Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1296/10.5TVLSB.L1-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
PRIVAÇÃO DA COISA
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PREJUÍZO
LOCADO
OBRAS
DETENTOR
BENFEITORIAS
INDEMNIZAÇÃO
ABUSO DE DIREITO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Sumário: 1. Em caso de caducidade do arrendamento por decesso do arrendatário, o subsequente detentor do locado responde pelo prejuízo inerente à privação da coisa causado ao senhorio, a título de responsabilidade extracontratual.

2. Para efeitos de determinação desse prejuízo, poderá atender-se ao valor que o senhorio, pelo menos, obteria em caso de mora na restituição do locado, nos termos do art.º 1045.º do CC, porém sem acréscimo de juros moratórios.

3. O disposto no artigo 1273.º do CC só é aplicável, directamente, à posse propriamente dita ou nos casos especiais de mera detenção em que a lei o manda aplicar por equiparação. 

4. Assim, a realização de obras no arrendado, após a caducidade do contrato de arrendamento em consequência do óbito do arrendatário, pelo subsequente detentor, não confere a este o direito a ser indemnizado dessas benfeitorias nos termos do art.º 1273.º do CC.

5. Mesmo a configurar um tal direito, a manifesta desproporção entre o valor das obras realizadas e a exiguidade da renda auferida pelo senhorio, naquelas circunstâncias, tornaria abusivo o exercício desse direito pelo detentor.

(Sumário do Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. MH (A.) intentou, em 02/06/2010, junto das Varas Cíveis de …, acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra MR (R.), que beneficia de apoio judiciário (fls. 165), alegando, em resumo, que:

- Em data anterior a 2009, a A. deu de arrendamento a AFR, para habitação exclusiva deste, a fracção “O” correspondente ao 5.º andar, direito, do n.º … da Rua …, de que a mesma A. é proprietária;

- Em 11/02/2010, a A. tomou conhecimento do óbito do arrendatário, ocorrido em 26/11/2009, por escrito assinado pelo filho deste, que manifestou a pretensão de se fazer valer do direito à transmissão do arrendamento, nos termos do art.º 1106.º do CC, ao que a A se opôs por escrito;

- Posteriormente, a A. recebeu, da parte da R., um escrito com pretensão idêntica, invocando o direito à transmissão por via do casamento com o falecido, tendo-lhe a A. dado resposta negativa;

- Do mesmo passo, a A. interpelou a R. para entregar o imóvel até 25/05/2010, por caducidade do contrato, dado o disposto no art. 1051.º, n.º 1, alínea d), do CC, o que não sucedeu no prazo previsto no art.º 1053.º do mesmo diploma;

- Descrevendo o imóvel, a A. apontou o valor no mercado de arrendamento como referencial do seu prejuízo, visto que a residência da R. não é nem foi no locado, mas sim, desde o casamento com o arrendatário, noutra morada permanente;

- Ocorre assim também fundamento para resolução do contrato, nos termos do art.º 1083.º, n.º 2, alínea d), 1072.º e 1106.º do CC, por falta de residência permanente no locado, quer do arrendatário falecido quer da própria R..

Concluiu a A., pedindo que fosse:

a) - declarado que a fracção “O”, correspondente ao 5.º andar, direito, do n.º …, é propriedade da A.;

b) - declarada a caducidade do contrato do referido andar, por morte do arrendatário;

c) – condenada também a R. a entregar imediatamente à A. o mesmo andar, livre e devoluto de pessoas e bens;

d) - condenada ainda a R. a pagar à A., a título de indemnização pelos prejuízos causados, a quantia correspondente a € 500,00 mensais a contar de 25/05/2010 até efectiva restituição do andar, acrescida de juros de mora desde a citação da R.

2. A R. apresentou contestação, defendendo-se por impugnação e deduzindo reconvenção, a sustentar que:

- O contrato não caduca automaticamente com a morte do arrendatário, pelo que não estava obrigada a entregar o locado, o que comunicou à A.;  

- O imóvel se mostra degradado, nunca podendo o valor de mercado atingir os € 500,00;

- Não se verifica falta de habitação permanente dado que o locado não tinha condições de habitabilidade, verificando-se a infiltração de água as que obrigam à colocação de recipientes para a aparar em dias de maior pluviosidade, o que é do conhecimento da A. desde 1997;

- Encontrando-se a decorrer obras será a R., que aufere pensão de sobrevivência, a suportá-las, já que a A. sempre se recusou a efectuá-las;

- A R. sempre cumpriu as suas obrigações de arrendatária, após o falecimento do marido, efectuando o depósito das rendas, à data da apresentação da contestação, em 07-07-2010.

Concluiu pela improcedência da acção e pediu a condenação da A. a pagar-lhe a quantia correspondente ao orçamento das obras por ela realizadas no arrendado.

3. A A. deduziu réplica, invocando, no essencial, que:

- À data do óbito nem o arrendatário nem a R. habitavam o locado, não residindo ali de forma permanente;

- As obras comunicadas em tempos não correspondem ao orçamento e que não se mostra provado o valor das obras, sendo estas desproporcionadas em razão do valor da renda;

- A R., em Maio de 2010, celebrou contratos novos de abastecimento doméstico de onde se conclui que o locado estava desabitado.

