Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1735/09.8TACSC.L1-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
VIOLAÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS
CRIME SEMI-PÚBLICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/16/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: I- O revogado art. 190.º da O.T.M. foi a primeira manifestação legislativa no sentido de criminalizar a violação da prestação alimentícia. Ora, o n.º 1 do preceito referia o seguinte: “Quando, encontrando-se o devedor em condições de cumprir a prestação a que está obrigado, não for possível obter o pagamento pelas formas indicadas no artigo anterior, pode ser-lhe aplicada, em tribunal criminal, pena de prisão até seis meses, não convertível em multa, mediante prévia denúncia ao Ministério Público de quem tenha legitimidade para exigir o cumprimento da obrigação.” O que significa que, antes de 1995, para existir um procedimento criminal, era requisito necessário o esgotamento das vias civis de cobrança.
II-Com a entrada em vigor do DL 48/95 de 15 de Março, foi introduzido no ordenamento jurídico o artigo 250.º do C.P. - o crime de violação da obrigação de prestação de alimentos. Com esta inclusão, deixou de ser necessária o esgotamento das vias civis para que o incumpridor ficasse sujeito ao procedimento criminal, aqui apenas se previu o crime de perigo concreto, isto é, era condição sine qua non a prova do perigo para “necessidades fundamentais” do alimentando. Com a Lei n.º 59/2007 de 04 de Setembro, foi aditado o n.º 2 neste preceito, que criminalizou a situação em que o agente se coloca, propositadamente, em situação de incumprimento.

III-De acordo com a alteração da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, o tipo legal sofreu uma nova criminalização, tendo-se assistido, desta forma, a uma evolução significativa, entre 1995 – quando, pela primeira vez, foi introduzida a possibilidade de um progenitor incumpridor da prestação de alimentos ser responsabilizado criminalmente e em 2008, quando se estabeleceram dois tipos de crimes de violação da prestação de alimentos (de perigo concreto e de perigo abstracto), em que, para a sua prática basta que o agente não cumpra a sua obrigação, seja esta imposta por acordo ou sentença judicial.

IV- Os crimes previstos no artº 250º do C.P. revestem uma natureza semi pública, ficando por isso o processo penal dependente da actuação do titular do direito da queixa. E tratam-se ainda de crimes de execução permanente, ou seja, cuja execução subsiste enquanto a obrigação de prestar alimentos não for cumprida.

V- Quando nos deparamos com um crime de perigo concreto, como o do art. 250.º, n.º 3, é necessário fazer prova do perigo efectivamente causado, provocado pela conduta perigosa adoptada pelo agente.

VI- A propositura do incidente de incumprimento de alimentos (ao abrigo do revogado artº 189º da OTM ou agora do artº 48 º da Lei nº141/2015, de 08 de Setembro) ou de acção de execução, anterior á dedução de queixa não faz operar a renúncia tácita nos termos do nº 2 do artº 72º do CPP, para os efeitos dos crimes previstos no artº 250º do Código Penal.

VII-Este incidente tem já em si intrínseco, uma natureza coerciva senão mesmo executiva, sendo que deriva directamente e está respaldado por uma sentença (de natureza cível/ regulação das responsabilidades parentais ou acção de alimentos devidos a menores) anterior e já transitada em julgado, que faz nascer precisamente o direito à instauração daquele preciso incidente o qual, pode ser deduzido quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do seu vencimento.

(sumário elaborado pela relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 9ª SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

RELATÓRIO

O arguido, no processo 1735/09.8 TACSC, da Comarca de Lisboa Oeste-cascais-Inst. Local- Secção Criminal-J2, D..., devidamente identificado nos autos, foi acusado em 29.11.2013, pela prática de dois crimes de violação da obrigação de alimentos, ambos p.p. pelo artº 250º nº 3 do Código Penal.

Foi designado Julgamento e recebida a acusação a fls 491.

O arguido contestou e veio invocar questões prévias.

Assim veio a ser proferido o despacho judicial, do qual P..., a ora assistente recorreu, não se conformando com o seu teor, pois o mesmo ordenou em suma o arquivamento dos presentes autos, dando sem efeito a realização do julgamento.

               Não se conformando com aquele despacho, como já se disse, veio a assistente, devidamente identificada nos autos interpor recurso daquele despacho a fls. 670 até 675, apresentando entre o mais as seguintes conclusões:

                II- DAS CONCLUSOES:

23.Conforme resulta de Douto Despacho exarado a fls dos Autos e que se quer em crise, e com a qual a exponente, mãe de dois filhos, não se conforma, veio, o Douto Tribunal, declarar extinto o procedimento criminal instaurado contra o arguido e determinar o arquivamento os Autos, dando, consequentemente, sem efeito o Julgamento aprazado não realizando prova alguma sobre a matéria.

 24.Fê-lo por duas ordens de razoes:    Por um lado sustentou a tese de que a Assistente “lançou mão” de um Incidente de Incumprimento de Responsabilidades Parentais que cessou por acordo transitado em julgado em 31/3/2014 e que ao faze-lo, ocorreu uma renuncia tácita ao exercício da acção penal pela prática do crime de violação da obrigação de alimentos, pelo que, concluiu o Tribunal, que o direito de queixa da mãe dos menores (alegadamente exercido em 23/6/2009) é insusceptível de produzir efeitos por a mesma ter, em data anterior, renunciado tacitamente ao exercício daquele direito. Por outro lado, sustentou o despacho, como segundo motivo de arquivamento dos autos, o facto de a menor M… haver completado os 16 anos em 7/10/2008 pelo que competia a esta para, depois dessa data, apresentar queixa contra o pai, o que nunca fez, pelo que o requerimento subscrito pela mãe em 23/6/2009 nunca poderia produzir efeitos quanto aquela filha pelo que, nessa matéria, inexistiria queixa o que inviabilizaria o processo.                                                                                               Não tem razão em ambos os casos.

25.Mas diga-se que, independentemente de ter ou não razão devia conceder às partes, dado que foi formulada uma Acusação pelo Ministério Publico, recebido o processo, marcada Audiência de Julgamento e concedido prazo ao arguido para apresentar Contestação, o direito e oportunidade de produzirem prova, legal e factual, que sustentasse a acusação.                                                      

26.Foi, em momento prévio à realização de Julgamento, vedado ao Ministério Público e à Assistente hipótese de exercer os seus direitos o que constitui uma nulidade nos termos do estatuído no artº 120º do CPP.                                                                                                                           

27.Acresce que, precisamente ao invés do que consta na Decisão (e como consta do Apenso I dos autos de processo 323/2000 que correram termos pelo 1º Juízo de Família do Tribunal de Cascais e cuja Certidão consta do processo) a assistente em primeiro lugar, em 2007, instaurou o Incidente Cível por Incumprimento e só depois (em 2008) é participou, face aos factos entretanto apurados, o ilícito comportamento do arguido.                                                                             

28.Ora a decisão diz, sem fundamento, o inverso.

29.É que foi só no decurso do Incidente que a queixosa teve conhecimento de que o arguido, de forma voluntaria, desempregou-se para não pagar as Pensões de Alimentos, como consta de tal apenso com uma carta assinada pelo próprio arguido.                                                           

30.Assim sendo, e desde logo, existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a qual, aliás, nem é referenciada em sede de Decisão, o que constitui um vicio nos termos da alínea a) do artº 410º do CPP.                                                                                                                                    

31.Igualmente existe erro notório na apreciação da parca prova existente, face à decisão, nos termos do artº 410º nº 2 c) do CPP, pois ao contrário do que consta na Decisão, a exponente primeiro instaurou o Incidente Cível por Incumprimento e só depois (em 2008) é participou criminalmente.                                                                                                                

32.Assim sendo não existiu renuncia tácita ( ou mesmo expressa) ao que quer que seja.       

33.Sem prejuízo havia que apurar, também, em sede probatória a conduta dos intervenientes e a execução ou do acordo e se a verba foi ou não paga e o que consta no próprio acordo (que não excluiu as pendências judiciais e é objecto de execução).

34.Assim, e sem prejuízo da produção de prova por efectuar, a queixa não é datada de momento anterior ao Incidente de Incumprimento.                                                                                     

35.Por outro lado há que ver que a Pensão de Alimentos não paga diz respeito a dois menores, sendo que um (V…) em 2007, 2008, 2009 e 2010 era menor pelo que qualquer questão, quanto ao mesmo, de legitimidade de instauração de queixa crime não se coloca, o que significa que, por aqui, sempre deveria prosseguir os Autos.                                         

36.Mas mesmo quanto à filha M…, igualmente sempre se dirá que a mesma era menor e o exercício de queixa podia ser suprido nos termos do artº113º do CP dado que o processo começou antes de 23 de Junho de 2009.                                                                    

37.Considera-se, pois, insuficiente a prova produzida para a condenação em causa bem como erro notório na apreciação da mesma.                

38.Violando-se nestes termos os direitos de defesa dos intervenientes processuais consagrados no art° 32°, n°1 da C.R.P.

39.Termos em que deverá revogar-se a decisão recorrida.

         Como é de Justiça!

O recurso foi admitido a folhas 608.

 MºPº junto da primeira instância respondeu á motivação do recurso apresentado pela assistente da seguinte forma:

III

DAS CONCLUSÕES

1. Tal como se decidiu na decisão recorrida, a assistente/recorrente, antes de ter exercido o seu direito de queixa, já havia lançado mão de incidente de natureza civil tendo em vista obter o pagamento dos alimentos em dívida aos seus filhos menores, ocorrendo, assim, uma renúncia tácita ao direito de queixa contra o arguido pela prática do crime de violação da obrigação de alimentos.

2. Estando em causa crime de natureza semi-pública, como sucede no caso em apreço, a instauração de incidente de natureza civil perante o Tribunal Civil, para obter o pagamento de alimentos devidos a menores em dívida, antes do exercício do direito de queixa, vale como renúncia implícita a este direito de queixa, pelo que não merece qualquer reparo a decisão recorrida ao declarar extinto o procedimento criminal movido nestes autos contra o arguido e a determinar o arquivamento do processo, com fundamento no facto de o direito de queixa exercido pela recorrente ser insusceptível de produzir os efeitos pretendidos por ter havido, previamente, renúncia tácita a esse direito.

3. Não existe qualquer nulidade na justa medida em que não se impunha a realização de julgamento e a subsequente produção de prova posto que o Tribunal a quo constatou a existência de uma questão prévia que tinha que ser, como efectivamente, foi apreciada por constituir obstáculo à apreciação do mérito da causa.

4. Deverá, pois, ser mantida a decisão recorrida.

Foi cumprido o nº 4 do artº 414º do CPP.

                  Remetidos os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, o Digno Procurador-Geral Adjunto em douto parecer a fls 726, nele apôs o seu “visto”, nada tendo a acrescentar à resposta apresentada pelo MºPº, junto da 1ª instância, com a qual concorda.

Foi cumprido o artº 417º nº 2 do C.P.P.

O arguido respondeu alegando em síntese dever ser julgado improcedente o recurso e nos seguintes termos:

VI - EM CONCLUSÃO:

                1º São quatro as questões a decidir no presente recurso:

                1ª) Se foram violados os direitos de defesa da assistente e do Ministério Público, ao não lhes ser dada oportunidade de produzir prova;

         2ª) Se existe insuficiência para a decisão recorrida da matéria de facto provada e, em simultâneo, erro notório da apreciação da prova existente;

               3ª) Se a ora recorrente, com a dedução do incidente de incumprimento da regulação do poder paternal, renunciou ao direito de queixa pelo crime dos autos;

               4ª) Se à recorrente assistia legitimidade para exercer o direito de queixa em relação a sua filha Margarida e se o mesmo poderia ser suprido (questão prejudicada por resposta positiva à anterior).

               2º A matéria de facto respeitante à apresentação de queixa decorre dos próprios autos e a relativa ao incidente de incumprimento da regulação do poder paternal apenas é susceptível de ser provada por via documental, estrando provada por certidões judiciais, que constituem documentos autênticos e, portanto, fazem prova plena dos factos neles atestados, que não pode ser destruída por qualquer outro meio de prova; a produção de outra prova seria um acto inútil, que não é lícito praticar.

               3º O Ministério Público teve oportunidade de se pronunciar e efectivamente pronunciou-se sobre as excepções deduzidas pelo arguido, não sendo afectado no exercício dos seus poderes processuais, enquanto a ora recorrente, à data da contestação e do despacho de fls. 598, não era ainda assistente, pelo que não gozava dos direitos que a lei reconhece àqueles.

                4º Não houve violação de qualquer direito do M.P. ou da assistente e a situação não se reconduz a qualquer nulidade, pelo que, a ocorrer eventual irregularidade, a mesma se teria por sanada por falta de tempestiva arguição.

              5º Não podendo a prova relevante para a decisão impugnada ser outra que não a constante dos autos e sendo esta absolutamente esclarecedora da tramitação processual, não ocorre o alegado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.

                6º Não houve erro na apreciação da prova, muito menos erro notório: a recorrente reconhece que primeiro instaurou o incidente cível por incumprimento e só depois participou criminalmente, factualidade esta em que assentou a decisão e que os autos comprovam.

