Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4952/17.3T8LSB.L1-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: SANEADOR-SENTENÇA
PRETERIÇÃO DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
NULIDADE PROCESSUAL
NULIDADE DE SENTENÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - No caso de ser proferido saneador sentença que conheça do mérito da causa não pode ser dispensada a audiência prévia ao abrigo do disposto nos artigos 591º nº 1, 593 nº 1 d) e) e f) e 595 nº 1 a) e b) todos do cpc,  mesmo, quando foi dada ao autor oportunidade de discutir as excepções e demais questões pertinentes ao mérito, nos articulados.
II - Só nas acções que hajam de prosseguir  a lei processual autoriza o juiz a dispensar a audiência prévia  que só tivesse por objecto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º
III - Isto é assim, seja pelo que dispõem os artigos 592.º e 593.º, seja pela não inclusão da alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º no elenco das situações para que remete o n.º 1 do artigo 593.º, seja pela expressa ressalva constante do artigo 592º nº 1 b).
IV - A omissão da audiência prévia no caso em que é obrigatória, constitui nulidade processual e simultaneamente nulidade da sentença nos termos conjugados dos artigos. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, e 195º , ambos do CPC.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

J instaurou a presente acção declarativa, com fundamento em responsabilidade contratual emergente de mandato forense deficientemente cumprido, e alegados prejuízos, contra V e P, ambos advogados, requerendo a sua condenação a lhe pagarem:
a) € 84.949,23 (oitenta e quatro mil novecentos e quarenta e nove euros e vinte e três cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais emergentes;
b) € 11.608,16 (onze mil seiscentos e oito euros e dezasseis cêntimos), a título de indemnização por lucros cessantes
c) quantia a fixar pelo tribunal a título de correcção monetária por aplicação dos índices de inflação publicados pelo INE desde 08.06.2002 até à data da sentença e
d) € 40.000,00 (quarenta mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Posteriormente foi requerida a intervenção principal da Seguradora MAPRE
Os autos prosseguiram tramitação regular com notificação do A. para responder por escrito às excepções invocadas pelos RR e a seu tempo foi proferido o seguinte despacho:
II. Da dispensa da audiência prévia
Nos termos do disposto no artigo 593º, nº1, do Cód. Proc. Civil, o juiz pode dispensar a audiência prévia quando esta se destine aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) do nº1 do artigo 591º, prevendo-se na alínea d) a prolação de despacho saneador, nos termos do nº1 do artigo 595º.
De acordo com o estabelecido nas alíneas a) e b) do aludido nº 1 do artigo 595º, o despacho saneador destina-se, entre outros, a conhecer imediatamente das excepções dilatórias e do mérito da causa.
In casu, os autos reúnem todos os elementos para o conhecimento do mérito da causa.
As questões a decidir encontram-se discutidas nos articulados, tendo o A. respondido às excepções invocadas pelos RR., incluindo quanto ao invocado pelos mesmos em termos de “manifesta improcedência do pedido”.
Considerando o que fica referido, ao abrigo do normativo supra citado, dispensa-se a realização desta audiência.
e prosseguiu-se:
«Não se verificam outras excepções dilatórias, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer e que obstem à apreciação do mérito da causa, relegando-se o conhecimento da excepção de prescrição invocada pelos RR. para final».
 Tendo em conta o disposto no art. 595º, nº1, alínea b), do Código de Processo Civil, cumpre, neste momento, conhecer directamente do pedido formulado pelo A. contra os RR., na medida em que os autos fornecem já todos os elementos para a decisão a proferir e as questões a decidir se encontram discutidas pelas partes nos respectivos articulados.
Seguidamente depois de elaborado o relatório foram alinhados os factos assentes e depois de aplicado o direito foi julgada a acção improcedente.
Deste saneador sentença apelou o A. J, tendo e em suma lavrado as conclusões que seguem:
O presente recurso tem como objecto único a impugnação da decisão da dispensa da audiência prévia,
A prolação de decisão final a conhecer de mérito, com dispensa de audiência prévia, que, no caso, é imposta por lei, e sem que previamente tenha sido dada oportunidade às partes de se pronunciarem, consubstancia nulidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, o que ora se invoca, nos termos do disposto nos art.ºs respectivamente 547.º, 591.º, n.º 1, al. b), 6.º, 3.º, n.º 3 e 195.º, todos do Cód.º de Processo Civil.
O Tribunal “a quo”, fundamentou a dispensa da audiência com base no disposto no n.º 1, do art.º 593.º, do CPC, que apenas se aplica às acções que hajam de prosseguir; não podia o Tribunal “a quo” socorrer-se desta norma uma vez que foi proferido saneador sentença.
