Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3549/16.0T8CSC-A.L1-2
Relator: JORGE LEAL
Descritores: INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: É extemporâneo o requerimento de intervenção principal provocada deduzido nos termos dos artigos 316.º n.º 2 e 39.º do CPC, após ter sido designada data para audiência prévia.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO
Em 13.12.2016 Isabel intentou ação declarativa de condenação contra Maria.
A A. alegou, em síntese, que ao longo dos anos efetuou diversos empréstimos à R., que é sua mãe, assim como suportou despesas no interesse da sua mãe. Com efeito, a A. pagou o custo de obras de uma casa de que a R. é comproprietária, sita em Caxias, suportou despesas com um automóvel pertencente à R., suportou despesas com obras numa casa da R. sita em Rio Maior, assim como emprestou à R. dinheiro para várias despesas desta, tudo no valor global de € 289 616,81. Ora, ficou acordado que a A. seria paga através da doação da quota parte da R. no referido prédio sito em Caxias, ao qual, de resto, a A. teria direito por acessão imobiliária.
A A. terminou pedindo que a R. fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 289 616,81, acrescida de juros e bem assim que a R. fosse condenada a reconhecer a favor da A. o direito desta a adquirir, por acessão imobiliária da ½ pertencente à R. no referido prédio urbano ou, em alternativa, a pagar à A. a quantia de € 15 058,00, correspondente às obras e melhoramentos incorporados no prédio.
Em 09.02.2017 a R. contestou a ação, negando a totalidade das responsabilidades invocadas pela A.. Em suma, negou que a A. tivesse tido qualquer participação nas obras no prédio sito em Caxias, negou quaisquer empréstimos por parte da A., alegando que se tratou do pagamento de despesas efetuadas no interesse da A. ou que esta declarou aceitar suportar (caso de um internamento hospitalar da R.) e, quanto às obras na casa de Rio Maior, afirmou que estiveram em causa melhoramentos efetuados por decisão e no interesse da A. e dos seus dois irmãos, filhos da R., que assumiram como suas as responsabilidades inerentes, por contarem vir a ficar com a casa, herdada pela R. e pelo seu irmão da sua mãe, tendo ficado acordado entre a A. e os seus dois irmãos que a A. iria suportando os custos com a reabilitação da casa em apreço e depois fariam contas entre si. Por isso a R. fez escritura de doação aos filhos do seu quinhão hereditário na herança de sua mãe, aí se incluindo a dita casa.
A R. concluiu pela improcedência da ação, por não provada.
Designada data para audiência prévia, em 02.5.2017 veio a A. requerer a intervenção principal provocada, a título subsidiário, dos seus irmãos, Pedro e Miguel. Afirmou que a R. na contestação invocou que parte das despesas alegadas pela A. teriam sido acordadas entre a A. e seus irmãos e seriam suportadas também por eles. Assim, na tese da R., os irmãos da A. são solidariamente responsáveis com a R. ou em vez da R.. Pelo que, prevenindo a necessidade de ter de vir a intentar nova ação judicial contra os seus irmãos para obter a sua condenação, pretende que eles sejam chamados à demanda, a título meramente subsidiário, a fim de serem eventualmente condenados solidariamente com a R. ou em vez da R., a título subsidiário e na respetiva quota parte de cada um a apurar, em relação às despesas que especifica, no valor total de € 108 416,24.
A R. opôs-se ao requerido chamamento.
Em 08.9.2017 foi proferido o seguinte despacho:
Do incidente de intervenção provocada requerido:
Vem a A. requerer a intervenção provocada de Pedro (…) e de Miguel (…), nos termos dos arts. 316° ess. do CPC, porquanto estes são responsáveis pelo pagamento de parte dos montantes em causa nos autos.
Opôs-se a R. à admissão deste incidente, seja por ser intempestivo, seja por não estarem verificados os pressupostos do incidente em causa.
Cumpre apreciar.
Nos termos do art. 316°, n° 1 do CPC, "ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com direito a intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária", dispondo o n° 2 deste preceito que "Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiros contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do art. 39°".