               7º O procedimento criminal pelo crime de violação de obrigação de alimentos depende de queixa; a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa vale como renúncia a este direito, que não pode ser exercido se o titular a ele expressamente tiver renunciado ou tiver praticado factos donde a renúncia necessariamente se deduza.

               8º Ao instaurar um incidente de incumprimento, meio processual de natureza cível, em data anterior à do presente processo-crime para obter a cobrança das prestações devidas aos menores seus filhos, tanto vencidas como vincendas, a ora recorrente renunciou tacitamente a proceder criminalmente contra o arguido.

9º Faltando um pressuposto de exercício da acção penal (o válido exercício do direito de queixa), o tribunal recorrido decidiu bem ao declarar extinto o procedimento criminal e ordenar o arquivamento do processo.

10º Quando a ora recorrente apresentou queixa, a ofendida M… já era maior de 16 anos, pelo que lhe cabia a ela e não a sua mãe, a titularidade do direito de queixa.

11º Na falta de queixa válida, não podia o Ministério Público dar início ao procedimento, no que respeita à ofendida Margarida, apesar de esta ser menor, por tal só ser consentido nos casos em que o menor não tenha representante legal, o que não é o caso dos autos.

12º Por inexistência de oportuna queixa por parte de quem detinha legitimidade para tanto, falta um pressuposto ou condição legal de procedibilidade, uma condição de legitimação do Ministério Público para promover o processo, pelo que, a não proceder a excepção de renúncia ao direito de queixa, sempre haveria, no que respeita à ofendida Margarida, que ser, com esse fundamento, declarado extinto o procedimento criminal.

Nestes termos, não deve ser concedido provimento ao recurso interposto pela assistente, sendo confirmada in totum a douta sentença recorrida, como é de DIREITO e de JUSTIÇA !

Efectuado o exame preliminar, determinou-se que o presente recurso fosse julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma, cumprindo agora apreciar e decidir.

Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso.

FUNDAMENTAÇÃO

De acordo com o disposto no artigo 412° do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro de 1995, o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379° do mesmo diploma legal.

    Por outro lado, e como é sobejamente conhecido, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação (art. 412.º, n.º 1 do CPP).

O objecto do recurso interposto pela assistente o qual é delimitado pelo teor das suas conclusões, suscita o conhecimento das seguintes questões (de direito): 

1. Foram violados os direitos de defesa da assistente e do Ministério Público, ao não lhes ser dada oportunidade de produzir prova antes da prolacção do despacho recorrido, acarretando uma nulidade contida no artº 120º do CPP?

2. Verifica-se “in casu” nulidades de conhecimento oficioso contidas nas alíneas a) e c) do artº 410 do CPP insuficiência para a decisão recorrida da matéria de facto provada e erro notório da apreciação da prova existente?

3.Se a ora recorrente, com a dedução do incidente de incumprimento da regulação do poder paternal na vertente de alimentos, renunciou ao direito de queixa pelo crime dos autos?

4. Se à recorrente assistia legitimidade para exercer o direito de queixa em relação a sua filha Margarida que completou 18 anos em 7.10.2008, e se o mesmo poderia ser suprido.

   O despacho sob censura tem o seguinte teor:

“Fls. 529: Admito P… a intervir nos autos como assistente.

Notifique.

Sobre a ilegitimidade e renúncia ao direito de queixa invocado na contestação de fls. 566 e seguintes:

Veio o arguido, a fls. 566 e seguintes invocar a renúncia ao direito de queixa dos ofendidos, bem como a ilegitimidade do MP para promover a ação penal relativamente a M….

O MP pronunciou-se conforme antecede.

Quanto à renúncia ao direito de queixa dos ofendidos, fundamenta o arguido a sua pretensão no facto de ter, a assistente, na qualidade de mãe dos menores, antes de ter manifestado a sua vontade de proceder criminalmente contra o arguido por falta de alimentos, intentado contra este dois procedimentos civis tendentes a obter o pagamento das quantias por este devidas a título de alimentos aos filhos: uma ação executiva e um incidente de incumprimento.

Relativamente à ação executiva não tem o arguido razão, uma vez que a mesma foi intentada a 16.12.2005 (fls. 625) e o que está em causa neste processo criminal são os alimentos devidos a partir de maio de 2009, não sendo, à partida, admissível a existência de uma renúncia tácita ao direito de queixa em data anterior aos factos suscetíveis de integrar o crime a que diz respeito esse mesmo direito de queixa – cfr. neste sentido “Comentário ao Código Penal”, Paulo Pinto de Albuquerque, página 472 anotação 4.

A conclusão é, porém, diferente no que ao incidente de incumprimento das responsabilidades parentais diz respeito. Com efeito, de fls. 631 e seguintes resulta que em data anterior a novembro de 2008, pela aqui assistente foi intentada ação de incumprimento das responsabilidades parentais contra o arguido por alimentos por este então já devidos aos seus 2 filhos menores, tendo aquela ação terminado por acordo no qual ficou fixado o valor total em dívida de alimentos devidos aos 2 filhos até maio de 2013, bem como a forma de pagamento de tal quantia – sentença homologatória de 6.2.2014 e transitada em julgado a 31.3.2014.

Ao lançar mão deste incidente de natureza civil com vista a obter o pagamento dos alimentos em dívida aos seus filhos menores, entende o Tribunal ter-se, então, verificado uma renúncia tácita à ação penal pelo crime de violação da obrigação de alimentos agora em causa. Ou seja, tendo a mãe dos menores então decidido lançar mão do referido incidente civil, renunciou tacitamente a proceder criminalmente contra o arguido, cfr. art. 116, nº 1 do CP, art. 77, nº 2 do CPP e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11.6.2014, publicado na CJ XXXIX, tomo 3, página 252.

Cumpre, assim, concluir que o direito de queixa que a mãe dos menores depois veio exercer (a 23.6.2009) é insuscetível de produzir os efeitos pretendidos por a mesma ter, em data anterior, renunciado tacitamente ao exercício daquele direito.

Falha, em consequência e sendo o crime em causa de natureza semipública, um pressuposto indispensável ao exercício da ação penal, no caso concreto, devendo o procedimento criminal ser declarado extinto e o processo ser arquivado.

Apesar de resultar, em consequência do exposto, prejudicada a apreciação da invocada ilegitimidade do MP para promover a ação penal relativamente à filha M…, sempre se dirá que, relativamente a ela, tendo ela completado 16 anos de idade a 7.10.2008, era ela quem tinha legitimidade para, depois dessa data (nomeadamente a 23.6.2009), apresentar a competente queixa criminal contra o seu pai pelo crime em causa, o que nunca fez.

Assim sendo, relativamente à filha M…, o requerimento subscrito pela sua mãe a 23.6.2009 (no qual manifestou vontade de prosseguir criminalmente contra o ora arguido pelo crime de violação da obrigação de alimentos) não é suscetível de produzir efeitos, pelo que, relativamente àquela filha, por falta de queixa, sempres seria de julgar extinto o procedimento criminal instaurado nos presentes autos contra o arguido D….

Assim sendo e em face do exposto, declaro extinto o procedimento criminal instaurado nos presentes autos contra o arguido D… e determino o arquivamento dos autos.

Dou sem efeito o julgamento marcado.

Notifique e desconvoque com a máxima brevidade.

Arquive depois. “

(…)

          

Decidindo diremos:

1.Vem a recorrente suscitar a nulidade do despacho sob censura, por terem sido violados os direitos de defesa da assistente e do Ministério Público, ao não lhes ser dada oportunidade de produzir prova antes da prolacção do despacho recorrido, acarretando uma nulidade contida no artº 120º do CPP.

Sintéticamente aduzimos, que para além de se poder considerar que a arguição de uma nulidade poderá eventualmente ser efectuada junto do Tribunal recorrido no prazo legal de 10 dias, o certo é que não vislumbramos sob qualquer prisma qualquer nulidade contida no artº 120º do CPP, a qual nem sequer a recorrente indica especificadamente, e que só por essa razão o Tribunal de recurso fica impossibilitado de a conhecer, por, naturalmente não ter sido precisamente indicada e mesmo que se entenda que o tenha sido (mormente não ter podido defender-se de tal decisão previamente) esta não se encontra prevista, nem ocorre porque a recorrente terá sido notificada da contestação do arguido onde se levanta tal questão. No entanto fazendo um breve cotejo do artº 120º do CPP e das demais nulidades, com a situação dos autos, não se vislumbra que a mesma exista pelo que improcede este segmento do recurso, sendo ainda certo que ao decidir-se questão prévia que inviabilizaria alegadamente o prosseguimento dos autos, como por exemplo a prescrição não se viola os direitos de defesa de nenhum interveniente nos autos.

2. Verificar-se-á “in casu” vícios de conhecimento oficioso contidas nas alíneas a) e c) do artº 410 do CPP insuficiência para a decisão recorrida da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova. Estatui o art. 410.º, n.º 2, do CPP, que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sendo tais vícios também de conhecimento oficioso:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.     

                                                  

Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença/ acórdão que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.          

A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito. Ora a tal respeito diremos que o vício previsto na al. a), do nº 2 do citado art.410º, do CPP, trata consabidamente de uma insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito.Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, no “ Curso de Processo Penal”, Vol. III, pag.339/340 «é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada». Antes de mais, é necessário que a insuficiência exista internamente, dentro da própria sentença ou acórdão. Para se verificar este fundamento, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão que deveria ter sido proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada não tem nada a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão de facto proferida (desiderato que parece querer ser alcançado pela recorrente na arguição deste vicio, o qual segundo a mesma está inserido no despacho de arquivamento do qual recorre), que são coisas distintas, e como tal não podem ser confundidas.

A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão. O que ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada. 

   Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das “legis artis” (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes). Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).                                    

  Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido.Logo o erro notório na apreciação da prova é o “que se verifica quando da leitura, por qualquer pessoa medianamente instruída, do texto da decisão recorrida ainda que em conjugação com as regras da experiência comum, for detectável qualquer situação contrária à lógica ou regras da experiência da vida” – Ac. STJ 2/2/2011 (rel. Cons. Pires da Graça), www.dgsi.pt.

Desta limitação resulta que fica “desde logo vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe sejam externos”. É que o recurso tem por objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida” - Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 339, no mesmo sentido, isto é, entendendo-se que o erro tem que resultar do texto da decisão recorrida, sem recurso a outros quaisquer elementos, ainda que constantes do processo, vai a generalidade da jurisprudência dos nossos tribunais superiores - cfr., por todos, os Acs. STJ de 2/2/2011 e de 23/9/2010 (rel. Maia Costa e Souto Moura respectivamente, www.dgsi.pt).De forma particularmente clara exarou o STJ, no seu Ac. de 14/04/93, rel: Ferreira Vidigal, www.dgsi.pt, que: “para poder falar-se em erro notório na apreciação da prova refere-se que o colectivo, ao julgar a prova por si exibida, haja cometido um erro evidente, acessível ao observador comum e que o mesmo conste da própria decisão - e não já da motivação desta - por si só ou de acordo com as regras da experiência, não sendo admissível o recurso a elementos estranhos, ainda que constantes do próprio processo”.

Ora neste caso “debatemo-nos”, ou deparamo-nos, com um despacho de arquivamento, prévio ao julgamento.

Neste particular desiderato entende-se que não há lugar à apreciação destes vícios (Pretende ainda a recorrente que o despacho recorrido padece dos vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e a decisão e do erro notório na apreciação da prova a que alude o art.º 410.º, n.º 2, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal). E isso remete-nos para a questão subsequente que é a de saber se tal pode ser fundamento de recurso desta decisão, que é um despacho de arquivamento. Adiantamos já que não, pois o que a recorrente pretende é atacar os fundamentos de direito da própria decisão por com eles naturalmente não concordar confundindo tal com os supra apontados vícios, os quais só se verificam na prolação de uma sentença ou acórdão (tendo nós especialmente este entendimento, vide entre muitos outros o AC do TRP de 15.02.2012, in www.dgsi.pt , infra o qual nem sequer admite tal invocação).

