Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
5340/17.7T9LSB-A.L1-5
Relator: VIEIRA LAMIM
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
ADVOGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/20/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I. Em relação ao acto de constituição como arguido, não é exigida formalidade especial, podendo a mesma operar-se através de comunicação oral ou escrita (nº2, do art.58, do CPP), nem a lei impõe dever de informação equiparável ao exigido em relação a outros actos processuais, nomeadamente 1º interrogatório judicial (als.c, a e, do nº4, do art.141, CPP), ou declarações (al.c, do nº1, do art.61, CPP);
II. Mesmo não ocorrendo nenhuma das hipóteses previstas nos arts.58 e 59, CPP, que impõem a obrigatoriedade da constituição como arguido, nada impede o titular da acção penal de constituir como arguido o agente visado pela investigação, sem o ouvir de imediato;
III. Sendo o visado pela investigação advogado, além de funcionário da empresa onde decorria a busca, a constituição como arguido nesse momento não constituiu qualquer arbitrariedade, justificando-se como forma de evitar invalidade de alguma apreensão de documento relacionado com a actividade de advogado (art.76, nº3, do EOA);
IV. Em relação a certos factos ilícitos em investigação, que podem ter sido concretizados através de condutas aparentemente normais, não é de esperar que os elementos de prova sejam encontrados em pastas ou ficheiros devidamente identificados e que logo do acto de busca resulte prova devidamente seleccionada e analisada, antes se apresentando como natural a recolha de um leque alargado de elementos, cuja análise só será possível em posterior trabalho de gabinete.

(Sumário elaborado pelo Relator
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


1. Nos autos de inquérito nº5340/17.7T9LSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa (Juízo de Instrução Criminal de Lisboa - Juiz 5), por despacho de 28Set.17, além do mais, foi autorizada a realização de buscas no posto de trabalho de P., nas instalações do Sport X, sitas em …. possíveis anexos, arrecadações e caixas de correio.

No decurso da realização dessa busca, em 19Out.17, o arguido P., através do seu Ilustre Defensor, pediu a palavra e disse:

“ …
À constituição de arguido e TIR não precedeu qualquer despacho ou explicação sequer, escrita ou oral, para que se justifique ou indicie um qualquer juízo de suspeita. Foi, aliás, transmitido pela ilustre representante do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, Drª A.L. que a constituição de arguido fora instrumental para a possibilidade  de realização da busca, o que, salvo melhor entendimento, não é lícito, razoável ou proporcional, tendo em conta as normas conjugadas nos artigos 58, nº1, alínea a) e art.135, estes ambos do CPP, bem como do disposto no artigo 16, nº5 e nº7 da Lei 109/09 de 15 de Setembro e no artigo 92 da Lei nº145/2015 de 5 de Setembro.
Consigna que a presente diligência em escritório de advogado já está em curso, com a verificação generalizada, indiscriminada e não individualizada de todos os dossiers em papel, e, ainda, todos os ficheiros/conteúdos contidos quer no computador pessoal, quer no respectivo telemóvel, sem que se tenham indicado quaisquer ou sequer temas, o que permite não uma busca dirigida, mas uma verdadeira devassa.
Neste preciso momento, às 12.30h., o arguido foi apenas confrontado com um mandado de Busca e Apreensão, que não só não indica, tipificando, quaisquer crimes como não refere também quaisquer elementos de facto ou indiciários que justifiquem a intromissão a que respeita uma diligência desta natureza, mais a mais quando a Constituição da República Portuguesa (CRP) e o estatuto dos tribunais asseguram aos advogados, no interesse público, as garantias necessárias para que não possa ser acedida documentação e correspondência de clientes sem para haja fundamento sério para o efeito. Não basta que, em abstrato, se diga "… que existem fortes suspeitas que documentos e objectos relativos à prática dos crimes e/ou  indispensáveis à investigação se encontram nas instalações clube, mais concretamente no posto de trabalho de P. ... ". Sem mais, este é um mandado em branco, que não permite sequer a apreciação dos seus pressupostos, e reacção ou sindicância do mesmo, o que, no mínimo, consubstancia violação do disposto no artigo 97 nº1, alínea b), nº4 e nº5 do CPP, dos supracitados preceitos legais e ainda do disposto nos artigos 32 nº8 e 34 da CRP, tanto mais que “ … são nulas todas as provas obtidas mediante (…) abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações …”.
….”.

Pela Exma Magistrada do Ministério Público foi dito:
“…
No que concerne à primeira questão suscitada, a da constituição de arguido, importa, antes de mais, repor a verdade relativamente ao alegado. De facto, ao contrário do que referiu o Senhor Advogado, porventura erradamente alicerçado no que lhe foi transmitido por outro dos presentes, foram prestados esclarecimentos prévios ao ora arguido P. em momento prévio ao acto formal de constituição de arguido. Diga-se, ademais, que não é legalmente exigida a qualquer autoridade o esclarecimento prévio do arguido da razão por que vai ser constituído arguido (distintamente do regime aplicável ao interrogatório). Pressupõe a prática de tal acto que exista suspeita fundada da prática de crime para a sua formalização, não sendo sequer necessária a existência de despacho que o determine.
Ora, in casu, foram prestados esclarecimentos pela Magistrada do Ministério Público à frente de todos os presentes na sala onde se iniciava a busca. Foi esclarecido que existia uma exigência do Estatuto da Ordem dos Advogados quanto à constituição de arguido no âmbito de buscas a escritório de advogado, tendo sido prontamente acrescentado, e nesta parte se sublinha, que a determinação da busca ao posto de trabalho do advogado assentava na existência de elementos que apontavam para o comprometimento do visado - P.- com a prática dos crimes investigados nos autos, do conhecimento do visado que, imediatamente, identificou esta diligência como estando relacionada com o “Caso dos emails”, esclarecendo ainda um dos presentes que era o processo no qual o Sport X era visado e não nenhum daqueles em que apresentou queixas.
Nesta medida, nenhuma razão assiste ao Senhor Advogado nesta parte, em que houve completa correcção de procedimentos e respeito dos normativos legais aplicáveis, nenhuma consequência sendo de retirar quanto a este aspecto.