Concluiu pela improcedência da pretensão reconvencional.

4. Findos os articulados, fixado o valor da causa, foi proferido saneador tabelar e seleccionada a matéria de facto tida por relevante com organização da base instrutória, conforme fls. 184-191.

5. Realizada a audiência final e decidida a matéria de facto controvertida pela forma constante do despacho de fls. 241-244, foi proferida sentença, em 27-02-2014, a julgar a acção parcialmente procedente e a reconvenção improcedente, decidindo-se, quanto àquela:

a) - declarar a caducidade do contrato de arrendamento ajuizado, por óbito do arrendatário e com referência à respectiva data.

b) - condenar a R. a entregar imediatamente à A. o andar arrendado, livre e devoluto de pessoas e bens;

c) – condenar ainda a R. a pagar à A., a título de indemnização pelos prejuízos causados, o valor mensal correspondente ao dobro da renda fixada para o ano de 2009 (ano do óbito do arrendatário), a contar de 25/05/2010 até efectiva restituição do andar à A., acrescido de juros de mora desde a citação da R..

6. Inconformada com tal decisão, a R. apelou dela, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - A Recorrente conforma-se com a sentença recorrida, na parte em que declara caducado o contrato de arrendamento em causa, desde a data da prolação da sentença recorrida;  

2.ª – Conforma-se também com a entrega do referido andar, estando já ajustada tal entrega à A., durante a corrente semana;

3.ª – Porém, não se conforma com pagar o dobro da renda estabelecida para o ano de 2009, desde 25-5-2010 até à restituição do locado, a que acrescem juros de mora;

4.ª - De facto, o direito ao locado tratava-se de um direito controvertido e submetido a apreciação judicial do tribunal “a quo”;

5.ª – Assim, o valor da renda em dobro, quanto muito poderia ser aplicado desde a prolação da sentença, o que nem assim se concede, além de que a sentença recorrida encerra uma contradição insanável;

6.ª - Diz-se caducado o contrato de arrendamento, uma vez que a recorrente não viveria em permanência no locado, mas encontra-se provado o estado lastimável e inabitável do locado antes das obras efectuadas a expensas da Recorrente no valor de € 6.030,00, o que impossibilitava antes da sua realização que alguém vivesse no locado;

7.ª - Ou seja condena-se a recorrente na caducidade do contrato de arrendamento porque não viveria no locado, mas reconhece-se que o mesmo não se encontrava habitável antes das obras, cuja responsabilidade era da Recorrida;

8.ª – Por essa razão a Recorrida deve pagar à recorrente o montante de € 6.030,00, a que acrescem juros de mora.

Pede, pois, a R./apelante que seja substituída a decisão recorrida por outra que a absolva no valor peticionado e condene a A. no pedido reconvencional. 

7. Por sua vez, a R. apresentou contra-alegações, a pugnar pela confirmação do julgado, na parte aqui impugnada, rematando com a seguinte síntese conclusiva:

1.ª – A Recorrente não se conformou com a indemnização fixada pelo Tribunal “a quo” em pagar o valor mensal correspondente ao dobro da renda estabelecida para o ano de 2009 até restituição do locado com juros de mora;

2.ª - E reitera o pedido de pagamento do valor de € 6.030,00 e juros de mora realizado no pedido reconvencional, relativo às obras realizadas na propriedade da Recorrida;

3.ª - Relativamente à indemnização que a Recorrente não concorda, afirma várias situações que não se prendem directamente com o valor indemnizatório, as quais foram, em momento próprio, bem valoradas pelo Tribunal “a quo”;

4.ª - Reitera-se que a Recorrente nunca viveu com o ex-arrendatário na propriedade da Recorrida e que por isso, obrigatoriamente, o contrato de arrendamento caducou;

5.ª - Aliado ainda ao facto do próprio arrendatário ter deixado de habitar o locado por mais de um ano, porque optou por viver com a sua esposa na propriedade desta;

6.ª - Portanto, o contrato de arrendamento caducou e disso deu a conhecer a Recorrida à Recorrente, e caducou a partir do dia 25/05/2010, logo até à entrega, que aconteceu em 07/04/2014, a Recorrente terá obrigatoriamente de pagar um valor, que o Tribunal a quo contabilizou como o dobro da renda, ou seja € 96,16 por cada mês em atraso;

7.ª - Assim, a Recorrida deverá ser ressarcida, nem que seja simbolicamente, pelo facto de não ter podido dispor do seu imóvel;

8.ª - Sobre o valor das obras, já se disse e afirma-se a Recorrente fez obras na propriedade da Recorrida porque quis, sem qualquer autorização para tal, em manifesto abuso de direito;

9.ª - Desta forma, não poderá ser a Recorrida condenada a pagar um valor que não autorizou, a uma pessoa que não tinha qualquer legitimidade para estar a ocupar a sua casa e que fez as obras por vontade própria.