Destina-se este incidente a todos aqueles casos em que exista pluralidade de devedores ou garantes da obrigação trazida a juízo, por forma a que o réu possa acautelar o seu direito de regresso ou de sub-rogação, ou apenas, visando uma defesa conjunta.
Por seu turno, dispõe o art. 318°, n° 1 do CPC, que "O chamamento para intervenção só pode ser requerido:
a) No caso de ocorrer preterição do litisconsórcio necessário, até ao termo da fase dos articulados, sem prejuízo do disposto no artigo 261.°;
b) Nas situações previstas no n.° 2 do artigo 316.°, até ao termo da fase dos articulados;
c) Nos casos previstos no n.° 3 do artigo 316.° e no artigo anterior, na contestação ou, não pretendendo o réu contestar, em requerimento apresentado no prazo de que dispõe para o efeito".
Nos presentes autos, verifica-se que a A. entende estarem configurados os pressupostos de admissão deste incidente, na medida em que a responsabilidade pelos pagamentos peticionados pode ser imputada também a terceiros. Mais se verifica que a A. deduziu o presente incidente após ter sido notificada da data para realização da audiência prévia.
Ora, considerando a forma como a A. estrutura o presente incidente, verifica-se que os factos alegados se devem incluir no n° 1 do art. 316° do CPC, ou seja numa situação de litisconsórcio por forma a acautelar a legitimidade passiva.
Como já se referiu, o art. 318°, n° 1, ai. a) in fine do CPC permite o chamamento após o termo da fase dos articulados nos casos previstos no art. 261º do CPC, preceito este que permite o chamamento de terceiros até ao trânsito em julgado da decisão que julgue ilegítima alguma das partes por não estar em juízo determinada pessoa.
Donde, considerando os factos alegados pela A. e o disposto no art. 318°, n° 1 in fine, em conjugação com o princípio da economia processual, entende-se ser possível à A. proceder ao chamamento pretendido.
Acresce que os fundamentos da intervenção principal provocada requerida obedecem aos requisitos constantes do citado art. 316° do CPC, o que determina a sua admissão.
Consequentemente, por se verificarem os respectivos pressupostos de admissibilidade previstos nos arts. 316° e 318° do CPC, admito a intervenção principal provocada de Pedro (….) e de Miguel (…).
Custas do incidente pela R., fixando-se a taxa de justiça no mínimo.
Notifique.
Cite os chamados, nos termos e para os efeitos do art. 319°, n°s 1 e 2 do CPC.
A R. apelou deste despacho, tendo apresentado alegações em que formulou as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal a quo de fls. __, que admitiu a intervenção principal provocada de Pedro (…) e de Miguel (…).
b) O Tribunal a quo entendeu que in casu se verificavam os pressupostos de admissibilidade do incidente de intervenção principal provocada deduzido pela Autora, previstos nos art.ºs 316.º e 318.º do CPC.
c) Desde logo, não é exacto que no requerimento de dedução do incidente a Autora tenha apelado de forma genérica ao enquadramento previsto nos art.ºs 316.º e ss. do CPC, ao contrário do que refere a decisão recorrida.
d) A Autora e aqui Recorrida foi precisa quanto à sua pretensão com a dedução do incidente de intervenção provocada, como resulta do próprio preâmbulo do requerimento e da matéria alegada nos seus artigos 7.º., 8.º, 33.º e 42.º
e) A Autora requereu a intervenção principal provocada dos seus irmãos por entender poder existir uma situação de litisconsórcio passivo subsidiário.
f) A decisão impugnada contraria o entendimento da própria Recorrida sobre a factualidade alegada e descaracteriza a sua pretensão em ver os seus irmãos condenados a título subsidiário.
g) A decisão que admitiu a intervenção principal provocada dos irmãos da Autora foi proferida em objeto diferente do pedido, padecendo, por isso de nulidade – art.º 615.º, n.º 1, e), do CPC.
h) Tendo a Autora deduzido o incidente ao abrigo dos art.ºs 39.º e 316.º, n.º 2, do CPC, o pedido de intervenção dos chamados é manifestamente intempestivo.