Relativamente à questão do "mandado em branco", o Ministério Público pronuncia-se:

O mandado constitui a forma que reveste o acto judicial que consubstancia uma ordem, sustentada num despacho judicial. Tal mandado deverá ser acompanhado de cópia do despacho que o determinou. Verifica-se que, in casu, o mandado estava devidamente acompanhado do despacho que a determinou, na parte respeitante a esta busca em particular.
Anota-se que a Mma Juiz de Instrução proferiu despacho a ordenar a realização de um número razoável de buscas, para além da busca em que nos encontramos. Nesta medida, e considerando que os autos correm a coberto de segredo de justiça e que a realização das demais buscas não deve ser do conhecimento de outros visados, foi "retalhado" o despacho da Mma Juiz, de molde a acautelar aqueles aspectos.
Não obstante, a fundamentação da determinação de tais diligências, ter um tronco comum, constata-se que a selecção dos trechos que deveriam acompanhar cada um dos mandados pode não reflectir o alcance da fundamentação.
Em todo o caso, entende o Ministério Público que não se verifica qualquer nulidade ou vício de outra natureza que afecte o despacho, devidamente fundamentado, podendo, apenas, ter ocorrido incompletude na extensão da cópia do despacho que não passaria de uma mera irregularidade. Irregularidade sanável, nos termos do art. 123 do CPP, através disponibilização parte em falta, o que se requer.
Por último, e quanto aos elementos que se visam apreender na busca que são os que integram o conceito legal do art.174° do CPP, são os que estão a ser analisados em sede de busca e que se visam apreender. Sendo certo que, em nosso entender, a invocação do Senhor Advogado a esse respeito assenta no desconhecimento resultante da circunstância de não ter tido acesso, pelos motivos que acima se referiram, à parte do despacho que determinou a busca, onde são descritos os ilícitos criminais sob investigação e onde é feita súmula da factualidade que os consubstancia.
Em todo o caso, sempre se dirá que a exigência de uma identificação dos concretos documentos que, com as diligências de busca e pesquisa informática, se pretendem apreender implica uma capacidade de adivinhação que é incompatível com a realidade ou com o exercício pelo Estado da sua função constitucional de execução da acção penal.
….”.

A Mma JIC que presidia à busca, proferiu o seguinte despacho:

“…
Partindo-se do pressuposto de que se pretende invocar nulidade, o que não resulta absolutamente claro do requerimento apresentado, entende-se fazer consignar que:
O mandado busca apresentado, e que funda a presente diligência judicial ocorre na sequência de despacho judicial que o ordenou, nos termos e fundamentos legalmente aplicáveis. Com o mandado foi junta cópia do despacho judicial, na parte concretamente aplicável a esta diligência - busca a escritório de advogado.
Este despacho insere-se num todo, sendo que do seu corpo inicial, se alcança expressamente não só os crimes em investigação nos autos, como uma súmula dos factos que em concreto se investigam.
Se é certo que com o mandado de busca não se fez juntar essa parte do despacho, afigura-se-nos que tal facto, ora suprido, com a entrega da parte inicial do despacho, ou corpo comum, não consubstanciaria nulidade, mas, eventualmente irregularidade, entretanto suprida – cfr. art. 123, CPP
O mandado de busca alude aos elementos relacionados com a prática do crime, nos termos previstos no art.174 n° 2 e 3, afigurando-se-nos que, no comum das situações, é de difícil concretização a indicação dos objectos a apreender (desde logo, os concretos dossiers ou ficheiros informáticos) sendo que tal decisão/avaliação ocorrerá no decurso da presente diligência.
Acrescenta-se que dúvidas não subsistem, que a presente busca cumpre igualmente os preceitos constantes dos arts.75 e 78 do EOA.
Em conclusão, entende-se que a presente busca a escritório de advogado não padece de nulidade.
….
….”.

2. Deste despacho, recorre o arguido, P., motivando o recurso, com as seguintes conclusões:
2.1 O presente recurso visa sindicar a legalidade, a relevância, a correção e o rigor jurídico-penal de procedimentos prévios, contemporâneos e posteriores à diligência de busca realizada no domicílio profissional, isto é no escritório, do ora Recorrente, que é advogado e assessor jurídico Sport X - SAD, desde 22 de janeiro de 2007.
2.2 No dia 19 de Outubro de 2017, pelas 10h.30, foi o Recorrente surpreendido no seu domicílio profissional, por uma diligência de busca e apreensão, conduzida por elementos da Polícia Judiciária e do Ministério Público e presidida pela Meritíssima Juiz de Instrução Criminal que a havia ordenado.
2.3 Na referida diligência, mais se encontrava presente a representante da Ordem dos Advogados, em cumprimento das formalidades no ordenamento jurídico português e mais tarde, o seu defensor, o mandatário ora signatário.
2.4 Sucede que, no início de tal diligência, sem que lhe sido facultada qualquer explicação ou esclarecimento, escrito ou oral, minimamente detalhado, especificado, ou sequer circunstanciado, acerca da existência de qualquer suspeita que sobre ele recaía, foi o ora Recorrente constituído arguido, vendo ser-lhe aplicada a medida de coação de termo de identidade e residência, sem que houvesse subjacente qualquer juízo fundado ou individualizado de suspeita que lhe fosse, pois, pessoalmente dirigido.
2.5 Nessa circunstância foi apenas pela Digna Magistrada do Público feita uma consideração genérica acerca da existência de alegadas (talvez porque publicitadas!) ditas suspeitas - mas sob forma alguma individual ou minimamente concretizadas - que recairiam sobre o Sport X, no âmbito do "caso dos e-mails", infeliz episódio mediático em que o nome do Recorrente havia sido injustamente envolvido na comunicação social, em resultado do triste espetáculo a que se tem prestado recentemente o F. C. ..., através de sucessivas - vis, ficcionadas, caluniosas, manipuladas e criminosas - aparições do seu Diretor de Comunicação no Porto Canal, aparições essas que são, aliás, âmbito de processo-crime iniciados por participação criminal do Sport X.
2.6 Prestados estes ditos "esclarecimentos", que em nada esclareceram, iniciou-se e prosseguiu a diligência em causa, referindo-se - forma ilegal, superficial e, com o devido respeito, errada - o respetivo Auto de Busca e Apreensão a esta circunstância como estando "Cumpridos todos os formalismos
2.7 Avançando, realizou-se a busca, onde, após rastreio a que chamámos de pesca por arrasto - realizado de forma indiscriminada e não dirigida ou diferenciada - do mais variado material existente no local de trabalho do Recorrente, se apreenderam documentos e se efectuaram cópias integrais dos ficheiros existentes no seu computador portátil, na sua pasta do servidor profissional, de todo o conteúdo da sua caixa de correio electrónico profissional e, não menos relevante, de todo o conteúdo do seu telemóvel pessoal, tudo sem recurso a qualquer palavra passe ou qualquer outro elemento delimitador ou critério definidor da busca.
2.8 No decurso desta verdadeira devassa - legal, desproporcionada, inaceitável, imoderada e sem critério - foi exibido ao ora Recorrente o Mandado de Busca e Apreensão que supostamente suportava a diligência, sucedendo que o conteúdo (ou, melhor dito, a total ausência de conteúdo) do referido mandado e do despacho que o acompanhou, pouco ou nada acrescentam, como está bom de ver, limitando-se a enunciar abstracta e genericamente, sem adiantar nada de concreto e individual:

“II Buscas em escritório de advogado
Igualmente deu conta a PJ, a fis. 295 a 314, que existem fortes suspeitas que documentos e objetos relativos à prática dos crimes s/ou indispensáveis à sua investigação se encontram nas instalações do clube, mais concretamente no posto de trabalho de P., assessor jurídico do SPORT X"
2.9 Confrontado com a manifesta vacuidade do teor do referido documento, apelidado logo pelo advogado signatário de "mandado em branco" mais próprio dos tempos do COPCON, foi pelo ora Recorrente arguida a invalidade da constituição de arguido, da imposição de TIR e da própria diligência, tendo-se ainda pronunciado a representante do Conselho Regional de Lisboa da Ordem dos Advogados presente, no sentido de manifestar expresss verbis que a constituição de arguido do Recorrente fora “instrumental para realização da busca", concluindo que "salvo melhor entendimento, não é lícito, razoável ou proporcional ".
2.10 Defendendo a correção dos procedimentos, o Ministério Público não deixou, no entanto, de conceder, que o mandado apresentado sofria de incompletude; e a semelhante conclusão chegou também a Meritíssima Juíz de Instrução Criminal no despacho que ora se sindica, aí se referindo expressamente que “O mandado de busca apresentado, e que funda a presente diligência judicial ocorre na sequência de despacho judicial que o ordenou, nos termos e fundamentos legalmente aplicáveis. Com o mandado foi junta cópia do despacho judicial, na parte concretamente aplicável a esta diligência – busca a escritório de advogado. Este despacho insere-se num todo, sendo que do seu corpo inicial se alcança expressamente não só os crimes em investigação nos autos, como uma súmula dos factos que em concreto se investigam. Se é certo que com o mandado de busca não se fez juntar essa parte do despacho, afigura-se-nos que tal facto, ora suprido, com a entrega da parte inicial do despacho, ou corpo comum, não consubstanciaria nulidade mas, eventualmente irregularidade, entretanto suprida - cfr. art.123 CPP” sem, porém, que qualquer súmula de factos tenha sido feita, pelo menos com referência ao ora Recorrente.
2.11 Acrescentando ainda a decisão recorrida que "O mandado de busca alude aos elementos relacionados com a prática do crime, nos termos previstos no art.174 n°2 e 3, afigurando-se-nos que, no comum das situações é de difícil concretização a indicação dos objetos a apreender, (desde logo os cancretos dossiers ou ficheiros informáticos) sendo que tal decisão/avaliação, ocorrerá no decurso da presente diligência. Acrescenta-se, para que dúvidas não subsistam, que a presente busca cumpre igualmente as constantes dos arts.75 a 77 do Estatuto da Ordem das Advogados. Em conclusão, entende-se que a presente busca a escritório de advogado não padece de nulidade", mas confirmando o carácter de pesca de arrasto que a lei claramente proíbe.
2.12 Sucede que - facto que não esgota os vícios da decisão recorrida, mas que os agudiza e aprofunda - o citado "corpo comum" do despacho que sustentou a diligência em causa, apenas foi facultado ao Recorrente em momento muito posterior ao da prolação daquela, mais concreta e precisamente às 14h58, mais de quatro horas depois do início da diligência e já muito perto do seu final, quando todas as pastas já lá tinham sido vistas e os conteúdos digitais vistos e recolhidos.
2.13 Mais, para que o Recorrente tivesse sido licitamente constituído arguido, sobre ele deveria recair fundada suspeita da prática de crime; todavia, da totalidade do facultado despacho que sustentou tal ato processual - isto é, somando a informação prestada inicialmente e às 14h58, 4h28 depois do início da diligência - não resulta qualquer indicação ou indiciação sequer acerca das suspeitas que recaíam ou recaem sobre o Recorrente, pois aí apenas se refere genericamente o envolvimento "de responsáveis de Sport X-SAD”, sem indicar ou sequer indiciar que o Recorrente se encontra entre tais responsáveis e, sobretudo, que responsabilidades, ainda que em termos meramente indiciários ou de formulação de juízo fundado de suspeita estariam em causa.
2.14 O que, desde logo, é uma insuficiência absoluta que permite concluir que o referido despacho e, por consequência, o despacho recorrido, viola o basilar direito do Recorrente à informação, previsto no art.61, nº1, aIs. c) e h, e por inerência, os direitos previstos nas aIs.g) e i) do mesmo preceito.
2.15 Não se concretizam pois as fundadas e individuais suspeitas da prática de crime por parte do Recorrente, até porque no mesmo dia e à mesmo hora se realizaram diligências de busca e apreensão em diversos locais instalações da SPORT X-SAD, incluindo a Sport X TV, como aliás resulta claro da designação “I- Buscas órgão de comunicação social" que titula e aparentemente circunscreve a única referência às referidas suspeitas, mas que também aí em nada se referem ao arguido ora Recorrente.
2.16 Sucede que, mesmo na leitura de ambos os despachos do Ministério Público, o Recorrente nada tem que funcionalmente o ligue à Sport X TV. E, mais a mais, "responsáveis da SPORT X-SAD" é um conceito que pode aplicar-se a dezenas ou centenas de pessoas, consoante a acepção do termo "responsáveis" seja mais estrita ou mais ampla, não sendo suficiente dizer tal para alegar responsabilidades individuais ou juízos fundados de suspeita sobre pessoas ou entidades.
2.17 Ora, de entre os mencionados ditos "responsáveis" - que não se podem ou conseguem identificar (quem e de quê!!!) -, não consta que algum tenha sido até hoje, 20 de Novembro, constituído arguido nos presentes autos, o que deixa margem para dúvidas acerca da instrumentalização inaceitável da constituição, sem suspeita concreta, do Recorrente, advogado, como arguido, para permitir a busca ao seu local de trabalho e a apreensão de documentos nesse espaço.
2.18 Resulta, portanto, claro: decorre da totalidade do despacho que sustentou a busca e apreensão facultado, que sobre o ora Recorrente não decorre qualquer suspeita concreta; o que, sendo o Recorrente advogado e tendo ele em sua posse inúmeros documentos e informações profissionais, incluindo de terceiros, rigorosamente nada acrescenta sobre a sua, nem sequer alegada, putativa responsabilidade criminal individual.
2.19 Concretamente quanto à irregularidade da constituição do Recorrente como arguido, cumpre dizer que resultam manifestamente inverificados quaisquer pressupostos que determinassem a constituição como arguido do Recorrente.

