Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1279/13.3TVLSB.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RESPONSABILIDADE MÉDICA
OBRIGAÇÃO DE INFORMAÇÃO
CONSENTIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I – Uma remoção das cataratas, feito por um oftalmologista, sem que previamente tivesse informado o paciente da existência das cataratas, remoção feita aquando de uma intervenção contratada para implantação de lentes intra-oculares bifocais, não está incluída no contrato, pelo que, sem consentimento, deve dar lugar, como deu, a uma indemnização extracontratual pela violação do direito do paciente à liberdade de decisão.
II - A falta de cumprimento do dever acessório de prestar todas as informações necessárias a uma escolha informada entre umas lentes bifocais ou monofocais, é um incumprimento do contrato que deve dar lugar, como deu, a uma indemnização contratual quer do dano na liberdade de decisão, quer nos subsequentes danos na integridade psíquica e no património do autor, mas não é uma execução defeituosa da prestação principal desse contrato.
III - O contrato foi celebrado com uma sociedade por quotas; o médico que fez a intervenção para implantação das lentes foi apenas um auxiliar da ré no cumprimento da obrigação, no âmbito da qual foi violado aquele dever acessório; pelo que a sociedade responde pela indemnização nos termos do art. 800/1 do CC. Já não assim em relação à violação da liberdade de decisão do autor pela remoção arbitrária das cataratas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A (autor) intentou uma acção comum contra R (réu) e IMO [assim identificado pelo autor, constando no entanto da certidão registal – e não só - junta aos autos que se trata de uma sociedade por quotas, daí que passe a ser identificada, daqui para a frente, como ], pedindo que estes fossem condenados a pagar-lhe 491.701,61€ a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, causados pela actuação culposa do réu, acrescidos de juros de mora, contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.
Alega para tanto, em síntese, que: recorreu aos serviços da ré e passou a ser seguido pelo réu que trabalhava na ré; o réu recomendou-lhe e fez-lhe um operação nos olhos sem antes ter explicado os riscos que a mesma implicava, designadamente que em consequência teria de abdicar da sua visão intermédia, de que o autor precisa na sua profissão de arquitecto; pelo contrário, disse-lhe que poderia fazer a sua vida normal; e depois, face aos problemas surgidos, tentou ocultar o seu erro em vez de os procurar resolver; em consequência da operação, o autor ficou com graves lesões oculares e com a sua capacidade de visão muito diminuída, não conseguindo exercer a sua profissão de arquitecto, tendo perdido o seu emprego e entrado numa profunda depressão. O valor do pedido corresponde à soma de 1701,61€ (despesas em causa nos recibos e documentos 4, 6, 9, 14, 15, 19, 20, 22, 24, 27, 28, 32, 33, 35, 37, 45, 46 e 47 a 50), com 200.000€ de danos patrimoniais e 290.000€ por danos não patrimoniais.
O réu suscitou a intervenção principal provocada da sua seguradora, e contestou invocando a incompetência do tribunal para apreciar o pedido e impugnou os factos alegados pelo autor.
A ré contestou, suscitando a sua ilegitimidade, por o réu não ser seu trabalhador, dependente ou não: apenas lhe cede, mediante contrapartida, o espaço e o equipamento para exercer sua profissão; foi o autor que escolheu os médicos por quem queria ser consultado e com quem celebrou contratos de prestação de serviços; e impugnou todos os factos alegados pelo autor.
O autor replicou, impugnando os factos e as conclusões que os réus tiram deles para as excepções deduzidas.
A seguradora foi admitida a intervir nos autos (primeiro na qualidade de interveniente acessória e depois de interveniente principal por força de acórdão do TRL), e contestou, excepcionando as exclusões do seguro contratado e fazendo sua a contestação apresentada pelo réu, quer quanto às excepções invocados, quer quanto à impugnação dos factos.      
O autor replicou nos mesmos termos que o fez para as contestações dos outros réus.
O réu impugnou a verificação das exclusões opostas pela seguradora.
Um acórdão do TRL [que, tal como o anterior, não foi relatado pelo relator do actual] absolveu os réus do pedido, não por falta de competência, mas por verificação da excepção peremptória da falta de verificação das condições/excepções que permitiam a dedução do pedido em separado. Um acórdão do STJ revogou aquele acórdão do TRL determinando o prosseguimento da acção.
Realizado o julgamento, foi depois proferida sentença condenando o réu a pagar ao autor apenas 3500€ (pela franquia do contrato de seguro) e a seguradora a pagar ao autor apenas 31.500€ (já sem a franquia), valores esses acrescidos de juros de mora, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento; a ré foi absolvida do pedido.
O autor interpôs recurso, impugnando parte da decisão da matéria de facto e recorrendo quanto à absolvição parcial do réu e da absolvição total da ré, querendo que eles sejam condenados como pedido.
Os réus (e a seguradora, por adesão ao recurso do réu) contra-alegaram, defendendo a improcedência do recurso.
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Questões que importa decidir: a impugnação da decisão da matéria de facto; e se os réus, todos eles, deviam ter sido condenados no pedido.
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Foram dados como provados os seguintes factos [por força do que será decidido quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, eliminaram-se os pontos 198 e 199 e as partes rasuradas de 24, 197 e 202 e acrescentaram-se as partes sublinhadas do ponto 30 e 200]:
1. O autor nasceu a 30/11/1959.
2. A sua profissão era, em 2004, a de arquitecto.
3. Em 11/04/2002, o autor recorreu aos serviços oftalmológicos prestados pela ré IMO.
4. O IMO é uma instituição particular [ou mais precisamente, como já se viu: uma sociedade por quotas – parenteses deste TRL, facto que está provado pela certidão registal de fls. 592v a 601] dedicada exclusivamente à prestação de cuidados médicos e cirúrgicos de oftalmologia cuja actividade se desenvolve no âmbito da medicina privada e dos seguros de saúde.
5. O autor padecia desde os 6/7 anos de idade, de miopia elevada, associada a estigmatismo, no olho direito 7 dioptrias de miopia mais 1,25 de estigmatismo e para olho esquerdo com 7,25 dioptrias mais de 1 de estigmatismo.
6. Situação que se mantinha em 2002, quando foi, pela primeira vez, observado no IMO, em 11/04/2002, pelo Dr. AS, director clínico do IMO, primeiro médico que o assistiu.        
7. Para poder ter uma visão correspondente a 100%, em cada olho, 10/10, o autor carecia de, correcção, de utilizar óculos com as seguintes dioptrias: para o olho direito, 7 dioptrias de miopia mais 1,25 de estigmatismo, e, para o olho esquerdo, com 7,25 dioptrias mais 1 de estigmatismo.
8. O Dr. AS, face à insatisfação do autor com as limitações do uso de óculos, informou o autor da possibilidade da redução da miopia através de correcção cirúrgica por laser, ao que este anuiu.
9. No entanto, da realização do exame designado por topografia corneana, paquimetria e fundoscopia, resultou que o autor não tinha espessura de córnea suficiente para realizar redução de miopia através de correcção cirúrgica utilizando laser de excimer.
10. Em 2004, o autor regressou ao IMO e marcou consulta para o réu e passou a ser por este seguido.
11. A 06/09/2004, o réu informou o autor, em consulta, que o seu quadro clínico se mantinha inalterado, desde 2002, e só poderia reduzir a miopia através da inclusão de uma lente ocular fáquica, por não ter espessura de córnea para reduzir a miopia através da cirurgia a laser, libertando-se dos óculos que o acompanhavam desde os 6 anos, tal como era a sua intenção.
12. Após ter realizado esta consulta, o autor voltou a marcar consulta com o réu, em 19/07/2005 e, nesta data, o quadro clínico era diferente daquele que tinha apresentado, em 06/09/2004.
13. O quadro clínico que o réu apresentou, na consulta de 19/07/2005, foi o seguinte, citando-se nesta parte o que consta da ficha clínica do auto:
a) “19/07/2005: Sente algumas perturbações e cefaleias.
b) VOD 0.7 e VOE 0.7 com correcção. Bio nota-se o aparecimento de opacidades sub caps posteriores incipientes.
c) AR – 7.75-0.50(5) e – 7.50-1.00(175) tode 11 e 11 r/m e lio multifocais”.
14. Antes de 19/07/2005, a visão do autor, com correcção, com a utilização de óculos era de 10/10, ou seja de 100%, tendo observado, nesta consulta, com a mesma correcção e em ambos os olhos, passado a ser de 0.7, ou seja, de 7/10, ou seja, de 70%.
15. Nessa consulta de 19/07/2005, foi diagnosticado pelo réu ao autor o aparecimento de uma facosclerose dos cristalinos, vulgo cataratas, que é situação comum em doentes com o quadro de miopia e com a idade do assistente.
16. Um paciente com o quadro clínico descrito, sem óculos, só vê ao perto até cerca de 20 cm de distância; na visão intermédia (a partir dos 20/30 cm de distância até cerca de 1 metro) vê tudo desfocado; e no que concerne à visão ao longe, a partir de 1 metro de distância, nada vê.
17. Nos doentes com miopia, a tendência é para a estabilização da miopia, embora, com a força da idade se verifique a diminuição da visão média e ao perto – salvo se não emergirem outros quadros patológicos, como as cataratas, que implicam uma redução progressiva e acentuada da visão ao perto, intermédia e ao longe, até à cegueira do paciente, se não adequadamente tratada.
18. É muito frequente, em doentes, com o quadro clínico do autor, o aparecimento de cataratas a partir dos 40 anos. (…)
19. Cataratas são uma membrana, de natureza progressiva, que acaba por tapar, por completo, o cristalino, levando os pacientes à cegueira se não for tratada e que o respectivo tratamento, implica, obrigatoriamente, a intervenção cirúrgica que se traduz na remoção do cristalino e a implantação de lentes intra-oculares e que é a única terapia adequada indicada para o efeito.
20. Nessa mesma consulta, o réu informou novamente o autor da possibilidade de realização de intervenção cirúrgica consistente na colocação de lentes intra-oculares multifocais, tecnis-multifocal, e que tais lentes lhe permitiriam aumentar a sua acuidade visual.
21. A emergência de cataratas é frequente em doentes míopes com a idade que, à época, o autor tinha, 46 anos, e que, como é do conhecimento médico comum, era a única causa possível para a diminuição da acuidade visual que, nessa consulta, apresentava o autor em relação à consulta efectuada no ano anterior.
22. E foi após nova consulta, efectuada em 12/09/2005 – na qual o réu informou novamente o autor da possibilidade de realização de intervenção cirúrgica consistente na colocação de lentes intra-oculares multifocais, tecnis-multifocal - que o autor deu a sua anuência para a realização da operação, tendo, inclusive sido aconselhado pelo réu a colocar lentes tecnis-multifocal, tendo sido informado que deveria pagar 800€ pelas lentes, o que o autor veio a liquidar.
23. O réu informou o autor que a utilização de lentes multifocais seria preferível à aplicação de lentes monofocais, lentes estas que implicariam que deixasse de ver ao perto e que a cirurgia não demoraria mais de meia hora e que na semana seguinte já ia regressar ao trabalho.
24. Também informou que as lentes intra-oculares multifocais, tecnis-multifocal, permitem aumentar a acuidade visual ao longe e ao perto, carecendo o paciente, e conforme as suas necessidades para ver a média distância, de utilizar óculos de correcção para auxiliar essa parte da sua visão.
25. Foi a 12/09/2005 que foram efectuados ao autor todos os testes necessários ao cálculo das lentes intra-oculares a implantar, testes que nunca poderiam ter sido efectuados no dia em que se efectuou a operação, na medida em que, nesse dia as lentes tinham, obrigatoriamente, que estar disponíveis para serem colocadas ao paciente.
26. Tendo o autor dado a sua anuência, nas circunstâncias referidas em 22, 23 e 24, para a realização da operação, e para a colocação das lentes multifocais, foi a mesma realizada, no dia 22/09/2005, pelo réu, nas instalações da IMO, tendo, após a cirurgia efectuada, o autor passado para uma acuidade visual de 10/10, 100% ao longe, e uma capacidade de visão ao perto, também de 10/10, 100%, carecendo de correcção para a visão intermédia (entre pelo menos os 30/40 cm e os 90/100 cm).
27. O réu, após cirurgia, entregou ao autor uma declaração em que se menciona que este “acaba de ser submetido a operação de catarata. A cirurgia correu bem e pode fazer uma vida normal. (…) É de esperar que nas primeiras horas/dia a visão esteja turva, podendo também haver alteração nas cores, não sendo de estranhar ver tudo avermelhado. Caso tenha dores, olho vermelho ou pálpebra inchada deve contactar-me sem demora para os telefones abaixo indicados (…). E um recibo respeitante a um implante intra-ocular, no valor de 800€.
28. Ainda no dia 22/09/2005, por documento particular com o timbre do IMO, assinado por PS, consta que “para os devidos efeitos se declara que o autor esteve presente, neste instituto, (…) a fim de realizar uma cirurgia intra-ocular e no dia 26/09/2005 estará apto a efectuar a sua vida normal e profissional.”
29. A intervenção cirúrgica efectuada a que o autor foi sujeito, e levada a cabo pelo réu, em 22/09/2005, não teve como objectivo único e exclusivo redução ou eliminação da miopia, antes tendo também o objectivo da remoção das cataratas de que o autor à data padecia.
30. O autor deu o consentimento verbal para a cirurgia de colocação das lentes para perto e para longe, mas não para a remoção das cataratas, e não assinou qualquer documento a declarar o seu consentimento livre, esclarecido e informado, referente à operação realizada no dia 22/09/2005.
31. O autor quando recebeu a declaração referida em 27 ficou apreensivo, pois nunca lhe tinha sido referido que a operação era para as cataratas.
32. Logo após a cirurgia, o autor passou a ver círculos em volta das luzes (halos), deixou de ver as pessoas e os objectos com contornos nítidos e deixou de ter uma visão focada na média distância (entre aproximadamente os 30 e 100 cm) e na visão nocturna os objectos luminosos apareciam rodeados de anéis de luz e sem contornos definidos.
33. O autor deixou de conseguir sair de casa à noite, porque os candeeiros e os faróis dos carros se juntavam em grandes bolas de luz, sem contornos definidos; pelo menos, à distância entre cerca de 40 a 100 cm via tudo desfocado.
34. Em 23/09/2005 e em 29/09/2005, o autor foi observado, pelo réu, nas instalações do IMO, tendo-se constatado que efectuou um pós-operatório sem complicações fisiológicas, tendo sido referido na ficha clínica que “necessita de algum tempo para adaptação à sua situação”, isto é, às lentes que lhe foram colocadas e que o que sentia era normal e ia desaparecer com o tempo.
35. Em 29/09/2005, o réu assinalou na sua ficha clínica que o autor apresentava uma visão binocular 10/10 e conseguia ler ao perto sem óculos.
36. Por atestado médico emitido pelo réu, a 29/09/2005, nessa mesma consulta, atesta que autor não pode cumprir as suas obrigações profissionais por um período previsível de 18 dias, em virtude de se encontrar doente.
37. Ainda, nessa consulta, o réu prescreveu óculos ao autor, conforme resulta da análise do doc.12 que se dá por reproduzido.
38. O autor adquiriu os óculos prescritos pelo réu.
39. Mas em 03/10/2005 o autor telefonou para o réu a informar que, já tinha os óculos, mas não via nada a meia distância.
40. Na sequência desse telefonema, o réu pediu ao autor para que se fosse falar com ele no dia seguinte.
41. No dia 04/10/2005, o autor teve nova consulta com o réu, nas instalações do IMO, na qual foi acompanhado pela sua mulher e na qual o réu disse ao autor que as lentes estavam correctas para ver ao longe.
42. Disse, também, que para a visão ao perto teria de retirar os óculos.
43. Nessa consulta, o autor voltou a ser observado pelo réu, referindo grande dificuldade na visão intermédia, apresentando grande ansiedade por este facto, escrevendo o réu na sua ficha clínica “Aconselho calma e mais tempo de adaptação”.
44. O réu disse ao autor que este teria de abdicar da visão de meia distância.
45. O autor sentiu angústia e medo.
46. O autor é arquitecto e toda a sua actividade profissional depende da visão, nomeadamente, da visão a meia distância.
47. Nesta sequência, o autor questionou o réu sobre como é que conseguiria trabalhar, nomeadamente ao computador.
48. O réu respondeu que o autor teria de adaptar o seu trabalho e a posição do computador à sua nova visão.
49. Esta resposta provocou uma enorme perturbação no autor.
50. Entre os dias 06/10/2005 e 13/10/2005, o autor tentou contactar, por várias vezes, telefonicamente o réu.
51. No dia 12/10/2005, o autor conseguiu falar com o réu, o qual lhe disse que estava a tentar encontrar umas lentes para a visão intermédia junto de uma marca conceituada de lentes.
52. O autor começou a sofrer de grande angústia e ataques de pânico.
53. No dia 13/10/2005, o autor recorreu aos serviços da Drª LM, médica psiquiatra, conforme resulta do recibo doc.15 dado por reproduzido.
54. A Drª LM prescreveu ao autor medicamentos, conforme se comprova da análise do doc.16 dado por reproduzido.
55. Estes medicamentos tinham como objectivo minorar o estado de ansiedade e angústia em que o autor se encontrava, e que tinha surgido na sequência da intervenção médica realizada pelo réu.
56. No dia 14/10/2005, o autor teve nova consulta com o réu, nas instalações do IMO.
57. Nessa consulta, o autor questionou o réu sobre quanto tempo ainda iria durar o pós-operatório.
58. E informou-o que ainda mantinha problemas com a visão, nomeadamente ainda tinha névoas nos olhos e sensações de corpos estanhos nos mesmos.
59. Nessa consulta, o autor voltou a ser observado pelo réu e, considerando que continuava a apresentar queixas quanto à sua visão intermédia, foram-lhe prescritos óculos com a utilização de lentes interview, assinalando o réu na ficha clínica de fl.163 o seguinte: “Fiz pedido a essilor de lentes interview para melhoria da visão intermédia e peço montagem com a seguinte carta “O Sr. Arq. […], apresentava -7.00.1.25(5) e -7.25.1.00(180) e foi submetido a intervenção cirúrgica com introdução de LIO multifocais od. e oe. Apesar da visão tanto ao longe como ao perto se poder considerar bastante satisfatória, o doente não está satisfeito pois a visão intermédia não se adequa às suas necessidades profissionais. Foi pedida a colaboração da essilor e foi proposta a utilização de lentes interview, cuja montagem terá de ser anómala e adequada a esta situação muito particular. Agradecia a Vª melhor atenção para este caso e envio lentes em mão, pois trata-se de uma oferta da essilor.”
60. O optometrista PD, a quem o autor recorreu para a montagem das lentes, não logrou entender o que era montagem anómala.
61. As lentes referidas em 59 não produziram quaisquer melhorias na visão intermédia do autor.
62. O optometrista PD sugeriu ao autor que solicitasse ao réu a prescrição de lentes progressivas.
63. O facto de voltar a não ter visão intermédia agudizou o estado de ansiedade do autor.
64. Em nova consulta, a 25/10/2005, o autor informou o réu da sugestão dada pelo optometrista PD.
65. E mais uma vez o autor referiu que mantinha as dificuldades de visão, que não conseguia sequer cortar as unhas dos pés, nem fazer a barba, porque via tudo desfocado.
66. Em 25/10/2005, o autor foi objecto de consulta pelo réu, tendo sido referido que sentia um ardor no olho esquerdo, e porque continuava a apresentar queixas relativamente à visão intermédia – assinalou o réu na ficha clínica de fl.163 que “as lentes montadas não resultaram bem”, foram-lhe prescritos óculos para meia distância com + 0.75 – 1.25 (180) no olho direito e + 1,00 – 1.25 (180) no olho esquerdo.
67. Em 02/11/2005, o autor, acompanhado pela mulher, foi objecto de nova consulta pelo réu, escrevendo este último na ficha clínica: “refere melhoria da visão intermédia com os óculos e já faz a sua vida normal. Queixa-se de sensação de corpo estranho oe [olho esquerdo]. Dilata oe, observação normal”.
68. Nesta consulta, foi efectuada dilatação ao paciente, dela resultando uma observação normal e a inexistência de quaisquer outras patologias.
69. O réu reiterou, nessa consulta, que a operação tinha corrido bem.
70. Afirmou que o problema do autor não era oftalmológico, mas de ansiedade.
71. Além disso o réu disse ainda ao autor que este tinha de adaptar a vida à sua nova visão.
72. O autor informou o réu que as lentes prescritas na consulta de 25/10/2005 não produziram nenhumas melhorias.
73. O réu sugeriu ao autor colocar o computador mais perto de si e ir buscar os desenhos para o raio de visão do foco de perto.
74. O autor informou o réu que era impossível trabalhar assim, que era impossível colocar o computador e desenhar no mesmo a 30 cm de distância.
75. Além disso era impossível analisar desenhos com 1,50 m x 1 m ou mais a 30 cm, pois estes têm de ser vistos na globalidade.
76. E estas situações são diárias no seu trabalho.
77. O autor perguntou, ainda, ao réu se as lentes que lhe tinha colocado tinham dois focos, um de visão de perto a 30 cm e outro de longe a partir dos 1,50/2 metros até ao infinito.
78. O réu confirmou.
79. O autor questionou, então, como é que poderia ver entre os 30 cm e os 1,50 m.
80. O réu respondeu que tinham de ir tentando encontrar as lentes adequadas para a visão intermédia.
81. Esta resposta perturbou profundamente o autor.
82. O autor ficou muito perturbado com toda esta situação e a sua depressão agravou-se.
83. Nessa consulta, o autor também questionou sobre a possibilidade de realizar nova intervenção cirúrgica para substituir as lentes multifocais por monofocais.
84. O réu disse que era completamente contra qualquer alteração das lentes, naquele momento, sem aguardar o período temporal de adaptação e afirmou que tudo o que tinha feito estava bem feito.
85. Face a esta atitude, o autor perdeu a confiança que ainda restava no réu.
86. Esta situação fez com que o autor se sentisse desorientado e profundamente infeliz.
87. A resposta do réu referida em 83 agravou o processo depressivo em que o autor se encontrava.
88. Após a cirurgia realizada pelo réu, o autor passou a ter dificuldade em ver e em interagir com a sua filha de 2 anos.
89. O que lhe causava muita angústia e stress.
90. O autor passou a sentir-se angustiado quanto ao seu futuro pessoal e profissional.
91. Em consequência o autor passou a isolar-se.
92. E perdeu o gosto pela vida social.
93. Nesta sequência, o autor procurou novo aconselhamento médico.
94. O autor consultou o Dr. DP, médico de clínica geral.
95. O Dr. DP elaborou relatório médico e prescreveu medicamentos, conforme documentos de fls. 182 e 183 cujo teor se dá por reproduzido.
96. O autor não foi trabalhar nos dias 2, 3 e 4/11/2005, por doença.
97. O autor voltou a entrar em contacto com o Dr. DP e informou-o de que se encontrava profundamente abalado, que não conseguia falar com ninguém, que chorava compulsivamente dia e noite.
98. Nesta sequência, o Dr. DP aconselhou o autor a ser visto pela Drª AB.
99. Em 28/10/2005, o autor teve a primeira consulta de psicologia clínica com a Drª AB conforme se comprova pelo recibo médico doc.19 dado por reproduzido.
100. No dia 09/11/2005, o autor teve nova consulta de psicologia clínica com a Drª AB, conforme se comprova pelo recibo médico doc.22 dado por reproduzido.
101. Entretanto, no dia 22/11/2005, teve nova consulta de psicologia clínica com a Drª AB, para acompanhamento da situação de depressão, conforme se comprova pelo recibo médico doc.27 dado por reproduzido.
102. Também a conselho do Dr. DP, o autor recorreu ao Dr. MR.
103. O Dr. MR explicou ao autor o processo cirúrgico a que tinha sido submetido.
104. Mais explicou que a extracção do cristalino é irreversível já não sendo possível a sua recolocação.
105. E que a operação de substituição das lentes (lentes multifocais por lentes monofocais), é uma cirurgia que acarreta riscos, como qualquer outra cirurgia, sendo que especificamente, com o decurso do tempo poderá ocorrer a possibilidade do saco onde as lentes foram implantadas se rasgar, pois as lentes poderão estar já de tal maneira agarradas, fibrosadas ao saco do cristalino, que poderá inviabilizar a sua substituição [corrigiu-se, em itálico, o erro de escrita que já vinha do art. 138 da PI, pois não tem sentido falar-se na substituição de lentes multifocais por lentes multifocais…- parenteses deste TRL]
106. O Dr. MR no relatório médico de fl. 192 atestou: “Por ser verdade e me ter sido pedido declaro que o Exm. Arq. […] recorreu à minha consulta no Hospital C dia 15/11/2005 referindo dificuldades visuais na média distancia (entre 40 cm e 100 cm) que eu confirmei no exame oftalmológico geral e dificuldade visual na visão nocturna na presença de luzes (...)”
107. Nesta sequência o Dr. MR aconselhou o autor a ir falar com o Dr. AS, director clínico do IMO, para este ficar a par do que se tinha passado na cirurgia.
108. O autor tentou, em 17/11/2005, marcar consulta de urgência com o Dr. AS.
109. O autor foi informado que o Dr. AS apenas tinha disponibilidade para Janeiro.
110. O autor explicou a sua urgência e deixou o seu contacto telefónico para que o médico o contactasse com a maior brevidade possível.
111. Em 18/11/2005, o autor foi consultado pelo Dr. AS, na companhia da sua mulher, tendo-se mostrado bastante insatisfeito, e ansioso, pelas dificuldades sentidas na visão intermédia, tendo este clínico, após o ter observado, referido que apresentava uma boa acuidade visual, tanto ao longe como ao perto, e que a intervenção efectuada pelo réu tinha sido correctamente executada em termos técnicos, que as lentes colocadas careciam de um período de adaptação, e mais referindo ainda, dada a insistência do autor, que caso este quisesse poderia substituir-lhe as lentes multifocais por lentes monofocais, se tal se justificasse, e sem qualquer ónus para si, tendo o autor ido para casa pensar.
112. Com a implantação das lentes monofocais, ir-se-ia manter a acuidade visual ao longe, enquanto passaria a ser necessária correcção através de óculos para a visão ao perto e intermédia.
113. A mulher do autor questionou o Dr. AS sobre os riscos da operação e se o autor seria operado aos dois olhos em simultâneo.
114. O Dr. AS respondeu que a operação tinha os riscos inerentes a uma cirurgia comum.
115. Porém, o Dr. AS, após nova observação do autor, no dia 21/11/2005, reiterou-lhe que as lentes colocadas careciam de um período de adaptação e que, por isso, não julgava justificado efectuar, naquele momento, qualquer cirurgia de substituição das lentes intra-oculares, mas que findo aquele período, caso o autor não se adaptasse, faria a substituição.
116. Mediante esta afirmação, o autor ficou chocado, pasmado, revoltado e ansioso.
117. O autor informou o Dr. AS que sentia corpos estranhos nos olhos, “tipo grãos de areia”.
118. O Dr. AS prescreveu ao autor os medicamentos indicados na receita médica n.º 000170295835 doc.25 dado por reproduzido.
