se devem harmonizar e adoptar uma atitude de compromisso activo na busca da melhor solução para os filhos e não para si mesmos, por forma a que aqueles se tornem adultos responsáveis e plenos, com vivências paralelas com o pai e com a mãe. Para tanto, se necessário, deverão procurar ajuda especializada.
Na ponderação de todos os elementos em causa nos autos e face ao que se expôs quanto ao interesse dos menores, conclui-se que a solução da residência alternada é aquela que melhor acautela esse interesse e o desenvolvimento dos menores.
Donde, há que revogar a decisão recorrida, determinando-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada junto de cada um dos progenitores.
Como consequência desta decisão, algumas das cláusulas estabelecidas na decisão recorrida tem de ser revistas.
Assim, e face à mudança de residência, as cláusulas constantes de 1 a 4 têm de ser revogadas, por contraditórias com a mudança operada.
Por outro lado, as cláusulas mencionadas em 5, 6, 7, 8, 9, 17, 18 e 19 mantem-se por se mostrarem inalterados os seus pressupostos.
Por seu turno, as clausulas nºs 15 e 16 devem ser actualizadas, por forma a que ambos os progenitores informem com antecedência o outro sobre a existência de consultas médicas e devendo os cartões de cidadão dos menores estarem com estes ou com o progenitor com quem se encontrem.
Consequentemente, as clausulas 1 a 4 da decisão recorrida são revogadas e substituídas pela seguinte:
“Os menores ficam a residir junto do pai e da mãe, passando uma semana com um e uma semana com o outro, alternadamente, cumprindo ao progenitor com quem os menores irão ficar, recolher os menores ao final da tarde de sexta-feira (entregas e recolhas preferencialmente na escola)”.
As cláusulas 15 e 16 da decisão recorrida são igualmente revogadas e substituídas pelas seguintes:
“- Cada um dos progenitores deve informar com antecedência o outro das consultas médicas dos filhos;
-Os cartões de cidadão dos menores deverão estar na posse destes ou do progenitor com quem residam”.

· Da fixação de prestação de alimentos:
Defende o Apelante que a fixação de pensão de alimentos determinada na sentença recorrida deve ser revogada, já que não sendo fixada a residência única com a mãe, e tendo os pais situações financeiras semelhantes, despesas correntes dos menores em cada semana devem ficar a cargo desse progenitor, ficando as despesas escolares, de saúde e de actividades a cargo dos pais em partes iguais.
Relativamente a esta matéria, a decisão recorrida fixou as seguintes cláusulas:
“10- O pai contribui com a prestação de alimentos de 80€ para cada filho (total de 240€ para os 3), a transferir/depositar para conta bancária da progenitora, até ao dia 8 de cada mês;
11- Aquela prestação mensal deverá ser actualizada em março de 2020, de acordo com o índice de preços fixado pelo INE”.
Vejamos.
Como se encontra estabelecido no art. 2003º do CC, “Por alimentos entende-se tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”, aí se compreendendo “também a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”.
Nos termos do art. 2004º do CC, os alimentos são fixados em função das necessidades do alimentando, possibilidades do alimentante e possibilidades do alimentando prover à sua subsistência.
Por seu turno, refere o art. 1878º, nº 1 do CC que compete aos pais, no interesse dos filhos, além do mais, prover ao seu sustento.
Tem sido defendido pela jurisprudência que, na determinação das necessidades do menor, se deve atender ao seu padrão de vida, sua ambiência familiar e inserção socioeconómica quer do menor, quer de quem está obrigado a prestar os alimentos.
No caso dos autos, considerando que os progenitores têm rendimentos e despesas semelhantes, que as despesas de saúde e escolares são já divididas em partes iguais, e que irão dividir os encargos com os menores em iguais períodos de tempo, não há qualquer justificação para manter a prestação de alimentos fixada.
Com efeito, ficando os menores a residir com ambos os progenitores, suportando cada um as despesas inerentes à alimentação, calçado e vestuário na semana em que tenham os menores na sua companhia e face à repartição de despesas essenciais já determinada, não se encontra qualquer justificação plausível para manter a prestação fixada.
Consequentemente, revoga-se, nessa parte, a decisão recorrida, nos termos pretendidos pelo Apelante.
Por maioria de razão, fica prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pela progenitora.
Com efeito, tendo a Apelada interposto o recurso subordinado por forma a que se fixasse uma prestação de alimentos de valor superior ao fixado, e sendo essa prestação de alimentos eliminada, não há que averiguar da justeza do valor peticionado pela Apelada, face à inexistência dos pressupostos para a fixação de uma prestação de alimentos, o que sempre determinaria a improcedência do recurso subordinado.