10.ª - Não tendo a Recorrida qualquer interesse nas obras realizadas, aliás, o Tribunal a quo manifestou ainda a desproporcionalidade entre valor de renda que era pago e o valor das obras, as quais não poderiam em momento algum ser suportadas pela Recorrida, atendendo à não rentabilidade económica que a Recorrida não retirava do locado.    

         Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objecto do recurso

Face ao teor das conclusões recursórias da apelante, em função das quais se delimita o objecto do recurso, as únicas questões a resolver consistem em saber, face à factualidade provada:  

a) – se é juridicamente sustentada a condenação da R. no pagamento da  indemnização arbitrada à A.;

b) – se ocorre fundamento legal para julgar procedente a reconvenção.   

III – Fundamentação

1. Factualidade dada provada com provada em 1.ª Instância

Vem dada como provada pela 1.ª Instância a seguinte factualidade, que aqui importa reordenar para melhor compreensão do acervo fáctico relevante[1]:    

1.1. Encontra-se inscrito a favor da A. na Conservatória do Registo Predial de …, freguesia do…, pela Ap. ……./01/27, a fracção autónoma designada pela letra “O”, correspondente ao 5.º andar direito do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na Rua …, n.º …, em…, descrita sob o n.º … e inscrita na matriz sob o artigo … - alínea A) dos factos assentes;

1.2. A referida fracção é constituída por 3 assoalhadas, cozinha e casa de banho e o prédio é servido por dois elevadores - alínea G) dos factos assentes

1.3. Em data não concretamente apurada, mas anterior a 01/08/2009, a A. declarou ceder o gozo da fracção aludida em A), com destino a habitação, a AR, mediante o pagamento de quantia certa que, em 2009, era de € 48,08, tendo este aceite o arrendamento - alínea B) dos factos assentes;

1.4. A R. contraiu casamento com AFR no dia 19 de Novembro de 20… - alínea E) dos factos assentes;

1.5. AFR faleceu no dia 26 de Novembro de 20…, no estado civil de casado com a R. - alínea F) dos factos assentes;

1.6. Após o referido casamento, AFR mudou-se para a residência da R. sita na …, …, …– resposta ao art.º 2.º da base instrutória;

1.7. Tendo passado ambos ali a dormir e a tomar as refeições – resposta ao art.º 3.º da base instrutória;

1.8. A receber a correspondência e os amigos – resposta ao art.º 4.º da base instrutória;

1.9. A situação aludida em 1.7 e 1.8 manteve-se até ao falecimento de AFR – resposta ao art.º 5.º da base instrutória;

1.10. Em virtude de a fracção apresentar infiltrações provenientes da cobertura do prédio surgiram em parte do tecto e das paredes manchas, bolor e empolamento – resposta ao art.º 8.º da base instrutória;

1.11. Em virtude disso, verificou-se o desprendimento de parte do revestimento do tecto e de parte do revestimento de algumas paredes da fracção – resposta ao art.º 9.º da base instrutória;

1.12. Nos dias de maior pluviosidade era necessário colocar recipientes numa assoalhada de forma a conter a água infiltrada – resposta ao art.º 10.º da base instrutória;

1.13. Em virtude das infiltrações, o pavimento da fracção apresenta manchas e soltou-se em parte – resposta ao art.º 11.º da base instrutória

1.14. AFR enviou à A. a carta que se encontra junta a fls. 69, datada de 8 de Maio de 20…, com o seguinte teor:

“… Na qualidade de locatário da fracção correspondente ao 5.º andar direito do prédio urbano n.º 55 sito na Rua …, …., comunico a V. Ex.ª, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea h) do art.º 1038.º do Código Civil, a situação de degradação em que se encontra um dos quartos, bem como parte da varanda da referida fracção, por via de consideráveis infiltrações de águas pluviais provenientes da cobertura (terraço/telhado) afectando, por isso, a habitabilidade da fracção e danificando o respectivo recheio, provocando prejuízos susceptíveis de indemnização.

Parte do tecto e das paredes apresentam, para além de manchas, bolor, empolamento, e eflorescência, desprendimento do respectivo revestimento. Tal situação foi já por diversas vezes evidenciada e comunicada ao administrador do condomínio - Sr. H - tendo o mesmo presenciado a necessidade de utilização em dias de chuva de recipientes para conter a água infiltrada.

As reparações que se afiguram necessárias são da responsabilidade do senhorio...”.

- alínea I) dos factos assentes;

1.15. AFR enviou à A. a carta que se encontra junta a fls. 71, datada de 11 de Maio de 20…, com o seguinte teor: 

“... Assunto: Infiltrações de águas pluviais provenientes do terraço de cobertura do prédio Em referência ao arrendamento do 5.º andar direito do prédio sito na R. …, n.º 55, cumpre comunicar, ao abrigo do disposto na alínea h) do artigo 1038.º do Código Civil, continuarem a verificar-se infiltrações de águas pluviais provenientes do terraço (evento efectivamente verificado no início do mês de Abril do corrente ano), em especial numa das divisões do locado (onde a entrada de águas pluviais se realiza de forma directa), com desapego dos materiais de revestimento interno das paredes e tecto, afectando consideravelmente a sua habitabilidade...”.