119. Na sequência de ter perdido a confiança no réu, o autor decidiu consultar outro médico oftalmologista.
120. E no dia 23/11/2005, foi observado pelo Doutor PCS, médico oftalmologista, conforme recibo médico doc.28 dado por reproduzido
121. Nessa consulta, o autor foi acompanhado pela sua mulher.
122. Este médico, após o autor lhe ter relatado a sua situação e depois de exame oftalmológico, informou que a solução para o problema do autor era a substituição de lentes multifocais, por lentes monofocais.
123. O autor fez uma pré-marcação de cirurgia na Clínica de SA para o dia 05/01/2006 que não se chegou a realizar.
124. No relatório da Drª AB, junto a fls. 200 e 201 e se dá por reproduzido pode ler-se:
“O [autor], de 46 anos de idade, começou a ser acompanhado na consulta de Psicologia do Hospital C, na data de 28/10/2005. Apresentava sintomas claros de depressão com componente ansioso, cujo início se situou após a inadequação a umas lentes multifocais colocadas nos olhos numa intervenção cirúrgica oftalmológica realizada dias antes da consulta.
Segundo a descrição do paciente decidiu realizar a cirurgia por lhe terem sido dadas garantias de que ficaria com uma visão mais precisa e com muito maior autonomia, que na situação de miopia elevada que possuía. O paciente, arquitecto de profissão, depende da sua acuidade visual para o desempenho adequado do seu trabalho. Depois do pós-operatório, apercebeu-se, segundo relatou, que a cirurgia não correspondia em nada às expectativas criadas. Com esta constatação descreveu ter-se sentido incapaz de fazer as coisas mais básicas, dependente da ajuda dos outros para se orientar à noite, não conseguindo realizar o seu trabalho adequadamente por não ver as maquetas e planos como um todo, impossibilitado de trabalhar no computador, etc.
O paciente apresentava humor depressivo, choro fácil e desespero, muita revolta pela situação e preocupação face ao seu estado presente ao futuro da sua vida laborar e familiar, etc..
Estes sintomas correspondem a um diagnóstico de perturbação de adaptação mista com humor depressivo e ansiedade (F43.22- DSM-IV).
A partir desta data começou a ter acompanhamento psicológico e paralelamente iniciou o processo de consultar outros médicos oftalmologistas apresentando-lhes o seu caso. Embora tenha surgido a esperança de haver algo a fazer para corrigir a situação médica presente, o receio de uma nova intervenção cirúrgica, a possibilidade de as expectativas serem novamente defraudadas e a revolta por todo este episódio da sua vida agravaram os sintomas emocionais (...).
125. Numa declaração escrita de Dr. FA junta a fl. 202 e cujo teor se dá por consta: “Para os devidos efeitos declaro que o Sr. Arqto, (...), existe um quadro depressivo diagnosticado grave, que compreende o diagnóstico formal de “episódio depressivo major” (…).
126. No dia 26/11/2005, o autor consultou o Dr. JP, médico psiquiatra – cfr. doc. de fl. 203 cujo teor se dá por reproduzido.
127. O Dr. JP receitou ao autor vários medicamentos para a depressão – cfr. doc. fl. 204 cujo teor se dá por reproduzido.
128. E elaborou relatório médico de fl. 205 cujo teor se dá por reproduzido, no qual se pode ler: “Trata-se de um doente de 46 anos de idade que iniciou quadro greve de ansiedade, queixas depressivas e ideação suicida num contexto reactivo a intervenção cirúrgica a ambos os globos oculares, cirurgia que, no seu parecer, não foi bem sucedida por não ter tido resultados compatíveis com as expectativas, as quais segundo diz, terão sido fundadas com base em informação insuficiente (...). O presente quadro clínico condiciona grave compromisso funcional, pessoal e interpessoal, estando neste momento incapaz de cumprir com a sua actividade profissional por um período de tempo não determinado, pelo que sugiro que lhe seja concedida licença por doença por trinta dias, após o que será novamente avaliado”
129. Tendo em conta as características degenerativas que implica o aparecimento de cataratas, não se deve pretender curar a miopia sem, desde logo, efectuar o tratamento das cataratas, pois a evolução destas implicaria sempre a perda acentuada da acuidade visual do paciente, tornando ineficaz a eventual correcção da miopia que se tivesse feito porque, aí, o doente deixaria de ver a qualquer distância.
130. A facoemulsificação é a operação típica de correcção das cataratas, as quais são então removidas por meio da dita facoemulsificação ou cirurgia com pequena incisão, procedimento através do qual, usando apenas anestesia tópica (colírios) se faz uma incisão na parte branca do olho ou na córnea clara (logo acima da área onde a córnea encontra a esclera, sendo depois, com o ultra-som, a catarata fraccionada em partículas microscópicas e aspirada; em seguida, para compensar a remoção do cristalino, é implantada uma lente intra-ocular.
131. A cirurgia efectuada pelo réu foi adequada ao tratamento do seu problema de saúde, que era desde logo a existência de cataratas, e isto à luz dos ensinamentos da ciência médica contemporânea.
132. As alterações da capacidade de visão referenciadas em 32 e 33 determinadas pela intervenção cirúrgica efectuada pelo réu e a inadaptação do autor às mesmas determinaram que o autor se visse limitado no exercício da sua profissão de arquitecto, vindo mesmo a abandonar a tarefa que desempenhava na E de coordenação de projectos na sequência de várias baixas médicas.
133. Por acórdão proferido na 8ª Vara Criminal de Lisboa, no proc. 2686/06.3TDLSB, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 13/12/2012, o réu foi absolvido da prática do crime de ofensa à integridade física por violação das leges artis, p. e p. nos termos dos artigos 150, nºs 1 e 2, e 143 do Código de Penal, nos termos constantes da sentença, nas páginas 101 e 102 do aresto, referindo-se ao referido tipo de ilícito criminal:
“Pois bem, o primeiro dos elementos exigidos não oferece qualquer dúvida quanto à sua verificação, pois que dúvidas também não existem que o arguido é um médico – mais designadamente, médico oftalmologista, tendo-se licenciado em medicina em 1978, entrado para a Ordem da Especialidade de Oftalmologia em 1987. Ou seja, é médico, e especialmente habilitado em termos científicos e profissionais a realizar uma intervenção médico-cirúrgica como aquela que aqui levou a cabo. No que respeita aos restantes elementos necessários – intenção terapêutica, indicação médica e respeito pelas legis artis - pode globalmente dizer-se que a pronúncia assentava a imputação de ofensas à integridade física ao arguido na circunstância de a intervenção levada a cabo (remoção dos cristalinos dos olhos do assistente, e colocação na câmara posterior de cada um deles, em substituição do cristalino removido, de uma lente intra-ocular multifocal de marca Tecnis-Multifocal) não era o adequado ao tratamento do seu problema de saúde, que, na pronúncia, vinha configurado como sendo apenas e só o de miopia. Ou seja, o arguido, com vista apenas a corrigir a miopia do assistente, teria efectuado sobre o mesmo uma intervenção cirúrgica totalmente desaconselhada terapeuticamente, por excessiva, designadamente no respeitante à remoção dos cristalinos do assistente, procedimento que, em tais circunstâncias, seria totalmente desnecessário. Sucede, porém, que ficou assente nos autos que a intervenção cirúrgica efectuada pelo arguido em 22/09/2005 não teve como objectivo único e exclusivo a redução ou eliminação da miopia do mesmo assistente, antes tendo também o objectivo da remoção das cataratas de que o assistente à data padecia. Na verdade, deu-se por assente que em consulta efectuada pelo arguido ao assistente em 19/07/2005, foi diagnosticada pelo primeiro o aparecimento de uma facosclerose dos cristalinos do segundo, vulgo cataratas, que é situação comum em doentes com o quadro de miopia e com a idade do assistente; assim, o assistente, quando foi sujeito a intervenção cirúrgica de 22/09/2005, padecia de cataratas, cuja evolução, caso não tivesse sido realizada uma intervenção médico-cirúrgica como a efectuada pelo arguido, iria implicar a diminuição acentuada dos seus níveis de visão. Também se deve considerar haver ficado demonstrado que a operação levada a cabo pelo arguido era indicada para debelar a patologia diagnosticada, e, assim, para o seu tratamento perante o quadro clínico diagnosticado, do aparecimento de cataratas na pessoa do assistente, a remoção do cristalino dos seus olhos e a implantação de lentes intra-oculares era a única conduta e tratamento clínico possível e adequado, uma vez que as cataratas são uma membrana, de natureza progressiva, que acaba por tapar, por completo, o cristalino, levando os pacientes à cegueira se não for tratada, implicando o respectivo tratamento obrigatoriamente, a intervenção cirúrgica que se traduz na remoção do cristalino e que é a única terapia indicada para o efeito. Finalmente, não ficou também positivamente demonstrado nos autos que a conduta do arguido foi contrária ou divergente daquela que se impunha na ocasião e perante as circunstâncias concretas do caso, designadamente no que respeita ao diagnóstico e forma de execução do acto clínico-cirúrgico por si levado a cabo sobre a pessoa do assistente – aliás, em termos de técnica-cirúrgica nenhum facto concreto vinha imputado ao arguido no sentido de se poder concluir por uma errada execução da operação que levou a cabo em si mesma.”
134. A decisão referida, confirmada como referido, condenou o réu pela prática do crime de intervenções e tratamentos médico-cirúrgicos arbitrários, previsto e punível nos termos dos artigos 156/1 e 157 do Código Penal.
135. O autor, na sua vida diária, antes da cirurgia, tinha um comportamento cauteloso, prudente e perfeccionista.
136. No dia 02/12/2005, o autor teve uma consulta com o Professor Doutor JM, no CCC, e onde se queixou de diminuição acentuada da visão nocturna causando limitação enorme, bem como perca da visão intermédia, conforme recibo médico doc.35 dado por reproduzido.
137. O Dr. JM efectuou análise oftalmológica e observou presença de pseudofaquia bilateral com lentes tecnis multifocais, bem como limitação na visão intermédia.
138. Foi proposta, ao autor, extracção das referidas lentes e implantação de lentes monofocais para obviar as queixas subjectivas, o que o autor aceitou.
139. Foi remetido à seguradora MEDIS, com o grau de urgência o impresso de informação clínica, cujo teor se dá por reproduzido a fl.207.
140. Em 14/12/2005, o autor teve nova consulta de psicologia, conforme doc. de fls.209, cujo teor se dá por reproduzido.
141. Em 21 e 26/12/2005, o autor submeteu-se a cirurgia ao olho esquerdo e direito, respectivamente, realizada pelo Professor Dr. JM, no CCC, conforme resulta do teor do documento de fls. 210 e 211, cujo teor se dá por reproduzido.
142. O objectivo, destas cirurgias, foi remover as lentes multifocais e implantar lentes monofocais, para obviar às queixas de diminuição acentuada de visão nocturna, designadamente dos halos e da desfocagem de imagem e perca de visão intermédia – cfr doc de fls. 210 a 212 cujo teor se dá por reproduzido.
143. O autor esteve de baixa de 21/12/2005 a 31/01/2006, conforme resulta de certificados de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença – cfr doc de fls. 213 e 214 cujo teor se dá por reproduzido.
144. O autor compareceu a duas consultas de rotina para aferição dos resultados pós-operatório, nos dias 5 e 23/01/2006.
145. Na consulta de 05/01/2006 foram prescritas, ao autor, lentes provisórias para visão de perto (cfr doc fls. 215 cujo teor se da por reproduzido).
146. Na consulta de 23/01/2006, foram prescritas lentes progressivas, cfr doc fls 216 cujo teor se dá por reproduzido.
147. Durante todo este processo, desde a cirurgia realizada em 22/09/2005, o autor sofreu um profundo desgaste físico e psicológico.
148. Passando dias inteiros deitado na cama às escuras para não ter de enfrentar a vida e as limitações de visão.
149. O autor recorreu, ainda a consultas de medicina natural, conforme recibo médico que se junta a fl. 217 cujo teor se dá por integralmente reproduzido
150. Estas consultas tinham como objectivo tentar controlar o desgaste que as consequências da inadaptação às lentes multifocais provocaram.
151. O réu não esclareceu todos os riscos da operação a que este se sujeitou.
152. O réu declarou que o autor estava em condições de fazer a sua vida normal, depois da cirurgia e tal não sucedeu.
153. O réu não disse ao autor, previamente à cirurgia, que este teria de abdicar da sua visão a meia distância.
154. O autor suportou um total de 158,50€ com o pagamento de consultas de oftalmologia, conforme resulta das cópias dos recibos juntos como docs. 4 [12,50€], 6, 20 [16€], 24, 28, 35 e 46 que se dá por reproduzido.
155. O autor suportou, também, um total de 462€ com o pagamento de consultas de psicologia e psiquiatria, bem como com consultas de medicina natural, conforme resulta das cópias dos recibos juntos como doc. 15, 19, 22, 27, 32, 37 e 45.
156. O autor suportou, ainda, um total de 1081,11€ com o pagamento de medicamentos e lentes, conforme resulta dos docs.9, 14, 33 e 47 a 50 que se dão por reproduzidos.
157. Na sequência quer da primeira quer da segunda cirurgia oftalmológica, o autor não consegue focar a meia distância de forma irreversível.
158. E ficou a ver os objectos sem contornos nítidos.
159. O autor sofre de dores de cabeça.
160. O autor precisa de utilizar sempre óculos.
161. Na sequência das duas cirurgias, para poder realizar as tarefas diária o autor tem de utilizar 4 óculos diferentes: de dia (progressivos), para perto, para ver televisão e para pormenores.
162. Sem óculos, o autor deixou de conseguir ver a filha com nitidez.
163. Sem óculos, o autor deixou de conseguir realizar actividades básicas diárias, como fazer a barba ou cortar as unhas dos pés.
164. O autor deixou de conseguir realizar todas as funções que antes desempenhava no seu trabalho.
165. Toda esta situação causou muita ansiedade e desgaste físico e psicológico ao autor.
166. O autor, vivenciou ansiedade, sofrimento, angústia, medo e pânico.
167. O autor costumava ser uma pessoa divertida, alegre, que apreciava a vida, que gostava de estar com os amigos e com a família.
168. Em consequência da cirurgia oftalmológica levada a cabo pelo réu, e da mesma não corresponder às suas expectativas, sofreu um quadro clínico de perturbação da adaptação mista de ansiedade e humor depressivo.
169. O autor deixou de ter vontade de estar com os amigos.
170. O autor passou a isolar-se.
171. O autor deixou de conseguir brincar e interagir com a filha.
172. O autor perdeu o gosto de viver.
173. O autor passou a tomar medicação muito forte, por causa da depressão.
174. Os psicofármacos tomados pelo autor faziam com que este dormisse o dia inteiro e impediam-no de participar na dinâmica familiar de estar com os amigos.
175. Os psicofármacos tomados pelo autor, provocou-lhe a perca total de libido e ausência de ejaculação.
176. Esta situação faz com que o autor se sinta triste.
177. O projecto de família, que consistia em ter mais filhos, ficou destruído pelas consequências da medicação tomada.
178. Para tentar obviar esta situação, a mulher do autor, realizou na IVI Portugal, duas tentativas de reprodução médica assistida (in vitro), em 2009 e 2010, sem resultados positivos.
179. O autor sentiu-se ansioso pela incerteza sobre as suas capacidades para continuar a desenvolver a sua actividade profissional, o que diminuiu a sua auto-estima.
180. O autor intentou contra a E um processo, que correu no 4.º juízo, 2ª secção do Tribunal de Trabalho de Lisboa, 1552/07.0TTLSB, no qual se discutiu a ilicitude do seu despedimento, acção esta que foi julgada improcedente.
181. Consta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido nesse processo, na factualidade dada como assente a paginas 29 e seguintes do referido acórdão:
“(…)
23. Em 2004, o autor inscreveu-se no Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário na Faculdade de Arquitectura.
24. A 23/11/2004, o autor recebeu uma carta da Faculdade de Arquitectura informando-o de que não existia número de alunos suficiente para o Mestrado, sendo que o mesmo fora adiado para o ano lectivo de 2005/2006.
25. No dia 19/09/2005, o autor foi informado pela Faculdade de Arquitectura que tinha sido seleccionado para o mestrado em desenvolvimento imobiliário e que o prazo para inscrição no mesmo era até 30/09/2005 e inscreveu-se no mestrado em desenvolvimento imobiliário no dia 28/09/2005.
26. O referido mestrado iniciou-se no dia 07/10/2005. (…)
28. O A solicitou verbalmente ao Administrador AFP autorização para frequentar o Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário durante o período laboral.
29. Nesse sentido AFP foi contactado pela Arquitecta MEG, Directora da Direcção Técnica de Engenharia e Arquitectura que se encontrava de baixa médica, e decidiram não autorizar o autor a frequentar o Mestrado em Desenvolvimento Imobiliário. (…)
32. Concretamente na carta de 25/05/2006, subscrita pelo Dr. AA, Director de Recursos Humanos da E, este afirma que na semana anterior, ou seja, na semana de 15 a 19/05/2006, este mesmo Director da E tomou conhecimento de que o colaborador [autor] estaria a frequentar um curso de mestrado na Faculdade de Arquitectura da UTL.
45. O autor frequentou o mestrado durante o período de baixa médica mas fê-lo mediante recomendação expressa do seu médico o Prof Doutor FA.
53. O processo disciplinar foi instaurado em 28/07/2006.
54. O autor esteve presente às aulas do curso de Mestrado em desenvolvimento imobiliário nos seguintes meses e dias (sendo sextas a negrito e sábados os demais dias): Outubro/0: 7, 14, 15, 21, 28 Novembro/05: 4, 5, 11, 18, 19, 25 Janeiro/06: 13, 20, 21, 27, 28 Fevereiro/06: 3, 4, 10, 11, 17, 18, 24 Abril/06: 21, 22, 28 Maio/06: 6, 19, 26 Junho/06: 2, 3, 23”
182. A acuidade visual do autor reduziu na sequência da cirurgia efectuada pelo réu e limitou a sua actividade profissional.
183. O autor esteve de baixa médica, pelo menos, entre o dia 26/09/2005 até 14/10/2005, 2, 3 e 04/11/2005 também devido à operação a que foi sujeito.
184. O autor teve de deixar de fazer as tarefas que desempenhava na E, de coordenação de projectos.
185. A falta de autorização para a frequência do mestrado por parte da E, entidade patronal do autor, originou os factos nos quais se sustentaram o processo disciplinar que a E instaurou ao autor.
186. E foi na sequência desse processo disciplinar que o autor foi despedido.
187. O autor deixou de auferir um ordenado mensal de 2652,65€.
188. Até à presente data, o autor continua numa situação de desemprego. 189. A decisão de despedimento foi proferida em 24/10/2006.
190. O autor não só teve de gerir a depressão que sofreu na sequência da cirurgia levada a cabo pelo réu como teve de lidar com um processo judicial no âmbito laboral, o que lhe causou imenso sofrimento e desgaste a si e à sua família.
191. O réu acordou com o IMO, a troco de um preço previamente fixado por aquele pago, a utilização das suas instalações e dos seus equipamentos para que ele possa aí exercer a sua actividade médica, tal como acontece com outros médicos.
192. Após a cirurgia efectuada pelo réu, o autor passou a ver círculos à volta das luzes (halos), o que constitui uma consequência frequente desta operação, que, por regra, tem natureza temporária pois só se mantém durante o período de neuroadaptação sensorial às lentes e vão desaparecendo progressivamente.
193. A limitação que passou a ter na visão intermédia, é uma limitação decorrente da aplicação de qualquer das lentes que lhe podem ser aplicadas – monofocais ou multifocais – por força de uma operação às cataratas.
194. O réu nunca se recusou a atender os telefonemas do autor.
195. O optometrista PD não contactou o réu para obter esclarecimentos sobre a colocação destas lentes
196. A visão que pode ser afectada através da aplicação das lentes multifocais, embora, em regra, essa afectação possa ser corrigida com a utilização de óculos adequados, que depende de doente para doente, é a visão intermédia, que corresponde à visão entre os 30 e os 90 cm/1 m.
197. A impossibilidade do exercício de funções de arquitecto pela perda da visão intermédia, poderia ter sido ultrapassada, se o autor se adaptasse às lentes intraoculares multifocais, no final do período de adaptação neurosensorial às lentes que pode ir até seis meses, pós operatório.
198. O autor não esperou o tempo de neuroadaptação às lentes de seis meses
199. Contrariando o que lhe foi aconselhado pelos médicos, quer pelo réu, quer por Dr AS.
200. A aplicação de lentes multifocais depende de um período de neuro adaptação sensorial que, dependendo de doente para doente, pode ir até ao prazo de seis meses ou mais, considerando-se em 2005 que não seria superior a 3 meses.
201. Período de neuro adaptação sensorial findo o qual o paciente, na maioria dos casos, faz a sua vida normal, por regra (cerca de 3% não se adaptam), sem quaisquer problemas, porque desaparecem as dificuldades de visão, nomeadamente os halos.
202. Esta comunicação foi feita ao autor pelo réu nas consultas que com ele teve, em 29/09/2005, em 04/10/2005, em 14/10/2005, em 25/10/2005 e em 02/11/2005.
203. Esta comunicação foi feita ao autor pelo Dr. AS, quando, em 18 e 21/11/2005, o consultou.
204. As lentes monofocais só permitem ver ao longe sem correcção, sem óculos, carecendo o doente de óculos para ver ao perto e a média distância.
205. As lentes multifocais, permitem-lhe ver ao perto e ao longe sem qualquer correcção, carecendo, apenas, em certos casos, de óculos para ver à média distância.
206. Com as lentes monofocais, o autor, a partir dessa data, passou a ter necessidade de utilizar óculos para ver ao perto e a meia distância, enquanto, com as lentes multifocais que lhe foram aplicadas pelo réu, e passado o período de neuro adaptação sensorial, poderia só carecer de óculos para ver à média distância.
207. Se essa adaptação se tivesse verificado com sucesso, como aconteceu com doentes a quem o réu as implantou, não iria carecer de óculos para ver ao perto.
208. Se o réu e o autor tivessem optado, em 22/09/2005, por terem implementado as lentes monofocais, a acuidade visual do autor hoje seria a mesma que tem actualmente, pelo facto de serem estas lentes que lhe foram aplicadas pelo Dr. JM, nas intervenções cirúrgicas que lhe efectuou em 21 e 26/12/2005.
209. Se, findo o período de neuro adaptação sensorial que é aconselhado para o uso destas lentes, o autor não tivesse concretizado essa adaptação, então ser-lhe-iam substituídas as lentes multifocais por lentes monofocais, com as limitações da acuidade de visão de que o autor hoje padece.
210. O autor padecia de neuropatia, desde os 18 anos, que não comunicou atempadamente ao réu, antes da cirurgia ocular a que foi submetido.
211. Quando o autor foi despedido, em 24/10/2006, desde Dezembro de 2005, o autor já não tinha as lentes multifocais que lhe foram implantadas pelo réu.
212. O autor é que escolheu o médico por quem queria ser consultado e operado.
213. O IMO não teve qualquer intervenção nas consultas, exames e tratamentos que os médicos lhe terão efectuado, pois eles são autónomos e independentes para o fazer.
214. Por contrato de seguro do ramo de responsabilidade civil o réu transferiu para a AGEAS a responsabilidade civil profissional decorrente da sua actividade médica especialidade de oftalmologia titulado pela apólice 008405932866.
215. O referido contrato é regulado pelas condições gerais e pela condição especial 21 e pelas condições especiais particulares.
216. O contrato de seguro garantia a responsabilidade civil profissional do réu até ao montante de 600.000€, ficando limitado em cada sinistro a 50% desse valor, sendo aplicada, a cada sinistro, relativamente a danos patrimoniais, uma franquia de 10% do valor reclamado com o mínimo de 125€.
217. Nos termos das condições gerais do referido contrato de seguro: no seu artigo 4, com a epígrafe exclusões absolutas consta: “ficam sempre excluídos da garantia de cobertura desta apólice os seguintes danos: “a) decorrentes de actos ou omissões dolosas do tomador do Seguro”
218. No artigo 5 das Condições Gerais com a epígrafe “Exclusões relativas” consta que o presente contrato não garante também a responsabilidade civil emergente de: “i) perdas indirectas de qualquer natureza, lucros cessantes e paralisações.”
219. Nos termos da condição especial 21 do contrato de seguro referido em 217, em vigor no ano de 2013, no seu artigo preliminar consta: “A presente condição especial Responsabilidade Civil Profissionais de Saúde complementa, derroga as condições gerais do seguro de responsabilidade civil geral, nos termos abaixo expressos e nos constantes das condições particulares, onde esta condição especial, para vigorar, deverá ser expressamente mencionada na sua cláusula 1, e no seu artigo 1º consta: “nos termos desta condição especial, o segurador garante a responsabilidade civil do segurado inerente ao exercício da profissão especificada na proposta do contrato nos seguintes termos: (…) b) por danos causados a clientes ou terceiros em consequência de actos ou omissões negligentes cometidos pelo segurado no exercício da sua profissão. (…)
220. A remoção definitiva do cristalino é uma cirurgia que também se faz em pessoas, com mais de 60 anos e com cataratas.
221. A remoção definitiva do cristalino não é adequada para o tratamento da miopia.
222. O réu não informou o autor de que a intervenção cirúrgica em causa implicava a desfocagem da visão de objectos situados, pelo menos, a distância entre 30 a 90 cm, nem que poderiam surgir halos em redor dos objectos luminosos, que desapareceriam no final do período de adaptação às lentes, nem de que a eventual adaptação dos pacientes em situações similares depende da concreta capacidade de adaptação neurofisiológica de cada um às mesmas que poderá ir até uns seis meses.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
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Em relação ao facto provado sob 8 –: o Dr. AS, face à insatisfação do autor com as limitações do uso de óculos, informou o autor da possibilidade da redução da miopia através de correcção cirúrgica por laser, ao que este anuiu - o autor diz que a afirmação devia ter sido dada como não provada e invoca como elemento de prova suficiente para o efeito umas passagens das suas próprias declarações de parte.
Depois dessas passagens diz: pelo que o facto devia ter sido dado como não provado, “uma vez que o autor não tinha espessura de córnea para a realização daquela cirurgia e, como tal, não poderia sequer fazê-la. Para além de que foi expressamente mencionado pelo Dr. AS para nunca a fazer, depois da realização do exame preparatório onde se verificou que não existia espessura córnea suficiente para tal.”
*
Deixe-se desde já a nota – que também servirá para a decisão quanto à taxa de justiça remanescente - de que, dada a extensão e a sistemática repetição, com o sistema copy paste, dos elementos de prova invocados pelas partes, a ocupar, no conjunto de alegações e contra-alegações, 334 páginas, não se repetem, aqui, essas transcrições (que, em inúmeros casos, apenas numa pequena parte têm realmente algo a ver com os pontos de facto em discussão), nem mesmo as argumentações, fazendo-se apenas referência simplificada aos elementos necessários à sua compreensão.