A questão, porém, está precisamente naquele ponto: os vícios do art.º 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal são vícios relativos à sentença pois que se reportam à matéria de facto provada, e não à decisão instrução, que a não supõe mas apenas matéria de facto indiciada. Por outro lado, os vícios do art.º 410.º, n.º 2 do CPP têm de resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência. Ora, como nota o Prof. Germano Marques da Silva:«Esta é uma limitação muito importante. Desde logo fica vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe sejam externos. E que o recurso tem por objecto a decisão recorrida e não a questão sobre que incidiu a decisão recorrida.» Também o Cons.º Maia Gonçalves evidencia que os vícios, como fundamento do recurso, apenas podem resultar da decisão recorrida e por isso excluem a possibilidade de consulta de outros elementos constantes do processo. Ao contrário disso, a apreciação do recurso da decisão instrutória impõe a análise de todos os elementos indiciários constantes do processo, tanto os vindos no inquérito como os produzidos já na instrução, para se concluir sobre a sua suficiência ou não com vista à prolação do despacho de pronúncia ou não pronúncia, respectivamente.( o que no caso dos autos aconteceria mas, claramente com recurso a outros elementos de prova contidos no processo) O que aqui se impõe é que o juiz se pronuncie sobre a existência de indícios suficientes em ordem a submeter o arguido a julgamento; ao invés, na sentença ele tem que fazer a demonstração inequívoca que o arguido cometeu os factos que lhe eram imputados na acusação ou na pronúncia. Assim também entendia o Prof. Cavaleiro Ferreira quando escreveu: «Demonstrar a realidade dos factos é alcançar um juízo de certeza sobre esses factos. Há, no entanto, duas espécies de juízos: juízo lógico e juízo histórico. O juízo lógico respeita à exactidão dum raciocínio, duma operação mental; conduz necessariamente a uma certeza absoluta. O juízo histórico respeita à verificação dum facto, e por isso mesmo pode não conduzir a um resultado seguro; não acarreta uma certeza absoluta, mas relativa, não uma certeza objectiva, mas uma opinião de certeza. Acresce que esta mesma certeza relativa ou opinião de certeza pode falhar; o juízo histórico pode ter por simples resultado a dúvida. Ora em sede de instrução, o juiz apenas tem de se pronunciar sobre a existência ou não de indícios, emitir uma opinião, a qual pode estar errada, por não ser uma certeza. Por tal razão, só pode ser atacada com fundamento na inexistência dos mesmos indícios. Diferentemente porque na sentença se impõe um juízo de certeza, com base em juízos lógicos, existe o art.º 410.º do CPP, no caso de o juízo lógico formulado se encontrar viciado.» A tudo isto acresce, por fim, o regime legal do reenvio do processo, que inequivocamente está desenhado para os vícios referidos nas diversas alíneas do n.º 2 do art.º 410.º do Código de Processo Penal e é decretado para um novo julgamento. O que pressupõe que os vícios tenham sido fruto de um julgamento anterior e não de despacho decisório da instrução.Diremos, por fim, que a mesma ordem de ideias também vale, de resto, para as nulidades da sentença, as quais também não podem ser invocadas a propósito da decisão instrutória.Vide também o Ac. TRE de 3-07-2012 : 1. Os vícios do artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal respeitam á sentença.2. Mais do que uma proibição de aplicação á decisão instrutória, do que se trata é de uma ausência de sentido útil e de coerência na convocação dos mecanismos processuais nele previstos.3. A ratio do nº2 do art. 410.º reside na garantia do escrutínio (limitado) da decisão de facto fora da possibilidade (ampla) do recurso da matéria de facto, dicotomia sem nenhum sentido na impugnação da decisão de não pronúncia, em que está precisamente em causa a reavaliação total e ampla das provas (indiciárias), e Ac. TRC de 17-12-2014 : I. Os vícios da decisão, entre os quais se inclui o erro notório na apreciação do prova, previstos no nº 2, do art. 410º do CPP, são vícios intrínsecos da sentença penal.

Tudo visto, improcederá também este particular segmento do recurso.

3. A recorrente, com a dedução do incidente de incumprimento da regulação do poder paternal, em altura prévia à apresentação da queixa crime, renunciou tacitamente ao direito de queixa pelo crime dos autos?

A este respeito haverá muito que dizer.

Comecemos então:

Vejamos antes de mais então, o que estabelece o artº 250º do Código Penal:

Artigo 250.º

Violação da obrigação de alimentos

1 - Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento, é punido com pena de multa até 120 dias.

2 - A prática reiterada do crime referido no número anterior é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

3 -Quem, estando legalmente obrigado a prestar alimentos e em condições de o fazer, não cumprir a obrigação, pondo em perigo a satisfação, sem auxílio de terceiro, das necessidades fundamentais de quem a eles tem direito, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

4 - Quem, com a intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito criando o perigo previsto no número anterior, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias.

5 - O procedimento criminal depende de queixa.

6 - Se a obrigação vier a ser cumprida, pode o tribunal dispensar de pena ou declarar extinta, no todo ou em parte, a pena ainda não cumprida.

  Contém as alterações dos seguintes diplomas:

   - Lei n.º 59/2007, de 04/09

   - Lei n.º 61/2008, de 31/10

  Consultar versões anteriores deste artigo:

   -1ª versão: DL n.º 48/95, de 15/03

   -2ª versão: Lei n.º 59/2007, de 04/09

Vejamos então:

A prestação de alimentos é um tema que envolve um grupo muito específico de pessoas, dentro do instituto “família”. Em Portugal, o incumprimento dessa obrigação pode originar um procedimento criminal, previsto no artigo 250.º do Código Penal, o qual é objeto de divergências na doutrina e na jurisprudência.

 Paralelamente, o facto de, recentemente, com a entrada em vigor da Lei 61/2008, o tipo legal em análise ter sofrido um alargamento da criminalização, também nos suscitou interesse.

Assim sendo, antes de 1995 o procedimento criminal pela violação de prestação de alimentos era totalmente díspar do que o que atualmente vigora.

 O art. 190.º da O.T.M. tinha como epígrafe “Sujeição do devedor a procedimento criminal” (entretanto revogado, dizemos nós) –e foi a primeira manifestação legislativa no sentido de criminalizar a violação da prestação alimentícia. Ora, o n.º 1 do preceito referia o seguinte: “Quando, encontrando-se o devedor em condições de cumprir a prestação a que está obrigado, não for possível obter o pagamento pelas formas indicadas no artigo anterior, pode ser-lhe aplicada, em tribunal criminal, pena de prisão até seis meses, não convertível em multa, mediante prévia denúncia ao Ministério Público de quem tenha legitimidade para exigir o cumprimento da obrigação.” Tal como é referido por ANTÓNIO ANTUNES , “prevê-se aqui uma excepcional medida de coacção, em ordem a tornar efectiva a prestação de alimentos (…) dada a natureza de excepção, só pode dela lançar-se mão depois de reconhecida a ineficácia concreta dos descontos ou da execução”.

O que significa que, antes de 1995, para existir um procedimento criminal, era requisito necessário o esgotamento das vias civis de cobrança.

Com a entrada em vigor do DL 48/95 de 15 de Março, foi introduzido no ordenamento jurídico o artigo 250.º do C.P. - o crime de violação da obrigação de prestação de alimentos.

Com esta inclusão, deixou de ser necessária o esgotamento das vias civis para que o incumpridor seja sujeito ao procedimento criminal.

Assim, o legislador, em 1995, apenas previu o crime de perigo concreto, isto é, era condição sine qua non a prova do perigo para “necessidades fundamentais” do alimentando.

              Com a Lei n.º 59/2007 de 04 de Setembro, foi aditado o n.º 2 neste preceito, como um meio de criminalizar, como é referido pelo Ac. do TRC de 29/09/2008 , “quem, com intenção de não prestar alimentos, se colocar na impossibilidade de o fazer e violar a obrigação a que está sujeito, criando o perigo previsto no número anterior”.

 Assim, o legislador criminalizou a situação em que o agente se coloca, propositadamente, em situação de incumprimento.

Com a introdução da Lei 61/2008, de 31 de Outubro, o tipo legal sofreu uma nova criminalização: foi acrescentado um novo número que prevê a punição de um crime de perigo abstrato, criminalizando a conduta do agente que não cumpre a prestação, presumindo-se que coloca em perigo o bem jurídico protegido pela norma, não sendo necessária a prova específica de que as “necessidades fundamentais” do menor foram postas em perigo.

Assistimos, desta forma, a uma evolução significativa, entre 1995 – quando, pela primeira vez, foi introduzida a possibilidade de um progenitor incumpridor da prestação de alimentos ser responsabilizado criminalmente (depois de verificados vários pressupostos) – e  em 2008, quando se estabeleceram dois tipos de crimes de violação da prestação de alimentos (de perigo concreto e de perigo abstrato), em que, para a sua prática basta que o agente não cumpra a sua obrigação, seja esta imposta por acordo ou sentença judicial.

No que concerne à definição dos sujeitos desta relação, revela-se neste sentido, apenas um grupo específico de pessoas se encontra na posição de devedor, o que corresponde às pessoas que são mencionadas no art.2009.º C.C.

 Ainda na legislação civil, está prevista esta obrigação por parte dos pais na prossecução dos interesses dos seus filhos, concretamente nos art. 1877.º e ss., tal como é referido pelo Ac. do TRC: “ designadamente o artigo 1878.º/1 impõe que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde e prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los e administrar os seus bens”. No mesmo sentido, pronuncia-se a C.D.C., no art. 27.º, n.º2, referindo: “Cabe primacialmente aos pais e às pessoas que têm a criança a seu cargo a responsabilidade de assegurar, dentro das suas possibilidades e disponibilidades económicas, as condições de vida necessárias ao desenvolvimento da criança”.

Daqui decorre que os sujeitos que devem assegurar a prestação deverão ser os progenitores, que ao não cumprir a sua obrigação, passarão a ser designados como “devedores”.

 Ainda no mesmo sentido: “Como é sabido, os pais encontram-se investidos na titularidade do poder paternal por mero efeito do estabelecimento da filiação, configurando-se essas responsabilidades parentais como um conjunto de poderes deveres atribuídos legalmente aos pais no interesse dos filhos (art.1878.º do C.C.).

 De facto, parece ser unânime na jurisprudência e na lei que o dever de sustentar os filhos cabe de igual modo a ambos os progenitores.

Tal qual é referido na doutrina “por se tratar de um dever prioritário dos cônjuges, como fundadores do lar e criadores da família” - referindo-se à obrigação de sustentar os filhos. Quanto aos sujeitos que surgem como “credores”, neste caso, são os menores a quem essa prestação é devida, tal como evidencia o Ac. TRP de 25-03-2010 e ainda o Ac. do STJ18 de 12-11-2009, “o que directamente resulta de no n.º 5 do artigo 36.º da Constituição se dispor que os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. Os beneficiários imediatos deste dever fundamental são justamente os filhos”.

É um crime semipúblico, ora, tratando-se de violações que ocorrem no seio do ambiente familiar, compreende-se a posição do legislador em fazer depender este tipo de crime de queixa, ficando o processo penal dependente da atuação do titular do direito da queixa.

Trata-se, assim, de um crime específico próprio, “por só poder ser praticado por quem reúne as qualidades especificadas”.

 E trata-se ainda de um crime permanente, cuja execução subsiste enquanto a obrigação de prestar alimentos não se extingue.

A obrigação de alimentos nasceu no universo do Direito Civil, encontrando-se a regulação dos alimentos, assim como a determinação dos seus obrigados, no C.C.

Aliás, a noção de alimentos é estipulada no art. 2003.º C.C., que define como “alimentos” “tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário”.

 No n.º 2 do mesmo preceito é referido que o mesmo conceito engloba “a instrução e educação do alimentado no caso de este ser menor”.

 Trata-se de uma obrigação com especificidades, como é o facto de não existir a figura da prescrição neste tipo de obrigações, tal como está estipulado no art. 318.º, alínea b) do C.C.. A obrigatoriedade desta prestação pode surgir diretamente na lei, por acordo ou por sentença transitada em julgado.

 Quanto ao conceito de sustento, ainda é de referir o Ac. TRP, que afirma: “o conceito de sustento ultrapassa a simples necessidade de alimentação, abrangendo a satisfação de todas as necessidades vitais de quem carece de alimentos, nomeadamente as relacionadas com a saúde, os transportes, a segurança, a educação e instrução”.

Também na doutrina entende-se o conceito de sustento da mesma forma, como MARIA CLARA SOTTOMAYOR refere: “a satisfação das necessidades do alimentado, não apenas das necessidades básicas, cuja satisfação é imprescindível para a sobrevivência deste, mas de tudo o que a criança precisa para ter uma vida conforme à sua condição social, às suas aptidões, ao seu estado de saúde e idade, tendo em vista a promoção do seu desenvolvimento físico, intelectual e moral”.

Partilhamos a orientação desta Autora, pois o superior interesse do menor será o de manter os seus hábitos, as condições que eram asseguradas em momento anterior à separação dos seus progenitores, não devendo esta separação ter consequências no nível de vida da criança.

Assim, é condição necessária que exista uma obrigação de prestar alimentos, que o obrigado esteja em “condições de prestar, e que essa obrigação não seja cumprida.

Quanto à natureza desta prestação podemos afirmar que se trata da concretização de um Direito Fundamental, partilhando a visão de JOÃO LUÍS MARQUES BERNARDO: “ No topo dos direitos fundamentais, a criança tem direito à vida artigo 24.º da CRP. “

Do mesmo modo, tem direito à dignidade enquanto pessoa humana – artigo 1.º.

Para além deles, estatui o artigo 69.º, n.º1, que «As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral…»

E, no n.º 2,: «O Estado assegura especial protecção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal» ” .

Sendo ainda de referir o art. 36., n.º 5 do mesmo Diploma, o qual determina que os progenitores “têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.”

 Tal como é referido por JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS: “O Estado vinculado positivamente pelos direitos fundamentais, incluindo pelos direitos, liberdades e garantias, tem, na verdade, o dever de proteger o interesse dos filhos e, em última análise, o dever de proteger a vida, a integridade pessoal, o desenvolvimento pessoal, o desenvolvimento da personalidade e outros direitos fundamentais dos filhos.”