- alínea J) dos factos assentes com a rectificação da data para 2006, feita no despacho constante da acta de 04-11-2011;

1.16. Em 25 de Setembro de 1997, o Exm.º Advogado Dr. LR, na qualidade de mandatário do falecido AFR, enviou à então proprietária da fracção a carta cuja cópia se encontra junta a fls 66, da qual consta:

“… Conforme é do conhecimento de V. Exªs, a fracção habitada pelo arrendatário carece, em algumas dependências, de obras de reparação, por via de infiltrações de águas provenientes da cobertura do prédio, destinadas a manter a fracção nas condições requeridas pelo fim do contrato e existentes à data da sua celebração…”.

resposta ao art.º 16.º da base instrutória;

1.17. A R. enviou à A. a carta cuja cópia se encontra junta a fls. 31, datada de 24 de Fevereiro de 20…, acompanhada da certidão de casamento de fls. 32, com o seguinte teor:

   “ (...) Assunto:

   Arrendamento do 5.º andar direito do prédio sito na R. …, n.º …, Lisboa. Óbito do inquilino. Transmissão por morte

   I – Em referência ao arrendamento do 5.º andar direito do prédio sito na R. AF, n.º …, Lisboa, cumpre comunicar, com observância do prazo constante do n.º 1 do artigo 1107.º do Código Civil, adiante designado por CC, preceito reposto pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, o óbito do inquilino AFR, verificado em 26-11-2009.

   Atendendo ao facto da ora signatária ter sido casada com o falecido e com ela ter vivido em economia comum (cfr. doc. anexo), afigura-se assistir o direito de transmissão do arrendamento, nos termos do disposto no artigo 1106º do CC.

   Foram liquidadas, em 09-12-2009 e 08-01-2010, respectivamente, as importâncias das rendas referentes aos meses de Janeiro e Fevereiro.

   Solicita-se a V. Ex.ª se digne transmitir a sua posição na matéria, bem como informação do montante da renda a liquidar.

   II – Informa-se, na sequência de anteriores comunicações de igual teor do falecido arrendatário, continuarem a verificar-se infiltrações de águas pluviais provenientes do terraço, em especial numa das divisões do locado (onde a entrada de águas pluviais se realiza de forma directa), com desapego dos materiais de revestimento interno das paredes e tecto, afectando consideravelmente a sua habitabilidade) ”.

- alínea C) dos factos assentes;

1.18. A A. enviou à R. para a morada correspondente à Calçada …, lote … …direito, a carta que se encontra junta a fls. 34, datada de 12 de Março de 2010, a qual foi recebida pela mesma, com o seguinte teor:

   “ (…) Exma Senhora,

  Venho por este meio acusar a recepção da sua carta datada de 24 de Fevereiro de 2010, pela qual me comunica o falecimento do transmissário, o Sr. AFR, do arrendamento sito na Rua AF, n.º …, 5.º Dt.º, em …e desde já apresento os meus cumprimentos.

   No entanto, não lhe reconheço o direito à transmissão do arrendamento, pelo que considero que o contrato de arrendamento supra identificado caducou por morte do inquilino…., pelo que se interpela V. Exa a entregar o imóvel devoluto de pessoas e bens e respectivas chaves, no prazo máximo de 6 meses após o falecimento do inquilino, ou seja, até 25 de Maio de 2010, …”.

- alínea D) dos factos assentes;

1.19. Pela Ap. … de …/06/28, encontra-se inscrita a favor de LRF e PRF, por doação efectuada pela R., a fracção autónoma identificada pela letra J, correspondente ao 4.º andar direito do prédio urbano sito na …, lote…, …, …, descrita na respectiva Conservatória do Registo Predial sob o n.º …. - alínea H) dos factos assentes;  

         1.20. Em virtude do que consta nos pontos 1.10 a 1.13, correspondentes às respostas aos artigos 8.º a 11.º da base instrutória, a R., em data não concretamente apurada do ano de 2010, mandou proceder:

a) - à remodelação das janelas, das portas, dos armários e do rodapé;

b) - à pintura das janelas, portas, armários e rodapés;

c) - à remoção do papel de parede de toda a fracção e à pintura de todas as paredes;

d) - ao levantamento da alcatifa;

e) - ao afagamento e envernizamento do chão da fracção;

f) - à limpeza do algeroz e

g) - à reparação da instalação eléctrica da fracção.

resposta ao art.º 17.º da base instrutória;

1.21. Na realização das referidas obras, a R. despendeu a quantia de € 6.030,00 – resposta ao art.º 18.º da base instrutória.