*
O réu responde que:
A pretensão do autor é irrelevante pela razão de que, conforme resulta do ponto 6 dos factos provados que não é impugnado pelo autor, os factos do ponto 8 referem-se a uma consulta que, em 11/04/2002, o autor teve com o Dr. AS, que não é o réu, ou seja, 3 anos e 5 meses antes de o autor ter sido submetido à cirurgia que deu origem aos presentes autos, não tendo os factos enunciados no ponto 8 qualquer influência na citada intervenção cirúrgica, e é manifestamente descontextualizada, visto que a interpretação do facto 8 deve ser conjugada com a matéria de facto enunciada no ponto 9, que o autor não impugna. Na verdade, resulta da conjugação dos factos 8 e 9, bem como das declarações de parte do autor, que são transcritas pelo autor, que o facto descrito no ponto 8 correspondeu a uma possibilidade de intervenção cirúrgica que o Dr. AS, na consulta realizada em 11/04/2002, prestou ao autor, possibilidade esta que veio a ser afastada quando, após tal conversa, se verificou que o autor não tinha espessura da córnea suficiente para a realização de tal cirurgia.
O tribunal recorrido fundamenta a decisão dos pontos de facto em conjunto com variadíssimos outros e com referência a variadíssima prova, que no essencial se limita a descrever, pelo que não tem efeito útil o aproveitamento dessa fundamentação para a discussão da decisão da matéria de facto, pelo que, daqui para a frente não lhe serão feitas outras referências.
Decidindo:
A consulta em causa só ocorreu entre o Dr. AS, que é sócio gerente da ré IMO (de que, acrescente-se, o réu também é sócio, tudo como resulta da certidão registal junta aos autos, a fls. 592v a 601), e o autor. Só eles podem ter conhecimento destes factos. Ora, o autor está interessado, naturalmente, em que não se dêem como provados factos que enfraqueçam a sua versão do ocorrido, para conseguir a condenação dos réus, e o gerente da ré está interessado em que se dêem como provados factos que enfraqueçam a posição do autor, para evitar a condenação de qualquer dos réus. Assim, as simples declarações do autor e do gerente da ré, que aliás têm prestações muito pouco espontâneas, o que é natural porque repetem o mesmo já desde 2006 [o que é verdade, de resto, em relação aos outros intervenientes, principalmente a mulher do autor e o réu] contra ou a favor das respectivas versões, têm, só por si, pouco valor para convencer que seja como eles dizem.
Posto isto, no entanto, repare-se no que consta dos factos provados 9 e 11, não impugnados pelo autor. Ora, tendo em conta as regras da experiência e da lógica das coisas, o ponto 8, todo ele, resulta provado da conjugação daquelas regras com o que consta daqueles pontos 9 e 11: relacione-se a intenção que consta de 11 com a insatisfação referida em 8; e veja-se que o que consta de 9 pressupõe a informação referida em 8. Ou seja, corroboram a versão do gerente da ré.
Pelo que o ponto 8 deve manter-se.
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Em relação ao facto provado sob 12 –: Após ter realizado esta consulta [a do ponto 11, de 06/09/2014], o autor voltou a marcar consulta com o réu, em 19/07/2005, e nesta data o quadro clínico era diferente daquele que tinha apresentado, em 06/09/2004 - o autor diz que a afirmação devia ter sido dada como não provada e invoca, de novo, como único elemento de prova suficiente para o efeito umas passagens das suas próprias declarações de parte (passagens que são transcritas pelo autor, no corpo das alegações de recurso, 6 vezes, contribuindo assim largamente para as 160 páginas densas do mesmo, o que se refere como matéria a considerar na decisão da questão da taxa de justiça remanescente; registe-se ainda que o autor começou o recurso com 20 páginas em que repetiu os factos provados e não provados que vinham da sentença) e depois conclui: não existiu qualquer alteração do quadro clínico em Setembro de 2005. O que motivou a sua deslocação àquela consulta foi a necessidade da prescrição médica para os aros que havia comprado no Algarve.
O réu [que faz o mesmo que o autor: como se não bastasse dizer as coisas uma vez, repete-as, por variadíssimas vezes, contribuindo assim para as 174 páginas densas do recurso; pior ainda, o réu repete aquilo que o autor disse nas alegações, fazendo com o que passagens citadas pelo autor tenham sido lidas por este TRL mais de uma dúzia de vezes – o que se diz pela mesma razão referida acima] responde que:
- o facto 12, concretizado nos factos 13, 14 e 15, resulta expressamente dos documentos referidos a seguir, documentos que o autor nunca impugnou, e das declarações de parte prestadas pelo réu.
- da ficha clínica do autor, cfr. doc. 5, junto à contestação [= facto provado sob 13, com excepção da seguinte frase inicial que se refere à consulta de 06/09/2004: “06/09/2004: usa – 7.00-1.25(5) e – 7.25-1.00 (180) proponho vivarte”] e
- do relatório médico elaborado pelo Dr. AS, cfr. doc.6 junto à contestação, que se transcreve:“(…) Em 06/09/2004 o doente voltou ao IMO, tendo então marcado consulta para o Sr. Dr. R, tendo-lhe pedido a sua opinião sobre a possibilidade de realizar correcção cirúrgica com laser de excimer da elevada miopia que tanto limitava. De novo lhe foi comunicado tal não ser possível por esta técnica cirúrgica. O Dr. R falou-lhe então noutra alternativa cirúrgica que seria o implante de uma lente intraocular fáquica na câmara anterior, técnica esta realizada em doentes com elevadas miopias e com idade inferior a 45 anos. Em 19/07/2005 o doente procurou de novo o Dr. R, referindo então algumas perturbações visuais e cefaleias, estando muito insatisfeito com o estado actual da sua visão. Após o exame oftalmológico realizado, foi informado que estava a desenvolver uma facosclerose dos cristalinos, que poderia ser responsável pelas dificuldades referidas, nomeadamente a instabilidade refrativa. A existência desta facosclerose, que corresponde ao início do desenvolvimento de cataratas (frequente em doentes míopes com esta idade), era uma contra-indicação para poder optar pela técnica cirúrgica que lhe tinha sugerido na consulta anterior de 06/09/2004 (implante de lente fáquica de câmara anterior). (…)”
Decidindo:
É manifesto que o autor não tem razão e que a sua pretensão é inconsequente. O facto 12, como o réu diz, está depois concretizado nos factos 13, 14 e 15. Ora, dos factos 13 e 14, que o autor não impugna, resulta evidente que o quadro clínico era diferente daquele que o autor tinha apresentado em 06/09/2004, como se pode constatar pelo confronto dos valores em causa. É certo que o autor já impugna o facto 15. Mas este ponto é apenas a explicação para o aparecimento do novo quadro clínico descrito em 13 e 14 que o autor não põe em causa. Tanto bastaria para que o facto 12 ficasse provado.
Mas isto pode ser visto de duas outras perspectivas: por um lado, do facto 21 – não impugnado pelo autor - resulta que só a existência das cataratas podia explicar o novo quadro clínico. Pelo que isto e a não impugnação dos factos 13 e 14, torna irrelevante, para afastar a argumentação contra o ponto 12, que o autor tenha impugnado o facto 15.
Por outro lado, não é possível pôr em dúvida que o autor tinha cataratas, nem o autor defende isso: o que o autor diz é que não lhe foi dito que tinha cataratas nem que ia ser operado a elas. Mas não nega que tivesse cataratas. Aliás, mais à frente (na discussão do ponto 26), admite expressamente que a operação realizada foi às cataratas, pelo que estas tinham necessariamente de existir. De qualquer modo, se o negasse, fá-lo-ia sem razão. É certo que, para se chegar a esta conclusão, pode não ser dado muito relevo ao doc.6 junto pelos réus: afinal, trata-se de um documento em que o gerente da ré põe a sua versão dos factos por escrito, podendo ver-se nele uma contestação embrionária e por isso com pouco valor em termos de prova. Mas já a ficha clínica do autor, elaborada pelo réu e pelo gerente da ré, parcialmente antes da data da operação, que também poderia ser posta em causa por ter sido elaborada por estes, nunca foi impugnada pelo autor e dela resulta a existência de cataratas.
Por fim, como é referido na sentença crime, fazendo referência a um impresso assinado pelo réu antes da operação, o réu preencheu aquele impresso e enviou-o para a seguradora e nele refere a existência de cataratas. Ora, os dois documentos relativos a este pedido administrativo do réu à Médis para a operação às cataratas (descritos em termos exaustivos em 13 linhas de texto da pág. 56 e 11 linhas de texto da pág. 13 da sentença crime) elaborados antes da operação (e por isso não podendo ter sido alterados ou adulterados para efeitos de prova dos factos), são indiscutível prova da existência das cataratas.
Por tudo isto, não há dúvida de que o autor tinha cataratas, como o diz o ponto 15 dos factos provados e está demonstrado nos pontos 13 e 14 dos factos provados, pelo que não podia deixar de ser como consta do ponto 12 dos factos provados, que, assim, deve ser mantido.
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Em relação ao facto provado sob 15 –: Nessa mesma consulta de 19/07/2005, foi diagnosticado por aquele a este o aparecimento de uma facosclerose dos cristalinos, vulgo cataratas, que é situação comum em doentes com o quadro de miopia e com a idade do autor - o autor diz que a afirmação devia ter sido dada como não provada e invoca como elementos de provas suficientes para o efeito i/ umas passagens das suas próprias declarações de parte, ii/ o depoimento da sua mulher (que identifica como testemunha Ana Simões) e iii/ uma notícia num jornal, de 19/02/2009, que dava conta de à data da operação [ou melhor: desde 2006, sendo que a operação foi em 2005…] haveria “um excesso de operações às cataratas” através do relato do que teria sido dito Presidente da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia; num parenteses, o autor ainda diz que isto é assim “mesmo que o réu tenha relatado por escrito o contrário”.
O réu responde que: a demonstração do facto 15 resulta da já citada ficha clínica do autor, que transcreve de novo; do relatório/doc.6, já citado e que transcreve de novo; dos factos 37 a 44 da sentença crime, que transcreve e que são repetição, no essencial, dos factos 12 a 15 e 19 a 21 provados neste processo; e diz que não deve ser atendida a transcrição parcial das afirmações proferidas pelo então Presidente da SPO, por se tratar de documento que, além de ser ofensivo da honra do réu, não foi apresentado nem discutido nos autos, sendo extemporânea a sua apresentação e por se tratar de afirmações proferidas em Fevereiro de 2009, ou seja, 3 anos e 6 meses, após a intervenção cirúrgica em causa; acrescenta que o aparecimento de uma facosclerose dos cristalinos, vulgo cataratas, é situação comum em doentes com o quadro de miopia e com a idade do autor, facto este que é confirmado no facto 18.
Decidindo:
A propósito do facto 12 já se demonstrou que deve ser mantido o ponto 15 (a existência de cataratas antes da operação). O depoimento da mulher do autor, a sugerir o contrário, com base no que este lhe disse, é irrelevante para afastar aquela demonstração. É-o ainda mais a referência a um documento, mesmo que sob a forma de transcrição do seu conteúdo, que o autor não juntou aos autos para o submeter a contraditório, e que aliás se refere a uma data posterior à operação e foi afirmado muitos anos depois e sem que nele se faça qualquer referência ao caso dos autos ou se sugira que o caso dos autos se enquadra no que nele se diz; por fim, a sugestão de que é irrelevante o que o réu tenha referido na ficha clínica (antes da operação) que o autor tinha cataratas não tem qualquer sentido face à não impugnação do documento.
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Em relação ao facto provado sob 20 –: Nessa mesma consulta [a de 19/07/2005], o réu informou novamente o autor da possibilidade de realização de intervenção cirúrgica consistente na colocação de lentes intraoculares multifocais, tecnis-multifocal, e que tais lentes lhe permitiriam aumentar a sua acuidade visual - o autor começa por dizer que: a afirmação devia ter sido dada como não provada; e invoca como elementos de prova suficientes para o efeito: i/ as suas declarações de parte e ii/ as declarações de parte do réu. Mas no fim, o que diz é que o facto 20 devia ter sido dado como provado nos seguintes termos: nessa mesma consulta, o réu informou novamente o autor da possibilidade de realização de intervenção cirúrgica consistente na colocação de lentes fáquicas intraoculares e que tais lentes lhe permitiriam aumentar a sua acuidade visual.
O réu, por sua vez, transcrevendo as suas declarações de parte, de forma mais completa do que o faz o autor (mas do mesmo período, ou seja, de 5:41 em diante, prestadas no dia 07/05/2020), conclui que elas provam o que ele afirma. No mesmo sentido, diz, aponta o tal relatório médico/doc. 6 que o réu já transcreveu duas vezes e que volta a transcrever pela 3.ª vez.
Decidindo:
Tendo em conta a alteração da posição do autor no decurso da argumentação, a única coisa que está em discussão neste ponto é apenas se o réu só informou que a intervenção cirúrgica consistia na colocação de lentes fáquicas intra-oculares (versão do autor), ou se especificou que se tratavam de lentes multifocais, tecnis-multifocal (versão dada como provada).
O autor, como quase sempre, limita-se a transcrever passagens de declarações/depoimentos e a concluir no sentido do que pretende que está provado, sem argumentar minimamente. No caso, por exemplo, não explica como é que as passagens transcritas das declarações de parte do réu podem apontar para a prova daquilo que pretende (que o réu não lhe disse que as lentes eram multifocais). A verdade, entretanto, é que, claramente, as declarações de parte do réu, naturalmente, apenas vêm confirmar a versão do próprio. Sendo que as do autor, por sua vez, vão no sentido da versão por ele apresentada na petição inicial.
A solução é, no entanto, fácil, tendo em conta que as lentes eram multifocais o autor teve que pagar um custo adicional de 800€ (facto 22), o que representa uma parte muito significativa do vencimento do autor (que era de 2652,52€ mensais - facto 187) e que ele pagou antes da operação porque tiveram que ser encomendadas antes da operação (como resulta dos factos 22 e 27). Ora, a tese do autor pressupõe a aceitação da hipótese de que o pagamento dos 800€ a mais seria irrelevante e que o autor não precisaria de nenhuma explicação para isso. O que não é minimamente credível, para mais tendo em conta que o autor, já antes da cirurgia, tinha um comportamento cauteloso, prudente e perfeccionista (facto 135).
Assim, não há dúvida de que o réu especificou que se tratavam de lentes multifocais, pelo que o ponto 20 se deve manter.
A esta conclusão não se chega, no entanto, como se vê, com os elementos de prova invocados pelo réu, com valor probatório de quase nenhum relevo, como já se viu. E não têm relevo também as outras considerações que o réu tece a propósito (e que por isso não se sintetizaram), pois que aqui só se está a discutir o que consta do ponto 20.
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Em relação ao facto provado sob 22    -: E foi após nova consulta, efectuada em 12/09/2005 – na qual o réu informou novamente o autor da possibilidade de realização de intervenção cirúrgica consistente na colocação de lentes intraoculares multifocais, tecnis-multifocal, que o autor deu a sua anuência para a realização da operação, tendo, inclusive, sido aconselhado pelo réu colocar lentes tecnis-multifocal, tendo sido informado que deveria pagar 800€ pelas lentes, o que o autor veio a liquidar – o autor, também aqui, começa por dizer que este facto não devia ter sido dado como provado e para tal serve-se das suas declarações de parte e do depoimento da sua mulher. Mas acaba a dizer que devia ter sido dado como provado, em substituição da parte sublinhada acima, que:fáquicas, que o autor ficou de dar uma resposta para a realização, ou não, da operação, tendo sido informado que deveria pagar 800€ pelo upgrade da operação, o que o autor veio a liquidar.” E depois das transcrições das passagens das suas declarações (parte delas repetida 6 vezes ao longo das suas alegações) conclui, sem argumentação, como referido.
O réu, por sua vez, i/ repete, de novo, a transcrição de parte das suas declarações; ii/ utiliza parte do depoimento da mulher do autor – em que ela refere [ter-lhe-ia sido contado pelo autor] que o réu sugeriu um upgrade a essa operação, colocação de umas determinadas lentes que iriam inclusivamente fazer com que corrigisse o estigmatismo, uma parte do estigmatismo, não era só a miopia, tinha uma parte de estigmatismo, e portanto e foi colocada à nossa consideração pagar à parte essa, que não era comparticipada, essas lentes e, eram 800€, portanto, ainda era um valor assinável, mas se era para ficar efectivamente ainda melhor, nós decidimos pá!, a gente quer o melhor não é? E, portanto, achamos que estávamos nas melhores condições e nas melhores mãos (…)” -; iii/ invoca o facto 135 –: o autor, na sua vida diária, antes da cirurgia, tinha um comportamento cauteloso, prudente e perfeccionista - e diz que ele foi confirmado pelo depoimento prestado pela testemunha Arnaldo Simões, sogro do autor [em extensa passagem que o réu transcreve 3 vezes ao longo das suas contra-alegações]; e depois argumenta o seguinte [desconsidera-se parte da argumentação, por dizer respeito a outros factos]: é manifesto que, sendo o autor um perfeccionista, uma pessoa que pretende saber ao pormenor todos os factos que lhe dizem respeito, é destituída de fundamento, a sua pretensão, de que não lhe foi proposta a aplicação de uma lente tecnis-multifocal, porque, face à sua personalidade, também não é crível que tenha acedido em pagar 800€ por estas lentes, sem se inteirar integralmente sobre a natureza e efeitos deste tipo de lentes.
Decidindo:
A questão da informação prestada pelo réu já foi discutida acima. A tentativa de explicação dada pelo autor e pela mulher soa artificial e não está minimamente corroborada por outros elementos de prova. Sendo que a explicação dada pela mulher até aponta para que a informação em causa tenha sido prestada pelo réu, porque se refere a lentes que serviram para corrigir dois problemas.
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Em relação ao facto provado sob 23 –: o réu informou o autor que a utilização de lentes multifocais seria preferível à aplicação de lentes monofocais, lentes estas que implicariam que deixasse de ver ao perto e que a cirurgia não demoraria mais de meia hora e que na semana seguinte já ia regressaria ao trabalho - o autor, de novo, começa por dizer que a afirmação devia ter sido dada como não provada, servindo-se para tanto das suas declarações de parte e do depoimento da sua mulher, mas acaba a dizer que a segunda parte [a partir de cirurgia] está provada e que é só a primeira parte é que devia ter sido dada como não provada. Ou seja, segundo o autor, das suas declarações e do depoimento da sua mulher [repetidos pela enésima vez – registe-se, entretanto, que a mulher do autor não esteve presente nestas consultas, à excepção das que serão assinaladas, e só diz saber delas por aquilo que o autor lhe contou] resultaria que “não existiu qualquer explicação do réu em diferenciar as lentes multifocais das monofocais e este teria afirmado explicitamente ao autor que não existiriam quaisquer riscos ou complicações, pois, como é evidente, caso existissem, o autor não iria socorrer-se da operação.”
O réu i/ transcreve de novo parte das suas declarações – aquelas que já utilizou sabe-se lá quantas vezes, ocupando sabe-se lá já quantas páginas -; ii/ aproveita de novo a parte já utilizada do depoimento da mulher do autor; iii/ transcreve factos provados da sentença crime (46 a 50 que são iguais aos factos deste processo números 22 a 26); e conclui que isto evidencia que o réu informou o autor nos termos dados como provados em 22, porque “não é crível que […]”, repetindo assim a sua anterior argumentação usada para outro ponto.
Decidindo:
Pelas razões já adiantadas na análise da discussão dos pontos 20 e 22 considera-se que é de manter também a primeira parte deste ponto 23. Para o réu convencer o autor a pagar 800€ pelas lentes multifocais, teria que ter explicado a diferença em relação às monofocais (o que, alerte-se, é diferente de dizer que ele explicou todas as diferenças).
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Em relação ao facto provado sob 24 –: também informou que as lentes intraoculares multifocais, tecnis-multifocal, permitem aumentar a acuidade visual ao longe e ao perto, carecendo o paciente, e conforme as suas necessidades para ver a média distancia, de utilizar óculos de correcção para auxiliar essa parte da sua visão - o autor diz que a afirmação devia ter sido dada como não provada, servindo-se para tanto das suas declarações de parte (e de considerações sobre aquilo que faria se soubesse da informação em causa) e do depoimento da sua mulher. E considera que este facto é contraditório com os factos 43, 44 (o réu disse ao autor que este teria de abdicar da visão de meia distância), 77, 78, 79, 80 e 81 e do que é dito na fundamentação de direito da sentença (onde esta diz que: “seria imperativo que o réu tivesse transmitido ao autor que sofria de cataratas, […] que a cura passaria pela remoção do cristalino e a subsequente perda da visão intermédia […]”).
O réu responde que: i/ o facto 24 não contraria os outros factos apontados pelo autor porque, conforme resulta do facto 67, aqueles factos tiveram lugar em consulta realizada, em 02/11/2005, portanto, em momento posterior àquele em que ocorreu o facto 24, que foi em consulta efectuada em 12/09/2005, antes da realização da intervenção cirúrgica, que teve lugar no dia 22/09/2005, cfr. facto 26. Sendo de salientar que, conforme resulta expressamente do facto 80, invocado pelo autor, o réu na consulta efectuada, em 02/11/2005, afirmou ao autor que teria de tentar encontrar as lentes adequadas para a visão intermédia do autor, o que é confirmativo do facto 24; ii/ o trecho da fundamentação da sentença que o autor invoca não põe em causa o facto 24 porque este trecho refere-se à perda da visão intermédia, que pode acontecer em intervenções como a dos autos e não à possibilidade de tal perda poder ser corrigida através da utilização de óculos; iii/ volta a transcrever os factos 46 a 50 da sentença crime, sem dizer para que efeito o faz; e iv/ diz “cumpre referir que as afirmações que a este propósito são produzidas pelo autor, de que nunca daria o seu consentimento para a realização de tal cirurgia se estivesse informado de que poderia perder a visão intermédia pela razão de a visão intermédia poderia ser corrigida com a utilização de óculos para o efeito” e não conclui o raciocínio.
Decidindo:
O facto 24 destes autos corresponde à mistura dos factos 47 e 48 da sentença crime. Mas, na sentença crime, o facto 48 é uma explicação das consequências e possibilidades em geral das lentes multifocais para a média distância e não uma explicação que tenha sido dada pelo réu ao autor. Aliás, na sentença crime, discute-se, longamente, se o autor foi ou não informado disto e conclui-se que não o foi.
Antes de continuar e perante tudo o que antecede há que fazer a seguinte explicação:
As lentes intra-oculares monofocais, logicamente, só permitem, sozinhas, um tipo de visão, que é aquele que for escolhido: ou para o perto, ou para a visão intermédia ou para o longe; depois, quando se quer ver para as outras distâncias, utilizam-se óculos de correcção; as lentes multifocais, em sentido próprio, implicariam, a possibilidade de visão para tudo: para perto, para a visão intermédia e para longe; mas, perante os factos provados e as explicações dadas – principalmente o depoimento do perito Dr. VS e testemunha Prof. JM -, é evidente que, no caso, a expressão lentes multifocais, à data (2005), referia-se a lentes bifocais (vejam-se aliás neste sentido preciso o que consta, apenas por exemplo, dos factos 77 e 78 e também 79 e 80), no caso, para ver ao perto e para ver ao longe. Depois, podia ser que o cérebro do utilizador se adaptasse com estas lentes e não sentisse dificuldades especiais com a visão intermédia; mas, é evidente, que a visão intermédia ficava, em princípio, prejudicada e a correcção desta visão, com óculos, seria “experimental” como disse repetidamente o perito Dr. VS, ou seja, podia dar-se o caso de calhar conseguir-se ajustar os óculos por cima destas lentes bifocais, para se conseguir a visão intermédia correcta, mas seria algo pouco comum e muito difícil. Quanto às lentes multifocais, para ver ao perto, a meia distância e ao longe (ou seja, trifocais) já as há, mas não as havia em 2005 (ou não há disso notícia nestes autos). Assim sendo, a visão intermédia, com umas lentes “multifocais” (ou seja, bifocais em 2005), dificilmente poderia ficar bem.
Não há dúvida, nos autos, que ao autor foram colocadas, pelo réu, umas lentes bifocais (vejam-se de novo os factos 77 e 78, entre muitos outros), que lhe corrigiram a visão ao perto e ao longe, de tal modo que deixou de precisar de óculos para estas visões (vejam-se os factos 26, 35, 59, 137 e 142, estes dois, a contrario, já que o problema era só a visão intermédia; que o problema era só da visão intermédia, e não ao perto, nem ao longe, resulta também de que os factos 32, 33, 39, 44, 51, 55, 61, 63, 66, entre outros, para além dos já referidos, só a esta se referem; o facto 42, que refere a necessidade de ‘tirar os óculos para ver ao perto’, está a referir-se à situação já com a utilização de óculos de correcção). Mas a visão intermédia não ficou bem e o autor não se conseguiu adaptar às lentes para esse efeito e não teve a sorte de ser um dos casos em que se conseguisse a correcção da visão intermédia com óculos.
E quanto a isto não havia dúvidas: disseram-no o Prof. JM e o perito Dr. VS. É certo que o Prof. JM começou por dizer, surpreendentemente para quem tinha acabado de ouvir os esclarecimentos do Dr. VS, que o problema da visão intermédia pode ser corrigido com óculos; mas, mais à frente, mal se apercebeu que lhe estavam a perguntar em relação a 2005, rectifica logo o que disse; ou seja, por volta da passagem de 24:06 a 25:15, o Prof. JM diz, grosso modo, que em 2005 não havia lentes intra-oculares com as três distâncias, incluindo a intermédia; e era muito mais difícil corrigir, com óculos, a visão intermédia; o que podia ter feito era pôr lentes para longe e intermédia, mas aí perdia a visão ao perto…).
Posto isto, o indubitável transtorno psicológico do autor tem a ver com a falta de visão intermédia que lhe provocaram as lentes bifocais, o que seria quase inevitável; e esse transtorno resulta do depoimento das pessoas que foram sendo contactadas pouco depois da operação pelo autor, ou seja, o optometrista PD, o seu médico DP, a psicóloga AB, os dois outros médicos oftalmologistas (MR e CS) e o psiquiatra FA, a quem o autor logo falou das coisas, de forma que lhes pareceu muito sincera, muito provavelmente não pensando ainda nesta acção e portanto com uma versão ainda pouco comprometida com construções jurídicas; de tudo isto resulta que o autor não estava minimamente preparado para ter problemas com a visão intermédia, o que apenas pode resultar de a questão não ter sido minimamente aflorada pelo réu.
Mais, sendo, a perda de visão a meia distância, com necessidade de adaptação neuro sensorial do utilizador, um problema normal subsequente à colocação de lentes bifocais, que leva sempre algum tempo, os termos da informação prestada pelo réu antes da operação (facto 23) e depois da operação (facto 27), aponta também inequivocamente para que o réu não tenha informado o autor da possibilidade de problemas com a visão intermédia, pois que se o tivesse feito, não poderia ter dito e escrito o que deles consta.
Por isso, em relação ao ponto 24 considera-se que o autor tem em parte razão e que não está provado que o réu tenha informado o autor da segunda parte desse ponto; nem que o utilizador das lentas careça sempre de óculos que corrijam a situação (porque se pode vir a adaptar à situação sem eles); nem, por fim, que a utilização de óculos corrija sempre o problema da visão a meia distância, se ele subsistir.