 Trata-se de valores com dignidade penal, a fonte do bem jurídico em análise tem a sua base fundada em valores constitucionais, fazendo, os alimentos devidos a menores, parte integrante dos Direitos Fundamentais protegidos pelo art. 18.º da CRP.

Para além de ter repercussões especificamente nos artigos 36.º, n.º5 e 69.º da C.R.P. e valores internacionais, plasmados, nomeadamente, na C.D.C., especialmente no seu artigo 27.º.

 O preceito em análise insere-se nos crimes contra a vida em sociedade e contra a família, tal como sucede na Alemanha no § 170 C.P. alemão.

 E, tal como já foi referido, o tipo legal encontra-se “subdividido” em dois crimes de perigo: o concreto e o abstrato.

O cerne da questão será definir qual o bem jurídico protegido por esta norma, pois encontramos quem defenda que a sua natureza será pessoal, protegendo assim bens essencialmente pessoais, e ainda encontramos quem defenda que o bem jurídico é patrimonial.

 Ambas as orientações são objeto de estudo, pois ambas são dotadas de fundamentação e têm aplicabilidade prática.

A base desta divergência é fundamentada na interpretação daquilo que a norma visa proteger – o bem jurídico em causa - o que para os defensores do bem jurídico pessoal é “ a própria vida, integridade física e a saúde dos alimentandos”, enquanto para os defensores de que o bem jurídico é patrimonial, o que conta é o montante em dívida.

Vejamos o bem jurídico como DAMIÃO DA CUNHA o interpreta: “ não estão em jogo bens jurídicos eminentemente pessoais, antes pelo contrário um bem jurídico de caractér acentuadamente patrimonial” , sendo esta aceção partilhada por alguma jurisprudência:

 “A vertente das responsabilidades parentais em apreço, de natureza patrimonial, é a da obrigação de alimentos a filho menor.”

 Voltando-nos para a orientação que defende que se trata de um bem essencialmente pessoal, tal como é defendido por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE: “O bem jurídico protegido pela incriminação é a satisfação das «necessidades fundamentais» do titular do direito a alimentos”, assim como é entendido por uma parte da jurisprudência: “As prestações têm conteúdo patrimonial, mas a obrigação legal de alimentos familiares decorre do conteúdo do Direito à vida, enquanto Direito especial de personalidade de maior valor e simultaneamente Direito fundamental tutelado pelo art.18.ºda C.R.P.

Seguindo esta corrente, “haverá tantos crimes quantas as pessoas ofendidas ainda que exista apenas uma resolução criminosa” .

Encontramos na jurisprudência vários Acórdãos com a mesma perspetiva: “sendo três os filhos a quem não foi paga a prestação alimentar, são cometidos três crimes” (vide, Cf. Ac. do TRG de 06-03-2008, acrescentando ainda o mesmo Ac.: “O Tribunal acolhe o entendimento de que a obrigação de alimentos protege bens essencialmente pessoais, pelo que considerou existirem tantos crimes quantas as pessoas beneficiárias de alimentos”. No mesmo sentido, Ac. do TRP de 11-01-2006: “Incumprindo o arguido esta sua obrigação, o arguido viola o dever de alimentos (…) a que se encontra vinculado, em relação a cada uma das suas quatro filhas, ou seja viola o mesmo bem jurídico, no que toca a quatro pessoas diferentes”).

 Daqui se retira que a determinação do bem jurídico em causa tem várias consequências, tal como a de considerar se estamos perante um só crime, ou se, pelo contrário, estamos perante “tantos crimes quantas as pessoas ofendidas”.

 Isto porque, perante o caso de um progenitor que não cumpra a sua obrigação para com dois (ou mais) menores, se formos de encontro à posição defendida por DAMIÃO DA CUNHA, estaremos perante um único crime: “deve verificar-se apenas um crime, até porque, no caso concreto, não estão em jogo bens eminentemente pessoais, antes, pelo contrário, um bem jurídico de carácter acentuadamente patrimonial”. (…)

 (vide o  Ac. do TRG de 24-10-2005)

 No sentido inverso, se, perante o mesmo caso, optarmos por seguir o raciocínio de PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, já iremos considerar que, “ O agente comete tantos crimes quantas as pessoas com direito a alimentos que puser em perigo, atenta a natureza pessoalíssima desse direito (…) Trata-se de um concurso efectivo (ideal) ”. Sendo ainda de referir Manuel Lopes Maia Gonçalves: “o próprio código dá clara indicação de que aqui se violam bens jurídicos eminentemente pessoais, ao incluir este artigo intitulado crimes contra a vida em sociedade e numa secção intitulada crimes contra a família.

Por isso, em nosso entendimento e paralelamente ao que sucede com outros crimes de natureza complexa ou mista (v. g. roubo), o agente cometerá sempre tantos crimes quantos os alimentandos a quem não prestou alimentos, embora através de uma única conduta naturalística.”

 Sendo esta interpretação aplicada também na jurisprudência: “O dever de alimentos a cargo dos progenitores, um dos componentes em que se desdobra o dever de assistência dos pais para com os filhos menores, não pode reduzir-se a uma mera obrigação pecuniária, quando se trata de ponderação de constitucionalidade dos meios ordenados a tornar efectivo o seu cumprimento”.

 No mesmo sentido, citando o Ac. do TRE de 23-09-1997, MANUEL DE OLIVEIRA LEAL HENRIQUES e MANUEL JOSÉ CARRILHO DE SIMAS SANTOS: “2 – Sendo os alimentos devidos a dois menores, verificado o condicionalismo previsto e punido no n.º 1 do art.º 250.º do C. Penal, o seu incumprimento faz incorrer o responsável na prática, em acumulação real, de dois crimes previstos e punidos naquele dispositivo legal”.

Ainda que se conceba o vínculo de alimentos como estruturalmente obrigacional, a natureza familiar (a sua génese e a sua função no âmbito da relação de família) marca o seu regime em múltiplos aspectos (v. gr. tornando o direito correspondente indisponível, intransmissível, impenhorável e imprescritível – cf. maxime o artigo 2008.º do Código Civil) ”.

 Analisando as duas posições, adotamos a posição pessoalista, isto é, defendemos que, de facto, trata-se de uma obrigação/dever fundamental, que, se não for cumprido, coloca em causa bens eminentemente pessoais, fundamentais, como a saúde.

Da mesma forma, compreendemos a teoria patrimonial, no sentido de que se trata de uma prestação pecuniária; mas, não se pode esquecer que tal prestação (pecuniária) visa fazer face a necessidades do menor – as quais são fundamentais para o seu crescimento saudável e harmonioso. No nosso modesto entendimento, defendemos que as necessidades do menor são fundamentais, por estas dizerem respeito a necessidades básicas que têm que ser asseguradas pelos progenitores, protegidas constitucionalmente, imprescindíveis ao saudável crescimento e desenvolvimento do menor.

 Seguimos desta forma a perspetiva pessoalista, que define uma violação da prestação por cada menor lesado, o que significa que quando a lesão respeite a dois, ou mais, menores, estaremos perante dois ou mais crimes, dependendo do número de alimentandos.

 Até mesmo porque cada menor, cada criança, possui necessidades diferentes; basta pensarmos no caso de um dos alimentados ter necessidade de um acompanhamento especial nos seus estudos (quer seja por dificuldades cognitivas ou físicas), enquanto o irmão (outro alimentado) não possui tais dificuldades.

Nestes casos, o montante definido para cada um será diferente. Ou mesmo se representarmos o caso de um menor precisar de uma alimentação específica, de acompanhamento médico especializado, ter um apoio alimentício do progenitor mais intenso, porque necessário.

 E pode o progenitor cumprir a sua obrigação em relação a um e não ao outro. De resto, consideramos que os menores deveriam ter contas bancárias separadas para que as necessidades individuais de cada um fossem asseguradas na proporção da carência de cada um.( tal como citado no Ac. do TRG de 06-03-2008, REMÉDIO MARQUES: “a obrigação legal de alimentos familiares, posto que pretende assegurar ao necessitado um nível de vida minimamente digno, decorre (…) do conteúdo do direito à vida, enquanto direito especial de personalidade de maior valor e simultaneamente direito fundamental, que logra a tutela do art.º 18º da Constituição”/ Tal qual é referido no Ac. do TRG de 06-03-2008: “as obrigações de alimentos para cada um dos filhos são autónomas entre si (quer na sua fixação, quer na sua alteração, quer, ainda, na sua extinção), a sua violação têm exclusiva repercussão em cada um dos alimentados. II – Pode, é certo, haver um único momento de resolução criminosa, concretamente, a de não pagar alimentos ao (s) filho (s), mas isso não significa que se trate de uma única resolução criminosa, mas sim de uma resolução conjunta”.

Podemos desde já adiantar que perfilhamos a natureza pessoal deste crime, pelo que haverá tantos crimes quantos os ofendidos nestes casos os filhos/as, do arguido.

O artigo 250.º do C.P. é caracterizado por ser um crime de perigo, abrangendo as duas variantes: de perigo concreto e de perigo abstrato.

Para realçar a manifesta distinção entre ambos, citamos MARTA FELINO RODRIGUES: “E é esta exigência de um resultado típico, no sentido da criação de uma situação de perigo concreto para um objecto tipicamente protegido que, a nosso ver, distingue materialmente o crime de perigo concreto do crime de perigo abstracto”.

 Por crime de perigo abstrato ou “presumido” entende-se aquele tipo de crime que, para estar preenchido, basta que haja uma conduta propícia a originar o perigo, não sendo necessária nem a produção de dano, nem a prova do perigo.

Como refere TAIPA DE CARVALHO, “O legislador, baseado na elevada perigosidade da conduta, demonstrada pela experiência, considera que tal conduta contém sempre o risco sério de poder lesar ou pôr em perigo o importante bem jurídico protegido pelo tipo. Distinguindo-se dos crimes de resultado, tal como é referido por GERMANO MARQUES DA SILVA, Direito Penal Português, Parte Geral II Teoria Do Crime, 1.ª Ed., Verbo Editora, 1998, p.30:

“A distinção entre crimes de dano e crimes de perigo assenta na lesão ou no simples perigo de lesão do bem jurídico protegido.”

É visível assim uma presunção de natureza inilidível de perigo proveniente da atuação ou omissão do obrigado à prestação. Presunção que pertence ao legislador, como é referida por GERMANO MARQUES DA SILVA: “basta que o agente represente e queira a conduta tipificada; essa conduta é que há-de ser querida, independentemente do agente ter ou não consciência de que ela é proibida.”

 No mesmo sentido, PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE refere-se ao disposto no n.º1 do art.250.º como um crime de perigo abstrato, pois “o incumprimento da obrigação vencida de alimentos é punível independentemente da verificação de perigo para a satisfação das necessidades fundamentais do alimentado”. Não poderíamos deixar de referir a definição de PAULA RIBEIRO FARIA: “o perigo não faz parte dos elementos típicos, existindo apenas uma presunção por parte do legislador, as mais vezes fundadas numa observação empírica, de que a situação é perigosa em si mesma, ou seja, que na maioria dos casos em que essa conduta teve lugar demonstrou ser perigosa sob ponto de vista dos bens jurídicos penalmente tutelados”.

 No crime de perigo concreto é condição necessária a verificação do perigo provocado com a conduta do agente.

 Tal como TAIPA DE CARVALHO define, neste tipo de crime, “o tipo legal exige que o bem ou bens jurídicos tutelados tenham sido, efectivamente, postos em perigo”.

 Para evidenciar esta constatação o mesmo Autor faz referência ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário (art. 291.º C.P.), no qual “tem de, no respectivo processo penal, se fazer a prova de que a conduta descrita no tipo pôs, de facto, em perigo o bem jurídico tutelado”. Assim como é definido na nossa jurisprudência, “para além de um desvalor da acção, é necessário um desvalor de resultado, mas não de um resultado de dano, e sim um resultado de perigo: o resultado causado pela situação de perigo para o concreto bem jurídico”.

Isto é, não é necessária a verificação da efetiva lesão do bem jurídico protegido, é sim necessário provar que esse perigo existiu.

 Neste sentido, o elemento fulcral de distinção do n.º 3 – o crime de perigo concreto – e do artigo 250.º, n.º 1, reside no grau de perigo exigido para a concretização do crime.

 Isto porque, quando estamos perante o primeiro, é necessário que exista o perigo, causado por uma certa conduta, enquanto no segundo não é fundamental a prova de que o bem em causa foi colocado em perigo, bastando o comportamento do agente descrito na lei.

O que estes dois tipos de crime de perigo têm em comum é a sua base, isto é, para a concretização do crime basta o perigo (efetivo ou presumido) para o bem jurídico, não sendo necessária a prova da lesão do bem jurídico; “basta que se perspetive o perigo, não sendo necessária a carência efetiva, mesmo que se esteja a receber auxílio de terceiros”.