Ao A. foi facultado pronunciar-se por escrito sobre as excepções deduzidas pelos RR., sem que tenha sido notificado da referida decisão de dispensa da audiência prévia;

Mesmo no âmbito do poder de simplificação e agilização processual e adequação formal o tribunal estava obrigado a notificar as partes que se encontrava em condições de decidir do mérito da causa e concomitantemente a convidá-las para se pronunciarem sobre o objecto do processo, alegando por escrito o que eventualmente sustentariam oralmente na audiência se esta tivesse lugar;
A decisão dos autos e constante da saneador-sentença, foi assim para todos os efeitos uma autêntica decisão surpresa, por totalmente inesperada;
Ao assim proceder, cometeu irregularidade/nulidade processual, por não ser admissível a dispensa da audiência prévia à luz dos preceitos indicados, ex. vi., art.º 591.º/1, al. b), do CPC;
A prolação de decisão final a conhecer de mérito, com dispensa de audiência prévia, que, no caso, é imposta por lei, e sem que previamente tenha sido dada oportunidade às partes de se pronunciarem, consubstancia nulidade susceptível de influir no exame e decisão da causa, o que ora se invoca, nos termos do disposto nos art.ºs respectivamente 547.º, 591.º, n.º 1, al. b), 6.º, 3.º, n.º 3 e 195.º, todos do Cód.º de Processo Civil.
Elencou variada jurisprudência em abono da sua posição.
Objecto do recurso:
Tempestividade da arguição de nulidade resultante da omissão de audiência prévia.
Saber se no caso de ser proferido saneador sentença que conheça do mérito da causa pode ser dispensada a audiência prévia ao abrigo do disposto nos artigos 591º nº 1, 593 nº 1 d) e) e f) e 595 nº 1 a) e b) todos do cpc,  quando foi dada ao autor oportunidade de discutir as excepções e todas as questões pertinentes ao mérito, nos articulados.
Conhecendo:
Fundamentação de facto:
Dá-se aqui por reproduzida a factualidade supra.
Fundamentação de direito:
A nulidade arguida, quando invocada em casos, como o dos autos, em que foi proferido saneador sentença, pode sê-lo, nas alegações de recurso, porquanto como se vem entendendo na jurisprudência e doutrina é uma “nulidade processual traduzida na omissão de um acto que a lei prescreve, mas que se comunica ao despacho saneador, de modo que a reação da parte vencida passa pela interposição de recurso da decisão proferida em cujos fundamentos se integra a arguição da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d), in fine, do CPC.” (..) “o que é nulo não é apenas o processo, mas o saneador-sentença que se pronunciou sobre uma questão de que, sem a audição prévia das partes, não podia conhecer (cfr. art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC  Vd. Ac. do STJ de 23-06-2016, no processo 1937/15.8T8BCL.S1; Também no mesmo sentido Ac. do STJ de 17-03-2016, no proc. 1129/09.5TBVRL-H.G1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. e. Miguel Teixeira de Sousa (Jurisprudência 250) in https://blogippc.blogspot.pt/.
Posto isto e quanto ao regime legal da obrigatoriedade da audiência prévia nos casos em que o tribunal profere saneador sentença, vejamos.
Na economia do actual código de processo civil (diploma que pertencem as normas que doravante não forem seguidas de referência) o artigo 591º veio estabelecer a regra da realização da audiência prévia.
Os preceitos seguintes ocupam-se das excepções: o artigo 592.º da definição dos casos em que pura e simplesmente a audiência prévia não tem lugar, o artigo 593.º da definição dos casos em que a audiência prévia pode ser dispensada.
A norma prescreve que, findos os articulados ou após as diligências ordenadas no despacho pré-saneador se a ele houver lugar, é convocada audiência prévia destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.º;
b) facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar excepções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) proferir despacho saneador, nos termos do n.º 1 do artigo 595.º;
e) determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.º 1 do artigo 6.º e no artigo 547.º;
f) proferir, após debate, o despacho previsto no n.º 1 do artigo 596.º e decidir as reclamações deduzidas pelas partes; g) programar, após audição dos mandatários, os actos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respectivas datas.
São os artigos 592º e 593º que consagram as excepções àquele principio geral quer elencando os casos em que pura e simplesmente a audiência prévia não tem lugar, quer definindo os casos em que a audiência prévia pode ser dispensada.
O tribunal como as partes estão sujeitas ao principio da legalidade nos actos processuais, o que vale por dizer, que a audiência prévia só pode ser dispensada nos casos em que a lei admite expressamente esta dispensa e no uso da faculdade da gestão processual, aqui, respeitado sempre, o princípio do contraditório (artigo  6º nº 1 e 547º).
Em todas as demais situações a lei prevê a audiência prévia, pelo que, no respeito pelo princípio da legalidade dos actos processuais, em regra a mesma deve ser realizada só podendo deixar de o ser nos casos em que a própria lei permite a sua dispensa (artigo 593.º).
O conhecimento do mérito da causa está incluído na alínea b) do artigo 591º, não podendo por isso ser a audiência prévia em tal caso dispensada ao abrigo das alíneas e), d) e f) do mesmo preceito como fez o tribunal recorrido.