De resto, no facto 222 – ignorado pelo autor e pelo réu nas suas alegações - diz-se expressamente que o réu não informou o autor de tudo o que aí consta, pelo que não faria sentido que o tivesse informado da parte final de 24.
Assim, nesta parte o autor tem razão, decidindo-se, por isso, a eliminação da segunda parte do ponto 24.
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Em relação ao facto provado sob 26 –: tendo o autor dado a sua anuência, nas circunstâncias referidas em 22-23 e 24, para a realização da operação, e para a colocação das lentes multifocais, foi a mesma realizada, no dia 22/09/2005, pelo réu, nas instalações da IMO e, tendo após a cirurgia efectuada, passado o autor para uma acuidade visual de 10/10, 100% ao longe, e uma capacidade de visão ao perto, também de 10/10, 100%, carecendo de correcção para a visão intermédia (entre pelo menos os 30/40 cm e os 90/100 cm) – o autor, de novo, começa por dizer que devia ter sido dado como não provado; e invoca para o efeito as suas declarações de parte, o depoimento da sua mulher, e o doc.1 junto com a petição inicial (que é a sentença crime, onde, na fundamentação da decisão da matéria de facto se diz que a testemunha AS/gerente da ré afirma que as lentes multifocais começaram a surgir há cerca de 20 anos, e tem evoluído tecnologicamente, sendo que os maiores problemas destas lentes são os halos com os pontos de luz nomeadamente à noite (conduzir à noite, nomeadamente) e a visão intermédia, que pode ser afectada – tudo isso vai depois depender da chamada neuro adaptação do paciente as lentes. (…)”); mas acaba por dizer que o ponto devia ter ficado provado com um teor que afinal é igual ao referido, à excepção do seguinte: a anuência do autor foi para a colocação de lentes fáquicas, não para a operação concretamente realizada designadamente das cataratas e a colocação de lentes multifocais.
O réu responde que: deve ser considerada improcedente esta pretensão do autor porque o teor das declarações do autor e depoimento da sua mulher em nada infirmam o facto 26, pela razão de dizerem respeito a factos que ocorreram após a operação e que, por esta razão, não se referem à alegada falta de consentimento que terá sido dada pelo autor quanto ao tipo de cirurgia que lhe foi efectuada e às lentes que lhe foram aplicadas; e porque as afirmações proferidas pela testemunha AS, em nada infirmam o facto 26 e em nada confirmam os factos constitutivos da alteração ao ponto 26 por si peticionados, porque se limitam a enunciar eventuais consequências da aplicação das lentes Multifocais e do período de neuro adaptação que a aplicação de tais lentes pode implicar.
O réu invoca ainda os factos 46 a 50 da sentença crime, que transcreveu sabe-se lá já quantas vezes, não diz para quê; e invoca, de novo, os traços de personalidade do autor confirmados pelo seu sogro, transcrevendo de novo a passagem desse depoimento e repete o argumento conexo já apresentado a propósito do facto 22 acima.
Por fim, diz que sendo, ainda, de referir que o autor não perdeu a visão intermédia, porque a alegada carência de visão intermédia pode ser e foi no caso dos autos, corrigida com óculos conforme decorre expressamente do depoimento da testemunha JM. E termina esta parte sem transcrever passagens do depoimento desta testemunha.
Decidindo:
Antes de passar à frente assinale-se que o autor, com o que diz nesta parte está inequivocamente a concordar, por não contrariar, que, depois da operação feita pelo réu, ficou com uma acuidade visual de 10/10, 100% ao longe, e uma capacidade de visão ao perto, também de 10/10, 100%. E que ele diz expressamente que “a operação concretamente realizada [foi às…] cataratas.”
Depois, repare-se que o autor, dizendo primeiro que todo o facto devia ser dado como não provado, acaba por só pôr em causa parte do facto, sem pôr em causa toda a segunda parte do facto, e, apesar disso, vem dizer que ficou totalmente sem visão a meia distância; como, na redacção proposta para o ponto, o autor mantém expressamente o que lá estava, esta última discussão não interessa, nem interessa o último argumento do réu (mas quanto a este não deixe de se dizer que, a propósito do ponto 24, já se viu aquilo que o Prof. JM disse de facto, o que retira valor à afirmação invocada pelo réu).
Posto isto,
Depois de tudo o que já foi dito, acrescente-se apenas o seguinte: o autor pagou, antes da operação, 800€ por umas lentes multifocais. Dizer, apesar disso, que não autorizou a colocação destas lentes é um contra-senso. Por outro lado, não consta do facto 26 nada quanto às cataratas, pelo que é escusado estar a falar delas, até porque a matéria do consentimento é discutida a propósito de outro ponto da matéria de facto.
*
Em relação ao facto provado sob 30 –: o autor deu consentimento verbal para a cirurgia e não assinou qualquer documento a declarar o seu consentimento livre, esclarecido e informado, referente à operação realizada no dia 22/09/2005 – o autor, de novo, como já vem sendo hábito, começa por dizer que devia ter sido dado como não provado e invoca para o efeito as suas declarações de parte e o depoimento da sua mulher (umas e outra com repetição de passagens), a meio das alegações diz que o que devia ter ficado provado era que o autor não deu consentimento para ser operado às cataratas porque nada lhe foi explicado a esse respeito, nem para a colocação de lentes multifocais porque o réu não explicitou que lhe iria colocar lentes multifocais e no fim acaba por apresentar uma segunda versão daquilo que devia ter ficado provado em que, desta vez, inclui ainda a segunda parte do ponto 30 (a partir de ‘e não assinou’).
Na parte da argumentação, o autor começa a discutir muitas outras coisas que não lhe teriam sido explicadas ou informadas, matéria que não tem a ver com este ponto à excepção do que se refere às cataratas e lentes [a matéria do que foi ou não explicado ao autor consta dos factos 151, 153 e 222 que são esquecidos pelas duas partes]. E volta a trazer à discussão (e a transcrever de novo) aquilo que foi relatado num jornal sobre aquilo que o Presidente da SPO teria dito, “documento” que já se sugeriu que seria inadmissível, isto se ele tivesse algum valor para o caso.
O réu, na resposta, põe em causa a utilização do que terá sido dito por aquele presidente, do modo como já o fez acima; e repete aquilo que já tinha sido dito a propósito de 26, mas desta vez assinala que o vai fazer.
Decidindo:
Como se vê está apenas em causa saber se se pode dizer que o autor deu consentimento verbal para a cirurgia. O que, nos termos como está redigido o facto, subentende o consentimento para a cirurgia que lhe foi feita, isto é, remoção das cataratas e colocação das lentes multifocais, para perto e para longe.
Ora, a sentença não indica e também não o fez o réu, a prova para dizer que ao autor foi dito que lhe iam ser removidas as cataratas, sendo certo que, pelo contrário, no facto provado sob 31 consta que nunca tinha sido referido ao autor que a operação era para remoção das cataratas; já quanto ao facto de o réu ter falado na colocação das lentes multifocais, viu-se que ocorreu.
Assim, há que alterar o facto 30 para ficar a constar que: o autor deu consentimento verbal para a cirurgia para colocação das lentes para perto e para longe, mas não para a remoção das cataratas, e não assinou qualquer documento a declarar o seu consentimento livre e esclarecido, referente à operação realizada no dia 22/09/2005.
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Em relação ao facto provado sob 194 –: o réu nunca se recusou a atender os telefonemas do autor – o autor diz que devia ter sido dado como não provado, tendo em conta as suas declarações de parte e os factos provados sob 50 e 51.
O réu responde que aqueles factos não contrariam, em nada, o facto 194, pela razão de que não se apontam ali as razões pelas quais o réu poderá não ter atendido alguma ou algumas das tentativas de ligação que o autor, alegadamente, lhe terá feito. E acrescenta que a demonstração de que o réu sempre atendeu as interpelações que o autor lhe fez é confirmada nas afirmações que efectuou nas declarações de parte, em passagens que transcreve; por fim, invoca as 8 consultas e conversas telefónicas que o próprio autor diz ter tido com o réu [depois da operação e até 02/11]: 22/09, 29/09, 03/10, 04/10, 12/10, 14/10, 25/10 e 02/11.
Decidindo:
O facto de entre os dias 06/10/2005 e 13/10/2005 o autor ter tentado contactar, por várias vezes, telefonicamente, o réu, não quer dizer que este se tenha recusado a atender os telefonemas do autor. E as passagens das declarações de parte transcritas pelo réu não dizem nada sobre a recusa de atendimento dos telefonemas.
Assim, não há nada que eliminar ou alterar ao ponto 194.
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Em relação ao facto provado sob 198 –: O autor não esperou o tempo de neuro-adaptação às lentes, de 6 meses – o autor diz que não devia ter ficado provado, porque, em 2005, a comunidade científica e médica apenas faltava de um período de neuro adaptação de 3 meses, facto que consta na literatura e foi devidamente explicado pelo Prof. JM; invoca ainda o que foi dito por si e pela sua mulher, o depoimento de parte do réu, e os documentos 7 e 18 juntos com a PI.
Transcrevem-se, do muito que foi transcrito pelo autor, as passagens que têm a ver com o ponto, de forma simplificada:
Autor: o réu disse: Para mim está tudo bem, a operação foi um êxito. Sff tire daqui a 3 meses.
Réu: Eu sempre disse a este paciente, tenha calma, porque isto em 3 meses pode melhorar bastante. Era bom deixar andar mais algum tempo, dar 3 meses pelo menos porque esse período de tempo é suficiente para a pessoa se habituar aquela situação. Portanto, há uma adaptação neuro sensorial que não é igual em toda a gente e há pessoas em que nós pomos estas lentes e que no dia seguinte estão óptimas, e muito satisfeitas etc. e está tudo bem. Outras que demoram uns dias, outras que demoram umas semanas e outras que demoram uns meses.
Prof. JM: pode haver troca de lente passados uns meses. Hoje em dia, 3, 4 meses. Eu não vou para além disso, precisamente porque existem processos de aderência. Mais à frente explica: a evolução foi tremenda em termos de… porque hoje em dia são lentes trifocais, há uma variedade muito grande de lentes: há lentes trifocais, há lentes que dão mais para o longe e para a média distancia e dão menos para o perto e as pessoas sabem disso e portanto precisam de uma pequena correcção para perto mas são menos halos e são menos (…) positivas e isso, lá está, isso é função da conversa e da consulta pré-operatória. A consulta pré-operatória é que vai determinar…. (…) E, portanto, o problema dele (autor) era só a visão intermédia e na altura não havia estas lentes de correcção intermédia, o que é que nos fazíamos? Era uma lente num olho para longe e para perto e uma lente no outro olho para longe e para a visão intermédia [a testemunha chama a isto mix and match – parenteses deste TRL, sem se precisar agora onde é que a testemunha disse isto]. E, portanto, compensava (…) hoje em dia a variedade é completamente diferente, passaram 14 anos e isto evoluiu tremendamente.
Mulher do autor: estes médicos [réu e gerente da ré] e este instituto estavam consecutivamente a mandar-nos para uma situação de irreversibilidade porque daí a 3 meses, nós já tínhamos sido informados, que isto seria irreversível. O Dr. MR disse que ao fim de, teria um prazo máximo de género 3 meses, coisa que o valha. Não foi assim muito preciso, mas disse que isto era uma operação urgente porquê? porque colocamos as lentes e ao fim de determinado tempo 2 / 3 meses as lentes vão começar a colar. E, portanto, quando elas colarem, já não se tiram. E um dos riscos de retirar estas lentes e nesta altura, portanto 22 de Setembro, 22 de Outubro, devíamos estar em Novembro já, portanto já eram 2 meses e meio quando o Dr. AS [gerente da ré] pede 3 meses.
Doc. 7: previsão de um fim-de-semana [facto 28 – parenteses deste TRL];
Doc. 18: as lentes [o documento, facto 59, diz: a visão intermédia – parenteses deste TRL] não se adaptam às necessidades profissionais do autor.
E o autor conclui: com o conhecimento científico que se tinha naquela data, no período máximo em que se seria expectável a adaptação às lentes era de 3 meses, conforme foi confirmado pelas testemunhas e pelo autor, muito embora esta informação nunca tenha sido transmitida [antes – parenteses deste TRL] ao autor. Actualmente, considera-se que o período de neuro-adaptação é de 3 ou 4 meses e, apenas em alguns casos, de 6 meses. O autor esperou o período de neuro-adaptação que, naquela data, se considerava indicado e “normal”.
O réu responde que:
A transcrição que se faz das declarações de parte do réu – ou do que ele respondeu ao autor e à mulher - são interpretadas fora do contexto – porque se referem a uma afirmação do réu numa consulta realizada em 02/11/2005 – um mês e dez dias após a cirurgia, realizada em 22/09/2005, em que lhe foram aplicadas as lentes multifocais; o que confirma que o período de neuro adaptação a tais lentes era um período superior aos 3 meses, ou seja, o período de seis meses.
Relativamente ao depoimento do Prof. JM, o que a testemunha afirma, conforme o que é reproduzido pelo autor é que costuma esperar 3 a 4 meses, após a implantação das lentes, quando o paciente não se adapta, e não põe em causa que o período de adaptação a estas lentes seja o período de 6 meses.
Quanto aos documentos 7 e 18: o documento 7 consiste numa declaração emitida num formulário destinado a atestar a presença dos doentes no IMO, preenchida e acrescentada à mão por uma funcionária do IMO, à revelia do réu, não sendo, por esta razão, demonstrativa de qualquer declaração do réu e que por esta razão não pode ser considerado para o efeito pretendido pelo autor. Por sua vez, o documento 18, a única conclusão que permite é a de que, na data em que o mesmo foi redigido, em 14/10/2005, o autor ainda não se tinha adaptado às lentes que lhe foram implantadas pelo réu e que este, como era a sua obrigação, estava a encetar os esforços necessários para atenuar essa situação de inadaptação, o que, em nada, infirma o facto de esse período de neuro adaptação poder ir até 6 meses, como está dado como provado na sentença, ou mais, como decorre das declarações do perito, Dr. VS, que, a seguir se irão transcrever.
 “(…) Juíza: O Senhor, acho que já respondeu a isto, a aplicação de lentes multifocais depende sempre de um período de neuro adaptação sensorial?
- Perito: Exacto!
- Juíza: Não é?
- Perito: É sim Senhor!
- Juíza: Pode ir até seis meses?
- Perito: É possível, eu vi na literatura, não fui eu que inventei. (…)
34:33
(…) - Juíza: Isso é o que diz a literatura, sabe se este Senhor esperou 6 meses para alterar as lentes?
- Perito: Eu penso que sim, não tenho aqui, mas basta consultar as datas.
- Juíza: Não esperou! Não, porque foi operado em dezembro, na segunda cirurgia!
- Perito: Acho que podia ter esperado!
- Juíza: Acha que devia ter esperado?
- Perito: Acho que devia, ele é que sabe, o olho é dele, mas eu acho que sim, acho que sim, acho que foi um pouco…
- Juíza: Isto é importante, este ponto é importante!
- Perito: Acho que sim! Acho que sim! Acho que deveria ter esperado!
- Juíza: Vamos lá ver, isto faz parte do procedimento médico?
- Perito: Sim! Acho que ele devia ter esperado.
- Juíza: Devia ter esperado os 6 meses para perceber se se adaptava, ou não àquele tipo de lentes?
- Perito: Não era para perceber se se adaptava, era para se adaptar, para se adaptar, ou não?
35:32
- Juíza: Mesmo não vendo nada?
- Perito: Mas ele vê, ele via, por amor de Deus!
- Juíza: Mas via mal, não é? De acordo com o que aqui está…
- Perito: Mal….depende do que é mal.
- Juíza: Olhe deixou de conseguir fazer a barba, está aqui alegado…          
- Perito: Olhe, segundo a Organização Mundial de Saúde, ver mal é ver menos de 0,65, ou seja, ver…menos de… ver a 65 m o que as pessoas normais vêem a cem metros, ver a menos de 65 m o que uma pessoa normal vê a 100 metros, segundo a OMS isso é que se considera ver mal, mas isso, cada um é que sabe.
- Juíza: Se este Senhor fosse ao Hospital de Santa Maria e lhe pedisse eu não aguento que eu não vejo nada, não vejo a minha filha…
- Perito: Pedia para esperar…
- Juíza: Tire-me estas lentes e ponha-me outras, eu já não aguento mais…
- Perito: Pedia para esperar…
- Juíza: E o que é que lhe dizia? Não! Não! o Senhor vai esperar até março…
- Perito: Exactamente…ou mais, sim! Sim! Na literatura é 6 meses. Mas se fosse comigo eu até esperaria mais. Porque enfim…
- Juíza: Pergunto-lhe, se após esse período de adaptação que era definido, já percebi, caso a caso, porque os 6 meses é um indicativo, não é?
- Perito: É até 6 é o que vem na literatura…
- Juíza: Pronto, as pessoas podem até se adaptar antes?
- Perito: Sim as pessoas normalmente adaptam-se antes.
- Juíza: Pergunto-lhe, se isso acontecesse, ela careceria só de óculos para ver à meia distância?
- Perito: Não, não, se ele se adaptasse? Não carecia de óculos para ver a distância nenhuma.”
Posição esta que é confirmada pela testemunha JPC, médico oftalmologista, que afirmou o seguinte:
“(…) - Mandatário do réu: Oh Sr. Dr., diga-me uma coisa: à data de 2005, quando foi feita esta cirurgia, o Sr. Dr. já fazia estas cirurgias?
- Testemunha: Fazia.
- Mandatário do réu: Tem muitas queixas de doentes em relação a isto? a esta… de falta de adaptação e que não conseguem mesmo adaptar-se ou tem poucas queixas de doentes?
- Testemunha: Actualmente tenho poucas queixas, mesmo porque existe aquele período que nós consideramos de mais ou menos 6 meses, em que há aquilo que chamam também de neuro adaptação.
- Mandatário do réu: E na altura, em 2005, também havia o período de neuro adaptação, ou não?  
- Testemunha JPC: Havia! Já se falava nisso.”
Período este de neuro adaptação que já era o período considerado em 2005, conforme resulta expressamente da sentença crime, que é junta como doc.1 com a PI, a qual em sede de motivação em matéria de facto, cita na pág.12 do artigo científico intitulado “Compreender a adaptação neural pode conduzir a uma melhor correcção da visão”, publicado em 15/12/2005, no sítio da Internet www.osnsupersite.com, da autoria de Tim Donald com base num estudo de Dr. Jack Holladay, médico e cirurgião oftalmologista norte-americano, de cujo teor consta o seguinte: “(…) A adaptação neural é o processo que ocorre quando o cérebro se adapta a alterações na informação visual que lhe é fornecida pelo sistema óptico do olho, segundo o Dr. Holladay. Existem dois tipos de adaptação neural: uma fase mais rápida que pode ocorrer durante poucos segundos ou minutos, e uma fase mais prolongada que pode ter uma duração de vários meses a um ano (…)”
Pelo exposto, é manifesto que deve ser mantido o facto 198. Período esse de neuro adaptação que o autor não respeitou, por ter sido submetido, nos dias 21 e 26/12/2005, a uma intervenção cirúrgica para substituir as lentes multifocais que lhe foram implantadas pelo autor, em 22/09/2005, quando é manifesto que, se aguardasse o período de neuro adaptação, de 6 meses, havia a possibilidade de que a sua visão ficaria sem carecer de correcção ao perto e ao longe e, provavelmente, sem carecer de correcção para ver a média distância ou, se não fosse este o caso, a menor visão que tivesse a meia distância poderia ter sido, completamente, corrigida com o recurso a óculos.
Decidindo:
O período de neuro-adaptação às lentes será sempre o mesmo, o que variará é aquilo que se sabe sobre ele, agora e em 2005. O Prof. JM não deixou dúvidas sobre isto: na altura não se sabia que o processo de neuro-adaptação podia ir de 4 a 6 meses. Na altura (2005) não se via qualquer vantagem de se esperar mais tempo. E espontaneamente, a propósito de outro assunto, fala, mais à frente, em 3 / 4 meses, não vou para além disso, por causa do problema das aderências.
Quanto às contas feitas pelo réu, 1 mês e 10 dias, somados com mais os 3 meses referidos em 02/11/2005, dão 4 meses e 10 dias e não 6 meses. De qualquer modo, a forma como o réu se exprimiu, nas passagens citadas pelo autor, sem contas, dá realmente a ideia de que o período de 3 meses era o período normal.
Quanto ao que disse o perito, Dr. VS, já se viu, a propósito de outros depoimentos, a confusão que é possível estabelecer se não houver o cuidado de se estar sempre a fazer as perguntas com precisão temporal, com referência à razão de ciência e com referência precisa à matéria que se está a pergunta (aderência ou adaptação). Ora não é certo, tendo em conta todos os esclarecimentos prestados pelo Sr. perito, todos eles e não uma parte isolada deles, que ele estivesse a dizer que, em 2005, com os conhecimentos que ele tinha então, sem consultar a literatura actual, já soubesse que o período de neuro-adaptação fosse superior a 3 meses.
Em 2005, portanto (tendo em conta a conjugação de todos os elementos acima e não a sua consideração isolada), não se sabia que o período de neuro-adaptação fosse de mais de 3 meses.
E havia, e ainda há hoje, como explicou o Prof. JM, a questão da aderência das lentes, pelo que este Prof., por exemplo, ainda hoje, não espera mais do que 3 ou 4 meses para mudar as lentes (de multifocais para monofocais).
Quanto ao problema da visão intermédia, já se viu acima, aquando da discussão do ponto 24, que este Prof., se começou por dizer que podia ser corrigido com óculos, já por volta de 24:06 a 25:15 rectifica dizendo que em 2005, não havia lentes intra-oculares com as três distâncias (trifocais), incluindo a intermédia; e era muito mais difícil corrigir, com óculos, a visão intermédia [com as lentes bifocais]; o que podia ter feito era pôr lentes para longe e intermédia, mas aí perdia a visão ao perto.
Tudo visto, não há razão para deixar intacto um ponto de facto com uma redacção que é uma conclusão que permite a censura ao autor por ter mudado as lentes pouco depois dos 3 meses.
Assim, elimina-se o ponto 198.
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Em relação ao facto provado sob 199 –: contrariando o que lhe foi aconselhado pelos médicos, quer pelo réu, quer por Dr. AS – o autor diz que devia ter sido dado como não provado, visto que nenhum dos réus lhe transmitiu que seria esse o período de neuro adaptação, conforme resultou das declarações de parte do autor e do réu e dos documentos 7 e 18. Repete, no essencial, o que já tinha dito a propósito de 198.
O réu repete, também, ao que já tinha dito a propósito de 198.
Decidindo:
O que consta de 199 é uma conclusão em relação à qual não existe qualquer interesse em que fique consignada nos autos. O que interessa é aquilo que foi aconselhado pelo réu e pela gerente da ré, e o que foi feito pelo autor, e essa matéria consta doutros pontos de facto.
Assim, nesta parte, é procedente a impugnação e por isso decide-se eliminar o ponto 199.
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Em relação ao facto provado sob 200 –: a aplicação de lentes multifocais depende de um período de neuro-adaptação sensorial que, dependendo de doente para doente, pode ir até ao prazo de seis meses ou maiso autor diz que o que devia ter ficado provado era que actualmente sabe-se que a aplicação de lentes multifocais depende de um período de neuro adaptação sensorial ou de neuro resignação que, dependendo de doente para doente, normalmente é de 3 ou 4 meses podendo ser, em alguns casos, até 6 meses ou mais.”
Invoca para o efeito, as já muitas vezes transcritas passagens das suas declarações de parte e do depoimento da sua mulher, o depoimento de parte do réu, o depoimento do Prof. JM e os documentos 7 e 18 da petição inicial, todos já referidos.
O réu responde do mesmo modo que o fez para o ponto 198.
Decidindo:
Depois de tudo o que já foi dito é óbvio que está certo o que consta de 200 (repare-se que ele se refere só a um ‘até’), pelo que não há razão para introduzir a alteração inicial pretendida pelo autor; quanto ao acrescento intermédio, pretendido pelo autor, é uma conclusão crítico-retórica que, por isso (não é facto), não deve ser acrescentada; quanto à parte final que o autor pretende alterar, não é verdade que o período de adaptação seja, normalmente, de 3 ou 4 meses, já que pode ser muito menos e também pode ser superior. Mas há que precisar que em 2005 se considerava que esse período não seria superior a 3 meses. Feita esta precisão no ponto 200 e tendo ainda em conta o que já dele consta, há que eliminar a parte final de 197.
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Em relação ao facto provado sob 202 –: esta comunicação [da necessidade de neuro-adaptação] foi feita ao autor pelo réu nas consultas que com ele teve, em 29/09, 04/10, 14/10, 25/10 e 02/11/2005 – o autor diz que não devia ter ficado provado, invocando para tanto as suas declarações de parte, o depoimento da sua mulher, o depoimento do Prof. JM e os documentos 7, 18, 30 e 34 apresentados com a PI. Ao invocar os documentos 7 e 18 diz que deles decorre que a informação dada pelo réu sobre o período de adaptação só foi dada mais de 1 mês depois de a cirurgia ter sido realizada, ou seja, em 25/10 e que [o período informado] não corresponde ao período de 6 meses. Acrescenta que tal informação foi confirmada e melhor explicada pelo Dr. MR, mas só em 15/11/2019, conforme doc.23 apresentado com a petição inicial; a propósito dos documentos 30 e 34 diz que ambos referem que o estado depressivo do autor se deveu à expectativa que o autor tinha relativamente àquela cirurgia, expectativa essa que foi criada de acordo com a informação prestada pelo réu quanto ao período de adaptação de recuperação, de novo reforçando a ideia de que um fim-de-semana depois estaria “apto para trabalhar”.
O réu responde do mesmo modo que para o ponto 198, acrescentando o seguinte quanto aos documentos 30 e 34: não infirmam o facto 202 pela razão de se tratarem de 2 relatórios – o documento 30, elaborado pela Psicóloga Drª AB, e o documento 34, por um médico Psiquiatra -, que não se referem à necessidade, ou não, de o autor ter de aguardar um período de neuro adaptação às lentes que lhe foram implementadas pelo autor em 22/09/2005, mas sim a um quadro depressivo que o autor apresentava nas datas em que foram emitidos tais documentos. Cumpre referir que o quadro depressivo que o autor apresentava quando foram elaborados os documentos 30 e 34 não se devem à intervenção cirúrgica, mas sim, ao facto de ele padecer, desde os 18 anos de idade de uma neuropatia, facto que não comunicou ao réu antes da cirurgia ocular, conforme decorre expressamente do facto 210.
Quanto ao doc. 23, emitido pelo Dr. MR, em 17/01/2006, é completamente omisso quanto ao período de neuro adaptação às lentes multifocais e quanto ao que lhe terá sido aconselhado pelo réu e quando este o terá feito.
Por último, o facto 202 deve ser interpretado em conjugação com o facto 201, que o autor não impugna, resultando desta interpretação que o réu, nas consultas enunciadas no facto 202, comunicou ao autor que deveria aguardar pelo decurso de um prazo de neuro adaptação as lentes porque durante este prazo, concretizada a neuro adaptação às lentes, a maioria dos pacientes faz a sua vida normal, sem quaisquer problemas, porque desaparecem as dificuldades de visão, nomeadamente os halos, sendo apenas cerca de 3% os pacientes que não se conseguem adaptar.