2. Factos dados como não provados

 

Foram dados como não provados os seguintes factos:

2.1. Caso a R. não se encontrasse a ocupar a fracção, a A. obteria pela cedência do gozo da mesma a quantia mensal de € 500,00 – resposta negativa ao art.º 1.º da base instrutória;  

2.2. Após o casamento aludido em E), o falecido AFR, juntamente com a R., continuou a dormir e a tomar as refeições na fracção aludida em A) – resposta negativa ao art.º 6.º da base instrutória;  

2.3. Sendo ali que recebia a correspondência e os amigos – resposta negativa ao art.º 7.º da base instrutória;   

2.4. Em consequência do que consta dos artigos 8.º a 11.º, quando chovia o falecido e a R. não podiam permanecer na fracção aludida em A) – resposta negativa ao art.º 12.º da base instrutória;  

2.5. E tinham que pernoitar e tomar as refeições na fracção referida em H) – resposta negativa ao art.º 13.º da base instrutória;  

2.6. Em virtude do que consta dos artigos 8.º a 11.º, a R., após o falecimento de AFR, teve que passar a pernoitar e a tomar as refeições na fracção aludida em H) – resposta negativa ao art.º 14.º da base instrutória;  

2.7. Bem como a receber aí familiares e amigos – resposta negativa ao art.º 15.º da base instrutória.

3. Do mérito do recurso

3.1. Enquadramento preliminar

Estamos no âmbito de uma acção fundada tanto na caducidade do contrato de arrendamento urbano acima identificado, por morte do arrendatário, como na falta de residência permanente no locado.

Complementarmente, a A. deduziu uma pretensão indemnizatória pelos prejuízos causados pela privação do locado em quantia correspondente a € 500,00 mensais a contar de 25/05/2010 até efectiva restituição do andar, acrescida de juros de mora desde a citação da R.

Por sua vez, a R. formulou pedido reconvencional a pedir a condenação da A./reconvinda a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao orçamento das obras por ela realizadas no arrendado.

A sentença recorrida julgou a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção, tendo declarado a caducidade do mencionado contrato, por óbito do arrendatário, condenando a R. a entregar o andar à A. e a pagar-lhe, a título de indemnização pelos prejuízos causados, o valor mensal correspondente ao dobro da renda fixada para o ano de 2009 (ano do óbito do arrendatário), a contar de 25/05/2010 até efectiva restituição do locado, acrescido de juros de mora desde a citação da R..

A R., ora apelante, conformou-se com a decisão no que respeita à declaração de caducidade e à sua condenação na entrega do locado, mas impugnou tanto o segmento decisório que a condenou na referida indemnização como o que absolveu a A. da reconvenção, sustentando a sua absolvição do pedido e a condenação da A. na pretensão reconvencional.

3.2. Quanto à pretensão indemnizatória em que a R. vem condenada 

No que respeita à pretensão referida em epígrafe, o tribunal a quo condenou a R. a pagar à A., a título de indemnização pelos prejuízos causados, o valor mensal correspondente ao dobro da renda fixada para o ano de 2009 (ano do óbito do arrendatário), a contar de 25/05/2010 até efectiva restituição do andar à A., acrescido de juros de mora desde a citação da R..

Para tanto, considerou o mesmo tribunal que:  

“Do rendimento que a A deixou de auferir com a ocupação por parte da R desde 25-5-2010, data em que se completavam os 6 meses sobre o facto extintivo do contrato.

Não logrou a A. a prova do rendimento que extrairia do locado, contudo por via do que vai previsto no art. 1044/2 do Código Civil é lhe devida uma indemnização pelo tempo de ocupação indevida, a saber desde aquela data até à entrega efectiva do locado á razão do dobro do valor da renda, à data de 2009, ano do óbito do arrendatário, a que acrescem juros de mora.

Nos termos do art. 806, do Código Civil, na obrigação pecuniária, como no caso presente, a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora.

No caso em apreço e como acima já se deixou dito, a ré constituiu-se em mora a partir da data da interpelação para a entrega do imóvel ao cabo de 6 meses com data indicada de 25-5-2010 o que não foi contestado.

Assim, o pedido de juros de mora formulado pelos autores procede, sendo que a taxa de juro a aplicar será a civil, nos termos do disposto no art. 559 do Código Civil, e Portarias e Avisos respectivos.”

Sustenta, no entanto, a apelante que o direito ao locado se reconduz a um direito controvertido e submetido a apreciação judicial do tribunal e que o valor da renda em dobro, quanto muito, poderia ser aplicado desde a prolação da sentença, o que nem assim concede.

Vejamos.

Segundo o artigo 1038.º, alínea i), do CC, o locatário é obrigado a restituir a coisa locada quando finde o contrato.

E o artigo 1045.º do mesmo Código estabelece que:

1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, exceto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.

2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.

         Assim, uma vez findo o contrato, o senhorio tem logo direito a exigir do arrendatário uma indemnização pecuniária equivalente à renda estipulada, desde a data da cessação daquele até à restituição efectiva do locado. Porém, se o arrendatário entrar em mora quanto à obrigação de restituir o arrendado, essa indemnização é elevada para o dobro, o que constitui um desvio ao regime geral da indemnização moratória das obrigações pecuniárias prevista no art.º 806.º, n.º 1 e 2, do CC. Num e noutro caso, trata-se de uma indemnização a forfait para compensar o credor dos prejuízos causados pelo atraso na realização da prestação devida.