i) A Autora invocou que na contestação foram alegados factos, que no seu entender, apontam para existência de outros titulares passivos da relação controvertida, devido a uma incerteza sobre a identidade dos devedores
j) Se a Autora baseou o incidente em factos alegados na contestação para fundar a dedução do incidente em apreço, afigura-se que chamamento deveria ter ocorrido dentro do prazo previsto no art.º 149.º, n.º 1 do C.P.C.
k) No tocante à oportunidade do chamamento para a intervenção, o art.º 318.º do C.P.C., n.º 2, dispõe que deve ser deduzido até à fase dos articulados o incidente previsto nos casos do n.º 2 do art.º 316.º do C.P.C., ou seja, nos casos de litisconsórcio voluntário e de litisconsórcio subsidiário.
l) Tendo a Autora sido notificada da contestação em 16.02.2017, o prazo de 10 dias para deduzir o incidente de intervenção há muito que havia expirado quando o articulado foi apresentado nos autos (02.05.2017).
m) De sorte que o incidente de intervenção provocada deduzido pela Autora deveria ter sido rejeitado por extemporâneo e, consequentemente, o respectivo articulado ser mandado desentranhar e devolver à apresentante, com as legais consequências.
n) A Recorrida deduziu incidente de intervenção principal provocada para demandar terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do art.º 39.º.
o) É pressuposto do incidente de intervenção principal provocada a existência de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material controvertida — art.º 39.º do C.P.C.
p) No incidente a Recorrida delimitou a sua pretensão de chamar os irmãos ao processo no sentido da sua condenação nos montantes indicados nos artigos 47.º, 50.º, 51.º a 59.º, 62.º e 64.º da p.i.
q) Na versão da Recorrida aqueles montantes foram emprestados à ré e ora Recorrente, por esta lhos haver pedido – art.ºs 16.º, 17.º e art.º 73.º da p.i.
r) Pelo que o pedido de condenação da Recorrente no pagamento das quantias em causa no requerimento de dedução do incidente, tem como causa de pedir vários contratos de mútuo alegadamente celebrados entre a Autora e a Ré e não reembolsados.
s) A Recorrida não desconhecia, por se tratar de facto pessoal, que o quinhão hereditário na herança aberta por óbito da sua avó havia sido doado pela Ré aos seus 3 filhos.
t) E também não desconhecia que o seu tio José Monteiro Pereira Barbosa era titular de direitos sobre o mesmo imóvel — artigos 11.º 12.º e último parágrafo do 14.º do requerimento de dedução do incidente.
u) Deste modo, não foi alegado na contestação qualquer facto que a Recorrida desconhecesse previamente à apresentação da acção.
v) O Tribunal a quo deveria, ao invés de admitir a intervenção, promover a produção de prova no incidente para, se dúvidas ainda resistissem, apurar a quem pertence o imóvel onde as obras foram realizadas e, a final, decidir se o presente processo era o meio processual próprio para “fazer contas” entre herdeiros, ou se a Recorrida deveria ser remetida para processo de inventário!
w) Toda a matéria alegada pela Recorrida relativa aos empréstimos à sua mãe encerra factos de natureza pessoal, pois a Autora tinha de saber a quem estava a “emprestar” o dinheiro e em que condições.
x) Nos art.ºs 38.º e 40.º do seu requerimento a Recorrida voltou a afirmar que mantinha o alegado na p.i., evidenciando que não tinha dúvidas sobre a identidade dos sujeitos da relação material controvertida.
y) Como decorre do art.º 39.º do C.P.C., a dúvida sobre o sujeito da relação controvertida tem de ser fundamentada, cumprindo ao demandante justificar convincentemente a existência de uma situação que torne objectivamente razoável e legítima a dúvida sobre quem deve ser realmente demandado como sujeito passivo da relação material controvertida.
z) Entende-se até, quanto ao instituto do litisconsórcio subsidiário que o mesmo só é possível:
(…) se existir uma dúvida fundada sobre o(s) sujeito(s) que são titulares da relação material controvertida. Trata-se de situações em que, por um lado, (1) o credor da pretensão ignora, sem culpa, a que título ou em que qualidade o devedor interveio no acto ou facto que serve de causa de pedir; (…).