Decidindo:
As referências à necessidade de adaptação que se retiram das consultas anteriores a 25/10/2005 são inócuas (veja-se, por exemplo, os factos 34 e 43) e não convencem que se tratou de uma explicação sobre uma necessidade de adaptação neuro-sensorial. Já em relação às de 25/10 e 02/11/2005 o autor admite-as, pelo que não há razão para mexer no facto quanto a isso. Assim, o ponto de facto 202 deve ficar reduzido ao seguinte: Esta comunicação foi feita ao autor pelo réu nas consultas que com ele teve em 25/10 e 02/11/2005.
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (2) o autor tenha ficado com uma personalidade com traços fóbicos e compulsivos (…).
O autor entendeu o contrário com base nas suas declarações de parte, nos depoimentos da sua mulher, da testemunha BGP (ex-colega de trabalho) e do seu médico (clínica geral) DP, bem como nos documentos 13 (de 15/12/2015 - relatório do Dr. DP), 30 (relatório psicológico – de 11/01/2016, da psicóloga AB), 31 (relatório do psiquiatra FA de 03/03/2006) e 34 (relatório emitido a 09/12/2005, pelo médico psiquiatra, o Dr. JP) apresentados com a PI.   
Do relatório/doc.30: começou a ser acompanhado na consulta de psicologia a 28/10/2005. Apresentava sintomas claros de depressão com componente ansioso, cujo início se situou após uma intervenção cirúrgica oftalmológica realizada dias antes da consulta. […] O paciente apresentava humor depressivo, choro fácil e desespero, muita revolta pela situação e preocupação face ao seu estado presente ao futuro da sua vida laborar e familiar, etc.. Estes sintomas correspondem a um diagnóstico de perturbação de adaptação mista com humor depressivo e ansiedade (F43.22- DSM-IV) (…)”  
Do relatório psiquiatra/doc.34: (…) Trata-se de um doente com 46 anos de idade que iniciou quadro grave de ansiedade, queixas depressivas e ideação suicida num contexto reactivo a intervenção cirúrgica a ambos os globos oculares, (…). O presente quadro clínico é compatível com o diagnóstico de Perturbação de Adaptação (…)”  
O autor conclui: a prova indicada reflecte que o autor passou a padecer de sintomas e “manias” que não padecia anteriormente à cirurgia, associados a traços fóbicos e compulsivos.
O réu responde que: as declarações/depoimentos prestados pelo autor e pelas testemunhas que invoca, não são demonstrativas de que o autor tenha ficado com uma personalidade com traços fóbicos e compulsivos e, muito menos devido à intervenção cirúrgica que lhe foi efectuada pelo réu. Também, os documentos 13, 30, 31 e 34 não demonstram que isso.
Relativamente ao depoimento da testemunha Bernardo Pinto, ele é referente a momento posterior aquele em que o autor foi despedido com justa causa pela E, e foi proferido no contexto e em sequência deste despedimento, que teve lugar em 24/10/2006, cfr. factos provados 180, 181, 185, 186 e 192, momento muito posterior àquele em ocorreu a intervenção cirúrgica feita pelo réu, cfr. facto provado 29, e a implantação das lentes monofocais que lhe foi efectuada pelo Professor JM, nos dias 21 e 26/12/2005, cfr. o facto provado 141.
Tendo a implantação das lentes multifocais sido efectuada a 22/09/2005 e tendo o Prof. JM substituído tais lentes em Dez2005, é evidente, segundo as regras da experiência comum, que o autor, por muita apreensão que tivesse sentido nesse período de três meses, não poderia ter desenvolvido uma personalidade com traços fóbicos e compulsivos.
Não resulta de nenhum dos relatórios constantes dos docs. 13, 30, 31 e 34, que os sintomas de ansiedade ou de depressão sejam irreversíveis, de modo a originar uma “personalidade com traços fóbicos e compulsivos”, e não sejam curáveis. Assim, o doc.34 sugere que lhe seja concedida licença por doença por trinta dias, após o que será novamente avaliado.
Continua o réu: o quadro psíquico que o autor apresentava não pode ter sido o quadro gerador de uma “personalidade com traços fóbicos e compulsivos” que ele pretende sofrer, nem pode ser imputado a qualquer conduta do réu, porque, conforme o autor afirma e reafirma nas declarações de parte que prestou, ele padece, desde os 8 anos de idade, de uma neuropatia – doença debilitante do sistema nervoso; e porque o autor já apresentava, muito antes da intervenção cirúrgica a que foi submetido pelo réu, antecedentes depressivos, conforme resulta da reprodução das declarações do Professor Doutor FA, nas págs. 40 e 41 da sentença crime [apresentada pelo autor como doc.1 da PI e que o réu passa a transcrever].
E ainda: resulta do exposto, que o autor quando, nas declarações de parte acima transcritas, afirma que a primeira vez em que recorreu aos serviços do Professor Doutor FA, foi na sequência da depressão que alega ter sido causada pela intervenção cirúrgica, escamoteou o facto de já o ter feito anteriormente, em 06/05/2000, em situação de ansiedade e insónias que só foram debeladas ao fim de dois anos, em 27/07/2002, situação esta que, por durar mais de 8 meses que, alegadamente, durou a sua depressão derivada da cirurgia, também correspondia a uma depressão major, factos que não comunicou antecipadamente ao réu, cfr. relativamente à neuropatia o facto 210; situações estas que, se tivessem sido do conhecimento do réu, o teriam levado a adoptar especiais cuidados de relacionamento que não são necessários em relação a doentes que não padeçam de neuropatia nem que tenham historial de doenças depressivas.
Acresce, diz o réu, que é o próprio Professor Doutor FA a afirmar, que, passados 8 meses de ter realizado a consulta ao autor, de 14/01/2006, a sua situação estava minimamente satisfatória, o que o levou a escrever “Bem” na ficha clínica do autor, o que implica que o eventual facto de ter ficado com traços fóbicos e compulsivos não está demonstrada nos autos.
Acresce, continua o réu, que passados sete meses, a entidade patronal do autor, a E, instaurou-lhe, em procedimento disciplinar com vista ao seu despedimento com justa causa, que se veio a concretizar, e cuja licitude, no âmbito do processo de impugnação do despedimento veio a ser confirmada pelo TRL e pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo 1522.07.0TTLSB.L1.S1, cfr. facto 181, o qual dá como provado, no seu ponto 47 que o processo disciplinar levou a que este se sentisse particularmente angustiado com o seu futuro pessoal e profissional e no facto 48 que a instauração do procedimento disciplinar fez o autor perder a sua alegria de viver”.
Por fim, o réu diz ainda que a licitude do despedimento, segundo tais acórdãos, fundou-se no facto de o autor ter dado 5 faltas injustificadas no ano de 2005 e 6 faltas injustificadas no ano de 2006, sem ter comunicado à sua entidade empregadora estas faltas e ter recebido a totalidade da respectiva retribuição, como estivesse estado a trabalhar, o que constitui violação grave do dever de lealdade que os trabalhadores estão adstritos a cumprir, e que nada tem a ver com a intervenção cirúrgica que lhe foi efectuada pelo réu. Pelo que, a ter o autor ficado com qualquer alteração da sua personalidade tal deveu-se ao facto de ter sido despedido.
Decidindo:
O julgamento destes autos foi feito em meados de 2019 (embora a sentença só tenha sido proferida em meados de 2020). O autor, para a demonstração do facto agora em causa, vai buscar relatórios elaborados em 2005 e 2006 e não invoca quaisquer depoimentos especializados produzidos em julgamento. Se o facto fosse real, certamente que haveria prova recente da existência daqueles traços da personalidade do autor.
Assim, os elementos de prova invocados pelo autor não convencem que o facto agora em causa deva ser aditado aos factos provados.
Quanto à extensa argumentação do réu, pouco tem a ver com este ponto de facto e será aproveitada, sem mais repetições, para a decisão de outros, como se verá à frente.
*
O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (17) o autor ficou assustado, perturbado e confuso. (…).
O réu entende o contrário com base nos depoimentos das testemunhas médico de clínica geral DP, psicóloga AB e documentos 13, 30, 31 e 34 que transcreve de novo, e invoca ainda a fundamentação da sentença recorrida (na parte em que esta escreve, para além do mais, que: “[…] causaram ao autor evidente e notório sofrimento, perturbação, angustia, ansiedade quanto ao seu futuro pessoal quer quanto ao seu futuro profissional […]”).
E conclui, resulta bem claro que confusão, medo e perturbação foi tudo o que o autor sentiu em todos os momentos que se seguiram à cirurgia, em particular nas alturas em que o réu não apresentava qualquer solução viável para ao seu problema que, inclusivamente, se mantém até hoje. Além do mais, uma pessoa que sofreu os danos que o autor sofreu e que ficou impossibilitado de liderar a sua vida pessoal e profissional por completo, teve de se sentir assustado e perturbado.
O réu respondeu que sabendo o autor, por ter sido informado pelo réu e pelo gerente da ré, de que teria de aguardar um período de neuro adaptação às lentes multifocais, findo o qual as dificuldades de visão iriam desaparecer, podendo, eventualmente, necessitar de correcção para ver ao perto [o réu entendeu mal o ponto 42 dos factos provados, que já foi interpretado correctamente, por este TRL, acima], e que se não se adaptasse poderia corrigir a situação, substituindo as lentes multifocais pela aplicação de lentes monofocais, é manifesto que o invocado estado de ansiedade, perturbação e confusão foi um estado potenciado pela situação de neuropatia de que padece desde os 18 anos de idade, cfr. facto 210, e pelo facto de, anteriormente, já padecer de quadros depressivos, factos estes dos quais nunca informou o réu.
E depois repete grande parte daquilo que já tinha dito a propósito de (2), e invoca passagens das suas declarações de parte e do depoimento do gerente da ré, terminando a repetir o que tinha acabado de dizer no § que antecede.
Decidindo:
A discussão é inútil porque já constam como provados muitos outros no mesmo sentido – assim, entre muitos outros, 45, 52, 63 e 82, 89, 90. Por sua vez, se o réu queria que fossem aditados factos, teria que ter ampliado o objecto do recurso (art. 636/2 do CPC).
*
O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (15) o autor comunicou, ainda, ao réu que lhe tinham aparecido uma profusão de filamentos e pontos negros (fibrilhas) a percorrerem-lhe o campo ocular tornando a sua visão turva.
O autor diz que esta decisão entra em contradição com o facto provado 58 (: e informou-o que ainda mantinha problemas com a visão, nomeadamente ainda tinha névoas nos olhos e sensações de corpos estanhos nos mesmos.)
E considera que o facto devia ter sido dado como provado, invocando para o efeito o depoimento da sua mulher (que desta vez depõe sobre o que terá acontecido numa consulta com o réu em que esteve presente), as suas declarações de parte e o que foi dito na sentença crime.
Responde o réu que o facto (15) não entra em contradição com o facto 58, porque informar que tinha a sensação de corpos estranhos nos olhos, é diferente de ver uma profusão de filamentos e pontos negros (fibrilhas), que não correspondem a corpos estranhos nos olhos; e dos elementos de prova invocados pelo autor não resulta o que ele pretende; a afirmação feita pela mulher do autor só acontece a instâncias da mandatária do autor, não o tendo feito de forma espontânea; da ficha clínica do autor não consta esta queixa.
Decidindo:
Do depoimento da mulher, o réu transcreve, entre o mais (de quase duas extensas páginas), a seguinte passagem: sabe se ele passou uma das queixas dele era ver filamentos e pontos negros. Esta era uma das queixas dele? Era, eu não mencionei mas era uma das queixas dele. O que, como é evidente, não tem qualquer valor: é o depoimento de uma testemunha interessada, que espontaneamente nada tinha dito sobre o assunto e que se limita a responder que ‘era’ à pergunta sugestivas da advogada do autor.
Das extensas transcrições que o autor faz das suas declarações de parte, não há uma única referência a fibrilhas e pontos negros, mas apesar disso o autor termina essas transcrições e diz que uma das principais queixas do autor, que foi transmitido por diversas vezes ao réu, conforme supra provado, foi a existência de filamentos e pontos negros (fibrilhas) a percorrerem-lhe o campo ocular tornando a sua visão turva.
E acrescenta: De tal modo, que o réu chegou a sugerir a colocação de umas lentes para solucionar o problema, ainda que sem qualquer efeito, para o que não invoca qualquer prova.
E termina invocando a descrição que a sentença crime faz do depoimento do gerente da ré, onde não consta qualquer referência a filamentos, pontos negros e fibrilhas.
É notório, por tudo isto, aqui, a total indiferença do autor para com o facto de os elementos de prova que invoca não comprovarem, minimamente o que afirma e não evita mesmo fazer afirmações sem indicar qualquer prova.
É evidente que o facto não está provado.
E não há qualquer contradição com o facto provado 58, porque não são a mesma coisa; e se fossem a mesma coisa, como já está provado o que consta de 58, não teria sentido pretender que se desse também como provado o que consta de (15).
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (16) o réu não deu qualquer solução ao autor para este problema.
O autor entende o contrário e invoca para o efeito o depoimento da sua mulher e o da testemunha PD, as suas declarações de parte e as do réu e os documentos 18 e 29 que apresentou com a PI.
O réu responde que: cumpre referir que este facto (16), dado como não provado, deve ser interpretado como consequência do facto 15, também dado como não provado, porque, como é óbvio, o que estes factos devem ser interpretados sequencialmente. E continua: Ou seja, o que ocorre é que o autor pretende fazer uma interpretação abusiva do facto 16, retirando a conclusão de que o réu se recusou a dar solução às queixas formuladas pelo autor, conclusão esta que é falsa.
Apesar disso, o réu passa, para demonstrar o contrário do que o autor diz, a invocar de novo as consultas que teve com o autor, as suas declarações de parte sobre o assunto, e as declarações de parte prestadas pelo gerente da ré, tudo já referido a outros propósitos.
Decidindo:
O réu tem toda a razão.
O facto (16) corresponde à alegação do art. 71 da PI, que vem na sequência do art. 70 da PI que corresponde ao facto (15). Era a este específico problema que o autor se estava a referir e foi ele, especificamente, que a sentença deu como não provado. Não se tendo provado o facto (15) é evidente que não se prova também o facto (16). O autor aproveitou indevidamente a discussão desta ponto para tentar provar aquilo que o réu fez ou não fez, e o êxito que teve ou deixou de ter, o que já resulta directa ou indirectamente dos factos provados, pelo que é irrelevante o que o autor aqui diz (mais de meia dúzia de extensas páginas). Mas, a ter o mínimo de relevância, era a propósito de decisões concretas dessas questões que o autor devia ter feito esta discussão, e não a propósito de um ponto de facto que não tem nada a ver com isso.
Sendo irrelevante tudo aquilo que o autor diz, é também irrelevante tudo o que o réu a seguir desenvolve, extensamente, em várias páginas, para demonstrar que deu solução aos problemas do autor.
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (21) o réu não respondeu ao autor.
O autor entende que o facto devia ter sido dado como provado com base nas suas declarações e no depoimento da sua mulher e ainda nos factos provados sob 50 e 51, dizendo que ficou provado que o autor entre 06 e 12/10/2005 tentou por várias vezes contactar o Recorrido R, mas sem sucesso, porque durante este período o réu não respondeu ao autor.
O réu responde que os factos provados sob 51 e 52 [quer-se referir a 50 e 51] não contrariam, em nada, o facto 21, pela razão de que não se apontam ali as razões pelas quais o réu poderá não ter atendido alguma ou algumas das tentativas de ligação que o autor alegadamente, lhe terá feito; acresce, ainda referir que, do facto 51, consta expressamente que, em 12/10/2005, o autor falou com o réu; depois volta a invocar as suas declarações de parte para demonstrar que sempre atendeu o autor, e de novo argumenta com a lista de consultas e telefonemas e ainda invoca o facto provado sob 194.
Decidindo:
Na PI o autor dizia, nos artigos 105 a 108, no essencial, aquilo que consta dos factos provados sob 77 a 80, só que, em 108 dizia: o réu não respondeu à pergunta do autor, tendo dito, unicamente, que tinham de ir tentando encontrar as lentes adequadas para a visão intermédia.
A sentença recorrida, entendeu, ao dar como não provado o facto (21), que parte do art. 108 da PI não se provava, provando-se a parte restante. Ou seja, entendeu que o réu, ao dizer aquilo que agora consta de 80, estava a responder ao autor, pelo que não se provava que o réu não tivesse respondido ao autor.
O autor, em vez de estar a discutir isto, vai buscar aquilo que, no essencial, tinha dito a propósito do facto 194, como se fosse tudo a mesma coisa e distorce as coisas de modo a dizer que não tendo o réu respondido ao autor no período de 06 a 12/10/2005 prova-se que o réu não respondeu ao autor.
O que, como se vê, é manifestamente errado, embora não pelas razões dadas pelo réu, que também não tem em conta o que antecede.
Pelo que se mantém o facto (21) como não provado.
                                   *                                
O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (29) foi várias vezes acentuada a necessidade de se actuar com celeridade.
O autor entende o contrário e para o efeito invoca o que consta da sentença crime (descrição dos depoimentos do médico oftalmologista MR e do gerente da ré – que já tinha transcrito) e do doc. 10 (apresentado com a PI, em que, segundo o autor, o réu prevê um período de adaptação de 3 dias, afirmando que o autor poderia voltar rapidamente ao trabalho; mas depois, o autor invoca o facto provado sob 28 e este refere-se ao doc.7 e não 10), bem como o depoimento do Prof. JM e as suas declarações de parte e as do gerente da ré, todas já muitas vezes transcritas pelo autor.
E conclui: ou seja, havia urgência em substituir as lentes, uma vez que poderia vir a ser impossível retirá-las, atendendo ao facto de, naquela data, não se saber com certeza qual o período de adaptação.
O réu responde que: i/ o facto 198 refere-se ao período de adaptação já em 2005 pelo que não pode servir para afirmar que a urgência em substituir as lentes aumentava; ii/ o doc.10 não diz o que o autor refere e o doc.7 foi emitido à revelia do réu; iii/ o facto de não haver necessidade de se actuar com celeridade, não é infirmado com a prova apresentada pelo autor, sendo de salientar que o Dr. MR e o Dr. AS afirmam expressamente que, quando o autor os consultou, o aconselharam a aguardar pelo período de neuro adaptação às lentes multifocais; iii/ invoca o depoimento do Dr. MR e o do Dr. PCS, ambos médicos oftalmologistas, tal como descritos na sentença crime; iv/ invoca também aquilo que o gerente da ré disse; e também o depoimento do perito Dr. VS (transcrito acima); v/ e ainda as suas declarações de parte no mesmo sentido; vi/ diz que o gerente da ré explicou que a situação de maior aderência das lentes ao saco ocular, só se verifica em doentes com patologias específicas, como diabéticos, o que não é o caso do autor; vii/ invoca o facto provado sob 206 para dizer que o autor faria melhor em ter esperado, em vez de se ter precipitado e não ter cumprido o período de neuro adaptação às lentes; viii/ diz que, quando em Dezembro de 2005, foi efectuada a intervenção de substituição das lentes multifocais pelas lentes monofocais, o autor já se encontrava muito melhor e adaptado às lentes multifocais (invoca para o efeito as declarações de parte do autor e o depoimento do Dr. JM), tendo-as tirado, sem aguardar mais algum tempo de neuro adaptação, por mera precipitação, com as consequências que teve, que são as enunciadas no facto provado, 206.
Decidindo:
A argumentação do autor não convence e invoca mal elementos de prova. Como o réu diz, o doc.7 não foi elaborado por ele e o doc.10, elaborado por ele, não diz o que o autor refere.
A argumentação do réu convence ainda menos, indo buscar elementos já analisados e que demonstram o contrário. Aliás, admite um contra-senso: que o Prof. JM, apesar de o autor estar melhor, lhe substituiu as lentes, colocando-o numa situação pior. Nada do que foi dito pelo Prof. JM tem este sentido, mas antes o já muitas vezes referido (apenas por exemplo, na discussão do facto provado sob 24).
Independentemente do que antecede, o que importava é que o autor tivesse concretizado, em factos, as ocasiões em que lhe foi acentuada a necessidade de se actuar com celeridade, sendo que, em concreto e com prova suficiente, só existem duas situações, uma que consta do facto provado sob 105, e outra implícita já no ponto 139, pelo que não há que aditar a afirmação genérica pretendida.
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (43) o réu não acompanhou de forma adequada o autor durante o pós-operatório.
O autor entende que o “facto” 43 devia ter sido dado como provado, invocando, de novo, as suas declarações de parte e as dos réus e aquilo que foi dito na fundamentação de direito da sentença.
O réu responde que o facto provado sob 29 e o que foi dito sobre a operação levada a cabo pelo réu nas páginas 86 e 131 da sentença crime (embora seja de rejeitar o que o trecho de tal sentença afirma sobre as consequências da cirurgia porque as referidas consequências são devidas ao facto de o autor sofrer de neuropatia desde os 18 anos, e ao facto de já ter tido, anteriormente, situação de depressão, entre os anos 2000 e 2002, como resulta dos meios de prova já por ele invocados muitas vezes: as declarações de parte do autor e o que a sentença crime diz sobre o depoimento do Prof. FA), bem como as suas declarações de parte e a lista de consultas e telefonemas com o autor, demonstram que o réu sempre demonstrou a sua preocupação, disponibilidade e empenhamento no acompanhamento do réu; acrescenta que o facto de o réu, a exemplo do que aconteceu com os outros clínicos que, entretanto, observaram o autor, não ter acedido aos pedidos deste para lhe trocar as lentes multifocais por lentes monofocais, resulta da sua opinião médica de que seria muito mais favorável para o autor aguardar o decurso do período de adaptação às lentes multifocais, conforme está demonstrado nos autos e é dado como provado nos factos provados 206, 207, 208 e 209.
Decidindo:
É evidente que o “facto” (43) se trata de uma conclusão a tirar perante os factos provados e não de um facto que possa ser provado pelas declarações de parte, depoimentos ou documentos. Seria pois a propósito de factos concretos que a questão teria de ser colocada, sendo, por isso, irrelevante o que o autor ou o réu aleguem sobre o assunto ao nível da discussão da impugnação da decisão da matéria de facto.
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (66) o Dr. AS tenha afirmado que a substituição das lentes deveria ser efectuada com a maior urgência.
O autor entende que este facto devia ter sido dado como provado com base nas suas declarações de parte, no depoimento da sua mulher (que assistiu à conversa) e na descrição do depoimento do gerente da ré feita na sentença crime.
O réu responde que as declarações proferidas pelo gerente da ré em nada infirmam o facto (66), como resulta da respectiva transcrição.
Decidindo:
O autor distorce aquilo que se pode retirar do que foi dito pelo gerente da ré e as suas declarações de parte e o depoimento da sua mulher, interessados na prova do facto para favorecer a procedência da acção, não convencem de que seja como o autor pretende.  
Entretanto, note-se que o autor não põe em causa o que consta do ponto de facto provado sob 111, nem lhe faz referência, o que seria necessário já que se refere à mesma conversa e passaria a haver alguma contradição entre eles, apesar do ‘porém’ que consta do início do facto 115. É que, repare-se, os factos 111 e 115, apesar do ‘porém’ são compatíveis entre si, porque não está dado como provado o que consta de (66), enquanto que, se este fosse agora dado como provado, passariam a estar em contradição.
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (36) o autor não compreendeu como é que 3 dias antes, o mesmo médico lhe diz que tem de ser operado com a máxima urgência e agora, mesmo após a realização do exame, afirma que ele deve esperar 2 a 3 meses.
O autor entende o contrário, invocando para o efeito as suas declarações de parte e o depoimento da sua mulher e depois começa a discutir outras questões que não têm a ver com este ponto de facto.
O réu responde que como não se provou que o gerente da ré tenha afirmado o que lhe é imputado, fica impossibilitado a prova do facto 36.
Decidindo:
Não tendo ficado provado o facto (66), que era igual, no essencial, ao facto não provado (35) é evidente que não faz sentido dar como provado um facto (36) que tem a prova daquele como pressuposto.
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (45) o autor passasse a sentir-se diminuído no seu contexto profissional.
O autor entende o contrário, com base no depoimento do seu ex-colega de trabalho, testemunha BP, nas suas declarações de parte e nos documentos 30 (relatório da psicóloga) e 26 (declaração de um superior hierárquico do autor) apresentados na PI e na fundamentação de direito da sentença.
Ou seja, conclui, da prova produzida facilmente se percebe que o autor se sentiu profundamente diminuído no seu contexto profissional, uma vez que se encontrava profundamente limitado para fazer as tarefas básicas diárias do seu trabalho.
O réu responde que: i/ as declarações prestadas pelo autor e por ele invocadas dizem respeito à situação após lhe terem sido substituídas as lentes pelo Prof. JM; ii/ o depoimento prestado pela testemunha BP é referente a momento posterior ao despedimento com justa causa pela E e foram proferidas no contexto e em sequência deste despedimento, que teve lugar em 24/10/2006, cfr. factos provados 180, 181, 185,186 e 192, momento muito posterior àquele em ocorreu a intervenção cirúrgica; iii/ a declaração emitida pelo Director de Recursos Humanos da E refere-se a um momento concreto, posterior à colocação das lentes multifocais, quando o autor com as lentes multifocais já via bem à média distância, o problema que apresentava eram os halos, que à noite as luzes serem todas cheias de halos à volta, e não a visão intermédia, o que implica que o autor, já em Dezembro de 2005, estava apto para exercer a sua profissão de arquitecto, ou seja, para ver à media distância, como resulta do depoimento do Prof. JM; iv/ acresce que o autor, em agosto de 2006, 8 meses depois de ter iniciado o tratamento com o Professor FA, em 14/01/2006, já se encontrava bem da situação de depressão em que incorreu, conforme resulta da reprodução das declarações do Professor Doutor FA, que são reproduzidas nas págs. 40 e 41, da sentença crime apresentada como doc.1 com a PI.
Assim, conclui, é manifesto que as provas apresentadas, para o efeito, pelo autor, não infirmam a decisão do tribunal de considerar o facto 45 como não provado, uma vez que, a partir das datas referidas ele já não tinha qualquer razão para se sentir diminuído no seu contexto profissional.
Decidindo:
Na PI, com grande imprecisão de períodos temporais, o autor afirmava, como danos como consequências a serem indemnizadas, no art. 285, que “esta situação fez com que o autor passasse a sentir-se diminuído no seu contexto profissional” e, no art. 293 da PI, que “o facto de o autor ter ficado diminuído fisicamente, para as tarefas que tinha de realizar profissionalmente, teve influência fulcral na decisão de despedimento”, sendo que este ocorreu em Out2006.
Pelo que, na lógica das coisas, o autor está a afirmar tal dano – o do facto (45) - como uma consequência definitiva, ou pelo menos, ainda presente em 2006, por ser uma causa de despedimento.