         No caso vertente, está assente que ocorreu a caducidade do contrato por morte do arrendatário, ocorrida em …/…/2009 (ponto 1.5 da factualidade acima consignada), nos termos da alínea d) do artigo 1051.º do CC, não se tendo verificado a transmissão do arrendamento para o cônjuge daquele, a ora R.. E, conforme o preceituado no art.º 1053.º do mesmo Código, a restituição do prédio, nesses casos, só pode ser exigida passados seis meses sobre a verificação do facto que a determinou.  

Sucede que a R. não foi demandada nem figura como arrendatária, pelo que a obrigação de entregar a coisa, por parte dela, não emerge propriamente do contrato de arrendamento em referência, mas sim da situação de detenção ilícita em que se encontra perante o direito de sequela do proprietário, nos termos do art.º 1311.º do CC.

Nessa medida, também a R. responde pelos prejuízos causados ao proprietário da coisa em virtude dessa detenção, em sede do regime geral da responsabilidade civil extracontratual, nos termos dos artigos 483.º e seguintes do CC.

         Ora, da factualidade provada colhe-se que:

a) – A fracção em causa se encontra inscrita a favor da A. na Conservatória do Registo Predial de…, freguesia do …, desde 27/01/19… - ponto 1.1;

b) - A referida fracção é constituída por 3 assoalhadas, cozinha e casa de banho e o prédio é servido por dois elevadores – ponto 1.2

c) – Em 2009, a renda mensal paga pelo arrendatário era no valor de € 48,08 – ponto 1.3;

d) - O arrendatário AFR faleceu no dia …/2009, no estado civil de casado com a R. – ponto 1.5;

e) - A A. enviou à R. a carta que se encontra junta a fls. 34, datada de 12/03/2010, a qual foi recebida pela mesma, com o seguinte teor:

   “ (…) Exma Senhora:

   Venho por este meio acusar a recepção da sua carta datada de 24 de Fevereiro de 2010, pela qual me comunica o falecimento do transmissário, o Sr. AFR, do arrendamento sito na Rua …, n.º … 5.º Dt.º, em Lisboa e desde já apresento os meus cumprimentos.

No entanto, não lhe reconheço o direito à transmissão do arrendamento, pelo que considero que o contrato de arrendamento supra identificado caducou por morte do inquilino AFR, pelo que se interpela V. Exa a entregar o imóvel devoluto de pessoas e bens e respectivas chaves, no prazo máximo de 6 meses após o falecimento do inquilino, ou seja, até ….  de 2010, …”.

- ponto 1.18 dos factos provados.

Deste factualismo decorre que a R. entrou em mora quanto à obrigação de entregar a fracção à A., pelo menos desde …./2010, termo do prazo que lhe foi estabelecido pela mesma A. por via da interpelação feita através da carta de 12/03/2010, comportamento que não pode deixar de lhe ser imputável a título de culpa, à luz das regras da experiência comum. E contra isso não parece proceder o argumento deduzido pela apelante de que se estaria perante um direito litigioso, uma vez que dos factos provados resulta que à R. não assistia qualquer fundamento legal para continuar na detenção do locado.

Resta, pois, saber, qual o valor do prejuízo a ter em conta para efeitos de indemnização.

Ora, no que aqui releva, segundo o art.º 562.º do CC “quem estiver obrigado a reparar o dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”. E nos termos do art.º 563.º do mesmo diploma, a que está subjacente a teoria da causalidade adequada, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”. Por fim, o artigo 564.º, n.º 1, prescreve que “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.”

No caso vertente, não se provou que, caso a R. não se encontrasse a ocupar a fracção, a A. obteria pela cedência do gozo da mesma a quantia mensal de € 500,00, conforme a resposta negativa ao art.º 1.º da base instrutória.

No entanto, o que é certo é que, em virtude da caducidade por morte do arrendatário, o senhorio teria direito, no âmbito do contrato de arrendamento findo, a uma indemnização correspondente ao valor da renda, acrescido do dobro, em caso de mora, até à entrega efectiva do locado, nos ter-mos do já citado art.º 1045.º do CC.

Parece, pois, perante a situação de mora da R., a privação do locado por parte da A. não poderá deixar de corresponder, pelo menos, àquele valor a que teria direito pela caducidade do contrato, para mais tendo em conta o exíguo valor da renda de € 48.08.

Porém, dado que, naquele valor já está incluída a indemnização moratória equivalente ao dobro da renda, não faz sentido aplicar-lhe ainda os juros de mora do regime geral previsto no art.º 806.º do CC.

Em suma, pelo atraso verificado na entrega da coisa imputável à R., deve esta ser condenada a pagar à A., a título de responsabilidade extracontratual, uma indemnização correspondente ao dobro da renda mensal de € 48.08, desde 25/05/2010 até à entrega efectiva da fracção, mas sem direito aos juros de mora em que vem condenada. 