A lei é expressa, taxativa e clara permitindo sem margem para duvidas concluir que quando a acção deva findar no saneador por outra causa que não seja a procedência de excepção dilatória que já tenha sido debatida nos articulados, logo, quando o juiz pretenda decidir de imediato, no todo ou em parte, do mérito da causa deve realizar-se audiência prévia para facultar às partes a discussão de facto e de direito que importe para esse conhecimento.
Isto é assim, seja pelo que dispõem os artigos 592.º e 593.º, seja pela não inclusão da alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º no elenco das situações para que remete o n.º 1 do artigo 593.º.
A lei não permite ao juiz que dispense a realização da audiência nos casos previstos na alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º do Código de Processo Civil ou, tão-pouco, que possa entender fazê-lo no uso de um poder discricionário, salvo na situação expressa na alínea b) do nº1 do artº 592º.
Se o Tribunal entender que está habilitado para decidir de mérito de todo ou parte do pedido, já não funciona a norma do artigo 593º, antes funcionando a norma do artigo 591º,  nº 1 b) norma esta que estabelece a regra ou princípio geral, de que é obrigatória em tal caso a audiência prévia.
A excepção do artº 592º nº 1 b) apenas tem lugar quando a acção finda pela procedência de excepção dilatória, isto é por razões de ordem formal. Neste caso não há conhecimento do mérito.
Nesta matéria há uma alteração legislativa relativamente ao anterior código. Efectivamente, Como explica Lebre de Freitas in A Acção Declarativa Comum ”, 3ª edição, pág. 172 “, No cpc de 1961 posterior à revisão de 1995-1996, exceptuava-se o caso em que os fundamentos da decisão a proferir tivessem sido já discutidos pelas partes, não havendo insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto a corrigir e revestindo-se a apreciação da causa de manifesta simplicidade. No novo código esta excepção desaparece: o juiz não pode julgar de mérito no despacho saneador sem primeiro facultar a discussão, em audiência, às partes”.
Em face do exposto reconhecemos a razão da apelante na invocação da nulidade processual e do saneador sentença a qual tem influencia na decisão da causa.
A jurisprudência é uniforme neste entendimento. Cita-se a titulo de exemplo os Acórdãos deste TRL de:  09-10-2014 in ap 2164/12.1TVLSB.L1- Relator: Jorge Manuel Leitão Leal, de 05-05-2015 in ap 1386/13.2TBALQ.L1-7, Relator: Cristina Coelho, de  08-02-2018 in ap 3054-17.7T8LSB-A.L1-6 Relator: Cristina Neves, de  20-12-2018 in ap11749/17.9T8LSB.L1-7, Relator: Luís Espirito Santo;  o Acórdão do TRE de 10-05-2018 in 239/15.5T8ENT-A.E1, Relator: Mata Ribeiro;  Acórdão do TRG de 17-01-2019   in ap 4833/15.5T8GMR-A.G3, Relator José Cravo;  Acórdãos do  TRP:  in ap 128/14.0T8PVZ.01,de 24-09-2015 Relatora Judite Pires de 27-09-2017 in ap 136/16.6T8MAI-A.P1 Relator: Aristides Rodrigues de  Almeida;  de 5.11.2018  in ap1425/17.8T8GDM.P1- Relator Jorge Seabra.
Sumário:
No caso de ser proferido saneador sentença que conheça do mérito da causa não pode ser dispensada a audiência prévia ao abrigo do disposto nos artigos 591º nº 1, 593 nº 1 d) e) e f) e 595 nº 1 a) e b) todos do cpc,  mesmo, quando foi dada ao autor oportunidade de discutir as excepções e demais questões pertinentes ao mérito, nos articulados.
Só nas acções que hajam de prosseguir  a lei processual autoriza o juiz a dispensar a audiência prévia  que só tivesse por objecto as finalidades indicadas nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º
Isto é assim, seja pelo que dispõem os artigos 592.º e 593.º, seja pela não inclusão da alínea b) do n.º 1 do artigo 591.º no elenco das situações para que remete o n.º 1 do artigo 593.º, seja pela expressa ressalva constante do artigo 592º nº 1 b).
A omissão da audiência prévia no caso em que é obrigatória, constitui nulidade processual e simultaneamente nulidade da sentença nos termos conjugados dos artigos. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do C.P.C.;e 195º ambos do CPC.
Deliberação:
Declaramos a nulidade do saneador sentença, por violação do disposto no artigo 591º nº 1 alinea b) do cpc e  nos termos conjugados dos artigos. 615.º, n.º 1, al. d), 2.ª parte, do C.P.C.;e 195º ambos do CPC, com a consequente anulação do despacho que dispensou a audiência prévia e termos processuais subsequente, o qual deverá ser substituído por outro que designe dia e hora para realização da diligencia em causa e com os fins previstos
Sem custas

Lisboa, 30 de Maio de 2019

Isoleta Almeida Costa
Carla Mendes
Octávia Viegas