Ora, em 2006, o autor já tinha feito a cirurgia do Prof. JM, já não tinha as lentes multifocais, tinha sim lentes monofocais, que lhe permitiam corrigir o problema com óculos, sendo que desde os 6 anos de idade que usava óculos, pelo que, não havia razão para se sentir, então, diminuído.
Assim o facto está bem dado como não provado.
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (46) o autor ter ficado diminuído fisicamente, para as tarefas que tinha de realizar profissionalmente, teve influência fulcral na decisão de despedimento.
O autor entende o contrário, com base nos documentos 2 e 30 da PI, na fundamentação de direito da sentença, no depoimento da testemunha AB, no depoimento da sua mulher, no depoimento do seu colega de trabalho e no depoimento do seu médico de clínica geral.
Diz que a decisão de despedimento decorreu de um processo disciplinar pelo facto de o autor ter frequentado um mestrado, conforme sentença que se juntou como doc.2 com a PI [parecendo sugerir que se trata da sentença do tribunal de trabalho, mas o doc.2 é o acórdão crime do TRL…]. E acrescenta que “a frequência deste mestrado foi uma medida terapêutica recomendada pelos psicólogos e médicos que seguiam o autor, conforme doc.30 junto com a PI, e que acreditaram ser uma forma eficaz de fazer face àquele problema de saúde. Nesse sentido, também o depoimento da testemunha AB.
Termina dizendo que devia ser dado como provado que “o facto do autor ter ficado diminuído fisicamente, para as tarefas que tinha de realizar profissionalmente, o levou a fazer um mestrado para recuperar da depressão em que se encontrava, que teve influência fulcral na decisão de despedimento.”
O réu responde que: está devidamente dado como provado o que consta dos factos 180 e 181 [a acção de despedimento e os factos provados base do ac. do STJ no processo de despedimento; entre o mais: 23. Em 2004, o autor inscreveu-se no Mestrado […] 25. No dia 19/09/2005, o autor foi informado pela Faculdade de Arquitectura que tinha sido seleccionado para o mestrado […] 26. O referido mestrado iniciou-se no dia 07/10/2005. (…)]. Nas págs. 53 e 54 o mesmo aresto, consta o seguinte, entre o mais que transcreve: (…) Todavia o que ressalta é, como dito, a envolvência subjacente a essas ausências injustificadas, donde decorre o grave incumprimento, pelo recorrente de um deveres contratuais de mais relevo no âmbito laboral: o da lealdade aqui corporizado na assumida vontade do autor em, por diversas vezes e sem autorização do empregador, estar ausente ao serviço, auferindo, não obstante, a retribuição como se, nesses dias, tivesse trabalhado (…)”
E conclui: Pelo exposto, é manifesto que improcede a pretensão do autor de que só frequentou o mestrado por ter ficado fisicamente diminuído para as tarefas que tinha de realizar profissionalmente, pelo facto de se ter inscrito, em tal mestrado em 2004 e de o ter começado a frequentar no dia 07/10/2005, momento em que ainda não tinha recebido qualquer indicação médica para o fazer nem sofria, ainda de qualquer situação de depressão.
Decidindo:
Já se manteve como não provado o facto (45) pelo que, logicamente, o facto (46) que tem aquele como pressuposto não podia ficar provado. Mas, para além disso, o réu tem obviamente razão em dizer que, tendo-se o autor inscrito no mestrado em 2004 e iniciado o mestrado antes das indicações para o frequentar que invoca, é impossível que tenham sido estas a determinar a inscrição, e muito menos o pode ter sido o resultado da diminuição física. Quanto ao despedimento, a causa para o despedimento foi a já muitas vezes referida: o de ter faltado ao serviço, sem autorização da sua entidade patronal e apesar disso ter recebido a retribuição devida pelo trabalho por esses dias em que não trabalhou. Nada disto tem a ver com o alegado pelo autor. Sendo inaceitável que, estando junto aos autos a sentença do tribunal de trabalho, o acórdão laboral do TRL e o acórdão do STJ, em que se explica o fundamento para o despedimento do autor, o autor insista que foi despedido pela causa que invoca.
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (47) ter o autor uma capacidade visual diminuída faz com que tenha mais dificuldade em encontrar novas oportunidades profissionais na sua área; ou que (50)  
O autor entende que esta decisão entra em contradição com os factos dados como provados sob 46, 73, 74, 75, 76, 132, 182; por outro lado invoca as suas declarações de parte e os depoimentos da sua mulher, da psicóloga AB e do ex-colega de trabalho BP, para além da fundamentação de direito da sentença.
Por fim, conclui: o sentido que mais utiliza na sua profissão é a visão; a partir do momento em que esta se encontra condicionada, parece mais do que razoável afirmar que prejudicou, manifestamente, a sua vida profissional; para além de que, tem idade superior a 40 anos, é uma pessoa extremamente qualificada – o que faz com que a retribuição, em princípio, tenha de ser bastante superior à de um estagiário, o que sai mais caro às entidades empregadoras – e tem no seu “cadastro” que foi despedido de uma empresa pública…
O réu responde que: i/ a argumentação do autor soçobra pela razão de que, como é dado como provado no ponto 49 [aquilo a que o réu se está a referir consta do ponto não provado 49…; mais à frente, o réu, repete, por duas vezes, este argumento e volta a falar do ponto 49 como se fosse facto provado…], porque o autor não invoca, nem demonstra, nenhuma vez em que terá tentado ter colocação, sem sucesso; ii/ a decisão deste facto não entra em contradição com os factos 46, 73, 74, 75, 76, 132 e 182, porque a realidade a que o facto (47), não provado, se pretende referir, é à realidade do autor após as duas operações, situação que ele hoje mantém, e que, conforme afirma e reafirma nas declarações de parte a sua depressão se deve ao facto de padecer de neuropatia, desde os 18 anos, e que melhorou da vista, com a segunda operação; iii/ o próprio autor, a sua mulher e o ex-colega de trabalho admitem que a dificuldade em arranjar trabalho na área da arquitectura, entre 2007 e 2014, abrangeu todos os profissionais desta área devido à crise que o sector viveu; iv/ o despedimento do autor apenas lhe é imputável a ele; v/ o autor sempre teria a visão diminuída, devido à emergência de cataratas, que só poderia ser corrigida com a remoção do cristalino e com a implantação de lentes multifocais, ou com a aplicação de lentes monofocais.
Decidindo:
Nesta parte percebe-se que o autor insiste na sua versão de que ficou com uma acuidade visual diminuída, sugerindo que isso é assim mesmo com a correcção dos óculos, já que a aponta como uma consequência definitiva. No entanto, como o autor tinha cataratas e uma acuidade visual inferior à que tem agora, e mesmo sem elas só via com a correcção de óculos, que usou desde os 6 anos de idade, é evidente que não se pode dizer que tenha uma acuidade visual diminuída, no sentido de uma consequência provocada pela operação levada a cabo pelo réu, pelo que o facto, nesta interpretação, não pode ser dado como provado. Mas, mesmo que o facto fosse visto como um dado objectivo, de que, todos os que têm uma acuidade visual diminuída, tenham mais dificuldade em encontrar novas oportunidades de emprego, logo se vê, pela sua formulação tão genérica, que não corresponde necessariamente à verdade. Para que a afirmação fosse ao menos parcialmente certa, teria que conter outras especificações, como por exemplo algumas que depois o autor acaba por referir, como ter mais de 40 anos, ser extremamente qualificado (sendo discutível que o facto de algum ser extremamente qualificado dificulte a sua empregabilidade) e ter no seu currículo a menção de que foi despedido. Só que, neste caso, nada disto teria como causa a operação feita pelo réu.
Por fim, os factos 73, 74, 75, 76, 132, 182 referem-se a uma situação temporária – ou seja, até ela ser corrigida com a nova operação feita em Dez2005 -, pelo não provam uma situação definitiva e não estão em contradição com o facto não provado (47).
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (48) seria bastante mais fácil se o autor não tivesse estas limitações físicas.
O autor, repete, no essencial, a “argumentação” usada na impugnação do ponto (47) que não se inibe de repetir em mais 4 longas páginas.
E o réu faz o mesmo na sua resposta (repetindo 4 longas páginas das suas contra-alegações).
Decidindo:
Não se tendo provado o que constava de (47) não se pode dar como provado o que consta de (48) que tem aquele como pressupostos.
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (50) as limitações físicas que resultaram da operação impedem o autor de conseguir novas oportunidades no mercado laboral.
Trata-se, na prática, do que já consta de (47) e (48), o que não impede o autor e o réu de repetirem tudo de novo, enchendo o processo de páginas e páginas copiadas umas das outras.
A propósito de 47 e 48 já se disse e fundamentou que não havia nada a aditar quanto a esta matéria.
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que: (74) as lentes implantadas pelo réu fossem impeditivas de o autor exercer essa actividade profissional, sempre se dirá que esse impedimento durou cerca de três meses, até 21 e 26/12/2005, data em que o autor substituiu as lentes multifocais que lhe foram implantadas pelo réu, por outras que lhe foram implantadas pelo Dr. JM.
Antes de mais esclareça-se que esta afirmação de facto tinha sido feita pelo réu no artigo 357 da sua contestação (não há engano no n.º do artigo, é mesmo o 357; a contestação, apesar de o caso nada ter de especial, tem 445 artigos; a PI, por sua vez, conseguiu ter ‘apenas’ 350 artigos…).
Apesar disso o autor estranhamente defende que toda a afirmação de facto – feita pelo réu, repete-se - deve ser dada como provada.
Interpretando com boa vontade a posição anómala do autor, vê-se que o que o autor quer que se dê como provado é que as lentes implantadas pelo réu eram impeditivas de o autor exercer a sua actividade profissional, e que, por outro lado, a situação em causa, apesar de temporária parcialmente, provocou consequências irreversíveis.
E defende tudo isto com base nas suas declarações de parte, no depoimento da testemunha AB e nos documentos 13 (relatório do Dr. DP) e 30 (relatório psiquiatra) juntos com a PI.
Depois das habituais transcrições diz: as lentes implantadas impediram o autor de exercer a sua actividade profissional; quando aquelas foram retiradas, muito embora a visão do autor tenha melhorado, o mal já estava feito e as consequências – físicas e psíquicas – da implantação daquelas lentes já se sentiam há muito; este encadear de situações impediu que o autor voltasse a exercer a sua actividade profissional, porquanto a dimensão física e psíquica daquela cirurgia foi muito para além da remoção das lentes e substituição por outras. A visão turva, falta de nitidez dos objectos, halos, grandes círculos encarnados em volta dos objectos… tornam completamente inviável o exercício da sua actividade profissional que se prende, maioritariamente, com a observância e análise dos objectos/edifícios/prédios/construções bem como o seu desenho.
Por fim, diz que dar aquela matéria como não provada, entra em contradição com os factos provados sob 132 e 182.
O réu responde que: está dado como provado o que consta dos factos 180 e 181, ou seja, que o autor se inscreveu e frequentou um mestrado, pelo que é manifesto que, também poderia ter exercido a sua profissão de arquitecto nesse período, porque, como é do senso comum, qualquer mestrado em arquitectura implica o manuseamento, a observação e a feitura de plantas e de maquetes, em suporte físico ou informático, exigindo a mesma acuidade visual que é exigida para o exercício da profissão de arquitecto.
Decidindo:
Visto que o autor perdeu a visão intermédia com a colocação das lentes bifocais, o que era inevitável acontecer, o que foi impossível de corrigir com óculos, como era muito provável que acontecesse, como já foi explicado demasiadas vezes, tem que se aceitar que está provado que as lentes implantadas pelo réu dificultaram muito o exercício da actividade profissional do autor até à sua substituição; mas não está provado que o impedissem de a exercer, porque é facilmente imaginável a possibilidade de adaptação, com dificuldade, do autor, como por exemplo instalando monitores maiores (ou ligando uma televisão ao computador), e porque, de qualquer modo, o trabalho do autor não exigiria apenas e sempre a utilização da visão intermédia. Quanto ao resto não se aceita como provado que a situação temporária, corrigida logo em fins de Dezembro desse dano, tenha provocado consequências irreversíveis, nem seria a propósito deste ponto que o autor poderia estar a discutir isto e da forma como o faz. Devia-o ter feito a propósito de cada consequência concreta que tivesse por definitiva, alegando-a devidamente.
Mas não há que aditar um facto com a parte sublinhada, porque esse facto já consta dos factos provados e para além disso já resulta de outros (por exemplo, 36, 44, 46, 47, 48, 51, 59, 66, 73, 77 a 80, 132, 137, 143, 182, 184 e 197).
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O tribunal recorrido considerou que não se provou que (77): o despedimento do autor foi consequência da cirurgia levada a cabo pelo réu.
O autor entende o contrário invocando para o efeito os testemunhos da mulher, da psicóloga e do médico de clínica geral, as declarações de parte do autor e o doc.30 apresentado com a PI. E depois de encher as contra-alegações com 5 páginas de transcrições densas, conclui, com mais alguns §§, que o despedimento de que o autor foi alvo foi consequência da cirurgia levada a cabo pelo réu, pois que se esta não se tivesse verificado o autor não passaria por aquela depressão, que levou à frequência do mestrado e, posterior, despedimento.
O réu responde que o despedimento, como decorre dos factos provados sob 180 e 181 e da fundamentação de direito do acórdão laboral do STJ, é apenas imputável ao autor, nos termos já referidos acima.
Decidindo:
O despedimento do autor, como disseram o tribunal de trabalho, o TRL e o STJ, decorreu do facto de o autor ter dado faltas injustificadas, por ter frequentado o mestrado sem autorização, e apesar disso ter recebido a retribuição pelo período de trabalho correspondentes a essas faltas, o que lhe foi imputado.
Ora, para além de não ser verdade que o mestrado tivesse sido frequentado pelas razões adiantadas pelo autor, visto que ele se tinha inscrito nele um ano antes da operação – e o facto de o autor escamotear isto é grave -, o facto é que se o autor precisava de o frequentar e a autoridade patronal não lhe dava a autorização necessária, o que tinha que fazer era apresentar o caso em tribunal de modo a obter o suprimento do consentimento necessário. De qualquer modo, isto nada tem a ver com a frequência do mestrado, sem autorização e, apesar disso, dando faltas nos períodos respectivos e continuar a receber a retribuição por trabalho não prestado.
Pelo que não é de aditar o facto pretendido pelo autor.         
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O autor pretende ainda que se dê como provado “o facto” de ele nunca mais ter auferido rendimentos, o que prejudicou não só a sua vida como as dos que o rodeiam, nomeadamente o seu núcleo familiar, sendo um acréscimo relevante o facto de o autor ter estado inscrito no centro de emprego desde 2013 e, desde então, nunca ter sido colocado em lado algum. A acabar já diz: desde 2006 apenas recebeu o subsídio de desemprego e, a partir de 2008, não teve qualquer tipo de rendimento, vivendo até à data dos rendimentos auferidos pela sua mulher, apesar das variadas tentativas de se empregar.
São, assim, 4 factos e não um como ele diz, que estariam provados com base no depoimento da sua mulher, nas suas declarações de parte, nos documentos 1 e 2 do requerimento probatório apresentado no dia 17/09/2015, referência citius 6699067 (sintetizados assim pelo autor: a declaração do Centro de Emprego em como o autor ainda se encontra, presentemente, inscrito no mesmo, ou seja, ainda está desempregado e o extracto anual de remunerações para comprovar que o autor apenas esteve empregado até ao mês de Abril de 2007, e desta data até Fevereiro de 2009 são remunerações por prestação de desemprego total - data esta em que cessam os descontos para a Segurança Social -, ou seja, ainda está desempregado).
O réu responde que este facto não pode ser imputado à cirurgia que lhe foi efectuada pelo réu: i/ pelas razões supra referidas que levaram ao seu despedimento; ii/ porque os eventuais problemas que o autor possa padecer com a sua visão actualmente, decorrem das lentes monofocais que, em Dezembro de 2005, lhe foram aplicadas pelo Professor JM, que são as que ele mantém, e não das lentes que lhe foram aplicadas pelo réu, cfr. os pontos provados sob 74 e 77 da matéria de facto não provada; iii/ o facto de que, conforme resulta das declarações prestadas pelo autor e pelo seu ex-colega de trabalho [e por arrasto de transcrições, também da mulher], o autor não ter exercido qualquer actividade, entre 2007 e 2014, deveu-se à crise que o sector da arquitectura atravessou entre 2007 e 2014, que não impediu apenas o autor de arranjar trabalho, mas impediu a generalidade dos arquitectos; iv/ invoca também o facto, não provado, sob (49) [desta vez o réu acertou], ou seja, o autor nunca identificou nenhuma situação em concreto em que tenha sido preterido na procura de trabalho pela razão de ter, actualmente, a sua capacidade de visão diminuída. Assim, é manifesto que o facto de o autor não ter, conforme alega, desde 2006, quaisquer rendimentos de trabalho, deve-se a outras causas e não à intervenção cirúrgica que o réu lhe fez.
Decidindo:
Os documentos comprovam que o autor, em 16/09/2015, se encontrava inscrito como desempregado candidato a novo emprego desde 12/04/2013 e que recebeu equivalências de remunerações por prestação de desemprego total a partir de Abril de 2007 até Março de 2009. Não provam que ele nunca mais tenha auferido rendimentos, que tenha continuado inscrito no centro de emprego a partir de 16/09/20015, nunca tenha sido colocado em lado algum, e que nunca mais, a partir de 2008, teve qualquer tipo de rendimento, vivendo até à data dos rendimentos auferidos pela sua mulher, apesar das variadas tentativas de se empregar.
Aquilo que o autor e a sua mulher - naturalmente interessados na prova destes factos favoráveis à procedência da acção - dizem, desacompanhados de qualquer outra prova, não convence.
Os factos comprovados pelos documentos não têm, como se vê, nos termos em que estão provados, relevo para a decisão da causa, pelo que não têm de ser aditados. De qualquer modo, até já resultam parcialmente dos factos provados sob 187 e 188.
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O autor pretende, por último, que fique provado um outro facto, qual seja, o de que “contrata com o réu com o IMO” [sic].
Isto resultaria do depoimento da sua mulher e das suas declarações de parte e dos documentos/recibos do IMO, documentos 3, 4, 5, 6, 7, 9, 11, 12, 18, 20 e 24 da petição inicial.
Não diz mais nada quanto aos documentos/recibos e transcreve longas passagens do depoimento da mulher e das declarações de parte do autor, a maior parte delas sem qualquer remota relação com a celebração de qualquer contrato. Não argumenta e limita-se a concluir que: “Desta forma, em jeito de conclusão, o autor não só contrata com o réu como também com a ré […].”
O réu e a ré respondem que:
Considera o autor que contratou não só com o réu mas também com IMO. É evidente que esta possibilidade foi considerada pelo tribunal a quo que decidiu acertadamente que o autor apenas celebrou contrato de prestação de serviços médicos com o réu, não tendo celebrado qualquer contrato com o IMO.
E continuam:
A sentença recorrida dá como provados os seguintes factos que não são impugnados pelo autor:
191: O réu acordou com a ré, a troco de um preço previamente fixado por aquele pago, a utilização das suas instalações e dos seus equipamentos para que ele possa aí exercer a sua actividade médica, tal como acontece com outros médicos.
Desta forma, em jeito de conclusão, o autor só contrata com o réu.
212: O autor é que escolheu o médico por quem queria ser consultado e operado.
213: A ré não teve qualquer intervenção nas consultas, exames e tratamentos que os médicos lhe terão efectuado, pois eles são autónomos para o fazer.
Cumpre afirmar que o facto 212 é confirmado pelas declarações de parte do autor e pelo depoimento da mulher do autor, pois que resulta do que por eles foi dito que foi o autor quem decidiu, em primeiro lugar, celebrar contrato com o Dr. AS e, em segundo lugar, com o réu [o réu transcreve a seguir as passagens das suas declarações de parte que foram transcritas acima pela mão do autor; embora o réu tenha acabado de invocar o depoimento da mulher do autor, não as transcreve].
Ora, resulta destas declarações de parte que, quem escolheu os médicos por quem foi consultado, foi o autor e nenhum lhe foi imposto pelo IMO, limitando-se o IMO a fornecer o apoio logístico, emissão de recibos, etc.., a estes clínicos, mediante um preço que por eles é pago, não superintendendo nem dirigindo a actividade dos seus médicos.
Resulta daqui, que não foi o IMO quem celebrou contrato com o autor, limitando-se a prestar apoio aos seus médicos que, na sua relação com os doentes intervêm de forma autónoma e independente, tendo sido o autor quem escolheu os médicos de ambas as vezes e foi com eles que decidiu ser consultado e ser operado pelo réu.
Resulta do exposto que, neste caso, e conforme estamos perante uma situação em que o autor celebrou contrato de prestação de serviços médicos, com o réu, por si escolhido, e em que o IMO se limitou a fornecer os espaços e equipamentos e apoio logístico, mediante o pagamento de uma contrapartida financeira a pagar pelo médico, é manifesto que o IMO, conforme foi decidido e bem pela sentença recorrida, deve ser absolvido, porque não celebrou qualquer contrato com o autor e porque não lhe foi imputado qualquer facto ilícito pelo autor, nem qualquer violação de dever de informação, não sendo, nesta situação, aplicável o artigo 800 do Código Civil, visto que o réu celebrou o contrato de prestação de serviços médicos em seu nome e de forma absolutamente independente, não interveio em representação do IMO e que não existe qualquer dependência funcional entre o réu e o IMO, pelo que estamos perante um “contrato dividido” nos termos explicados pelo acórdão do STJ de 23/03/2017, proc. 296/07.7TBMCN.P1.S1.
Decidindo:
A questão de saber se o autor contratou com o réu e com a ré – é a interpretação possível das alegações com erro de escrita do autor, interpretação feita pelos próprios réus – é uma questão de direito que terá de ser resolvida com base em factos, pelo que era ao nível de factos concretos que o autor devia ter argumentado, nesta fase da impugnação da decisão da matéria de facto.
E, naturalmente, é com factos que tem de ser cumprido o ónus imposto pelo art. 640/1-c do CPC: Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Não cabe pois a este TRL estar a averiguar, dentro do corpo das alegações, em alguma transcrição de elementos de prova, quais os factos concretos que poderiam servir de base à conclusão avançada pelo autor de que contratou também com a ré e, para mais, contrapô-los a ou conjuga-los com outros factos que foram expressamente dados como provados sobre a questão.
É pois só com os factos provados que, a seguir, se discutirá, a nível de direito, a questão de saber com quem foi celebrado o contrato, sem que, a nível de factos se acrescente a conclusão pretendida pelo autor nesta parte do recurso.
*
Do recurso sobre matéria de direito
A sentença recorrida tem a seguinte fundamentação de direito, transcrita com alguma síntese:
O autor imputa ao réu não só a prática de actos médicos com violação de legis artis, como também a prática de actos médicos à sua revelia.
Do factos provados sob 5, 8, 11, 12, 15, 17 a 22, 26, 129 a 131 e 193 e 222, resulta que (i) a cirurgia realizada pelo réu foi a adequada e a única forma de debelar as cataratas de que padecia o autor; (ii) entre o autor e o réu se constituiu uma relação contratual em que o réu se propôs realizar intervenção cirúrgica adequada à cura das cataratas diagnosticadas nos olhos do autor, não se tendo provado que existisse qualquer outro tratamento ou intervenção capaz ou adequado ao fim pretendido pelo autor, isto é, cura das cataratas.
E continua: estando em causa uma obrigação de meios, o médico apenas responde caso se conclua que a prestação não foi realizada de acordo com as melhores práticas, o que não se presume pelo facto de não ter sido obtido o resultado esperado, ou o resultado ideal: é necessário que seja alegada e provada, pelo paciente/autor, uma má prática, em violação das legis artis (acórdãos do STJ de 18/09/2007, 15/10/2009, 07/10/2010, 15/12/2011 e 26/04/2016 e do TRL de 29/06/2017).
No caso, face aos factos provados, a intervenção foi correctamente realizada e era adequada ao fim proposto: cura das cataratas. Assim sendo, conclui-se não se ter provado cumprimento defeituoso por parte do réu.
O autor alegou várias situações que, no seu entender, constituem cumprimento defeituoso, a saber: i/ a desnecessidade do acto, porque só tinha miopia, não tinha cataratas; ii/ sua má execução, patente no facto de o resultado obtido não ter sido o desejado, porque perdeu a visão intermédia; e iii/ a falta de informação sobre o que padecia e as consequências e efeitos da cirurgia para que o consentimento prestado tivesse sido informado.
Quanto a ii/, do facto do autor ter um resultado que não seria o desejado, esperado ou ideal não se pode presumir uma má prática médica.
Quanto a i/, o autor padecia, efectivamente, de cataratas que tinham que ser retiradas sob pena do autor perder totalmente a sua visão e subsequentemente teriam que ser colocadas umas lentes intra-oculares para colmatar a remoção do cristalino; conclui-se, portanto, que a intervenção era necessária, como até imperativa, e o único meio adequado atento o objectivo proposto, constituindo, portanto, uma boa prática. Acresce que não se provou que, na realização de tal acto médico, mediante a técnica adoptada, o réu tivesse atuado imprudentemente, aplicando ou executando a técnica cirúrgica com imperícia ou notória desatenção. Se, de facto, o resultado obtido não foi o esperado, porquanto o autor perdeu a visão intermédia, não logrou o autor provar que tal se deveu a uma má prática, ou prática em violação das legis artis.
Sendo certo que qualquer lente intra-ocular – seja ela monofocal ou multifocal - acarretaria a perda da visão intermédia que tem que ser corrigida com o uso de óculos graduados em função das necessidades de cada paciente.
Quanto a iii/ - consentimento do autor.
Compete ao médico provar que prestou as informações devidas; o ónus da prova do consentimento cabe ao médico (ac. do TRL de 10/10/2013). Com efeito, e conforme defende André Gonçalo Dias Pereira (O Consentimento Informado na Relação Médico-Paciente, Coimbra Editora), estamos perante facto impeditivo, por se tratar de causa de justificação da prática do ato médico e a informação adequada constituir um pressuposto da sua validade (também acórdão do STJ de 16/06/2015). Para além do consentimento inicial, concomitante com o contrato de prestação de serviços médicos, há a necessidade de, antes de cada intervenção ou tratamento, o médico obter o consentimento informado do paciente (mesmo autor, pág. 138). Por sua vez, o paciente apenas presta consentimento válido se a informação prestada for suficiente, ou seja, completa (ac. do STJ de 18/03/2010).
O consentimento apenas é livre se for informado, e apenas é informado se ao paciente foi veiculada a informação pertinente, como seja, se lhe foi transmitido o diagnóstico, quais os meios propostos para tratamento e, estando em causa intervenção cirúrgica, quais os órgãos intervencionados, com que fim, e por que meios. Não se exige que a informação prestada seja tecnicamente apurada, mas a adequada a ser entendida pelo paciente, em concreto.