3.3. Quanto à pretensão reconvencional

Vem a A. absolvida da pretensão reconvencional indemnizatória deduzida pela R. no montante correspondente ao orçamento das obras por ela realizadas no arrendado.

Para tanto, considerou-se, além do mais que:

“Tendo a R levado a cabo as obras no locado necessariamente após o óbito do arrendatário, ou seja em data não apurada de 2010, o pedido de reembolso à A. tem a nosso ver de ser entendido como abuso de direito, considerando o valor da renda do locado para o último ano de arrendamento válido ou seja em vida do arrendatário (vide al. B9 dos Factos Assentes).

De onde se conclui que as obras que a R pretende sejam custeadas pela A, não só correu por sua livre vontade numa data em que não era legitima a sua fruição do locado, dado o óbito do arrendatário e a falta de prova de residência permanente no locado (pelo que o direito não se transmitira por morte) bem como o custo das alegadas obras e encontram em manifesta desproporção com o rendimento proporcionado pelo locado.”

Sustenta, no entanto, a apelante que:

- a sentença recorrida enferma de contradição insanável, ao considerar caducado o contrato de arrendamento, uma vez que a recorrente não viveria em permanência no locado, mas encontra-se provado o estado lastimável e inabitável do locado antes das obras efectuadas a expensas da R. no valor de € 6.030,00, o que impossibilitava antes da sua realização que alguém vivesse no locado;

- Ou seja condena-se a R. na caducidade do contrato de arrendamento porque não viveria no locado, mas reconhece-se que o mesmo não se encontrava habitável antes das obras, cuja responsabilidade era da Recorrida;

- Por essa razão a Recorrida deve pagar à recorrente o montante de € 6.030,00, a que acrescem juros de mora.

         Vejamos.

Da factualidade provada colhe-se que: 

   (i) - Em virtude de a fracção apresentar infiltrações provenientes da cobertura do prédio surgiram em parte do tecto e das paredes manchas, bolor e empolamento – ponto 1.10;

   (ii) - Em virtude disso, verificou-se o desprendimento de parte do revestimento do tecto e de parte do revestimento de algumas paredes da fracção – ponto 1.11;

   (iii) - Nos dias de maior pluviosidade era necessário colocar recipientes numa assoalhada de forma a conter a água infiltrada – ponto 1.12;

   (iv) - Em virtude das infiltrações, o pavimento da fracção apresenta manchas e soltou-se em parte – ponto 1.13

   (v) - AFR enviou à A. a carta que se encontra junta a fls. 69, datada de 8 de Maio de 2001, com o seguinte teor:

“… Na qualidade de locatário da fracção correspondente ao 5.º andar direito do prédio urbano n.º … sito na Rua …, …, comunico a V. Ex.ª, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea h) do art.º 1038.º do Código Civil, a situação de degradação em que se encontra um dos quartos, bem como parte da varanda da referida fracção, por via de consideráveis infiltrações de águas pluviais provenientes da cobertura (terraço/telhado) afectando, por isso, a habitabilidade da fracção e danificando o respectivo recheio, provocando prejuízos susceptíveis de indemnização.

Parte do tecto e das paredes apresentam, para além de manchas, bolor, empolamento, e eflorescência, desprendimento do respectivo revestimento. Tal situação foi já por diversas vezes evidenciada e comunicada ao administrador do condomínio - Sr. H - tendo o mesmo presenciado a necessidade de utilização em dias de chuva de recipientes para conter a água infiltrada.

As reparações que se afiguram necessárias são da responsabilidade do senhorio...”.

- ponto 1.14;

(vi) - AFR enviou à A. a carta que se encontra junta a fls. 71, datada de 11/05/2006, com o seguinte teor: 

“... Assunto: Infiltrações de águas pluviais provenientes do terraço de cobertura do prédio Em referência ao arrendamento do 5.º andar direito do prédio sito na R. A.F., n.º …, cumpre comunicar, ao abrigo do disposto na alínea h) do artigo 1038.º do Código Civil, continuarem a verificar-se infiltrações de águas pluviais provenientes do terraço (evento efectivamente verificado no início do mês de Abril do corrente ano), em especial numa das divisões do locado (onde a entrada de águas pluviais se realiza de forma directa), com desapego dos materiais de revestimento interno das paredes e tecto, afectando consideravelmente a sua habitabilidade...”.

- ponto 1.15;

(vii) - Em virtude do que consta nos pontos 1.10 a 1.13, a R., em data não concretamente apurada do ano de 2010, mandou proceder: a) - à remodelação das janelas, das portas, dos armários e do rodapé; b) - à pintura das janelas, portas, armários e rodapés; c) - à remoção do papel de parede de toda a fracção e à pintura de todas as paredes; d) - ao levantamento da alcatifa; e) - ao afagamento e envernizamento do chão da fracção; f) - à limpeza do algeroz e à reparação da instalação eléctrica da fracção – ponto 1.20;

(viii) – A realização das referidas obras, a R. despendeu a quantia de € 6.030,00 – ponto 1.21.