Porquanto:

-Contra o Recorrente não foi deduzida acusação ou requerida instrução (art.57, nº1 do CPP);
-Não se concretizou que é o Recorrente suspeito da prática de crime, nem este prestou qualquer declaração perante autoridade judiciária ou órgão de policia criminal (art.58,. nº1, al.a) do CPP);
-Não tinha de lhe ser aplicada qualquer medida de coação ou garantia patrimonial (ibid. aI.b);
-Não se concretizou, indiciariamente sequer, que o Recorrente seja suspeito, nem muito menos foi este detido (ibid. aI.c);
-Não lhe foi comunicado qualquer auto de notícia que dê o recorrente como agente de um crime (ibid. aI.d);
-Não foi o requerente inquirido. nos termos e para os efeitos do art, 59, nº1 do CPP.
-À ausência de critérios de constituição automática, acresce o facto de a constituição de arguido do Recorrente não ter também ocorrido a seu pedido, nos termos do art.59° nº2 do CPP;

2.20O que permite concluir, que o Recorrente foi constituído arguido ao abrigo de um critério de discricionariedade exercido pelo titular da fase de inquérito, ao qual o despacho recorrido deu cobertura, conduta que no plano do Direito não encontra acolhimento, e que constitui uma manifesta subversão da Lei.
2.21Tal subversão, apesar de potencialmente útil à investigação, colide com os princípios mais elementares da ordem jurídica portuguesa – vertidos, entre outras disposições legais, nos arts.75, 76 e 92 do EOA, 135, 177, nº5 e 180 do CPP, referentes ao sigilo profissional e à função de interesse público desempenhada pela advocacia - que encontram amplo respaldo constitucional nos artigos 20, 26, nº1 e 208 da CRP.

2.22Como, aliás, bem condensa a seguinte conclusão jurisprudencial:
V- O eventual interesse da investigação na apreensão de documentação respeitante ao exercício da advocacia não pode, por si só, servir de justificação à constituição de um advogado como arguido.
VI- Segundo as opções feitas pelo legislador e que se encontram claramente plasmadas na lei, designadamente no Estatuto da Ordem dos Advogados e no CPP, não é a apreensão de documentação profissional num escritório de advogados que permite fundamentar a constituição do advogado como arguido, antes sendo a constituição de um advogado como arguido que abre a possibilidade de apreensão de correspondência profissional do mesmo ".
VII- No momento em que o ora recorrente foi constituído arguido, em execução de determinação do MP, não havia nenhuma razão que, aos olhos da lei processual penal vigente, impusesse uma tal constituição. O que significa que a realização de tal acto obedeceu a razões não contempladas na lei e, como tal, se apresenta ilegal, integrando o vicio da irregularidade processual invocável por qualquer interessado, nos termos do disposto no art.12 do CPP."

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Abril de 2010, Processo nº56/06.2TELSB-B.L1-9, Relator: Fátima Mata-Mouros (sublinhados nossos)
2.23Resulta. Portanto, evidente, in casu, a absoluta inexistência de fundamento legal para o ato processual de constituição do Recorrente como arguido. o que acarreta, inexoravelmente, uma irregularidade determinadora da invalidade do ato, nos termos do art.123, nº1 do CPP.
2.24Impondo-se, em consequência, a declaração de irregularidade da constituição do recorrente como arguido, a ineficácia do TIR por este prestado, bem como a devolução de todos os documentos apreendidos e/ou a destruição ou não consideração de todas as apreensões e cópias efetuadas no decurso da busca realizada.
2.25Já quanto à busca propriamente dita e às vastas apreensões dela resultantes, sempre se deverá concluir que foram nitidamente colocados em crise o segredo profissional e os direitos à vida privada e à intimidade do Recorrente, e à vida privada e à intimidade de terceiros, sem que se tenha sequer indiciado a presença de um interesse jurídico, de valor igual ou superior àqueles. Interesse esse que deve encerrar um mínimo de concretização que permita aferir, de acordo com critérios de legalidade, de adequação e de proporcionalidade, o seu valor relativo em contraponto à invasão da privacidade e à violação de sigilo profissional e, em última análise, permita sindicar, de forma concreta e individualizada, a decisão Recorrida.
2.26O que equivale a dizer que também os direitos de defesa do Recorrente, concretamente o seu acesso a uma tutela jurisdicional (art.20 da CRP) se encontram colocados em crise pela decisão Recorrida, assim como foram desrespeitados os princípios da lealdade processual e da proporcionalidade.
2.27Mais a mais, assumindo-se a suspeita - não concretizada - de se encontrarem documentos relevantes para a investigação penal no local de trabalho do Recorrente, ainda assim a cópia integral do conteúdo do computador e telemóvel pessoais do Recorrente - sem uso de palavras-chave, minimamente delimitadoras da busca - se revela manifestamente ilegal, desproporcionada, desadequada e imponderada.
2.28Até porque, nos termos da lei se não aplica diferente padrão exigência em relação a documentos em suporte físico e em suporte digital. Interessam, então, a esta concreta investigação, todos os documentos na posse do Recorrente, relativos à vasta atividade comercial da SPORT X-SAD? Os detalhes do seu contencioso (todo ele ... ), dos seus contratos (todos eles ...), e de toda a sua política de gestão desportiva? E já agora, as fotografias da família do recorrente que se encontravam no seu telemóvel? Ou os dados bancários, os códigos de acesso a contas bancárias, à área reservada Ordem dos Advogados, os dados de saúde pessoais e da sua família? Os email e as mensagens trocados com a família e amigos sobre os mais diversos assuntos, do mais corriqueiro ao mais íntimo e pessoal? Evidentemente que não. O que permite concluir que a busca e apreensão de tais documentos não tem, evidentemente, justificação lícita possível e constitui, uma violação grosseira do Direito, mais a mais com a possibilidade de acesso posterior em fase pública a qualquer cidadão ou até mesmo anterior ao próprio julgamento a qualquer cidadão constituído como assistente, ligado a clube desportivo, jornalista de órgão de comunicação social, ou outro, nos termos da interpretação que vem sendo dada ao disposto no art.68, n°1 e) do CPP com avultados danos para o Recorrente, para a SPORT X-SAD ou para terceiro.