A diferença reside no facto de, quando estamos diante de um crime de perigo concreto, é necessário comprovar que as necessidades do menor foram colocadas em perigo efetivamente, enquanto no crime de perigo abstrato não é necessária essa verificação, bastando que, com a sua conduta, as necessidades do alimentando possam correr perigo, sendo apenas necessário o não cumprimento da prestação.

Esta diferenciação tem consequências, principalmente processuais, pois a prova de um é mais exigente do que a do outro, tal qual MARTA FELINO RODRIGUES realça: “No crime de perigo abstracto, o atributo «abstracto» tem o significado de que ao juiz (Cf. Ac. do TRC de 03-07-2013: “essencial é que o preenchimento do tipo não depende apenas do incumprimento da obrigação mas que deste resulte o perigo para a satisfação das necessidades do respectivo credor.”) não é exigida a apreciação da concreta perigosidade do facto”

 O que significa que quando nos deparamos com um crime de perigo concreto, como o do art. 250.º, n.º 3, é necessário fazer prova do perigo efetivamente causado, provocado pela conduta perigosa adotada pelo agente.

Relativamente à função da pena prevista para o crime do artigo 250.º, partilhamos a visão de MARIA CLARA SOTTOMAYOR: “A pena de prisão, para além de uma finalidade punitiva (...) tem uma finalidade preventiva (…) tanto mais eficaz quanto se trate de uma ameaça que o potencial transgressor saiba que vai ser efectivamente aplicada, funcionando simultaneamente como uma medida de coacção destinada a induzir o devedor a pagar”.

 Isto é, o objetivo primordial da punição é o de “coagir” o agente obrigado a cumprir com a sua obrigação. A aplicação concreta da pena varia, necessariamente, em função de cada caso concreto, tal como é explicitado na Jurisprudência: “tem de atender à culpa do agente, bem como a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a seu favor ou contra ele”.

No que concerne à agravação estabelecida no n.º 2 do artigo 250.º do C.P., referente à reiteração do incumprimento da prestação, cabe definir o que será considerado como “reiteração”, pois para uns, quatro prestações incumpridas podem corresponder a uma reiteração – sendo aplicável o crime descrito no n.º 2 , enquanto para outros, tal não bastará. Pois, como é referido por PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, “aquando do primeiro incumprimento de uma obrigação de alimentos o obrigado comete o crime do n.º 1, cometendo o crime do n.º 2 a partir do segundo incumprimento daquela mesma obrigação de alimentos.”  Sendo que, interpretamos este Autor, quando narra “primeiro incumprimento”, no sentido de se referir ao n.º1 do artigo, e como tal, existe incumprimento quando três prestações estão vencidas, só nesse momento é que é concretizado o tipo incriminador.

 O próprio conceito de “incumprimento” não é claro, pois o n.º 1 do art. 250,º C.P. dita o seguinte: “não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento”.

Perante este normativo, questionamos o que será a “prática reiterada” que refere o n.º 2 do mesmo artigo.

Será que o legislador com a designação de “prática reiterada” quer estabelecer que essa reiteração apenas se dá com o vencimento de seis prestações? – visto que no n.º 1 considera incumprimento a partir do vencimento de três prestações (ou seja, apenas em três incumprimentos se poderá considerar consumado o crime) – ou pretende conduzir ao entendimento de que quem incumpra a quarta prestação pratica o crime estabelecido no n.º 2? Acreditamos que seis meses, tal como se interpreta segundo a letra da lei, é um pressuposto demasiado exigente para agravar a conduta reiterada, até mesmo porque o âmbito da norma é o de proteger o alimentando, as suas necessidades fundamentais.

E, como tal, apenas considerar uma agravação do crime no caso de sujeitar o menor à privação da satisfação das necessidades básicas durante seis meses, parece que será desnecessariamente excessivo.

(…)

Defendemos o carácter pessoal do bem jurídico, identificado com o saudável crescimento da criança, tendo sempre como referência o seu superior interesse que, em momento algum deverá ser colocado em causa, como consequência dos atos dos seus progenitores.

Este saudável e harmonioso crescimento também constitui, evidentemente, um valor comunitário, por nós defendido.

 Tal como é mencionado pela Jurisprudência: “O crime de obrigação de alimentos, previsto e punido pelo artigo 250º, nº 1 do Código Penal, visa a protecção, em primeira linha, do titular do direito a alimentos face ao perigo de não satisfação das necessidades fundamentais.

 Necessidades fundamentais essas que se podem traduzir, no direito a ter alimentos (na verdadeira asserção da palavra), o direito à saúde, o direito a ter uma boa educação, etc.

Donde que, e tal como no crime de homicídio e de ofensas à integridade física os bens jurídicos protegidos sejam, em última instância, a própria vida, a integridade física e a saúde dos alimentados, ou, como dito, bens eminentemente pessoais.”

 Outro argumento forte que nos leva a considerar que o bem jurídico protegido pela norma é eminentemente pessoal, é o facto de o Estado se fazer substituir ao obrigado, através do FGAM, assegurando a tutela do bem jurídico, protegendo o menor.

Consideramos, assim, que a cada violação de prestação de alimentos corresponde um bem jurídico lesado, e, como tal, existem “tantos crimes quantas as pessoas com direito a alimentos”, visto que se trata de bens eminentemente pessoais.

 Será também de considerar a caracterização do tipo legal em estudo, o qual representa um crime de perigo, como já foi explicitado, concreto e abstrato, sendo o elemento fulcral a posição de perigo em que é colocado o bem jurídico, bastando o perigo para a conduta ser criminalizada.

 Mesmo que as necessidades do menor sejam asseguradas por um terceiro, tal facto é irrelevante para a qualificação do crime, sendo o elemento central o perigo causado.

 Destarte, quanto ao conceito de “incumprimento” surgem muitas questões, concretamente quanto à delimitação desse conceito.

 Isto porque a lei, a nosso ver, não é clara, visto que nos termos do n.º 1 do tipo legal em análise considera-se como incumprimento “não cumprir a obrigação no prazo de dois meses seguintes ao vencimento” – o que significa que o agente comete o ilícito se não cumprir três prestações – e no n.º 2 do mesmo preceito é estabelecido: “A prática reiterada do crime referido no número anterior é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”.

O que para nós não é claro, é o conceito de “prática reiterada”, pois se for interpretado à letra significa que incorre no crime do n.º 2 quem incumprir seis prestações.

 Porém, consideramos que se trata de um período demasiado longo para haver agravação.

Ainda relativamente à agravação do crime, teremos que mencionar o n.º 4 do preceito, o qual prevê uma pena agravada para as situações em que o obrigado se coloca em posição de incumprimento (quer seja no desemprego, na rejeição de trabalho suplementar, etc.).

Parece que não existem dúvidas, tanto na jurisprudência, como na doutrina, que neste tipo de circunstâncias o agente deverá ser penalizado de uma forma agravada, pois uma conduta provocada para prejudicar o próprio descendente deverá ser censurada e penalizada pela comunidade.

( vide- Quanto às questões levantadas relativamente à obrigação de prestação de alimentos a maiores, vislumbram-se muito interessantes, porém, são um instituto de difícil exposição devido aos limites desta tese. De todo o modo, cabe-nos referir que fazemos parte do entendimento que defende que a obrigação de prestação de alimentos não cessa automaticamente com a maioridade. Isto porque, faz parte do conceito “alimentos” tudo o que for necessário ao desenvolvimento de uma criança ou jovem , inclusive a sua formação, a qual não termina, necessariamente, aos dezoito anos de idade. / prejudicado dizemos nós face á alteração da lei, que permite agora com toda a justiça  a continuação do pagamento da pensão de alimentos a maiores de 18 anos que estejam a estudar com via a completar a sua formação profissional, com o limite de idade de 25 anos)

Pelo contrário, analisando a realidade, verifica-se que o descendente é dependente dos progenitores por um período alargado de tempo, não só pelo seu percurso de formação, mas também por não ter condições de se tornar independente, principalmente a nível financeiro. Sendo ainda de aludir a outra problemática que surge no âmbito da cessação da obrigação de prestação de alimentos, a qual se prende com a violação dos deveres de respeito entre descendente e progenitor.

Ora, perspetivando a defesa de um bem jurídico eminentemente pessoal, não concordamos com a cessação da obrigação por esses motivos. O progenitor é sempre obrigado a prestar alimentos, é uma obrigação permanente, independentemente do cumprimento dos deveres de respeito. Até mesmo porque, a realidade diz-nos que, na maior parte dos casos, os menores que não respeitam” os progenitores são menores que não têm contato próximo com o(s) ascendente(s).

Fruto da alienação parental ou de desinteresse do ascendente, são “usados” como armas no divórcio, tendo muitas vezes atitudes pelas quais não podem ser responsabilizados. São jovens em fase de crescimento, e se não conviverem com o progenitor é mais do que natural que não demonstrem respeito pela figura que deveria ser respeitada.

 Mesmo que não seja o caso, o menor nunca deverá ver as suas necessidades básicas em risco por motivos emocionais, por falta de amadurecimento ou rebeldia própria da idade. Assim, julgamos que os pontos principais a serem aperfeiçoados pelo legislador centram-se na determinação do bem jurídico protegido pela norma, o que terá impacto na prática jurídica, como na condenação do agente pela prática de um ou mais crimes (quando perante uma violação para com dois ou mais menores).

 Afigura-se também essencial a reformulação do tipo legal, de forma a ser clara a aplicação do n.º 2 do art. 250.º do C.P., definindo o conceito de “prática reiterada”.

Concluímos também que se revela necessária a definição do momento de cessação da prestação de alimentos, no caso dos filhos maiores, pois muitas vezes são prejudicados na sua formação e desenvolvimento (valores constitucionalmente protegidos), apenas pelo facto de atingirem a maioridade. A presente tese teve como meta a clarificação de conceitos ligados à obrigação de alimentos, o que implicou um estudo de direito civil, do instituto da família e da própria Constituição (para além da análise penalista de todo este universo). Tentámos salientar as principais divergências tanto doutrinais como jurisprudenciais. A nosso ver, toda a investigação retrata uma temática sensível, de importância social e familiar, sendo necessária a “afinação das arestas” que se encontram ainda por definir e tendo sempre por base o superior interesse do menor (vide aqui, O crime de Violação prestação de alimentos, Dissertação de Mestrado Mariana da Silva, sob orientação da Prof, Doutora Maria Conceição Cunha, inhttp://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/17338/1/Crime%20de%20Viola%C3%A7%C3%A3o%20de%20Presta%C3%A7%C3%A3o%20de%20Alimentos%202013.pdf ) (O Crime De Violação de Prestação de Alimentos Dissertação de mestrado, na área de Direito Criminal, elaborada por Mariana Lúcia Inverneiro da Silva, sob a orientação da Professora Doutora Maria da Conceição Cunha, que supra seguimos de perto citando-o ipsis verbis).

A consagração legal recente da tipicidade em causa no art.º 250.º, n.º1 do C.P. parece reconhecer que a realidade sociológica coloca em destaque o incumprimento frequente do dever de prestar alimentos, e que em não poucas ocasiões, provocava situações de graves necessidades para o titular do direito a receber os alimentos.

Esta urgência de criminalização destas condutas foi de tal ordem que se estava numa área em que os princípios informadores do direito penal poderiam contrariá-la, em especial, o da intervenção mínima e a proibição de qualquer forma de prisão por dívidas.

Assim, em relação à não prestação aludida no artigo 250.º, n.º1 do C.P., não pode deixar de se associar a inserção deste novo desvalor numa Secção justamente denominada “Dos crimes contra a família”.

Não cremos que deixe ter relevo o critério interpretativo sistemático, que regista a sua posição no texto ao lado de apenas mais três graves delitos contra as relações familiares: Bigamia (art.º 247.º), Falsificação do estado civil (art.º 248.º), Subtracção de menor (art.º 249.º). A omissão por incumprimento do dever de conteúdo económico-patrimonial é apenas um elemento constitutivo, a que deve acrescer a colocação em perigo de bens essenciais do alimentando.

É esta situação que confere a esse comportamento o grau de desvalor suficiente para o qualificar como infracção criminal.

 Não se poderá apreender a essência destes crimes se não se individualizarem os singulares poderes e deveres que têm a sua fonte nas várias relações familiares- justamente aqueles poderes-deveres cuja violação concretiza a lesão ou colocação em perigo do bem família. Objecto da tutela penal destes delitos será o interesse público de garantir a família, nos seus aspectos nucleares de elemento da sociedade, contra a supressão, modificação ou simulação da sua disciplina – considerando o legislador não só o complexo unitário de relações jurídicas, como as singulares relações jurídicas derivadas dos vínculos de sangue.

Essas relações jurídicas poderão dizer respeito ao casamento em si; ou poderão dizer respeito a relações individuais dele derivadas, como a filiação e a adopção.

Há consequentemente que determinar que relações entre os sujeitos são estritamente familiares; e quais as que são disciplinadas tendo exclusivamente em consideração a tutela dos interesses individuais.

A natureza do crime invocada é de natureza criminológica, integrando-se numa tipologia classificativa, a qual é apenas um critério susceptível de confronto com outros, como com o que pondera a natureza do bem jurídico, como com o que atenta nas repartições materializadas na sistemática da parte especial do Código Penal, -estes últimos muito mais próximos do direito positivo.