aa) A suposta dúvida da Recorrida sobre os sujeitos da relação material controvertida não incide sobre a interpretação de qualquer norma jurídica ou sobre factos que, sem culpa sua, ignorasse ou lhe causasse incerteza, que seja objectivamente razoável e legítima.
bb) Porque o incidente de intervenção principal provocada não foi instituído para corrigir erros indesculpáveis na formulação da relação material controvertida, na escolha da forma processual adoptada para deduzir uma pretensão ou na identificação dos sujeitos de uma relação material controvertida, o mesmo não poderá deixar de improceder por manifesta falta de fundamento.
cc) De sorte que, ao admitir a intervenção principal provocada dos irmãos da Recorrida, o Tribunal a quo violou o disposto nos art.ºs 318.º, n.º 1, b), e 39.º do CPC, devendo a decisão ser revogada e substituída por outra que indefira o chamamento daqueles.
A A. contra-alegou, tendo rematado as suas alegações com as seguintes conclusões:
I - A decisão que admitiu a intervenção principal provocada dos irmãos da Autora, ora Recorrida, não foi proferida em objecto diferente do pedido.
II – A Autora requereu a intervenção principal provocada dos seus irmãos, o que foi atendido pelo tribunal a quo em conformidade com o requerido, conforme douto despacho de fls .. .
III – Nos termos do artigo 318.º n.º 1 do CPC, tanto no caso de litisconsórcio necessário - alínea a), como no caso de litisconsórcio voluntário – alínea b), o chamamento pode ser requerido até ao termo da fase dos articulados.
IV - Sendo que, no caso de litisconsórcio necessário ainda poderá ser requerido o chamamento até ao trânsito em julgado nos termos do artigo 261.º do CPC (ex vi artigo 318 n.º 1 alínea a)
V - Tal como decidiu doutamente o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17.04.2007, Proc. n.º 967/2007-1:
“O pedido de intervenção tem de ser deduzido até ao despacho saneador, se o houver e, na hipótese negativa, até ser designado dia para a audiência de julgamento em 1.ª instância, atento o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 323º.” (negrito e sublinhado nosso) http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/3df3b8d4c45f548a802572 c3005adf43?OpenDocument
VI - Pelo que, o incidente de intervenção provocada deduzido pela Autora, ora Recorrida, foi apresentado tempestivamente.
VII – A Autora, ora Recorrida, deduziu o incidente de forma fundamentada tendo justificado convincentemente a existência de uma situação que torne objectivamente razoável e legítima a dúvida sobre quem deve ser realmente demandado como sujeito passivo da relação material controvertida, tudo em cumprimento com o disposto no art.º 39.º do CPC.
VIII – Vem a Recorrente nesta sede extrair conclusões de um conjunto de factos, que alega em sede de recurso, como se os mesmos estivessem assentes, cujo ónus da prova lhe pertence, isto quando ainda nem sequer se realizou a respectiva audiência de discussão e julgamento.
IX - E como tal extravasam o âmbito do próprio recurso!
X - Sendo certo que a razão do chamamento é legítima e justificável.
XI - Acresce que, em sede de incidente de intervenção principal provocada não é admissível produção de prova, tal como requerido pela Recorrente.
XII - Tal como decidido doutamente pelo Acórdão da Relação de Lisboa:
“o requerente do incidente de intervenção provocada deve alegar, bem como justificar, sem possibilidade de prova, a legitimidade do chamando, estando perante a causa principal nalguma das situações previstas no art.320ª CPC (Ac. RL, de 14.10.2010: Proc. 2111/03.1 TCSNT-B.L1-7.dgsi.Net) e igualmente citado no ponto 32. Referente à anotação ao art. 316º do CPC, Página 372, Novo Código de Processo Civil Anotado, 2ª Edição Revista e Ampliada, Janeiro 2014, Ediforum (negrito nosso)
A apelada terminou pedindo que o recurso fosse julgado improcedente, sendo confirmado o despacho recorrido.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
A questão objeto deste recurso é se deveria ter sido admitido o impugnado chamamento à ação dos dois irmãos da A..
O factualismo a levar em consideração é o que consta no Relatório supra.
O Direito
Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei (art.º 260.º do CPC).