2.29Em síntese:
-Sendo o Recorrente advogado, e sendo legalmente imposto que a busca ao seu local de trabalho e a apreensão aí, de documentos sujeitos ao sigilo profissional, implique que aquele seja previamente constituído como arguido, por suspeita concreta da prática de factos relativos aos documentos apreendidos;
-Inexistindo como inexistiam, tanto que não foram sequer alegadas ou indicadas, fundadas suspeitas da prática de crime por parte do recorrente que fundassem a sua constituição como arguido;
-Tendo sido, como foi, no decurso da busca, completamente devassada a sua vida profissional e pessoal, bem como a vida profissional e pessoal de terceiros;
-Tendo sido, no decurso da mesma busca, apreendidos,de forma absolutamente ilegal, grosseira, indiscriminada e desproporcional, todos os documentos, toda a correspondência e todo o demais material referente a todas as dimensões da sua vida;
-Tendo sido tal conduta apenas precedida de informação genérica, vaga e minimalista, que em nada remete para o Recorrente, pelo menos no que a qualquer putativa conduta criminal individual diz respeito;
Não pode deixar de pugnar-se pela manifesta nulidade da busca e das apreensões realizadas, por se não encontrarem respeitados os pressupostos previstos nos arts.176, nº1, 179, nº3, 180, do CPP. 16, nºs3, 5 e 7 e 17, da Lei do Cibercrime e, concretamente, 75, 76 e 92 do EOA. o que, em conjugação, resulta na consequente violação do principio da legalidade ínsito no art.118 do CPP.

2.30 Em consequência, nos termos do art.122, nº1 do CPP, da verificada invalidade da busca resulta a nulidade da prova dela decorrente. Todavia, ainda que assim se não entenda – possibilidade que apenas se conjetura por mera cautela de patrocínio - sempre tais provas seriam nulas, por manifesta violação dos princípios da lealdade processual e da proporcionalidade e, ainda, do art.126. nº3 do CPP, em concretização (e violação) do disposto nos arts.1,32, nº8 e 34 da CRP.

Termos em que, tendo sido o Recorrente invalidamente constituído arguido e sendo tal ato processual cominado com vício de irregularidade nos termos do art.123, nº1, afeta a sua validade e dos atos subsequentes que dele dependem, se impõe conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, declarando-se irregular a constituição do Recorrente como arguido nos autos, dando-se a mesma sem efeito, sem efeito ficando também o TIR prestado e devendo ser restituídos ao Recorrente todos os documentos apreendidos na busca realizada ao seu escritório no dia 19 de Outubro de 2017, destruídos os mesmos e/ou não tidos em conta.

Mais se impondo que, estando, nos termos do art.122, nº1 do CPP, a própria diligência de busca e apreensão em causa, ferida de nulidade, e sendo também manifesta a violação dos arts.176, nº1, 177, nº5, 179, nº3, 180, do CPP, 16, nºs3,5 e 7 e 17, da Lei do Cibercrime e, concretamente, a violação dos arts.75,76 e 92, do EOA – o que, em conjugação, resulta na consequente violação do princípio da legalidade insíto no art.118 do CPP – também por esta ordem de razões se conceda provimento ao recurso e, consequentemente, revogue a decisão recorrida, declarando-se nula a diligência em causa e o seu resultado, razão pela qual se impõe, ainda, nos termos dos arts.122 e 126, nº3, do CPP e máxime dos arts.32, nº8 e 34, da CRP, a devolução e/ou destruição não consideração de todo o material apreendido.

3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, em separado e com efeito devolutivo, a que respondeu o Ministério Público, concluindo:

3.1 O Recorrente P. visa, por este meio, sindicar a legalidade, a relevância, a correcção e o rigor jurídico-penal de procedimentos prévios, contemporâneos e posteriores à diligência de busca realizada no domicílio profissional do ora recorrente, que é advogado e assessor jurídico da Sport X SAD. Considera ferida de irregularidade a sua constituição de arguido, que torna ineficaz a imposição de TIR e nula a busca realizada no seu posto de trabalho por infundamentada e permissiva de excessos na análise (e no produto) dos elementos a apreender;
3.2 De modo sistematizado e dedicado ao caso em presença, dir-se-á que a constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de polícia criminal, de que a partir desse momento aquela deve considerar-se arguido; Pressupõe a existência de inquérito pendente contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime; A apreensão de correspondência de advogado respeitante a facto criminoso exige a prévia constituição de arguido, verificados que estejam os pressupostos acabados de dizer (cf. Art.57° a 59° do CPP e art.76, do EOA).
3.3 Não pressupõe: Que se lhe siga interrogatório; Que sejam comunicados os factos e provas que existem contra si e suportam o juízo de fundada suspeita (art.272, CPP e da leitura conjugada entre as normas acima citadas e, ainda, o art.61° CPP).
3.4 A suspeita fundada é, porém, tão evidente quanto a busca dirigida ao posto de trabalho de P., advogado, teve por escopo a localização e apreensão de documentos que atestassem, entre o mais, o grau da sua própria intervenção no esquema criminoso investigado, na medida em que é suspeito de desempenhar um papel importante na rede de contactos e influências. Rede esta que se relacionava entre si por email, por telefone e por outros meios de comunicação semelhante. In casu, o visado pela busca coincide com um dos visados pela investigação. Não é um mero guardião de documentação de terceiros cuja actuação criminosa lhe é alheia.
3.5 Tirando os casos tipicamente determinados, é ao dominus do inquérito, no exercício efectivo do seu estatuto de autonomia, que cabe a definição do "quadro da estratégia definida em concreto para o inquérito como actividade", incluindo os tempos adequados à prática dos actos, a oportunidade para desencadear determinadas diligências investigatórias, concertando-as entre si. No caso que nos ocupa, tratou-se de dar cumprimento a uma imposição legal, formalizando-se o acto de constituição de arguido no momento considerado oportuno, adequado e necessário, no âmbito da operação de buscas que se iniciava. E, com efeito, não se verifica a irregularidade do acto de constituição de arguido ora invocada, susceptivel de afectar a sua validade ou a dos actos que se lhe seguiram.
3.6 Conforme se extrai do despacho que ordenou a busca, a mesma encontra sustento em fortes suspeitas da existência de documentos e objectos relacionados com a prática dos crimes
investigados, indispensáveis à prova, e de se encontrarem no posto de trabalho de P., assessor jurídico do SPORT X, sito nas instalações do clube, mais concretamente. Sendo de esperar que o mesmo aí produzisse, entre outros, actos próprios de advogado, seguiram-se as regras estabelecidas no CPP (art.174 a 177) a propósito das buscas em escritório de advogado, a qual foi presidida por juiz e acompanhada por representante da Ordem dos Advogados.
3.7 Foi igualmente determinada a apreensão de ficheiros electrónicos (incluindo documentos informáticos, mensagens de correio eletrónico ou registo comunicações de natureza semelhante) existentes nos discos rígidos ou noutros suportes informáticos autónomos para guardar informações em suporte digital, designadamente telemóveis, computadores e tablets que contenham informação que permita comprovar a atividade descrita, incluindo os contactos mantidos pelos suspeitos entre si e com terceiros, no âmbito da atividade investigação. Tudo de acordo com o disposto na Lei do Cibercrime (art.15° a 17°), no CPP (art.179,182).
3.8 Em sede de diligência, atenta a incompletude da cópia do despacho que acompanhou o mandado de busca, a Mma Juiz de Instrução entregou a parte do despacho cuja cópia estava em falta, considerando, por despacho, que, a existir vício, seria irregularidade que ficara, assim, sanada, de acordo com o art.123° do CPP.
3.9 O momento da entrega da parte de cópia em falta foi no imediato e não afecta, por nenhum modo, a diligência que se tinha iniciado antes do momento em que a irregularidade foi sanada. É esse o significado de sanável em matéria de efeitos sobre a invalidade do acto. A saber, no caso da busca em apreço, a sua validade não é beliscada pelo facto de a sanação da irregularidade ter ocorrido pelas 14.58h., de acordo com o ora Recorrente, considerando, até, que a diligência se iniciara às 10h30.
3.10 Outra questão é a da sua insatisfação quanto à suficiência do despacho que ordenou a busca. Não é um problema formal, mas substancial. Ultrapassável pela leitura do despacho que ordena a busca e que cumpre todos os pressupostos e requisito legais exigíveis pelas normas que ao caso se aplicam.
3.11 Em matéria de fundamentação e de concretização factual, importa referir que o processo se encontra em fase de inquérito, tendo conhecido, por ocasião das buscas, um impulso processual revelado através da realização de um conjunto de buscas domiciliárias e não domiciliárias, com execução de apreensões, estando a investigação em marcha e não em fase de conclusão. Em fase de recolha de provas, como sucede quando se desencadeia um número razoável de buscas, movemo-nos na dimensão das suspeitas (fundadas), dos indícios (fortes), prosseguindo rumo à descoberta da verdade material e, em caso de suficiência indiciária, à fixação do objecto do processo. Razão pela qual não é expectável que os despachos proferidos nesta fase contenham um detalhe fáctico exigido em outras fases do processo.
3.12 O despacho que ordenou a busca contemplou todas as exigências legais, incluindo as de fundamentação, podendo do mesmo extrair-se que factos se investigam, que conjunto de pessoas neles está envolvido, qual a sua qualificação jurídica, e a expectativa de, no local buscado, se encontrarem elementos relevantes para o esclarecimento dos factos e do grau de participação dos suspeitos (Cf. Art.174, 176, 177, nº5, 180 e 97 do CPP).
3.13 A Mmª Juiz presidiu à busca que decorreu numa sala, assistindo à efectiva actividade de busca que resultou na localização dos documentos que foram apreendidos (que não foram mais do que dois DOCs) e às operações técnicas informáticas que foram realizadas por peritos forenses informáticos com recurso a ferramentas forenses certificadas e de forma cega, ou seja, sem visualização de quaisquer conteúdos, para suportes informáticos, em tal auto devidamente identificados, que ficaram encerrados em sacos-prova selados.
3.14 No quadro legal da apreensão de dados informáticos e de correio electrónico e registos de comunicações de natureza semelhante previsto nos arts.16 e 17, da Lei do Cibercrime e no art.179° CPP, os suportes que contêm as cópias cegas, fechados em sacos-prova selados, são levados, em primeira mão, ao conhecimento do Juiz de Instrução. Cuja intervenção não se queda nesse primeiro momento, pois que lhe compete também a ponderação de junção aos autos do produto, com grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova, das pesquisas informáticas.
3.15 Este figurino legal traduz-se, na prática, quer pela forma como a cópia é realizada, sem visualização dos seus conteúdos, quer pela protecção dos dados referentes à intimidade e àqueles sujeitos a sigilo, tudo submetido à intervenção do juiz de Instrução, seja no primeiro momento seja na determinação do resultado que deva ser junto aos autos como prova ou daquele que, de acordo com a lei, deva ser expurgado.
3.16 A diligência de busca seguiu todos os procedimentos legais aplicáveis ao caso, desde os previstos no Código de Processo Penal, no Estatuto da Ordem dos Advogados, com a presidência de Juiz de Instrução e a presença de representante da OA, de novo no respeito pela Constituição da República Portuguesa, aos que decorrem da Lei do Cibercrime, com a realização de cópias cegas dos conteúdos e todas as necessárias certificações técnicas  que são essenciais à garantia da custódia da prova.
3.17 Não se mostrando preterida qualquer disposição legal, não se vislumbra nulidade, irregularidade ou outro vício passível de afectar a validade dos despachos e actos praticados, e, bem assim, da prova recolhida (cf. art.118°, 122°, 123°, 126° do CPP ou o respeito pelos art.57° a 59°, 60° e 61°, 272°, 97°, 174°, 176°, 177°, nº5, 180°, 135°, 179, do CPP e art.75,76 e 92° do EOA, 16° e 17° da Lei do Cibercrime e art.1°, 20°, 26°, 32°, 34° e 208 da CRP).
3.18 Mostra-se, pois, cumprido o figurino legal aplicável à decisão proferida …., pelo que não merece censura.

4. Neste Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-geral Adjunto, aderiu à resposta do Ministério Público em 1ª instância.
O recorrente respondeu, rebatendo o alegado pelo Ministério Público nessa resposta e concluindo como no recurso.
5. Colhidos os vistos legais, procedeu-se a conferência.
6. O objecto do recurso, tal como ressalta das respectivas conclusões, reconduz-se à apreciação da legalidade da constituição do recorrente como arguido, sujeição do mesmo a TIR e busca realizada no local de trabalho do mesmo.
*     *     *

IIº1.Confrontado com a realização de busca ao seu local de trabalho, constituição como arguido e sujeição a TIR, no decurso da busca, o recorrente, através do seu ilustre Defensor, logo questionou a legalidade desses actos, em relação aos quais o despacho recorrido não reconheceu qualquer vício.