A existência do dever parece ser mais um pressuposto que um elemento integrante do crime: cessa a sua relevância em várias situações, como o seu titular não ter meios de subsistência, o outro familiar ter meios avultados de subsistência.

 A consideração apenas do objecto da prestação como implicando a consideração do bem jurídico tutelado pelo tipo de natureza patrimonial não é aceitável pelas razões supra expostas no sentido de esse bem ser pessoal, e também porque colocaria fora da norma penal os casos em que a prestação de alimentos não assume fisionomia patrimonial- art.º 2005.º, n.º2 do CC.

 O sujeito activo dos crimes patrimoniais pode ser qualquer cidadão; mas o sujeito activo deste crime só pode ser a pessoa que estiver na titularidade de uma dada relação familiar, investido numa particular posição subjectiva.

Começamos por referir que no tipo legal do artigo 250.°, não está em causa apenas o mero incumprimento de uma obrigação legal de prestar alimentos, que é uma obrigação civil, mas essencialmente, a protecção do titular do direito a alimentos face ao perigo de não satisfação das necessidades fundamentais, pressupondo que o incumprimento da obrigação ponha em perigo a satisfação das necessidades fundamentais de quem tenha direito a alimentos e que não é claramente um pedido de indemnização cível ( devido a factos delituais ou criminosos) conforme estabelece o artº 72º nº 2 do CPP.

Ora, as necessidades fundamentais podem traduzir-se, no direito a ter alimentos, o direito à saúde, o direito a ter uma boa educação, etc., donde os bens jurídicos protegidos sejam, em última instância, a própria vida, a integridade física e a saúde dos alimentados, ou seja, bens eminentemente pessoais.

Atento o disposto no artigo 2003.º do Código Civil, deve entender-se por alimentos, tudo o que é indispensável ao sustento, habitação, vestuário e, ainda, instrução e educação do alimentando, no caso de este ser menor, o tipo legal protege, em primeira linha, o titular do direito a alimentos face ao perigo de não satisfação dessas necessidades fundamentais (cfr. J. M. Damião da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, 1999, Tomo II, pág. 621), sendo por isso, bens jurídicos pessoais, alguns de cunho imaterial.

Assim, não é pelo facto de os alimentos serem fixados em prestações pecuniárias mensais (artigo 2005.º do Código Civil), que decorre o carácter patrimonial do bem jurídico tutelado no tipo do artigo 250.º do CP, uma vez que o que essas prestações pecuniárias visam assegurar é a indispensável satisfação das necessidades da vida, pelo que para a determinação do número de crimes não se apresenta relevante o facto de a violação da obrigação de alimentos, em favor de vários alimentados, ser realizada através de uma única omissão ou através de várias omissões, para, por aí, se determinar o número de crimes (cfr. Damião da Cunha, ob. cit., p. 634).

Também Maia Gonçalves, em anotação ao art. 250º do C.Penal escreve: “ … o próprio Código dá clara indicação de que aqui se violam bens jurídicos eminentemente pessoais, ao incluir este artigo no título crimes contra a vida em sociedade e numa secção intitulada crimes contra a família.

 Por isso, em nosso entendimento e paralelamente ao que sucede com outros crimes de natureza complexa ou mista (v.g. roubo), o agente cometerá tantos crimes quantos os alimentandos a quem não prestou alimentos, embora através de uma única conduta naturalística”.

Por sua vez, refere o art.º 1878.º do CC, que compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens, prevendo consequências para os casos de incumprimento deste poder-dever (cfr. art.º 1915.º, 1918.º e 1920.º e arts. 1921.º e ss.., todos do C.Civil).

Assim, a omissão por incumprimento deste dever, faz perigar bens essenciais do alimentando, o que confere a este comportamento o desvalor para o qualificar como infracção criminal, pois pressupõe o interesse público de proteger a família, como elemento fulcral da sociedade, contra a supressão, modificação ou simulação da sua disciplina.

A existência do dever não é um elemento integrante do crime, pois desaparece em várias situações, caso de o obrigado não ter meios de subsistência, ou mesmo se o outro familiar tem elevadas posses económicas, pelo que a natureza patrimonial do bem jurídico tutelado nestas situações, não é determinante, pois excluiria deste ilícito penal a prestação de alimentos que não assume natureza patrimonial (cfr. art.º 2005.º, n.º2 do CC), pelo que o agente deste crime só pode ser a pessoa que estiver na titularidade de uma dada relação familiar, investido numa particular posição subjectiva.

Por isso, neste ilícito, está-se a proteger criminalmente o agregado familiar.

Como, aliás bem se refere no AC TRP de 9.11.2016, (…), para que se verifique a prática deste crime, basta que se perspective o perigo, não sendo necessária a carência efectiva, mesmo que se esteja a receber auxílio de terceiros, quer estes auxiliem por estar legalmente obrigados, quer o façam voluntariamente (cfr. Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 3ª Edição, 2º vol., Editora Rei dos Livros, págs., 1065 e ss.), sendo um prime de perigo e não de dano.

Assim sendo, considerando que o tipo legal visa a protecção de bens jurídicos eminentemente pessoais, o número de crimes determina-se pelo número de alimentados que são afectados pela violação da obrigação de alimentos, isto é, pelo número de pessoas em relação às quais a satisfação das suas necessidades fundamentais é posta em perigo pelo não cumprimento da obrigação de alimentos, atento o artigo 30.º, n.º 1, do CP (cfr. Ac. STJ de 3.10.2001 /proc. n.º 2237/01-3.ª; SASTJ, n.º 54, pág. 75, Acórdãos da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, in Colectânea de Jurisprudência, Ano XXIX ­2/214 I, de 8-11-2006, 4-1-2006 e 25-6-2008, e do TRE de 23-2-2016, disponíveis em www.dgsi.pt), posição aliás que já atras perfilhamos de forma assertiva.

Por isso, um arguido ao não cumprir a obrigação a que se encontra vinculado em relação a cada um dos seus filhos, alegadamente, violou o mesmo bem jurídico, que é de natureza eminentemente pessoal no que respeita a duas pessoas diferentes, pelo que estamos perante um caso previsto no art. 30º nº 1 do C.Penal, como dissemos.

Vide aqui o Ac. TRP de 20-02-2013, CJ, 2013, T2, pág.221: I. O crime de violação da obrigação de alimentos é um crime de execução permanente, que só se consuma quando cessa o incumprimento da dita obrigação.

II. Enquanto não ocorrer a consumação do crime, aplica-se o regime penal que vigorar até então, ainda que o mesmo seja mais gravoso do que o inicialmente previsto.

III. Só se verifica o crime se a violação da obrigação de alimentos impossibilitar a realização das exigências mínimas de uma vida condigna por parte do alimentando, sem o recurso a terceiros.

IV. Comete, por isso, tal crime o pai do menor que, estando obrigado a prestar-lhe alimentos e podendo fazê-lo, deixa de cumprir a respectiva obrigação, assim colocando em risco a satisfação das necessidades básicas dele em matéria de educação e sustento, tal só não sucedendo porque a mãe do menor e os avós maternos fizeram um esforço acrescido., in www.dgsi.pt .

-Assim no caso dos autos e em suma temos que o arguido se encontra acusado da prática de dois crimes p.p. pelo artº 250º nº 3 do CP, praticados alegadamente desde Maio de 2009, (sendo que antes já tinha havido incumprimento que foi na altura sanado pela via executiva) ou seja deixou de pagar a pensão de alimentos a partir dessa data, a qual tinha sido fixada no âmbito da acção de divórcio nº 323/00 que correu termos no 1º juízo do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais, homologada por sentença transitada em julgado, tendo pago apenas €1000,00 em Junho de 2012.

-Este crime tem natureza semi pública, ou seja é necessário a dedução de uma queixa.

-Que a queixa, foi efectuada pela recorrente mãe dos então menores depois de ter sido intentado incidente de incumprimento da regulação das responsabilidades (agora) parentais, na vertente de alimentos, não temos dúvidas.

_ E quando a assistente procedeu à queixa, este crime, em 19 de Maio de 2009, que é de execução permanente, só se consuma quando cessa o incumprimento da dita obrigação ( desconhecendo nós, quando,  e se tal ocorreu).

- Que em 6 de Fevereiro de 2014, por sentença devidamente transitada em julgado foi homologado o acordo efectuado entre os progenitores quanto á fixação do montante em divida até Maio de 2003 (data da maioridade do filho mais novo) e forma de pagamento, desconhecendo nós se alegadamente o mesmo estará a ser cumprido ou não.

-Assim a “vexata questio”reduz-se ao facto de saber se a mãe dos então menores podia deduzir queixa crime por aqueles factos (artº 250º nº 3 do CP) depois de ter intentado o incidente de incumprimento da Regulação das responsabilidades parentais na vertente de alimentos, face ao não pagamento das pensões de alimentos por parte do arguido, e por forma a tornar efectiva aquela prestação, conforme parece apontar o disposto no nº2 do artº 72º do CP.

Aqui debate-se a questão efectivamente da “queixa”, poder ser ela,  ou não, deduzida antes ou depois da instauração do incidente de incumprimento na vertente de alimentos

Assim nesta temática:

Dispunham os artigos 181 e 189 da OTM, entretanto revogados pela Lei 141/2015 de 8 de  Setembro)

Artigo 181.º

(Incumprimento) - [revogado - Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro]

1 - Se, relativamente à situação do menor, um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acordado ou decidido, pode o outro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até 50000$00 e em indemnização a favor do menor ou do requerente ou de ambos.

2 - Autuado ou junto ao processo o requerimento, o juiz convocará os pais para uma conferência ou mandará notificar o requerido para, no prazo de dois dias, alegar o que tenha por conveniente.

3 - Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício do poder paternal, tendo em conta o interesse do menor.

4 - Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegaram a acordo, o juiz mandará proceder a inquérito sumário e a quaisquer outras diligências que entenda necessárias e, por fim, decidirá.

5 - Se tiver havido condenação em multa e esta não for paga no prazo de dez dias, será extraída certidão do processo, a remeter ao tribunal competente para execução.

Dispunha o Artigo 189.º da OTM _ ao abrigo do qual a requerente deduziu incidente próprio nos idos anos de 2004, face ao não pagamento da pensão de alimentos pelo arguido aos seus dois filhos, então menores de idade,

(Meios de tornar efectiva a prestação de alimentos) - [revogado - Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro]

1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida dentro de dez dias depois do vencimento, observar-se-á o seguinte:

a) Se for funcionário público, ser-lhe-ão deduzidas as respectivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade competente;

b) Se for empregado ou assalariado, ser-lhe-ão deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respectiva entidade patronal, que ficará na situação de fiel depositária;

c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução será feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários.

2 - As quantias deduzidas abrangerão também os alimentos que se forem vencendo e serão directamente entregues a quem deva recebê-las.

Ora antes de mais parece-nos ser de inteira justiça e com o devido e consequente apoio legal, não perfilhar a corrente maioritária de se entender que, se for instaurado primeiro o incidente de alimentos já não pode ser feita a queixa crime, (mas se for feita a queixa crime e depois deduzido o incidente tal já é possível) por existir uma renuncia tácita com a dedução deste incidente e aplicando-se o artº 72  nº2 do CPP, o qual estabelece:

Artigo 72.º

Pedido em separado

1 - O pedido de indemnização civil pode ser deduzido em separado, perante o tribunal civil, quando:

a) O processo penal não tiver conduzido à acusação dentro de oito meses a contar da notícia do crime, ou estiver sem andamento durante esse lapso de tempo;

b) O processo penal tiver sido arquivado ou suspenso provisoriamente, ou o procedimento se tiver extinguido antes do julgamento;

c) O procedimento depender de queixa ou de acusação particular;

d) Não houver ainda danos ao tempo da acusação, estes não forem conhecidos ou não forem conhecidos em toda a sua extensão;

e) A sentença penal não se tiver pronunciado sobre o pedido de indemnização civil, nos termos do n.º 3 do artigo 82.º;

f) For deduzido contra o arguido e outras pessoas com responsabilidade meramente civil, ou somente contra estas haja sido provocada, nessa acção, a intervenção principal do arguido;

g) O valor do pedido permitir a intervenção civil do tribunal colectivo, devendo o processo penal correr perante tribunal singular;

h) O processo penal correr sob a forma sumária ou sumaríssima;

i) O lesado não tiver sido informado da possibilidade de deduzir o pedido civil no processo penal ou notificado para o fazer, nos termos do n.º 1 do artigo 75.º e do n.º 2 do artigo 77.º

2 - No caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a este direito.

  Contém as alterações dos seguintes diplomas:

   - Lei n.º 59/98, de 25/08

  Consultar versões anteriores deste artigo:

   -1ª versão: DL n.º 78/87, de 17/02

Temos aqui que considerar a título meramente informativo a seguinte jurisprudência, mas que não se aplica ao caso dos autos:

Jurisprudência

 1.  Ac. TRP de 17-12-2014 :No caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a dedução de pedido de indemnização civil em ato anterior á apresentação da queixa-crime implica a renúncia ao exercício desse direito.