Embora o já citado autor admita a possibilidade de consentimento tácito, também frisa que este último terá de “decorrer de factos concludentes, que se reportem à específica e concreta lesão consentida” (obra citada, p. 477), conforme consignado no art. 217 do CC. Mais ressalva a possibilidade de uma renúncia ao consentimento, ou consentimento em branco, isto é, um consentimento genérico ao tratamento; mas, a sim ser, caberia ao clínico alegar e provar tal factualidade, o que não sucedeu no caso. Da mesma forma, não foi alegado, e de facto não ocorreu, qualquer outra causa de dispensa do consentimento, como seja o paciente encontrar-se inconsciente e incapaz de o prestar, e/ou tratar-se de intervenção de urgência, situações durante as quais é necessário tomar decisões terapêuticas essenciais à salvaguarda da vida ou saúde do paciente.
No caso dos autos, e atento o diagnóstico realizado, seria imperativo que o réu tivesse transmitido ao autor que sofria de cataratas, em que consistia tal patologia, que a cura passaria pela remoção do cristalino e a subsequente perda da visão intermédia e a colocação de lente intra-ocular multifocal, em substituição do cristalino, lentes estas que poderiam provocar halos em redor dos objectos luminosos e que careciam de um de período de neuro adaptação, que varia de paciente para paciente, e pode ir até seis meses.
Como resulta do julgamento de facto, o réu não logrou provar que prestou tais informações.
A omissão de informação constitui uma violação dos deveres contratuais acessórios a cargo do médico, e portanto constitui o facto ilícito / cumprimento defeituoso pressuposto de responsabili-dade; há também que concluir pela culpa do prestador, que aliás se presume (art. 799 do CC) e que o réu não logrou ilidir.
O autor contrapõe:
I/ O réu levou a cabo uma cirurgia inadequada para as necessidades do autor, uma vez que as lentes aplicadas implicavam a perda total da visão intermédia, sem ser possível arranjar uma solução que colmatasse esta perda, ao nível de óculos ou outras lentes. Ou seja, não era a adequada, nem necessária para o autor, uma vez que este era arquitecto e que a visão intermédia era fundamental para levar a cabo a sua profissão. Esta actuação consubstancia uma má prática médica, de implantação de umas lentes às quais o autor nunca se poderia adaptar.
II/ Ainda que, em abstracto, a cirurgia seja a indicada para colmatar as cataratas, no caso do autor esta não era a sua prioridade (da qual, desde logo, desconhecia) – para as suas necessidades e estado clínico, o autor não queria umas lentes em que corresse o risco de perder a meia distância e ter os outros efeitos secundários.
III/ A implantação das lentes multifocais no autor, contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, é um cumprimento defeituoso do contrato de prestação de serviços celebrado entre o réu e o autor, pelo que, verifica-se o facto ilícito originador de responsabilidade contratual do artigo 798 do CC, que se consubstancia na má prática médica.
IV/ O réu teve uma postura despreocupada e negligente em face das queixas do autor (chegando ao ponto de não lhe atender o telefone durante cerca de 1 semana), em manifesta violação dos deveres de cuidado e protecção, que fazem parte dos deveres acessórios à obrigação principal a cargo do médico.
V/ O réu actuou de forma despreocupada e negligente quantos às consequências da cirurgia para o autor, ao aperceber-se das dificuldades de visão e consequentemente dos efeitos psicológicos que as mesmas estavam a ter no autor; perpetuou deste modo a dor física do autor, afirmando que deveria aguardar e adiando a resolução da questão, afirmando que era tudo da cabeça dele e não passava de ansiedade, que este passou de ter problemas na visão, para um estado crítico de ansiedade, posterior, de depressão major.
VI/ Um médico diligente teria esclarecido o autor das possíveis consequências da operação e, em face do insucesso da cirurgia teria procurado resolver a situação e não ocultar o seu erro.
VII/ Pelo que o cumprimento defeituoso verifica-se pela violação dos deveres de cuidado, assistência e protecção, acessórios à prestação principal de prestação do serviço médico, verificando-se uma clara violação da legis artis, em face da indiferença absoluta perante o desespero do autor e a falta de iniciativa para encontrar uma nova solução, pelo que se verifica também por aqui o facto ilícito originador de responsabilidade contratual.
O réu responde que:
i/ Não merece qualquer reparo a decisão do tribunal a quo ao considerar não provada a existência de qualquer violação das legis artis pelo réu e devia ter considerado que este prestou cabalmente o dever de informação ao réu;
ii/ O contrato celebrado entre o réu e o autor foi um contrato de prestação de serviços, no qual o réu assumiu uma obrigação de meios, que cumpriu ao ter atuado de acordo com as legis artis e com a ciência médica, não podendo, por esta razão, ser responsabilizado por consequências/complicações decorrentes da intervenção cirúrgica que efectuou.
iii/ réu diagnosticou correctamente que o autor padecia de cataratas, efectuou a cirurgia adequada sem ser merecedor de qualquer crítica ou reparo pela sua actuação que cumpriu, na íntegra, as regras em vigor na ciência médica e nas legis artis.
iv/ O réu sempre manifestou e cumpriu a sua disponibilidade para acompanhar o autor sempre que este o solicitasse, actuando de forma diligente e empenhada como o faz em relação a todos os seus pacientes;      
Decidindo:
As questões que o recurso do autor coloca têm de ser resolvidas só com os factos provados que constam na parte deste acórdão que começa com essa referência, os únicos que podem ser tomados em consideração. Não podem ser tomados em conta nenhuns outros: nem os que foram sendo referidos na fundamentação da decisão de facto, nem aqueles a que o autor e os réus, ainda agora, se continuam a reportar.
                                                                       *
Desde o processo-crime, decidido em 2012, que está salientada a estranheza que provoca a hipótese de um oftalmologista, tendo diagnosticado a existência de cataratas nos olhos de um paciente e operando-o a isso, não o ter informado que o ia operar a elas e isto apesar de logo a seguir lhe ter passado uma declaração na qual constava que ele tinha sido operado às cataratas.
Neste recurso, o autor alega, em parte, como se não tivesse cataratas mas, noutras partes do recurso, alega como se as tivesse, como já foi visto na discussão da matéria de facto.
Os réus, por sua vez, não impugnaram nenhum ponto da decisão da matéria de facto.
Ora, como já foi dito, este caso tem de ser resolvido com a versão dos factos a que se chegou depois do julgamento, e, quanto às cataratas, não pode ser posto agora em causa que elas existiam (factos 15 e 29). Tal como não pode ser posto em causa – foi outro resultado a que se chegou – que o réu não informou o autor de que ia ser operado a elas (facto 31).
Sendo assim, a primeira parte da sentença não pode estar certa. Pois que começa por referir que se tratou de um contrato para cura das cataratas diagnosticadas e diz mesmo que esse era o fim pretendido pelo autor. Isto apesar de, mais à frente, condenar o réu por não se ter provado que o réu informou o autor de que, entre o mais, sofria de cataratas, em que consistia tal patologia e que a cura passaria pela remoção do cristalino.
*
Posto isto,
O autor contratou – com quem, ver-se-á mais à frente – a realização de uma operação para colocação de lentes intra-oculares, que escolheu serem bifocais. Trata-se de um contrato de prestação de serviços médicos (art. 1154 do CC).
A prestação principal da contraparte contratual do autor era a colocação das lentes intra-oculares bifocais. Tendo ficado provado que o autor não tinha sido informado que ia ser operado às cataratas, não se pode dizer que o contrato tinha por objecto a remoção delas.
Ora, quanto à colocação das lentes bifocais, não há factos que permitam dizer que ela, em abstracto, foi realizada defeituosamente. Pelo contrário: o autor ficou a ver bem ao perto e ao longe e embora tenha ficado sem a visão intermédia, tal não podia deixar de acontecer, já que lhe foram colocadas umas lentes só para ver ao longe e ao perto (como resulta dos factos 23, 24, 26, 77 a 80, 193, 196, 205, 206, 207). Essa perda seria, com uma probabilidade de 97% (factos 200 e 201, 205), ultrapassada com o tempo - um período que poderia ir até 6 meses ou mais - pela adaptação do seu cérebro a ela, e se não o fizesse, talvez se conseguisse corrigir o problema com a colocação de uns óculos.
Os problemas que se levantam são dois:
Um deles, é que a realização desta operação só se justificava se o autor tivesse cataratas: a remoção do cristalino/das cataratas implicava que o autor só poderia continuar a ver com a implantação de lentes (factos 15, 17, 18, 19, 129, 130, 131); se não as tivesse, não seria normal que lhe fosse tirasse o cristalino para o substituir por lentes bifocais que não permitiriam a visão intermédia (facto 221). É certo que o autor tinha cataratas, mas sabe-se que não foi informado que ia ser operado às cataratas e, portanto, não pode ter contratado a remoção das cataratas.
Ora, sendo assim, a remoção das cataratas foi uma operação feita pelo réu no corpo do autor que só deixaria de ser ilícita, se estivesse justificada por um consentimento informado do autor, dado com base em informações fornecidas pelo réu. Como tem sido dito repetidamente, pelo STJ (veja-se por exemplo, o já citado acórdão de 22/03/2018, processo 7053/12.7TBVNG.P1.S1; com mais desenvolvimento ainda, veja-se o ac. do STJ de 08/09/2020, proc. 148/14.4TVLSB.L1.S1), “[t]anto o direito nacional (cfr., além dos artigos 340, 70 e 81 do CC, o art. 157 do Código Penal e o artigo 135/11 do Estatuto da Ordem dos Médicos, aprovado pelo DL 282/77, de 05/07, republicado em anexo à Lei 117/2015, de 31/08 (“O médico deve fornecer a informação adequada ao doente e dele obter o seu consentimento livre e esclarecido”), como instrumentos internacionais (cfr. o art. 5 da Convenção sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina - Convenção de Oviedo), impõem, como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes, que estes consintam nessa ingerência; e que o consentimento dos pacientes seja prestado de forma esclarecida, isto é, estando estes cientes dos dados relevantes em função das circunstâncias do caso, entre os quais avulta a informação acerca dos riscos próprios de cada intervenção médica.”
Mas a remoção das cataratas não está intrinsecamente ligada à execução da intervenção contratada, que foi apenas a implantação das lentes (e, tendo as cataratas sido diagnosticadas uns meses antes, não podem ter sido descobertas só no decurso da intervenção para implantação das lentes), pelo que se está perante um caso de responsabilidade extracontratual do réu que realizou tal operação à revelia do autor, presumindo-se a sua culpa perante a violação daquelas normas de protecção (art. 483/1 do CC) (a contrario, veja-se a situação descrita no caso do acórdão do STJ de 22/03/2018, processo 7053/12.7TBVNG.P1.S1: estava-se perante um acto médico do qual resultou uma lesão na integridade física da autora - perfuração do cólon -, mas esse acto médico estava intrinsecamente ligado ao contrato em execução).
O outro problema é que, implicando a implantação das lentes bifocais a perda da visão intermédia, com um risco de inadaptabilidade de 3%, potencialmente não corrigível (factos provados sob 37 a 43, 48, 51, 59, 60, 61, 72, 73, 106, 137 – no facto 196 considera-se que em regra a possibilidade de correcção existe, mas este facto, neste termos genéricos, é desmentido pela força dos [outros] factos), o réu, antes da execução de tal intervenção, tinha que explicar estas possíveis consequências ao autor, e não o fez.
Por outro lado, já em 2005, havia pelo menos uma alternativa à implantação das lentes bifocais, que era a implantação de lentes monofocais, em que não ocorria o risco da potencial impossibilidade de correcção de perda das visões que não fossem contempladas pelas lentes monofocais (sendo monofocais, só substituiria a visão que fosse escolhida salvaguardar, ficando de fora as outras duas; mas por cima de uma lente monofocal não havia dificuldades de colocar lentes para as corrigir a falta das outras duas – os factos 193, 196 e 205, por exemplo, têm que ser entendidos à luz do que se acabou de dizer: ou seja, não é sempre a visão intermédia que fica prejudicada, é antes aquela que não for abrangida pelas lentes). Para além disso, os halos e outros problemas (referidos nos factos 32 e 142) sempre conexos com lentes intra-oculares, embora normalmente temporários (facto 192), seriam menores com estas lentes monofocais (factos 23, 24, 112, 122, 138, 142, 144, 146, 157, 161, 193, 204, 206). O inconveniente, principalmente para o autor, que queria deixar de usar óculos, seria que teria que os continuar a usar sempre, para os dois tipos de visão não escolhidos, o que poderia não acontecer com a colocação das lentes bifocais se ele se adaptasse a elas (sendo pois uma vantagem das lentes bifocais para o autor).
Ora, também isto devia ter sido dito ao autor pelo réu, para que o autor, com todas estas informações, pudesse fazer uma escolha, livre e esclarecida entre estas alternativas, no momento em que concordou com a implantação das lentes intra-oculares. Nesse caso, o risco inerente à escolha, correria na esfera jurídica do autor. Sem essas informações, o risco corre por conta da contraparte contratual do autor. A necessidade da prestação dessas informações decorre do princípio da boa fé no cumprimento da obrigação contratada (art. 762/2 do CC), como dever acessório de conduta na execução do contrato. Aqui há um ilícito contratual, que se presume culposo (art. 799/1 do CC) com a responsabilidade obrigacional (art. 798 do CC).
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O autor, em I/, conclui em sentido contrário.
Grande parte da argumentação do autor está baseada no pressuposto implícito de que ele não tinha cataratas, pressuposto contraditório com outras passagens do seu recurso, já referidas, em que ele admite expressamente que a operação foi às cataratas, o que implica que elas existiam, tal como consta da matéria de facto provada.
É com base naquele pressuposto que ele afirma que “com os óculos que tinha na altura, embora dependesse totalmente deles, via perfeitamente, tinha uma vida perfeitamente saudável, não padecia de nenhum problema “extra” de visão, tendo apenas aceitado fazer a cirurgia por não haver, segundo lhe foi dito, nenhum risco associado “ (§ 6 da pág. 126 do recurso).
Ora, quanto às cataratas, já se viu que o problema é o da operação a elas ter sido realizada arbitrariamente, à sua revelia.
Se não fosse isso, a operação das cataratas não colocava qualquer problema porque, ao contrário do que diz o autor, ele tinha cataratas e, se não fosse operado a elas, a sua visão iria ficando cada vez pior: em menos de 1 ano, já tinha perdido 3/10 da visão (factos 5, 6, 7, 13, 14, 15, 16, 17, 21 e 129). Por outro lado, foi uma operação bem feita (factos 26, 29, 68, 111, 129, 131, 192 e 193).
A parte restante da argumentação do autor é de que a colocação das lentes bifociais seria má prática médica porque inadequada para o autor, que precisava da visão intermédia para o exercício da sua profissão de arquitecto.
Mas os factos não permitem dizer que para todos os que precisam da visão intermédia – que não são só, evidentemente, os arquitectos – a opção pelas lentes bifocais fosse necessariamente errada. Nada nos factos provados consta no sentido de que a proporção da adaptação dos arquitectos às lentes bifocais, em 2005, não fosse igual à de toda a outra população.
Para terminar, nesta parte, repare-se que em I/ o autor baseia-se em factos que não estão provados ao mesmo tempo que esquece outros (por exemplo, o 196) que não impugnou e que está contra os que invoca, quais sejam: as lentes aplicadas implicavam a perda total da visão intermédia, sem ser possível arranjar uma solução que colmatasse esta perda, ao nível de óculos ou outras lentes, lentes às quais o autor nunca se poderia adaptar.
Quanto às outras conclusões do autor:
Quanto a II/: Não está provado o que o autor aí diz: isto é, no que ainda importa, que “o autor não queria umas lentes em que corresse o risco de perder a meia distância e ter os outros efeitos secundários”.
Quanto a III/: é uma simples afirmação, sem fundamentação.
Quanto IV/: os factos provados não permitem a conclusão de que o réu teve uma postura despreocupada e negligente em face das queixas do autor. Pelo contrário, os factos provados apontam para várias tentativas de correcção dos problemas do autor.
Quanto a V/: os factos provados não permitem a conclusão de que o réu actuou de forma despreocupada e negligente quantos às consequências da cirurgia para o autor, ao aperceber-se das dificuldades de visão e dos efeitos psicológicos que as mesmas estavam a ter no autor; antes indiciam que o réu actuou de acordo com a sua convicção de que o autor devia esperar pela possível neuro adaptação à perda de visão intermédia, porque se tal acontecesse conseguiria continuar a ver, sem óculos, ao perto e ao longe, e se tal não acontecesse ainda seria possível substituir as lentes bifocais por lentes monofocais.
Quanto à segunda parte de VI/: a última informação dada pelo réu ocorreu a cerca de 40 dias depois da operação; se o autor esperasse mais 3 meses, a substituição das lentes bifocais pelas lentes monofocais seria feita pouco depois de 4 meses e 10 dias; não há prova de que a substituição, nessa data, não fosse possível e ela resolveria o problema do autor, tal como o resolveu a operação feita a 21 e 26/12/2005, 3 meses depois da operação, pelo que não há razões para dizer que um médico diligente, em face do estado do autor, teria agido de outro modo, nem há razões para dizer que o réu procurou ocultar o seu erro.
Quanto a VII/: vale o que já foi dito relativamente a V/ e VI/.
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Fica por analisar a primeira parte da conclusão VI/, mas quanto a isto basta constatar que foi precisamente pela violação dos deveres de informação, considerado como um dever acessório de conduta imposto ao réu no cumprimento da prestação principal, por força do princípio da boa fé (art. 762/2 do CC) que o réu foi condenado, pelo que o autor está simplesmente a repetir a fundamentação da sentença para a condenação do réu.
Aqui há agora apenas que esclarecer que o problema da falta de informação para a prestação de um consentimento informado tem relevo nos dois ilícitos praticados pelo autor, embora por vias diversas como se explicou acima.
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Em suma, o que se passa não é, como quer o autor, a verificação de uma tríplice ilicitude da parte do réu: i - execução defeituosa da prestação principal, ii - violação do direito à informação e iii - incumprimento de deveres de cuidado e de protecção (relativamente ao período posterior à operação), pois que a i e a iii não se verificam e verifica-se algo que o autor agora não refere: um ilícito extracontratual: a operação arbitrária às cataratas.
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Dos danos e da sua indemnização
Diz a sentença:
O bem jurídico violado é um direito de personalidade.
No que respeita aos danos, estes terão de assumir uma relação causal com tal acto ilícito de cumprimento defeituoso, o que não sucede, no caso, portanto, com as consequências sofridas pelo autor em pós-operatório, porque foram consequências da cirurgia e porque o autor não alegou que se as conhecesse não teria sido realizado a referida intervenção cirúrgica.
Assim sendo, e não sendo provado – e sequer alegado – que conhecesse o autor tais possíveis consequências, não consentiria na realização da intervenção cirúrgica; e provado que se encontra que se tratou de complicações possíveis ou previsíveis (factos 32, 33, 193, 194, 197, 202, 203, 210) todos as sequelas invocadas pelo autor, quer a título de despesas médicas que custeou, na sequência da cirurgia – consultas oftalmológicas, consultas psiquiátricas, medicamentos e consulta de medicina natural - quer ainda a indemnização por danos patrimoniais baseada nos salários que deixou de auferir, na sequência do despedimento, através de um processo disciplinar de que foi alvo que teve como fundamento a frequência de uma mestrado, a conselho médico, de forma a diminuir os efeitos da depressão de que foi alvo, na sequência da cirurgia, não poderão ser consideradas como dano consequentes da violação do dever de informação por parte do réu (nesta senda, sempre se diga que se o autor tivesse alegado e provado que se soubesse das consequências e dos efeitos da cirurgia a que foi submetido, não a teria consentido, sempre os danos patrimoniais relativos às perdas salariais, na sequência do despedimento não poderiam ser contabilizados, por não se ter feito prova do nexo causal entre os referidos salários perdidos na sequência do despedimento e a cirurgia levada a cabo pelo réu, uma vez que o autor já tinha sido admitido a frequentar o Mestrado, antes da cirurgia e inscreveu-se no mesmo, a 28/09/2005, e o fundamento do despedimento, foi a frequência das aulas de mestrado, sem autorização da entidade patronal e durante o período de baixa médica, falta de autorização que não se provou ser consequência da cirurgia levada a cabo pelo réu - vide factos provados 180, 181, 185, 186 […]).
Ainda que assim seja, a verdade é que há que considerar que ao autor não foi prestada informação sobre tais possíveis complicações, ou sequer sobre a integralidade e necessidade dos actos a praticar.
Considera-se, portanto, ter sido violada a autonomia do paciente, e o seu direito à autodeterminação, bem como a integridade física e dignidade pessoal.
Trata-se de direitos cuja violação não é, à partida quantifi-cável; e o dano é de natureza essencialmente não patrimonial, embora merecedor de tutela do direito (art. 496 do CC).
Além da violação de direitos de personalidade, é ainda compaginável a constituição de um dano por perda de chance, visto que foi negado ao autor a possibilidade de, conhecendo integralmente os actos médicos a que iria ser sujeita, negar a prática dos mesmos. Neste sentido vd. ac. STJ de 02/11/2017: “VI - Muito embora, naturalisticamente, não tenha sido a falta de informação que provocou “a lesão do nervo lingual direito” e demais danos que vêm provados, nem se tenha provado que a autora só aceitou submeter-se à intervenção porque não foi devidamente informada quanto aos respectivos riscos, porque, se tivesse sido, não a teria aceitado, a perspectiva jurídica correcta para avaliar da existência do direito a uma indemnização, no caso concreto, é antes a de determinar se deve ser ressarcido o concreto dano consistente na perda da oportunidade de decidir correr o risco da lesão do nervo e das suas consequências. VII - Tal perda de oportunidade, em si mesma, enquanto dano causado pela falta de informação devida é, em abstracto, susceptível de ser indemnizada, tendo a sua protecção como sustentação material o direito à integridade física e ao livre desenvolvimento da personalidade (arts. 25/1 e 26/1 da CRP e art. 70/1 do CC), incluindo-se no seu conteúdo, nomeadamente, o poder do titular de decidir em que agressões à sua integridade física consente, assim afastando a ilicitude das intervenções consentidas (cfr. artigos 70/2 e 81 do CC).” (também ac. do TRL de 10/11/2016).
Aqui chegados e estando em causa danos não patrimoniais como a lesão do direito à autodeterminação, integridade física e dignidade pessoal, considerando que a falta de informação sobre a cirurgia a que foi sujeito, suas consequências e efeitos causaram ao autor evidente e notório sofrimento, perturbação, angustia, ansiedade quanto ao seu futuro pessoal quer quanto ao seu futuro profissional, que de todo pode ser descurado, pois era arquitecto e toda a sua vida profissional dependia da visão a meia distância, que perdeu, e não recuperou após a cirurgia realizada pelo réu, tendo deixado de trabalhar na sua actividade, deixado de ver a filha de dois anos e com ela interagir, perdido a capacidade ejaculação na sequência dos medicamentos tomadas para minorar os efeitos do “diagnóstico de perturbação de adaptação mista com humor depressivo e ansiedade”, o que conduziu a não lograr ter mais filhos, passou a isolar-se e perdeu o gosto pela vida social […] (facto 124), na sequência da cirurgia levada a cabo pelo réu, entende-se ser adequada a fixação de uma indemnização no valor de 35.000€.
O autor contrapõe:
VIII/ Nos 3 meses seguintes à cirurgia, o autor passou um período de tormenta física que o levou ao desespero. Foram brutalmente atingidos bens como a vida, a integridade física, psíquica e sexual, a saúde, a liberdade, o bem-estar físico e psíquico, a alegria de viver, a beleza, tendo as consequências perdurado no tempo, algumas verificando-se ainda hoje, pelo que, atendendo à gravidade dos danos e os efeitos, repercussões que tiveram na vida no autor e à jurisprudência, o valor indemnizatório não poderia ser inferior a 490.000€.
IX/ Ficando provada a violação da legis artis, as despesas e pagamentos que o autor teve de suportar, decorrentes da cirurgia, e os lucros cessantes resultantes da perda do seu trabalho e remuneração, deviam ser indemnizados.
O réu responde que:
v/ Se for considerado que o réu não cumpriu os seus deveres de informação, também não pode, nem deve, o réu ser condenado no pagamento de qualquer indemnização por danos devidos da ocorrência de tais riscos, visto que o autor nunca alegou que não se submeteria à intervenção cirúrgica se tivesse sido informado de tais riscos;
vi/ A situação depressiva que o autor alega ter padecido após as suas dificuldades iniciais em se adaptar às lentes multifocais, implantadas pelo réu, nomeadamente, deriva e foi acentuada pela situação de neuropatia, como o autor afirma em declarações de parte prestadas no processo, de que este padece desde os 18 anos de idade e do quadro depressivo anterior, que se demonstrou nos autos, através de depoimento, prestado no âmbito do processo crime, pelo Professor Francisco Arriaga.
vii/ A situação de limitações da visão de que o autor afirma padecer actualmente, derivam do facto de ele não ter aguardado pelo período de neuro adaptação sensorial às lentes multifocais que lhe foram aplicadas pelo réu, e ter, em 21 e 24/12/2005, substituído as referidas lentes por outras monofocais que ainda utiliza e que são a causa da sua diminuída capacidade de visão que hoje apresenta, quando, conforme está demonstrado e provado nos autos ele poderia ter actualmente uma acuidade visual completa e sem correcção se tivesse cumprido o período de neuro adaptação às lentes multifocais, conforme lhe foi sugerido pelo réu e por diversos médicos oftalmologistas que consultou, antes de ter efectuado a substituição das lentes monofocais pelas lentes multifocais.
viii/ Acresce, ainda referir, que o facto de o autor ter sido despedido da E, se deve apenas à sua violação do dever de lealdade, conforme está demonstrado nos autos – ter faltado injustificadamente, durante vários dias, e ter recebido as retribuições respectivas – sem nada ter comunicado à sua entidade empregadora.
ix/ Por último, conforme está demonstrado nos autos, o facto de o autor não ter encontrado trabalho posteriormente, em nada tem a ver a com a cirurgia efectuada pelo réu, pela razão que as lentes que este lhe implantou terem sido retiradas ao fim de 3 meses e pela razão de que, entre 2007 e 20114, como o próprio afirma se ter instalado uma crise no sector que obrigou vários arquitetos a emigrar, devido à impossibilidade de conseguir arranjar trabalho em Portugal;
x/ O montante da indemnização pretendida pelo autor no recurso a que se responde é manifestamente exagerado e é legalmente inadmissível por implicar uma alteração do pedido que formulou em sede de PI, isto é, nela formulou o pedido de 140.000€, cfr. ponto 259, o pedido de 150.000€, cfr. ponto 291, ambos a título de danos não patrimoniais, e o pedido de 200.000€ a título de danos patrimoniais, cfr. ponto 311, ou seja, o pedido que agora formula de 400.000€ [sic], a título de danos não patrimoniais e com fundamentos diferentes dos invocados na PI, não pode ser considerado, no presente recurso, por se tratar de questão nova
Decidindo:
Quanto à remoção das cataratas, o que se aconteceu, como se referiu, foi um tratamento arbitrário feito no corpo do autor. Assim, existe uma violação do direito do autor a decidir livremente submeter-se ou não à remoção das cataratas, ou seja, a ser tratado a elas. Dano que, de qualquer modo, não tem uma particular gravidade, pois que, tendo o autor cataratas e indo sofrer uma intervenção para implantação de lentes, a escolha racional e evidente para toda a gente e também para o autor, seria a opção pela realização da operação da remoção das cataratas, dada a consequência da hipótese contrária: a gradual perda de visão do autor.