Arguido, na definição do Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, I, pág.286) é a pessoa relativamente a quem corre processo como eventual responsável pelo crime que constitui objecto do processo.

A constituição do recorrente como arguido ocorreu no início de diligência de busca, após entrega do respectivo mandado e despacho que lhe deu origem, de onde constava como justificação da diligência “… fortes suspeitas que documentos e objectos relativos à prática dos crimes e/ou indispensáveis à sua investigação se encontram nas instalações do clube, mais concretamente no posto de trabalho de P. G., assessor jurídico do SPORT X…”.

Tendo o recorrente suscitado no decurso da diligência a insuficiência do mandado de busca na indicação dos crimes, factos ou indícios, logo a Magistrada do Ministério Público referiu que foram prestados esclarecimentos prévios ao recorrente, nomeadamente que a determinação de busca ao seu posto de trabalho assentava na existência de elementos que apontavam para o comprometimento do visado – P.– com a prática dos crimes investigados nos autos, do conhecimento do visado que, imediatamente, identificou a diligência como estando relacionado com o “Caso dos emails”.

De seguida foi facultado ao ilustre Defensor do recorrente a parte restante do despacho, onde constava autorização para outras buscas e onde se refere “investiga-se nos presentes autos a prática de factos susceptíveis de consubstanciar, em abstracto, a prática dos crimes de corrupção ativa e passiva, p.p., pelos arts.8 e 9, por referência ao art.2 c, da Lei 50/07, de 31/8 …. Os factos sob investigação respeitam à suspeita da atuação de responsáveis do SPORT X-SAD que, em concluio com personalidades do mundo do futebol e arbitragem, procurarão exercer pressão e influência …”.

A não entrega inicial do despacho completo nenhuma relevância tem quanto ao acto de constituição como arguido, pois em relação a este não exige a lei formalidade especial, podendo a mesmo operar-se através de comunicação oral ou por escrito (nº2, do art.58), no caso logo tendo o recorrente compreendido que situação estava em causa, com os esclarecimentos da Magistrada do Ministério Público no início da diligência, ao identificá-la como reportando-se ao “Caso dos emails”.

Em relação ao acto de constituição como arguido não prevê a lei um particular dever de informação, como exige em relação a outros actos processuais, nomeadamente 1º interrogatório judicial (als.c, a e, do nº4, do art.141, CPP), ou antes de prestar declarações (al.c, do nº1, do art.61, CPP), constando do auto de constituição de arguido, de que recebeu cópia, a descrição dos direitos e deveres decorrentes desse estatuto.

Embora não seja legalmente exigido o esclarecimento prévio ao arguido da razão por que vai como tal ser constituído, no caso concreto, não pode ele ter ficado convencido de ter sido constituído como arguido sem um juízo individualizado de suspeita pois, além da informação verbal inicialmente prestada pela Magistrada do Ministério Público, a parte do despacho entregue com o mandado de busca refere a busca ao seu local de trabalho, identificando-o como assessor jurídico e, com a parte restante desse despacho que recebeu ainda no decurso da diligência, confirmou que a investigação visava actuação de “… responsáveis do SPORT X-SAD”, conceito lato que não pode deixar de abranger o assessor jurídico, elementos documentais estes que só podem ter servido para confirmar os esclarecimentos iniciais que lhe foram prestados pela Magistrada do Ministério Público que, repete-se, logo o identificou como visado pela investigação.

Ao contrário do que consta da resposta apresentada neste Tribunal da Relação, não tem o recorrente razão ao afirmar que o Ministério Público inovou na resposta em 1ª instância quando afirma que recai sobre o recorrente suspeita dos crimes em investigação, pois logo na resposta ao requerimento apresentado pelo recorrente no decurso da busca e que precedeu o despacho recorrido, a Ex.ma Magistrada do Ministério Público presente no acto afirmou “… foram prestados esclarecimentos pela Magistrada do Ministério Público à frente de todos os presentes na sala onde se iniciava a busca. … tendo sido prontamente acrescentado, e nesta parte se sublinha, que a determinação da busca ao posto de trabalho do advogado assentava na existência de elementos que apontavam para o comprometimento do visado - P.- com a prática dos crimes investigados nos autos”.

A lei, repete-se, não exige formalidade especial para a constituição como arguido (citado art.58, nº2), nem a indicação nesse momento dos elementos de prova que comprovem as suspeitas invocadas para atribuição desse estatuto de arguido.

Considerando essa comunicação verbal (admitida de forma expressa pelo citado art.58, nº2) e os elementos documentais entregues no início e no decurso da busca, não se compreende como pode o recorrente ter ficado surpreendido com a resposta apresentada em 1ª instância pelo Ministério Público, pois desde o acto em que ocorreu a sua constituição como arguido sabe a perspectiva do titular da acção penal quanto à sua posição no processo “…comprometimento do visado - P.- com a prática dos crimes investigados nos autos” e, ainda, o objecto da investigação “….Os factos sob investigação respeitam à suspeita da atuação de responsáveis do SPORT X-SAD que, em concluio com personalidades do mundo do futebol e arbitragem, procurarão exercer pressão e influência …”.

Não se compreende, ainda, as referências do recorrente a “…queixas, queixinhas e queixumes mediáticos” e a “… programas do Porto Canal”, quando o titular da acção penal não apresentou, nem tinha que apresentar, no momento em que o constituiu como arguido, quaisquer provas das suspeitas que invocou.

Refere o recorrente que não ocorria no caso nenhuma das hipóteses previstas nos arts.58 e 59, CPP, que impusessem a obrigatoriedade da sua constituição nesse momento.

Contudo, existindo fundamento material para ter essa qualidade (em relação a ele corre processo por eventual participação no crime investigado), a lei não proíbe a sua constituição fora das circunstâncias concretas previstas naqueles preceitos legais, tendo o titular da acção penal autonomia para definir a estratégia de investigação que entender, nada impedindo que opte por constituir o agente como arguido sem o ouvir de imediato.

No caso, embora não se verificando qualquer das hipóteses dos citados arts.58 e 59, a constituição como arguido não constituiu qualquer arbitrariedade e tem justificação, como forma de evitar a invalidade de alguma apreensão, pois sendo o recorrente, além de funcionário do clube, advogado, a diligência podia conduzir à apreensão de documentos relacionados com essa actividade, para o que o art.76, nº3, do EOA exige a constituição de arguido.

Alega, ainda, que ocorreu uma instrumentalização inaceitável desse estatuto, citando mesmo a representante da OA, que no acto terá dito que a constituição do recorrente como arguido fora instrumental para a possibilidade de realização da busca, mas esta afirmação não é compatível com o sentido da investigação definido pelo titular da acção penal.

Na verdade, o Ministério Público apresenta o recorrente como um dos agentes intervenientes na acção criminosa investigada (logo no acto em que foi constituído como arguido destacou o …comprometimento do visado - P.- com a prática dos crimes investigados nos autos, o que conjugado com a sua função de assessor jurídico é compatível com o conceito … responsáveis do SPORT X-SAD), o que não deixa dúvidas que o recorrente não é um mero detentor de documentos relevantes para acções criminosas de terceiros.

Não tem, assim, aplicabilidade ao caso a jurisprudência do Ac. de 15Abr.10, desta Relação, citado pelo recorrente.

O recorrente agarra-se à letra do despacho que ordenou a busca, para afirmar que há extrapolação na resposta ao Ministério Público quando refere “ … o visado pela busca coincide com um dos visados pela investigação…”, mas tendo o Ministério Público, logo no acto de constituição como arguido, apresentado o recorrente como visado pela investigação (repete-se, em relação a esse acto não exige a lei formalidade especial), não se reconhece qualquer extrapolação.

O recorrente foi validamente constituído como arguido, o que determina a validade do TIR prestado (art.196, nº1, CPP).

2. A busca foi autorizada e obedeceu às formalidades legalmente exigidas (arts.174, nº3 e 176, CPP).

A autorização judicial prévia, justifica a restrição, na medida do necessário à execução da busca, de direitos fundamentais do arguido.

Compreende-se o incómodo, ou mesmo a revolta, de quem seja visado por este tipo de providências, executadas normalmente de surpresa e numa fase em que o processo pode estar longe de ter elementos que permitam um juízo seguro sobre o mérito da investigação.

Contudo, não se aceita que a diligência possa ser definida como pesca de arrasto ou execução de mandado em branco (conclusões 7ª e 9ª).

Em causa, está a investigação de alegados actos de pressão e influência, visando influenciar decisões de outras entidades, o que não é de esperar conste de atestados ou certidões arquivadas em pastas ou ficheiros devidamente identificados.

Tais alegados actos podem ser revelados por inúmeras condutas, nomeadamente contactos estabelecidos pelas variadas formas possíveis, vulgares contratos ou qualquer outro tipo de relações aparentemente normais, mas que podem ser aproveitadas pelos agentes para esconder um benefício ilegítimo ou uma pressão inadmissível.

Um vulgar contrato, ou uma relação de natureza aparentemente pessoal ou íntima, podem ter subjacente um acto ilícito (pressão ou benefício), não detectável imediatamente no próprio acto da busca, necessariamente executado com alguma celeridade.

Compreende-se, por isso, que numa busca motivada por investigação de crimes da natureza dos que estão em causa, não seja possível direccionar a atenção para um concreto e delimitado tipo de dossiers ou ficheiros, não sendo de esperar do acto de busca um resultado final da recolha de prova, devidamente seleccionada e analisada, antes se apresentando como natural a recolha de um leque alargado de elementos, cuja análise só será possível em posterior trabalho de gabinete.

O visado sentirá restrição de direitos fundamentais, mas essa restrição é justificada pela prossecução de um bem superior, a realização da justiça, só desta forma sendo possível pôr termo ao caso de dúvida (suspeita) que motivou a investigação.

Aquela restrição será no menor grau possível, prevendo a lei processual que, oficiosamente ou a pedido do visado, os bens apreendidos sejam restituídos, logo que se mostrar desnecessária a apreensão (art.186, nº1, CPP).

No caso, considerando a descrição feita no auto de busca e apreensão, não é possível, em relação ao momento em que foi proferido o despacho recorrido, reconhecer qualquer excesso, desproporção ou restrição injustificada de direitos pessoais.

Do auto de busca não resulta, ainda, que tenham sido apreendidos dados ou documentos informáticos cujo conteúdo seja susceptível de revelar dados pessoais ou íntimos, mas se isso ocorreu esses elementos terão de ser apresentados ao juiz, para os efeitos do nº3, do art.16, da Lei do Cibercrime, acto posterior ao despacho recorrido e, por isso, inquestionável neste recurso.

A busca respeitou as exigências em relação a apreensões relativas a sistemas informáticos utilizados para o exercício da advocacia (nº5, daquele art.16) e o respectivo auto não revela que tenha sido desrespeitada a adequação e proporcionalidade exigida pelo nº7 do mesmo preceito.

Foi respeitado, também, o previsto no EOA (arts.75,76 e 92).

Não se reconhece, deste modo, violação de qualquer princípio, designadamente dos princípios da legalidade, lealdade, proporcionalidade, ou de qualquer preceito legal, susceptível de afectar a validade da busca realizada.

3.O recorrente declara pretender sindicar a legalidade, a relevância, a correção e o rigor jurídico-penal de procedimentos prévios, contemporâneos e posteriores à diligência de busca realizada, mas não pode ignorar que com o recurso apenas lhe é permitido obter a reapreciação do despacho recorrido e não de questões novas que não tenham sido nele apreciadas[1].
Faz referência a episódios mediáticos e seus protagonistas, com isso pretendendo questionar a consistência das suspeitas do Ministério Público, mas a este Tribunal da Relação, neste momento processual, não cabe fazer qualquer juízo de mérito sobre o objecto do processo, mas tão só reapreciar o objecto do despacho recorrido, que incidiu sobre o requerimento apresentado pelo recorrente no decurso da busca realizada.
*     *     *

IVºDECISÃO:
Pelo exposto, os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa, após conferência, acordam em negar provimento ao recurso do arguido, P., confirmando o despacho recorrido.
Condena-se o recorrente em três Ucs de taxa de justiça.



Lisboa, 20 de Fevereiro de 2018


(Relator: Vieira Lamim)
(Adjunto: Ricardo Cardoso)



[1]Como refere o Ac. do STJ de 8-02-2016 (Proc. n. 207/15.6YRCBR.S1 - 3ª Secção, Relator Manuel Augusto de Matos, sumário acessível em www.stj.ptOs recursos não se destinam a conhecer de questões novas, antes são remédios jurídicos, destinados a eliminar os erros de apreciação e de julgamento cometidos no tribunal recorrido. É com base no texto da decisão recorrida que o tribunal de recurso julga, pelo que todas as questões que não tenham sido conhecidas pelo tribunal recorrido não podem ser suscitadas ex novo pelo recorrente no
tribunal de recurso”.