Jurisprudência obrigatória

 1.  Assento STJ nº 5/2000 de 19-01-2000, in DR I Série A de 2-03-2000:

«A dedução, perante a jurisdição civil, do pedido de indemnização, fundado nos mesmos factos que constituem objecto da acusação, não determina a extinção do procedimento quando o referido pedido cível tiver sido apresentado depois de exercido o direito de queixa se o processo estiver sem andamento há mais de oito meses após a formulação da acusação.»

E passamos a explicar o porquê desta tomada de posição:

Considerando-se o que, de forma, confessamos, prolixa se deixou atrás exarado o certo é que não podemos deixar escapar entre os dedos as subtilezas da lei, certamente queridas pelo legislador.

E este é, precisamente, um caso destes que tem sido perspectivado de forma translúcida, ao considerar-se que, a propositura do incidente de incumprimento de alimentos anterior á dedução de queixa faz precludir esta, e de forma tácita, utilizando para tal e de forma algo temerária o nº 2 do artº 72º do CPP, que na nossa opinião, não é aplicável nestes casos, tendo de ser feita aqui uma interpretação restritiva desta norma, até porque em rigor ela não faz referência aos então artigos 181 ou 189º da OTM/ incidentes de cobrança coerciva de alimentos, e tal parece-nos claro.

Primeiro haverá que atentar que um pedido/acção de indemnização civil (este sim que preclude a queixa nos crimes semi públicos ou particulares), não é de todo a mesma coisa do que um incidente de incumprimento instaurado ao tempo em vigor da OTM ( Direito da Família).

Este incidente tem já em si intrínseco, uma natureza coerciva senão executiva, sendo que deriva e está respaldado por uma sentença transitada em julgado.

Explicando melhor, é exactamente o não cumprimento do estabelecido numa sentença de regulação do exercício das responsabilidades parentais/ ou sentença homologatória de um acordo dos progenitores, que vai permitir a oclusão deste incidente (que é certamente de natureza cível), mas que não é uma acção/ pedido de responsabilidade/ indemnização civil, e tudo isto deve-se á especificidade o direito da família, pois geralmente o incumprimento das prestações alimentícias, são, por assim dizer de trato sucessivo, vão-se “acumulando” ao longo dos meses mesmo estando a correr o incidente de incumprimento, que é possível em virtude de um título executivo pré- existente, que é uma sentença transitada em julgado.

Em suma não existe em rigor nenhum pedido de indemnização civil.

Enfatiza-se um incidente de incumprimento para cobrança coerciva de alimentos devidos a menores não é um pedido de indemnização civil.

Igualmente importante era que o prazo para a sua dedução estava contido no artº 189º da OTM ( já revogada pela Lei 141/2015 de 8 /09/ sendo que o prazo se manteve nos 10 dias permanecendo inalterado) e que era de 10 dias após o seu vencimento( da prestação alimentícia, entenda-se).

Ora as situações de falta de pagamento da pensão de alimentos é  infelizmente muito comum na nossa sociedade, estando as secções de Familia e Menores, completamente inundadas de tais incidentes / execuções, os quais até em certos casos se fica a dever à precária situação económica Portuguesa, nomeadamente das elevadas taxas de desemprego e na sua precaridade.

Ora, se a situação que provoca não cumprimento pelo progenitor obrigado ao pagamento é aquela, o reverso da medalha reflecte-se logo no agregado familiar onde o/s menores estão inseridos, pois ficam privados imediatamente da pensão monetária do outro progenitor, que na maior parte das vezes faz perigar o equilíbrio do orçamento doméstico, privando-se o menor das suas necessidades básicas.

Assim o que o progenitor guardião pretende é obter o mais rápido possível o pagamento da prestação em falta, a qual como se disse se vence 10 dias após o seu vencimento, na altura artº 189º da OTM/ hoje artº 48º da lei 141/2015 de 8/9, que dispõe também prazo de idêntica natureza/ Artigo 48.º Meios de tornar efetiva a prestação de alimentos

1 - Quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, observa-se o seguinte:

a) Se for trabalhador em funções públicas, são-lhe deduzidas as respetivas quantias no vencimento, sob requisição do tribunal dirigida à entidade empregadora pública;

b) Se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário;

c) Se for pessoa que receba rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos, gratificações, comparticipações ou rendimentos semelhantes, a dedução é feita nessas prestações quando tiverem de ser pagas ou creditadas, fazendo-se para tal as requisições ou notificações necessárias e ficando os notificados na situação de fiéis depositários.

2 - As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são diretamente entregues a quem deva recebê-las  ) de acordo com o artº 189º nº da OTM, fazendo despoletar o correlativo incidente após o decurso deste prazo.)

Ora como se pode constatar, bastava assim a dedução do incidente de cobrança coerciva (que tem um prazo curto como já se viu), para inviabilizar a possibilidade de accionar a queixa relativa ao crime p.p. pelo artº 250º do C.P.( violação da obrigação de alimentos), até porque este, na sua versão mais “leve” tem como um dos elementos objectivos da pratica do crime previsto e punido o nº 1, o decurso de um prazo: DOIS meses.

 Conforme salienta Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 3.ª Edição, Universidade Católica, pág. 218, a propósito da alínea a) do n.º1 do art. 72.º do Código de Processo Penal “A dedução perante tribunal civil de pedido de indemnização fundado nos factos da acusação não determina a extinção do procedimento criminal quando o referido pedido de indemnização tiver sido apresentado depois de exercido o direito de queixa e o processo criminal estiver sem andamento há mais de oito meses após a formulação da acusação (assento do STJ n.º 5/2000)”. Assim nem há sequer que aplicar o precedente assento em virtude da situação não se enquadrar no âmbito da sua aplicação.

Vide aqui, v.g. o Acórdão da Relação do Porto de 20-04-2009 I - Não deve ser rejeitada a execução especial por alimentos (devidos a menor), com base em (manifesta) falta de título executivo, quando na base da mesma está uma sentença homologatória transitada em julgado - do acordo alcançado na acção de regulação do poder paternal em que os progenitores da menor estipularam uma determinada prestação mensal a título de alimentos. II - Tal sentença homologatória é título executivo suficiente para a propositura da execução para pagamento das prestações entretanto vencidas e não pagas pelo progenitor-devedor (e, bem assim, para cobrança coerciva das prestações/mensalidades que se forem vencendo na pendência do processo executivo, fundamentando, neste caso, o recurso à cumulação sucessiva prevista no art. 54° do CPC), não havendo necessidade de recurso prévio ao incidente de incumprimento, previsto no art. 181° da OTM, a fim de aí se obter decisão que reconheça o não pagamento das prestações vencidas a executar, incidente que nem sequer é aplicável quando estejam em causa prestações de alimentos.

Proc. 2907/05.0TBPRD-A.P1

Relator: M. Pinto dos Santos, in www.dgsi.pt

ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES. EXECUÇÃO.

1.O incidente previsto no artigo 189º da OTM, usualmente designado de pré-executivo, não é específico da acção de alimentos, uma vez que se prevê a adopção de medidas para cobrança coerciva da prestação de alimentos, aplicável não só quando estes sejam fixados no próprio processo - artigos 186 e ss. da OTM - mas também quando fixados em processo de regulação do poder paternal - artigos 174º e ss. da OTM - ou em qualquer acção em que tenham sido fixados alimentos;

2. O artigo 189º da OTM não exclui a possibilidade de utilização de outros meios para obtenção dos alimentos, nomeadamente o processo especial de execução de alimentos previsto nos artigos 1118º e ss. do CPC;

3. Desde que seja possível a cobrança dos alimentos através do desconto no vencimento ou dos rendimentos referidos nas diversas alíneas do nº1 do artigo 189º da OTM, deve ser utilizado este meio, afastando-se a cobrança coerciva através da propositura de acção executiva especial.

(Sumário efectuado pela relatora)

Proc. 8771/08-2

Relator: Ondina Carmo Alves, in www.dgsi.pt

Acórdão da Relação de Lisboa de 18-06-2009, in www.dgsi.pt  

REGULAÇÃO DO PODER PATERNAL. INCUMPRIMENTO. ALIMENTOS. PRESCRIÇÃO.

I - O incidente de incumprimento previsto no art. 189º da OTM constitui um meio de cobrança coerciva da prestação de alimentos, através de procedimento pré-executivo, cuja utilização é preferível por ser mais célere e garantir mais facilmente os interesses do menor, antes ou independentemente da acção executiva.

II - O dever de contribuir para o sustento dos filhos menores constitui uma obrigação dos pais, assumindo estes a posição de devedores e aqueles a de credores, tendo origem na relação biológica da filiação.

  Acórdão da Relação de Guimarães de 29-03-2011

ALIMENTOS. MENORES. SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL. DESCONTO.

I - Não é ilegal nem inconstitucional a interpretação do art.º 189.º da OTM no sentido de se poderem efectuar deduções no vencimento de devedor de prestações alimentares, vencidas ou vincendas, devidas a menores seus filhos, ainda que, de tal dedução resulte para aquele devedor rendimento inferior ao salário mínimo, desde que essas deduções não ponham em causa o mínimo de sobrevivência, garantido por montante equivalente ao do rendimento de inserção social.

Proc. 651/06.0TBGMR-B.G1 , in www.dgsi,pt e também, Acórdão da Relação do Porto de 06-12-2011 ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES. INCUMPRIMENTO. FORMA DE PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE. MORTE DA PROGENITORA.

I - Quando o incumprimento diz respeito apenas a alimentos, deve aplicar-se o procedimento regulado no art.° 189.º da OTM, sendo o incidente processado nos próprios autos do processo onde foi regulado o poder paternal.

Assim estamos em franca oposição, discordando da posição tomada pelo Ac. TRP de 11-06-2014, relatado por Augusto Lourenço, CJ, 2014, T3, pág.252, que estabelece: I. A acção penal pelo crime de violação da obrigação de alimentos não pode ser prosseguida pela mãe das menores, que, sendo assistente no processo, se socorreu do incidente de natureza cível para obter o pagamento dos alimentos em dívida às filhas. II. Na verdade, tendo o crime natureza semi-pública, a instauração daquele incidente implica renúncia ao direito de queixa.

E tal pelos motivos que supra e infra se deixam expressos.

 De facto neste INCIDENTE de cobrança coerciva/ou acção EXECUTIVA não lhe está associada de forma nenhuma os requisitos daquela acção ( exigida pelo nº 2 do artº 72º do CPP) que sumariamente consistem em, (tal como na responsabilidade extracontratual ou delitual/ pedido de indemnização civil), na responsabilidade contratual são quatro os pressupostos:

-o facto ilícito;

-a culpa;

-o dano;

- e o nexo de causalidade entre o facto e o dano,

Estes sim são aqueles a que se referem a renúncia tácita do nº 2 do artº 72º do CPP e explicitando, para que duvidas não subsistam:

Artigo 72.º CPP

Pedido em separado

2 - No caso de o procedimento depender de queixa ou de acusação particular, a prévia dedução do pedido perante o tribunal civil pelas pessoas com direito de queixa ou de acusação vale como renúncia a este direito.

  Contém as alterações dos seguintes diplomas:

   - Lei n.º 59/98, de 25/08

  Consultar versões anteriores deste artigo:

   -1ª versão: DL n.º 78/87, de 17/02

Naturalmente que consideramos aqui, também para afastar  a aplicação do nº 2 do artº 72 do CPP, que a prática deste crime ( artº 250º nº 3 do C) mesmo revestindo natureza semi publica, e cometido no seio da família ( ratio de ser necessária a dedução de queixa) visa penalizar o progenitor relapso que por via da sua actuação criminosa deixou á “mercê” a sua descendência, não se preocupando com a sua subsistência mínima, e pondo-o em perigo concreto quanto ás suas necessidades básica, como por exemplo a sua alimentação.

Não pretendendo de alguma forma criticar, não podemos de deixar de referir aqui as opções por vezes algo surpreendentes, (em termos comparativos, naturalmente) do legislador relativamente e  comparativamente, por exemplo aos crimes tipificados no artº 250º do CP.

Dando um exemplo concreto, vejamos o recente artigo 388º do CP:

Artigo 388.º

Abandono de animais de companhia.

Quem, tendo o dever de guardar, vigiar ou assistir animal de companhia, o abandonar, pondo desse modo em perigo a sua alimentação e a prestação de cuidados que lhe são devidos, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 60 dias.

Aditado pelo seguinte diploma: Lei n.º 69/2014, de 29 de Agosto

Ora como é fácil constatar este é um crime de natureza pública, mas o crime p.p. pelo artº 250 do C.P. é semi público, quando neste estão risco crianças e jovens/ menores de idade, e no precedente animais de companhia (sem desprimor para estes naturalmente).

É legítimo questionar porque é que o não pagamento da pensão de alimentos a menores nos termos contidos no artº 250º do C.P. não constitui um crime público, mesmo quando fique em perigo a sua subsistência (pois a colocação em perigo das necessidades fundamentais do alimentando constitui o elemento fulcral do crime de violação da obrigação de alimentos). Pensamos que deveria ser.