Uma das possibilidades de modificação subjetiva da instância prevista na lei é a decorrente dos incidentes de intervenção de terceiros (alínea b) do art.º 262.º).
Tal intervenção pode ser principal (artigos 311.º a 320.º) ou acessória (321.º a 332.º), ou traduzir-se naquilo que o legislador regula em sede de oposição (artigos 333.º a 350.º).
A intervenção principal pode ser espontânea (artigos 311.º a 315.º) ou provocada (artigos 316.º a 320.º).
Prossegue-se, com a modificação subjetiva da causa decorrente dos incidentes de intervenção de terceiros, economia de meios, resolvendo-se no mesmo processo um maior número possível de litígios (José Lebre de Freitas, Introdução ao processo civil, Coimbra Editora, 3.ª edição, 2013, pág. 203).
O âmbito de aplicação da intervenção principal provocada vem assim definido, no art.º 316.º:
1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.
2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º.
3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este:
a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida;
b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor.
Assim, o autor poderá chamar terceiro à ação, para nela intervir como parte principal:
a) A fim de suprir a ilegitimidade decorrente de preterição de litisconsórcio necessário, seja do lado ativo seja do lado passivo (art.º 33.º);
b) Para acompanhar o réu em caso de litisconsórcio voluntário (art.º 32.º);
c) Para ser condenado a título subsidiário, em caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito passivo da relação controvertida (art.º 39.º do CPC).
In casu, dúvidas não há que a A. requereu o chamamento dos seus dois irmãos à luz das normas conjugadas dos artigos 39.º e n.º 2 do art.º 316.º do CPC, ou seja, no âmbito da supra enunciada alínea c).
Com efeito a A. expressamente declarou que, mantendo embora a versão inicial, segundo a qual a R. era a responsável pelos créditos invocados na petição inicial, admitia, face ao teor da contestação, que, em relação a alguns dos créditos, os seus irmãos podiam ser corresponsabilizados, juntamente com a R. ou sozinhos, eventualidade essa que pretendia salvaguardar, a título subsidiário.
Pelo que mal andou o tribunal a quo quando subsumiu o caso sub judice na previsão do n.º 1 do art.º 316.º, que se atém a situações de litisconsórcio necessário.
No que concerne à oportunidade do chamamento, impõe a lei que, nas situações previstas no n.º 2 do art.º 316.º, o chamamento para intervenção só pode ser requerido “até ao termo da fase dos articulados.”
O que se compagina com o regime da intervenção principal espontânea, em que a intervenção mediante articulado próprio só será admissível até ao termo da fase dos articulados (art.º 314.º).
Uma interpretação literal destas normas propugnaria que o dies ad quem para o requerimento do chamamento corresponderia ao termo do prazo para a apresentação do último articulado; uma outra interpretação, que José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre reputam de mais racional, aponta para que a preclusão se dê “com a prática do ato seguinte à apresentação do último articulado, que é, na tramitação normal do processo e consoante os casos, o despacho pré-saneador (art. 590-2), a marcação da data da audiência prévia (art. 591-1), o despacho que a dispense (art. 593-1) ou o primeiro dos despachos do art. 593-2)” (Código de Processo Civil anotado, volume 1.º, 3.ª edição, 2014, Coimbra Editora, pp. 612, 613 e 622). Esta última interpretação é considerada, por estes autores, como a preferível (ob. cit., p. 613). No mesmo sentido escrevem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro (Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2.ª edição, 2014, Almedina, p. 291).
Seja qual for a interpretação que se adote, no caso vertente a A. apresentou o seu requerimento extemporaneamente, três meses após a apresentação da contestação e proferido que fora despacho convocando audiência prévia.
Pelo que o requerido chamamento deveria ter sido indeferido.
A apelação é, assim, procedente.

DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a apelação procedente e consequentemente revoga-se a decisão recorrida e em sua substituição indefere-se o requerido chamamento à ação, para intervenção principal provocada, de Pedro Monteiro Barbosa Moreira Cravo e Miguel Monteiro Barbosa Moreira Cravo.
As custas do incidente e as da apelação são a cargo da apelada, por neles ter decaído (art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 12.7.2018

Jorge Leal

Ondina Carmo Alves

Pedro Martins