Por todo o exposto, decide-se pela revogação da decisão recorrida, no que se refere às clausulas 1 a 4, 10 e 11, 15 e 16, mantendo-se a sentença no demais.

IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar a apelação nos seguintes termos:
· Julgar procedente a apelação interposta pelo pai, revogando-se a decisão recorrida na parte em que fixou a residência dos menores com a mãe e o montante da prestação de alimentos, sendo a mesma substituída nos seguintes termos:

“Regulam-se as responsabilidades parentais relativamente aos menores C., D. e E. pela forma seguinte:
1. Os menores ficam a residir junto do pai e da mãe, passando uma semana com um e uma semana com o outro, alternadamente, cumprindo ao progenitor com quem as menores irão ficar, recolher os menores ao final da tarde de sexta-feira (entregas e recolhas preferencialmente na escola).
2. Os períodos de férias dos menores são passados metade com cada progenitor.
2.1. – No Natal e na Páscoa cada progenitor passa com os filhos uma semana, iniciando-se estes períodos com o pai nos anos pares e iniciando-se com a mãe nos anos ímpares. No período de Natal a mudança de semana deverá ocorrer a 25/12, pelas 11 horas;
2.2- Nas férias escolares de verão, os menores passam metade com cada progenitor, em períodos que não excedam 15 dias, nos anos pares estes períodos iniciam-se com o pai e nos anos impares iniciam-se com a mãe;
3- No dia do Pai e no aniversário do pai os menores passam o dia com o progenitor;
4- No dia da Mãe e no aniversário da mãe os menores passam o dia com a progenitora;
5- No dia de aniversário de cada menor, o aniversariante toma uma refeição principal com cada progenitor, sendo o almoço do aniversariante no ano de 2019 com a mãe e o jantar com o pai e nos seguintes de forma sucessiva e alternada;
6- As questões de particular importância da vida dos filhos são decididas em comum pelos progenitores;
7- As despesas de saúde, na parte não comparticipada por sistema de saúde ou seguro, e as escolares com livros e material escolar são repartidas a metade pelos pais;
8- As despesas com actividades extracurriculares acordadas pelos pais são repartidas a metade;
9- O progenitor que efectuar despesas de entre as aludidas de saúde, educação ou extracurriculares deverá enviar ao outro, no prazo de 10 dias, documento comprovativo, devendo esse último efectuar o pagamento da metade que lhe compete em 30 dias, por depósito ou transferência bancária para a conta indicada;
10- Cada um dos progenitores deve informar com antecedência o outro das consultas médicas dos filhos;
11- Os cartões de cidadão dos menores deverão estar na posse destes ou do progenitor com quem residam;
12- Os progenitores devem informar-se mutuamente de situações de saúde que ocorram com os filhos, consultas agendadas e medicamentos que devam tomar;
13- O progenitor que for o encarregado de educação deve manter o outro informado sobre as questões mais relevantes do percurso escolar do seu educando.
14- Os progenitores não podem unilateralmente inscrever os menores em actividades que decorram no período de férias dos filhos com o outro progenitor”.

· Julgar improcedente o recurso subordinado interposto.
Custas do recurso principal e do recurso subordinado pela Apelada.

Lisboa, 18 de Junho de 2019

Ana Rodrigues da Silva
Micaela Sousa
Maria Amélia Ribeiro