 As crianças e os jovens não se podem defender, quer pela sua tenra idade (não sabem apresentar queixa…/ se bem que tenham representantes legais), nem depois dos 16 anos terão por vezes aquela liberdade de auto determinação de apresentar queixa crime contra a sua mãe ou o seu pai. Deixa-se assim aqui plasmado de forma modestíssima estas considerações, que certamente serão inócuas…

Repristinando diremos que:

-Igualmente podemos acrescentar que este tipo de INCIDENTE / 181/189 da OTM, hoje artº 48º da lei 141/2014 ed 8/9 (note-se que não é acção de responsabilidade civil/ pedido de indemnização cível) pode ser deduzido directamente pelos progenitores  do menor, não sendo necessária a intervenção de advogado;

-Igualmente este INCIDENTE (nos termos da nova legislação), pode e podia ser interposto directamente pelo MºPº em representação do menor;

 -Ora bem e neste caso, o que poderia acontecer uma vez que nenhum dos progenitores intentou tal incidente? Em tese poderiam fazer queixa crime ( artº 250º do CP ) em qualquer altura não existindo qualquer limite legal que de forma incisiva o impedisse, pois nada têm a ver com o incidente em si;

-Logo aqui se verificaria uma situação de desigualdade, que beliscaria o artº 13º da Constituição da Republica portuguesa e o princípio ali contido de forma cristalina;

-A tal acresce igualmente que no fim da linha, não sendo possível o pagamento pelo progenitor obrigado ao pagamento da pensão de alimentos, entra em campo o FGADM, o qual se substitui ao progenitor relapso, o qual estava previamente obrigado a cumprir uma decisão judicial, e que com o dinheiro de todos os contribuintes, passa a assegurar nos termos legais o pagamento da pensão ao/s menores até à sua maioridade.

Ou seja: Considerando que o direito a alimentos é um direito fundamental, na hipótese de os progenitores, os devedores desta prestação, estarem impossibilitados de prestar os alimentos devidos, essa prestação é garantida pelo Estado, através do Fundo de Garantia De Alimentos Devidos a Menores. Este FGAM apenas pode ser acionado se respeitados vários pressupostos, entre eles a impossibilidade não provocada pelo próprio agente, não correspondendo (em principio) à circunstância descrita no n.º 4 do art. 250.º do C.P.

 Criado pela Lei 75/98 de 19 de Novembro e regulamentado pelo D.L. 164/99 de 13 de Maio, tendo já sofrido outras alterações legislativas subsequentes nomeadamente quanto ao calculo da capitalização dos rendimentos. 

É regulado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, com o intuito de proteger interesses e direitos fundamentais dos menores.

Uma das grandes divergências, já discutida, quanto às prestações alimentares, é a questão de saber a partir de que momento é que são devidas as prestações pelo FGAM, sendo que alguns entendem que se deve a partir da data de entrada do requerimento e, outros, defendem que são devidos alimentos apenas a partir da data da decisão do incumprimento da prestação, tal qual o Ac. STJ Uniformizador de Jurisprudência de 07-07-2009 determinou: “A obrigação de prestação de alimentos a menor (…) só nasce com a decisão que julgue o incidente de incumprimento do devedor originário e a respectiva exigibilidade só ocorre no mês seguinte ao da notificação da decisão do tribunal, não abrangendo quaisquer prestações anteriores.” – Resolvendo-se assim, na jurisprudência, a questão do início da prestação pelo Fundo.

Cf. Ac. STJ de 22-05-2013: “a efectivação da prestação dos alimentos devidos a menores, já judicialmente fixados, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, com natureza subsidiária, dependendo esta prestação substitutiva do Estado da verificação cumulativa de vários requisitos, nomeadamente, a existência de sentença ou acórdão, mesmo que não transitados, que fixem os alimentos devidos a menores, ou de decisão que estabeleça alimentos provisórios, a favor dos mesmos, a cargo da pessoa obrigada, a residência do menor, em território nacional, a inexistência de rendimentos líquidos do alimentando superiores ao salário mínimo nacional, o não recebimento pelo alimentando, na mesma quantidade, de rendimentos de outrem, a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, sempre que a capitação de rendimentos desse agregado familiar não exceda aquele salário, e o não pagamento, total ou parcial, por parte do devedor, das quantias em dívida, designadamente, através de uma das formas previstas no artigo 189º, da OTM, independentemente do recurso à via da execução especial por alimentos, como resulta das disposições combinadas dos artigos 1º, da Lei nº 75/98, de 19 de Novembro, 2º, nº 2 e 3º, nº 1, a), do DL nº 164/99, de 13 de Maio. De notar que “O Estado não se substitui incondicionalmente ao devedor originário dos alimentos e apenas se limita a assegurar os alimentos de que o menor carece, enquanto o devedor primário não pague, ficando onerado com uma nova prestação e devendo ser reembolsado no fturo, se possível, do que pagar.

Acórdão da Relação de Coimbra de 11-12-2012

ALIMENTOS. MENORES. FUNDO DE GARANTIA

I - A impossibilidade da satisfação pelo devedor das quantias em dívida, enquanto requisito para que o Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores (FGDAM) suporte as prestações de alimentos devidos a menor residente em Portugal, traduzindo a necessidade de uma tutela urgente e eficaz a cargo do Estado, verifica-se quando da factualidade provada resulta que não é viável com o recurso a procedimento previsto no art. 189º da O.T.M. obter a cobrança coerciva das prestações alimentares vencidas e vincendas (incidente de descontos intra-processual).

II - Não é requisito da lei (Lei nº 75/98 de 19/11 e DL nº 164/99 de 13/5) para que o Estado pague através do F.G.A.D.M. a prestação devida pelo obrigado alimentos que seja impossível a cobrança coerciva mediante recurso a uma acção executiva, quer em sede de execução especial por alimentos, quer em sede de cobrança de alimentos de estrangeiro, ao abrigo de Convenção Internacional (v. g. da Convenção de Nova Iorque de 20-06-1956) ou de instrumento normativo comunitário (Regulamento (CE) nº 4/2009 de 18/12/2008).

Proc. 46/09.3TBNLS-A.C1 Relator: LUIS CRAVO, in www.dgsi.pt e também Acórdão da Relação de Évora de 13-03-2014 FUNDO DE GARANTIA DE ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES. DESCONTO DA PENSÃO. CONSTITUCIONALIDADE.Não é ilegal nem inconstitucional a interpretação do artº 189º da OTM no sentido de se poder efectuar deduções na pensão de devedor de prestações alimentares, vencidas ou vincendas, devidas a menores seus filhos, desde que essas deduções não ponham em causa o mínimo de sobrevivência, garantido por montante equivalente ao do rendimento social de inserção. Sumário da relatoraProc. 432-B/2002.E1 Relator: MARIA ALEXANDRA M. SANTOS Cfr. também Acórdão n.º 394/2014 do Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República n.º 108, Série II, de 5.6.2014

Assim face ao atrás exposto, concluímos sem reservas, que a recorrente podia proceder a queixa-crime (artº 250º do CP) depois de ter intentado o competente incidente de incumprimento na vertente de alimentos, não existindo qualquer renúncia tácita ao direito de queixa por via da aplicação do nº 2 do artº 72º do CPP, quando esta é precedida pela interposição de um incidente de cobrança coerciva de alimentos devidos a menores ou uma acção de execução, resultante do não cumprimento pelo arguido de uma sentença de regulação das responsabilidades parentais na vertente de alimentos, em virtude daquele não ter claramente as características de um “pedido cível”, conforme está definido pelo artº 72º nº2 do CPP.

Assim considerando-se o atrás exposto procede neste segmento o recurso apresentado pela assistente, o que se declara, e ordenando-se nesta parte a revogação do despacho recorrido com o prosseguimento da normal tramitação dos autos, feitura de julgamento e sentença.

4-A recorrente tem legitimidade para exercer o direito de queixa em relação a sua filha Margarida que completou 16 anos em 7.10.2008 (tendo mais de 16 anos à data da queixa crime)?

A queixa consiste em dar-se conhecimento ao Ministério Público (ou à autoridade judiciária ou de polícia que o transmitirá àquele) do facto para que seja promovido o respectivo processo, sendo um acto pessoal que deve ser praticado pelo «titular dos interesses que a lei quis especialmente proteger com a incriminação» (art. 113º, nº 1, do CP) ou, no caso deste ser incapaz, por uma das pessoas elencadas no nº 3 do art. 113º do CP, agindo em representação daquele (representante legal, cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens, descendentes e na falta deles, aos ascendentes, irmãos e seus descendentes). Têm legitimidade para exercer o direito de queixa de que são titulares os indivíduos de idade superior a dezasseis anos que não apresentem incapacidades de exercício impeditivas da apresentação da queixa (v. g. anomalia psíquica que comprometa a percepção do significado e alcance da queixa).

Assim, sendo o ofendido menor de 16 anos, o exercício do direito de queixa pertence ao seu representante legal, e na sua falta, as pessoas indicadas sucessivamente nas alíneas do nº 2 do artº 113º, do Código Penal. A efectivação da queixa não está sujeita a quaisquer formalidades legalmente impostas cfr. artigo 246º, nº 1, do CPP que, embora mencionando a denúncia, engloba esta, a queixa e a participação podendo ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal contra o agente pelos factos que descreve ou menciona.

A exigência de poderes especiais a que alude o nº 3, do artigo 49º, do CPP, é relativa apenas ao mandatário não judicial, pelo que, ao mandatário judicial, para apresentar queixa, basta que esteja munido de mandato geral.

Segundo se refere no AC do TRG de 18.11.2002 in www.dgsi.pt I-A mãe de menor com mais de 16 anos de idade não tem legitimidade para apresentar queixa pelo crime de violação da obrigação de alimentos do artº 250º do C. Penal em que é ofendido um seu filho menor mas com mais de 16 anos.II - Conforme refere Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, pág. 673, a incapacidade em razão da idade, em direito penal, não segue as normas de direito civil, mas a regra jurídico - penal geral sobre imputabilidade em razão da idade: por isso o maior de 16 anos é, em princípio, capaz para o exercício do direito de queixa que lhe caiba na qualidade de ofendido.III – Mesmo relativamente ao período de tempo em que o menor ainda não tinha completado os 16 anos de idade, não deverá considerar-se que a representante legal exerce tal direito de queixa como seu titular, como poderia resultar do teor literal do artº 113º nº 3 do C. Penal, mas sim, ainda aqui, em nome do menor.IV – Por isso, ainda relativamente a tal período de tempo, passa a representante legal a carecer de legitimidade para o exercício de tal direito de queixa, a partir do momento em que o menor ofendido perfaz os 16 anos de idade.

(tem voto de vencido do Desembargador Anselmo Lopes que considera ser a mãe do menor a titular do bem jurídico protegido, sendo ela, portanto, a titular do direito de queixa, uma vez também que, não podendo o obrigado cumprir a obrigação perante o filho, não deverá ser este considerado titular do respectivo direito de queixa).

Sobre o exercício do direito de queixa pelos progenitores, em representação do menor, em crimes de natureza semi-pública, cfr. Helena Bolieiro e Paulo Guerra in 'A Criança e a Família - Uma Questão de Direito (s)...', Coimbra Editora, 2009, página 161, nota 9.

Ora é alegado que à data da apresentação da queixa a então menor M... já tinha 16 anos de idade.

Alegado sim, não temos dúvidas, mas, como se sabe a idade só se comprova através de documento autêntico, nomeadamente certidão de nascimento, ou documento emitido pelo Estado Português como o cartão de cidadão ou passaporte.

Ora lidos e relidos estes autos não se vislumbra que neles conste qualquer documento que faça prova da idade da M..., pelo que intelectualmente impossibilitado fica este Tribunal de apreciar da viabilidade ou não do exercício do direito de queixa feito pela assistente em 19 de Maio de 2009, pelo que terá o tribunal “ a quo” de apurar tal facto em sede de julgamento.

Face ao que atrás se exarou, também aqui o processo terá que prosseguir, revogando-se nesta parte a decisão recorrida, com a marcação de data para a realização da audiência de discussão e julgamento, e demais imperativos legais e culminando com a feitura da sentença.

              DISPOSITIVO

Em face do exposto acordam as juízas que compõem a 9ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa, em:

1.Julgar parcialmente provido o recurso interposto pela assistente e ora recorrente, devidamente identificada nos autos, revogando-se o despacho recorrido na parte em que determinou o arquivamento dos autos com base na aplicação do nº2 do artº 72º do C.P.P. (renúncia tácita), e determina-se concomitantemente, o prosseguimento dos presentes autos com as condicionantes atrás referidas, agendando-se data para julgamento, com a realização da audiência de discussão e julgamento e demais imperativos legais, culminando com a feitura da correlativa sentença.

2.Não é devida tributação.

3.Notifique e D.N.

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2017

(Processado integralmente em computador e revisto pela Juíza Desembargadora relatora, artigo 94º nº 2 do Código de Processo Penal/ versos em branco)

Filipa Costa Lourenço

Margarida Vieira de Almeida