Deste acervo factual extrai-se que foi a R. quem, no ano de 2010, já depois da morte do arrendatário, ocorrida em …/2009, procedeu à realização das obras no arrendado, descritas em (vii), as quais tiveram em vista prover aos estragos causados pelas infiltrações descritas de (i) a (iv).

Dispõe o artigo 216.º do CC que:

1. Consideram-se benfeitorias todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa.

            2. As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias.

   3. São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para recreio do benfeitorizante.        

Sucede que as obras descritas em (vii) se destinaram a prover aos estragos provocados pelas infiltrações referidas de (i) a (iv), sendo de considerá-las, à luz dos referidos critérios legais, como benfeitorias necessárias.

Dispõe o art.º 1273.º do CC que:

1. Tanto o possuidor de boa-fé como o de má-fé têm direito a ser indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim a levantar as benfeitorias úteis realizadas na coisa, desde que o possam fazer sem detrimento dela.

2. Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao levantamento das benfeitorias, satisfará o titular do direito ao possuidor o valor delas, calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa.   

Ora, a R. efectuou tais obras quando detinha ilicitamente a fracção, desconhecendo-se se antes ou depois de interpelada pela A. para entregar a fracção até 25/05/2010, presumindo-se, no entanto, uma detenção de má fé, nos termos do art.º 1260.º, n.º 2, 2.ª parte, do CC.

Todavia, segundo os ensinamentos de Pires de Lima e Antunes Varela[2], “o artigo 1273.º só se aplica, de modo directo, à posse propriamente dita, e não à mera detenção ou posse precária”, embora a lei o manda ainda aplicar, por equiparação, a vários outros casos, como sucede no caso do credor pignoratício (art.º 670.º, alínea b, do CC), do locatário em geral (art.º 1046.º CC), do arrendatário urbano, para compensação das obras licitamente feitas, salvo estipulação em contrário (art.º 1074.º, n.º 5, CC), e do comodatário (art.º 1138.º, n.º 1, CC).

Acontece que o arrendatário já tinha falecido em …/2009 e que, como se provou, a R. não tinha direito à transmissão no arrendamento, pelo que, após a morte daquele arrendatário, ela passou a exercer uma detenção ilícita sobre o locado, a qual não se traduz numa situação possessória propriamente dita nem em qualquer das situações de detenção lícita a que a lei manda aplicar, por equiparação, o disposto no artigo 1273.º do CC.   

Tanto bastaria para não lhe reconhecer o direito a ser indemnizada pelas benfeitorias realizadas.

Acresce que, nas referidas circunstâncias, não era sequer legítimo à R. realizar as referidas obras, sabendo que o mais provável seria a A. lhe exigir a entrega do locado, como, aliás, veio a ocorrer, tanto mais que a mesma R. tinha a sua residência na …, lote …, …, …,….        

         Por outro lado, face à renda estabelecida no montante exíguo de € 48.08, o valor de tais obras sempre seria desproporcionado em relação ao rendimento que o senhorio retirava do arrendamento.

         Assim, mesmo a considerar que tal detenção lhe pudesse conferir, formalmente, o direito à indemnização pelas benfeitorias realizadas, o exercício desse direito, em tais circunstâncias, seria claramente abusivo, tal como se considerou na sentença recorrida, nos termos do art.º 334.º do CC.

         IV - Decisão

Por todo o exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar parcialmente procedente a apelação, alterando a sentença recorrida no sentido de condenar a R. a pagar à A., a título de responsabilidade extracontratual, apenas uma indemnização equivalente ao dobro da renda mensal de € 48,08, ou seja de € 96,16 (noventa e seis euros e dezasseis cêntimos) por cada mês, desde 25/05/2010 até à efectiva entrega da fracção, sem acréscimo de juros moratórios, confirmando-se, no mais, a sentença recorrida. 

As custas da acção e do recurso ficam a cargo das partes na proporção dos respectivos decaimentos, sem prejuízo da dispensa do seu pagamento, por parte da R./apelante, em virtude do benefício de apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 17 de Junho de 2014

Manuel Tomé Soares Gomes

Maria do Rosário Oliveira Morgado   

   Rosa Maria Ribeiro Coelho


[1] Perante a constatada enunciação dos factos provados pela 1.ª Instância, não se pode aqui deixar de criticar o método, aliás frequente, de sequenciar os mesmos, sem a preocupação de os reordenar lógica e cronologicamente, na sentença, sabido como é que o seu parcelamento, em sede do despacho de condensação, por decorrência do ónus de impugnação, os desloca dos nichos contextuais em que foram alegados pelas partes e que, por isso, devem ser reconduzidos à sua ordenação primitiva, sob pena de prejudicar a sua coerência semântica, podendo mesmo conduzir a leituras erróneas e dificultando a própria reapreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso.     
[2] In Código Civil Anotado, Vol. III, Coimbra Editora, 2.ª Edição (reimpressão), 1987, pag. 44.