Quanto à colocação das lentes bifocais em vez das monofocais, também a escolha tinha de caber ao autor, e aqui a escolha já não tinha a simplicidade da anterior, pelo que, nesta parte, a conduta do réu foi mais grave, ao privar o autor de fazer essa escolha com um esclarecimento adequado. Até porque os factos provados permitem ao menos colocar a hipótese de que, se o réu o tivesse informado de tudo, talvez o autor optasse conscientemente pelas lentes bifocais, sem que, depois, tendo a escolha sido consciente, viesse a sofrer as consequências psicológicas da frustração das expectativas que os factos provados indiciam que ele criou face às reduzidas explicações do réu.
A lesão imediata sofrida pelo autor foi, portanto, no seu direito à livre autodeterminação, um direito de personalidade. Mas tal implica que se não tivesse sido a conduta do réu, e sem prejuízo da hipótese acabada de formular no § antecedente, o autor poderia ter logo optado pela colocação das lentes monofocais, caso em que não teria sofrido nenhuns dos danos subsequentes de que os factos dão conta, pelo que estes são imputáveis à conduta do réu.
Assim, dada a natureza dos ilícitos e dos danos que está em causa, o autor não teria de alegar e provar que, se tivesse podido actuar livremente e com os esclarecimentos necessários, teria optado por soluções opostas: não ser operado às cataratas (indo perdendo, rapidamente, a visão); e colocação das lentes monofocais (tendo necessariamente que continuar a usar óculos, ficando sem a hipótese de poder ficar a ver bem sem óculos). O que interessa é que lhe foi retirada a possibilidade dessa escolha. Se a tivesse tido e a tivesse feito, aí sim, os danos teriam de ser suportados por ele próprio. Seria o consentimento que colocaria a responsabilidade dos danos na sua própria esfera de risco.
De qualquer maneira, como diz, com ampla fundamentação, o ac. do STJ de 08/09/2020, proc. 148/14.4TVLSB.L1.S1, “VI - Perante a violação ilícita e culposa de deveres de informação, por parte do médico, e a ocorrência de danos que aqueles visam prevenir, acolhe-se uma presunção de comportamento conforme à informação, dispensando o paciente da prova da causalidade (preenchedora) que intercede entre o fundamento da responsabilidade invocado e os danos por si sofridos, que o cumprimento correto daqueles deveres visa prevenir (perturbação de decisão esclarecida do paciente). […] IX - Compete à instituição de saúde – e/ou médico – provar que, mesmo que houvesse cumprido correctamente os seus deveres de informação, o paciente se teria comportado do mesmo modo, tomando a mesma decisão. Não deve admitir-se a invocação da figura do consentimento hipotético quando estejam em causa violações graves dos deveres de conduta da instituição de saúde – e/ou do médico –, como sucede quando aquela omite informações fundamentais ou essenciais para a autodeterminação do paciente.”
Este acórdão, no texto, ainda esclarece, entre o muito mais: “12. Tendo a consagração dos deveres de informação como escopo permitir a regular formação da vontade do paciente, uma vez demonstrada a omissão ou a deficiência da informação prestada perante os danos sofridos, deverá presumir-se que a omissão ou a deficiência da informação foi causa da decisão do paciente; que da lesão do bem jurídico protegido – o exercício do poder de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde, a correta formação da vontade – resultaram os danos patrimoniais e não patrimoniais concretamente sofridos pelo paciente.”
Mas os danos não têm, manifestamente, a gravidade que o autor lhe dá: primeiro, ninguém, razoavelmente, optaria pela rápida perda gradual da visão devido à existência das cataratas; segundo, não é unívoca qual a solução que uma pessoa razoável escolheria: se as lentes bifocais (às quais, se se adaptasse, deixaria de ter de usar óculos), se as lentes monofocais (teria sempre de usar óculos para as outras formas de visões não escolhidas), para mais sabendo-se que era intenção do autor deixar de usar óculos (factos 8 e 11, parte final); terceiro, a situação não era irreversível e as lentes poderiam, como aconteceu, ser substituídas: era e foi pois uma situação temporária; em 3 meses foi ultrapassada e o autor passou a estar na situação em que estaria se desde o início tivesse optado pela colocação das lentes monofocais. Ou seja, e principalmente, não se verificam os danos irreversíveis que o autor vai constantemente sugerindo que tem.
Por outro lado, há uma série de danos, em relação aos quais não se pode dizer que estão numa relação de causa e efeito adequada (art. 563 do CC) com os ilícitos praticados pelo réu, pois que no juízo de adequação apenas se devem tomar em consideração, para além das circunstâncias efectivamente conhecidas do agente, as circunstâncias reconhecíveis à data do facto para um observador experiente (Antunes Varela, Das obrigações em geral, vol. I, 9.ª edição, Almedina, 1998, páginas 920-921). Ora, no caso só as particulares características do autor, entre elas pelo menos a neuropatia de que sofre desde os 18 anos (facto 210), podem ter levado a que o autor tivesse deixado de interagir com a filha de dois anos por não a conseguir focar entre os 40 e 100 cm, ou que viesse a perder a capacidade de ejaculação na sequência dos medicamentos tomadas para minorar os efeitos do “diagnóstico de perturbação de adaptação mista com humor depressivo e ansiedade”, o que conduziu a não lograr ter mais filhos.
Ponderado tudo isto, não há manifestamente razões para aumentar a indemnização para além do valor que lhe foi atribuído pela sentença recorrida, tendo em conta os casos jurisprudenciais invocados por ela e pelo próprio autor, directa ou indirectamente (por estarem referidos nos acórdãos citados), pois que, perante eles e as considerações tecidas, o que se poderia discutir com mais razão - se o objecto do recurso abrangesse essa possibilidade -, era se ela devia ser reduzida.
(veja-se que, por exemplo, no acórdão do STJ de 23/03/2017, citado pelo réu, relativamente a uma lesada de 48 anos que sofreu danos muito mais graves e definitivos, foi atribuída uma indemnização de apenas 60.000€; no acórdão do STJ de 28/01/2016, 136/12.5TVLSB.L1.S1, “perante a gravidade – maior do que a destes autos - dos sofrimentos físicos suportados pela autora durante o longo processo de internamento e de tratamento, perante as limitações motoras de que ficou a padecer até ao fim da vida, com a consequente cessação da sua actividade profissional, assim como das actividades sociais e culturais anteriores, perante a dependência em relação ao auxílio de outras pessoas dentro e fora de casa, justificar-se-ia a elevação da indemnização fixada [que tinha sido fixada em 30.000€]”; nesse acórdão lembra-se que: no acórdão de 07/10/2010, processo 370/04.1TBVGS.C1, “manteve-se a indemnização por danos não patrimoniais, de 50.000€ relativamente a lesado com os seguintes danos: Sofreu várias fracturas e um traumatismo crâneo-encefálico, com inerentes dores (de grau 5 numa escala até 7); Esteve hospitalizado duas vezes, foi sujeito a intervenções cirúrgicas e a tratamento em fisioterapia; Teve de se deslocar, por longo tempo, com o auxílio de canadianas; Ficou, como sequelas permanentes, com cicatrizes na perna, claudicação da marcha, dificuldade em permanecer de pé, em subir e descer escadas e, bem assim, impossibilitado de correr e praticar desporto que antes praticava; Passou, de alegre e comunicativo, a triste, desconcertado e ansioso”; no acórdão de 07/05/2014, processo 1070/11.TBVCT.G1.S1, “fixou-se em 60.000e a indemnização de lesado que: sofreu lesões graves, que exigiram cerca de um mês de internamento hospitalar em regime de acamamento; Ficou com perdas de memória, necessidade de orientação de terceira pessoa fora do trajecto normal, parestesias na região malar esquerda e pé esquerdo, síndrome subjectivo pós comocional, com insónias, irritabilidade e perturbação com o barulho, sem crises epiléticas, cicatriz na região malar esquerda de 3 cm e limitação na elevação do braço esquerdo; e atribuiu-se 80.000€ a lesada que: Ficou com paralisia parcial, com parestesias nos dedos da mão esquerda, na metade esquerda dos lábios, hemilíngua e hemiface esquerda; Passou a sentir dormência na cara e ponta dos dedos do lado esquerdo; Passou a ter dificuldades em comer e mastigar, principalmente do lado esquerdo; Perdeu força na mão, braço e perna esquerda; sente desequilíbrios na perna esquerda; no acórdão de 16/02/2012, processo 1043/03.8TBMCN.P1.S1, “o lesado [ficou] definitivamente dependente de terceira pessoa para o que constitui o mais elementar da vida, como movimentar-se – com necessidade de cadeira de rodas – comer, vestir-se, calçar-se, tratar da sua higiene e efectuar as necessidades fisiológicas e tendo ainda ficado com dificuldade em articular palavras e incontinente, seria adequado o montante de €200.000 relativo à compensação pelos danos não patrimoniais […]”; no caso do ac. do STJ de 22/03/2018, já citado, a autora, em virtude da perfuração cólica, teve que ser assistida no Hospital, onde efectuou consulta e exames, sofreu três intervenções cirúrgicas, vários períodos de internamento hospitalar [num total de] 49 dias […]; por outro lado […] a autora sofreu dores, ou seja durante cerca de 1 mês e meio; depois da intervenção cirúrgica do dia 17.03.2011, a autora teve de usar um saco de colostomia (para armazenar as fezes), carecendo, até Novembro de 2011, de ajuda de terceiras pessoas para se vestir e despir, assim como para cuidar da sua higiene; o uso do aludido saco fazia a autora sentir-se desconfortável, sendo que o mesmo chegou a rebentar em algumas ocasiões, incluindo de noite, obrigando a tomas de banho e mudança de roupa, no que contou com a ajuda de terceiros, nomeadamente do seu filho; a autora, por ter que usar o saco de colostomia, sentiu-se diminuída, com perda de auto-estima e vergonha, reduzindo as suas saídas e o convívio com amigas, sendo certo que antes do evento em causa, a autora era uma pessoa alegre, autónoma e que saía sozinha e com amigas, participando em aulas de pilates, aulas que deixou após ter de usar o dito saco; por outro lado, ainda, é de considerar que a autora tinha, à data do evento, uma idade avançada (83 anos), assumindo, pois, as sobreditas circunstâncias uma maior penosidade, pois que associadas às limitações de saúde próprias e naturais de quem possui aquela provecta idade; por último, é de considerar que a culpa do réu médico é uma culpa presumida; como assim, ponderando todos os sobreditos elementos, à luz de critérios de equidade e tendo presente os valores indemnizatórios que se colhem da nossa jurisprudência já antes citada, afigura-se-nos ser equitativo fixar-se a favor da autora […], a título de danos não patrimoniais, e tendo por referência a data do presente acórdão, a quantia de 28.000€; no acórdão do STJ de 02/11/2017, processo 23592/11.4T2SNT.L1.S1, fixou-se em 18.000€ a indemnização, num caso que estava assim descrito no sumário do ac. do TRL: está-se perante uma mulher saudável, militar no activo, que na sequência do que lhe foi apresentado como um ato de medicina dentária inofensivo (extracção do siso), sofreu lesão no nervo lingual direito, o que no imediato e durante pelo menos um ano lhe provocou fortes dores, grande dificuldade em comer e em falar, sensação de encurtiçamento e de formigueiro na língua e perda de sensibilidade na língua, em virtude dessas limitações não conseguiu praticar treino físico e não conseguiu realizar as provas físicas exigidas pela sua condição militar nos anos 2009 a 2011, por inaptidão médica, sofrendo a angústia inerente ao facto de tanto a progressão na carreira militar como a manutenção no activo dependerem de aprovação em testes de condição física e ainda hoje, decorridos oito anos após a extracção do aludido dente, a autora mantém dor permanente no pavimento da cavidade oral à direita e na hemilíngua direita, com sensação de formigueiro, com parestesia, com sensação de encurtiçamento, com grande dificuldade e dor na mastigação, não consegue mastigar com o lado direito, continua a acontecer-lhe morder a língua inadvertidamente, mantendo a insensibilidade na hemilíngua direita, mantem a dificuldade em articular a fala e em pronunciar correctamente algumas palavras; no ac. do STJ de 08/09/2020, proc. 148/14.4TVLSB.L1.S1, lembra-se, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 12/09/2013, processo 2146/05.0TVLSB.L1.S1, em que a indemnização foi fixada em 40.000€ e em que estava em causa: i) a angústia do autor, pois que em consequência dessa infecção passou a sofrer de uma septicemia, com falência renal, correndo risco de vida e com celulite (infecção da pele) e suspeita de gangrena gasosa, lesão muito destrutiva (destruição celular), caracterizada por uma multiplicidade de bactérias a qual leva muitas vezes à amputação dos membros, provando-se que, se o cotovelo do autor não conseguisse ser revestido, o braço poderia ter de ser amputado; ii) que o autor teve de se sujeitar a várias intervenções cirúrgicas e a tratamentos muito dolorosos, saindo do Hospital com o braço manchado e com o cotovelo desfigurado; e que ficou com uma cicatriz no abdómen inferior, tendo sido sujeito a três intervenções cirúrgicas destinadas a evitar a amputação e ainda a uma sequência de tratamentos dolorosos: tudo isto conduziu à fixação de um quantum doloris de 6/7; iii) que o autor ficou a padecer de uma incapacidade geral permanente de 15 pontos por ter ficado impossibilitado de lavar as costas sozinho, por o braço direito se encontrar em flexão de 120º, sendo a amplitude de máxima flexão do cotovelo inferior à do membro colateral, não conseguindo levar a mão à nuca.]
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Quanto aos danos patrimoniais
Ao autor foram colocadas lentes intra-oculares com o consentimento dele nessa parte. Mas a escolha do tipo de lentes não foi feito de modo informado. Três meses depois, foram-lhe colocadas lentes de outro tipo, que implicaram o uso de óculos, ficando a situação corrigida. Até chegar a esta situação actual, o autor fez outros gastos que não faria se o tipo de lentes que lhe foram colocadas por último, tivessem sido logo colocadas. Gastos com consultas para ultrapassar os problemas psíquicos que estava a ter e gastos com consultas e óculos para ultrapassar o problema da visão intermédia. A situação intercalar não foi da livre escolha do autor, mas sim devida a facto imputável ao réu. Assim, os gastos para a ultrapassar devem ser imputados ao réu. Esses gastos não são todos aqueles que resultam dos factos 154 a 156 – no valor total de 1701,61€ -, pois que as consultas de 19/07/2005 e de 12/09/2005 são anteriores à operação). Assim, há que retirar 28,50€ àquele total (que fica reduzido a 1673,11€).
Nada disto tem a ver com a perda de salários ou mais latamente com a perda de rendimentos. Os factos provados não permitem a conclusão de que o despedimento do autor tenha tido a ver com a situação em que o autor foi colocado: a causa de despedimento é apenas imputável ao autor, nos termos já muito discutidos (na discussão da matéria de facto, por força das circunstâncias).
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Da responsabilidade da ré
A sentença recorrida diz o seguinte quanto à questão da responsabilidade da ré:
O autor invoca a responsabilidade solidária dos réus, porque entre o réu e a ré haveria um contrato de trabalho, o que não ficou provado, tendo antes ficado provado que a ré presta cuidados médicos cirúrgicos, através dos médicos que exercem a sua actividade na sua sede, não tendo qualquer intervenção na escolha do médico que cabe ao utente, neste caso ao autor (factos 212 e 213), médico que utiliza as instalações e equipamentos da ré para que aí possa exercer a sua actividade médica tal como outros médicos, mediante o pagamento de uma contrapartida (facto 191).
Acresce que o autor não imputa nenhum facto ilícito à ré no que concerne à intervenção cirúrgica levada a cabo pelo réu, nem mesmo qualquer violação do dever de informação.
Assim sendo, à ré não pode ser assacada qualquer responsabilidade, uma vez que a relação contratual estabeleceu-se apenas entre o réu e o autor, o que conduz ao decaimento da acção quanto à ré.
O autor contrapõe que:
A/ Por fim, quanto à responsabilidade do ré, dever-se-ia reconduzir a responsabilidade do ré à prevista no artigo 800/1 do CC, ou seja, responsabilidade por actos de auxiliares, no caso em concreto do médico réu, profissional da ré.
B/ Isto independentemente da natureza da relação jurídica entre a ré e o réu, em particular os termos em que este presta serviços médicos na instalação daquela e da forma como o réu é escolhido para proceder à realização de actos médicos aos pacientes que se deslocam às instalações da ré.
A ré responde que:
A) Conforme resulta das declarações parte do autor e do depoimento da sua mulher, o autor não celebrou qualquer contrato com a ré, mas sim com os médicos que consultou; Ora,
B) Tendo em conta que não foi imputada nos autos, à ré, a prática de nenhum facto ilícito, nem a violação de dever de informação;
C) e que o contrato de prestação de serviços médicos foi celebrado verbalmente entre o réu e o autor, apenas vinculando aquele;
D) É manifesto que, no caso presente não tem qualquer aplicação o artigo 800 do CC, visto que o réu celebrou o contrato de prestação de serviços médicos em seu nome e de forma absolutamente independente, contrato em que não interveio em representação da ré e não existe qualquer dependência funcional entre o réu e a ré.
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Decidindo:
Os factos provados que interessam a esta questão constam dos pontos 3 a 5, 10, 22, 26 a 28, 34, 41, 56, 107, 108, 111, 115, 191, 212 e 213.
Ou seja: o autor recorreu aos serviços oftalmológicos prestados pela ré que é uma sociedade por quotas dedicada exclusivamente à prestação de cuidados médicos e cirúrgicos de oftalmologia; foi observado na ré e pelo director clínico da ré e depois regressou à ré e marcou consulta para o réu, um dos médicos da ré, e passou a ser seguido por ele. As consultas e a operação ocorreram sempre nas instalações da ré. A própria ré declara que o autor esteve presente na ré a fim de realizar uma cirurgia intra-ocular. Quando já não confia no réu, o autor contacta o director clínico da ré e este pronuncia-se tecnicamente sobre a operação, naturalmente por ter sido feita na ré, apesar de ter sido executada pelo réu, e fala na substituição das lentes sem qualquer ónus para o autor, o que se traduz no reconhecimento do direito à reparação do serviço prestado, reparação a ser feita pela ré e à custa dela, o que não teria sentido se a operação tivesse sido feita em nome próprio e por conta pelo réu.
Tendo em consideração estes factos, a conclusão que deles resulta é clara: havia uma relação contratual de prestação de serviços oftamológicos entre o autor e a ré, já não também entre o autor e o réu. Este, como médico, fez a operação ao autor, mas o contrato foi celebrado com a ré (em comparação com o caso do acórdão do STJ de 23/03/2017, processo 296/07.7TBMCN.P1.S1, citado pelo réu, os factos que apontam neste sentido no caso dos nossos autos, são ainda mais claros; no caso do acórdão do STJ de 28/01/2016, processo 136/12.5TVLSB.L1.S1, em que, pelo contrário, se concluiu pela responsabilidade do médico e do hospital privado, os factos, aí, que indicam uma relação contratual do paciente com o médico têm, claramente, contornos muito diferentes do caso dos autos; a situação é completamente diferente, também, do caso do acórdão de 22/03/2018, em que se chegou à conclusão de que havia uma relação contratual de prestação de serviços médicos com o médico e uma outra relação contratual com o hospital só de internamento).
A contrapor a isto não importa que a sentença ou os réus invoquem “factos” que não estão provados e meios de prova que apenas permitiriam responsabilizar o réu, quais sejam: o de que “a relação contratual estabeleceu-se apenas entre o réu e o autor”; “conforme resulta das declarações parte do autor e do depoimento da sua mulher, o autor não celebrou qualquer contrato com a ré, mas sim com os médicos que consultou” e “o contrato de prestação de serviços médicos foi celebrado verbalmente entre o réu e o autor, apenas vinculando aquele”, bem como que “o réu celebrou o contrato de prestação de serviços médicos em seu nome e de forma absolutamente independente”, pois que o que interessa é o que se passou de facto e a conclusão que os factos provados permitem tirar.
Os factos 22 e 27 são irrelevantes para conclusão contrária, já que não se diz de quem é que é o recibo, se do réu se da ré.
As relações entre a ré e o réu (tal como resultam dos factos 191, 212 e 213) são indiferentes para o autor: mesmo que o réu não seja um trabalhador subordinado da ré, não deixa de ser um seu auxiliar na realização da prestação principal a que a ré se obrigou (art. 800/1 do CC) e a falta de observância de deveres acessórios de conduta é ainda um acto praticado no cumprimento da obrigação principal [pelo qual só a ré responderia – neste sentido, veja-se o já citado acórdão do STJ de 23/03/2017 – os auxiliares não são responsabilizados; no mesmo sentido a doutrina citado no acórdão: Vaz Serra, Responsabilidade do Devedor pelos Factos dos Auxiliares, dos Representantes Legais ou dos Substitutos, BMJ 72, pág. 286, e Ribeiro de Faria, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, 1990, pp. 410-411; ainda nesse sentido, vai o ac. do TRP de 10/04/2014, proc. 1265/13.3TBMTS, não publicado, onde se escreve: “Neste sentido, por exemplo, Antunes Varela, referindo-se embora directamente aos representantes legais (mas com aplicação aos auxiliares como se vê na sequência do texto), diz que: “… compreende-se que assim seja. Se a actividade do representante legal [leia-se, para o caso, auxiliar] se exerce no interesse e em nome do representado […], justo é que sobre o património deste (e não do representante [leia-se também aqui auxiliar]) recaiam as consequências (boas ou más) do exercício daquela actividade.” (Das obrigações em geral, vol. II, pág. 98, 4ª edição, Almedina, 1990). Mais explicitamente ainda veja-se ainda Brandão Proença, Lições de cumprimento e não cumprimento das obrigações, Coimbra Editora, Set2011, págs. 250/251: “Diga-se, desde já, que, contrariamente ao que sucede no domínio de aplicação do art. 500, o art. 800 não permite outra responsabilização que não seja a do devedor, ou seja, da pessoa obrigada perante o credor. Assim como terceiros, lesados pela actuação dos auxiliares do devedor, apenas podem invocar o fundamento da responsabilidade extracontratual individual ou assente na existência de uma possível relação comitente-comissário, também o credor só logrará uma responsabilidade directa dos autores directos caso prescinda da via oferecida pelo art. 800.” [os itálicos são do autor; o sublinhado foi colocado naquele acórdão]; no caso do ac. do STJ de 28/01/2016, 136/12.5TVLSB.L1.S1, salienta-se “que, diversamente do que se passa no regime do art. 500 do CC, que se aplica à responsabilidade extracontratual, no art. 800 do CC se abrange tanto a conduta de auxiliares dependentes como a conduta de auxiliares independentes […].”]
Tudo isto só é válido, no entanto, para a actuação do réu no cumprimento da obrigação principal contratada, da implantação das lentes intra-oculares. A remoção das cataratas foi algo que o réu fez, arbitrariamente, sem que ela estivesse incluída na relação contratual existente com a ré. Assim, pelas consequências derivadas dela não é possível responsabilizar a ré [neste sentido, ainda, o citado acórdão do STJ de 23/03/2017: “Só lhe será lícito reclamar indemnização do réu, se tiver ocorrido, concomitantemente, por parte dele, facto ilícito relevante a título de responsabilidade extracontratual. E, neste caso, nem sequer a ré responderia pelos danos decorrentes do facto ilícito imputável ao réu, nos termos do art. 500 do CC, uma vez que dos factos provados não resulta qualquer relação de comissão entre ambos”].     
Havendo então que repartir o valor da indemnização pelos dois ilícitos praticados pelo réu, considera-se que o valor dos danos apenas ligados à remoção das cataratas (liberdade de decisão) corresponde apenas a 10% do total, pois que, como referido, a opção pela remoção era uma opção razoável e expectável que fosse tomada pelo autor se tivesse tido a oportunidade para o fazer.
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O seguro em causa nos autos é um seguro que cobre a eventual responsabilidade civil do réu, não da ré. Assim, a ré deve responder por aqueles 90% do valor da indemnização.
A condenação do réu e da seguradora, nos termos que constam da sentença recorrida, não está aqui em causa, pois que o recurso foi interposto pelo autor para aumento da indemnização e condenação da ré, e nenhum dos réus recorreu ou pediu o alargamento do objecto do recurso.
Por outro lado, a responsabilidade da ré, por actos dos seus auxiliares, não é solidária com estes, já que estes, nestes casos, nem sequer respondem (como o disse o já citado acórdão do STJ de 23/03/2017).
Assim, a responsabilidade da ré não é solidária nem com o réu, nem com a seguradora deste.
Assim, há apenas que adicionar a condenação da ré a pagar ao autor 90% da condenação (agora acrescida de 1673,11€).
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Remanescente da taxa de justiça
O artigo 6/7 do RCP dispõe que: Nas causas de valor superior a 275.000€, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.
Trata-se da hipótese de dispensar o pagamento, pelo que os factores referidos pela lei têm de ser lidos como aqueles que justifiquem a dispensa como, em relação à complexidade da causa, uma causa que tenha menos do que a complexidade normal, e, em relação à conduta processual das partes, que se esteja perante uma conduta que implique o gasto de menos recursos públicos no tratamento da causa.
Ora, no caso, a causa tem uma complexidade normal, sem nada de especial, e a conduta das partes em nada contribuiu para, por exemplo, poupança de tempo e de trabalho. A forma como elas alegaram no recurso – já mencionada várias vezes acima para este efeito - implicou, pelo contrário, muito mais trabalho e gasto de tempo, do que aquele que um processo deste tipo e valor implicaria normalmente. Um mínimo de síntese, aliás exigida por lei, levaria a que quer as alegações quer as contra-alegações, não ocupassem mais de uma vintena de páginas cada.
Assim, não haveria lugar à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
No entanto, tendo em conta o disposto no art. 14/9 do RCP (: “nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta a final”) e que o valor do decaimento, pelos réus, no recurso, os únicos que a teriam de pagar, é ínfimo, entende-se que ela deve ser dispensada.
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, alterando-se a decisão da sentença recorrida para o seguinte: condena-se os réus no pagamento de indemnização no valor global de 36.673,11€, sendo o réu a pagar 10% desse valor global (isto é, 3.667,31€), a ré seguradora a pagar os remanescentes 90% (isto é, 33.005,80€) e a ré IMO a pagar 90% daquele valor global (33.005,80 €).
Aos valores em causa acrescem juros de mora, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.
Custas da acção, na proporção do decaimento (tendo em conta o valor dela e o valor final em que ela procedeu), pelos réus (35% para o réu, 35% pela seguradora; 30% para a ré); o autor está dispensado de custas por beneficiar de apoio judiciário nessa modalidade.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte, na proporção do decaimento (proporção calculada tendo em conta o valor do recurso e a procedência dele em apenas 1673,11€) pelos réus (35% para o réu, 35% pela seguradora; 30% para a ré); o autor está dispensado de custas por beneficiar de apoio judiciário nessa modalidade.
Dispensa-se o pagamento da taxa de justiça remanescente.

Lisboa, 14/01/2021
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas