Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
6240/05.9TVLSB.L1-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: CONTRATO DE FRANQUIA
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
EFEITOS
INDEMNIZAÇÃO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/10/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMAR A DECISÃO
Sumário: O contrato de franquia é um contrato duradouro, de execução continuada e atípico, isto é, sem regulamentação específica no quadro normativo interno, que, por isso, se rege pelas normas do Código Civil que consagrem regras gerais, bem como, por analogia, sendo caso disso, pelas normas reguladoras de outros contratos, designadamente do contrato de agência.
A resolução é um meio de extinção do vínculo contratual, por declaração unilateral, informal, mas receptícia, condicionada, em regra, por um fundamento legal ou convencional (art. 432º, CC).
Se a resolução for invocada sem que se encontrem preenchidos os respectivos pressupostos, estar-se-á perante uma resolução ilícita, a qual, apesar disso, não é inválida, pelo que, mesmo injustificada, produz os seus efeitos: determina a cessação do vínculo.
A contraparte pode, contudo, impugnar (judicialmente) os fundamentos da resolução, cabendo então ao tribunal apreciar a justificação invocada e decidir se a relação contratual subsiste, ainda que a resolução seja ilícita.
Em qualquer dos casos, a resolução, embora ilícita, determina, em princípio, a obrigação de indemnizar os prejuízos causados à contraparte.
Em princípio, a resolução tem eficácia retroactiva, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução (art. 434º, nº 1, do CC).
Porém, nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas (art. 434º, nº 2, CC). Quer dizer: quanto a estes contratos, a resolução, em regra, só produz efeitos para o futuro.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa


1. “P SA”, instaurou acção declarativa de condenação, com forma ordinária, contra “M Lda.”, pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 193.422,91, acrescida de juros de mora, à taxa contratual de 9,01%.

Alega, em síntese, que celebrou com a R. um contrato de franquia, no âmbito do qual a autora forneceu à ré diversos produtos, no montante de € 182.134,68, que esta não pagou. Por outro lado, também não lhe pagou “royalties”, devidos nos termos contratuais,  no montante de € 2.399,12; além disso, não lhe devolveu € 2.142,00, que a autora indevidamente lhe creditou.

Face ao não pagamento daquelas quantias, a autora, por carta de 4/10/2005, interpelou a ré para pagar, o que esta não fez, pelo que, em 25/11/05, resolveu o contrato por carta registada com A/R.

2. A ré contestou, alegando que a autora incumpriu o contrato de franquia, razão pela qual resolveu o contrato celebrado com a autora, por carta registada de 17/10/2005, e, em reconvenção, pede:

- A dedução ao pedido de € 120.570,00, valor dos bens arrestados;

Caso assim se não entenda,  pede:

- A condenação da autora na indemnização correspondente aos danos sofridos, por não ter podido vender oportunamente os bens objecto do arresto, no valor de €120.570,00;

- Em todo caso, e além disso, a condenação da autora a suportar os custos do investimento feitos pela ré, com o contrato de franquia, no montante de € 116. 132,98;
- A condenação da autora a suportar os prejuízos de exploração acumulados no montante de € 135.856,00;
- A condenação da autora a pagar uma indemnização de € 200. 000,00, pelos danos não patrimoniais sofridos pela ré.

Alega, em síntese, que tem direito a receber os valores que não teria gasto, caso não tivesse celebrado o contrato, sendo € 55.000,00 de direitos de entrada, € 12.685,69 de despesa de publicidade, € 39.439,56 em mobiliário, que adquiriu, € 9.007,73, em obras, € 6.927,98, em «royalties» e € 135.856,00 em despesas de funcionamento. Para além disso, sofreu danos na sua imagem comercial que computa em € 200.000,00.

3.  A A. replicou.

4. A final, realizado o julgamento, foi proferida sentença que:

- Julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré a pagar à autora as quantias peticionadas de € 182.134,68  e de  € 2.399,12, acrescidas de juros de mora, vencidos desde a instauração da acção e vincendos até integral pagamento, às taxas que resultam da aplicação da Portaria nº 597/05, de 19/7;

- Julgando a reconvenção improcedente, absolveu a autora do pedido reconvencional.

5. Inconformada, apela a ré, a qual, em conclusão, diz:

I – O tribunal a quo julgou incorrectamente a matéria de facto fazendo, ainda, um errado enquadramento jurídico dos efeitos da resolução operada pela ré/recorrente.

II – Deveriam ter sido considerados como integralmente provados os factos enunciados nos quesitos n. °s 6°, 8°, 9°, 10º, 10°-A, 12°, 15°, 16°, 18°, 19°, 20, 21°, 22°, 24°, 29°, 31°, 32°, 33°, 34°, 35° e 36° da base instrutória.

III – As respostas aos pontos de factos acima referidos são suportados pelos depoimentos das testemunhas M, MR e O.

IV – A recorrida incumpriu totalmente o contrato de franquia que celebrou com a recorrente.

V – A recorrente estava confiante, ao celebrar o contrato de, franquia que iria ter sucesso, baseando-se, para tanto, no modelo de negócio que lhe foi apresentado pela recorrida.

VI – Assumiu-se publicamente em V, em inaugurações e publicidade, como uma empresa que iria representar, em exclusividade, os produtos F, que teriam os preços mais baixos da concorrência.

VII – A execução desse contrato nunca chegou a ocorrer, tendo, por causa dele, ocorrido fornecimentos de produtos de papelaria generalistas e de outra marca, que não F, a mais das vezes com atrasos e/ou defeitos que levavam à desistência de encomendas e perda de clientes.

VIII – Para além de nunca ter executado o contrato de franquia, a recorrida concorreu directamente com a ré e permitiu que um terceiro, seu representante, vendesse a particulares e empresas não retalhistas produtos semelhantes aos que fornecia à ré.

IX – A loja, sua apresentação e mensagem transmitida ao público em nada correspondiam com os produtos e preços dos mesmos, daí que tenha sido prometido uma solução de passagem para a insígnia “P”, que nunca veio a ser cumprida.

X – A própria recorrida teve graves problemas com as lojas “F” que explorava directamente, tendo mesmo reclamado uma indemnização de largos milhões de euros à “F International”, com a qual firmou um contrato de franquia principal, argumentando diversas situações semelhantes às que fazem parte da causa de pedir do pedido reconvencional deduzido nestes autos, pela recorrente.

XI – Por causa do contrato e do seu incumprimento total e absoluto, a recorrente acumulou prejuízos de cerca de € 135.000,00.

XII – As testemunhas da ré depuseram com verdade e a testemunha J deveria ter sido menos valorada pelo tribunal a quo.

XIII – O contrato celebrado entre recorrente e recorrida é um contrato de franquia e a resolução do mesmo operada pela recorrente, contrariamente ao afirmado pelo Tribunal a quo, tem que produzir efeitos retroactivos. Deve, por isso, proceder-se à devolução das verbas pagas pela recorrente, a título de direito de entrada, usufruto e royalties, pois tais pagamentos, apesar de únicos, visavam uma execução duradoura.

XIV – Da carta de resolução enviada pela ré à autora (documento nº 17, do apenso de arresto) resulta, à imagem dos factos provados e a considerar provados pelo Tribunal, uma total inexecução do contrato, pelos motivos nela mencionados, imputável à recorrida, tendo a recorrente, perante tal incumprimento definitivo, optado pela resolução contratual.

XV – Os pagamentos (mencionados na anterior conclusão XIII) efectuados pela recorrente nunca foram contra-prestados pela recorrida, dado pressuporem uma prestação duradoura por banda da contraparte que deveria executar ao longo do tempo o contrato de franquia outorgado, assim se sujeitando ao cumprimento das obrigações que sobre si impendiam, o que aquela nunca fez, assim assistindo o direito à respectiva devolução.

XVI – O artigo 801º, n° 2, do CC confere ao credor o direito de resolução e de exigir a prestação já realizada, assim permitindo ao credor exigir tudo o que ainda não tenha sido contraprestado pelo devedor.

XVII – O artigo 432°, n° 2, do CC permite que a resolução abranja as prestações já efectuadas, caso entre estas e a causa da resolução exista um vínculo que as legitime. No caso, a causa de resolução invocada e demonstrada é o incumprimento total do contrato de franquia, nenhuma razão subsistindo para não ser ordenada a devolução das prestações realizadas pela recorrente, excluindo as resultantes dos fornecimentos (que ocorrerem por causa do contrato), por a finalidade da resolução o não justificar e pelo facto de se encontrarem devidamente saldados, sendo a sua restituição em espécie impossível.

XVIII – O recheio arrestado, porque ainda não pago, deve ser devolvido à recorrente e o seu valor deduzido na dívida.

XIX – À recorrente assiste o direito a ser indemnizada com vista a repor o prejuízo que não teria tido, se não tivesse celebrado o contrato (vulgo dano contratual negativo), o que compreende os gastos de € 12685,69, € 39.439,56 e € 9.007,73 tidos por força do contrato, os prejuízo patrimoniais acumulados no valor de €  133.856,00 e o valor de € 200.000,00, necessários para compensar o estado de total descrédito e deterioração de imagem com que a recorrida se viu confrontada.

XX – A tudo devendo ser deduzido o valor de € 59.165,56 em que a recorrente deverá ser condenada (resultado do valor em dívida conforme sentença recorrida, deduzido do valor do recheio a restituir).

6. Não foram apresentadas contra-alegações.

7. Colhidos os vistos, cumpre a apreciar e decidir.

8. É a seguinte a factualidade dada como provada na decisão recorrida:

A Autora exerce a actividade de produção, representação, armazenamento e comercialização de artigos escolares e de escritório. — (Alínea A) dos Factos Assentes, doravante FA).

No exercício da sua actividade a Autora celebrou com a ré um contrato, assinado em 02 de Março de 2005, mas em vigor desde Março de 2004. — (Al. B) dos FA).

Nesse contrato, a Autora invoca a qualidade de "Master Franchiser", para Portugal da rede internacional  “F Superstore…” que tem por objecto a comercialização de produtos e equipamentos de escritório, bem como de serviços e soluções para empresas, oferecendo uma ampla variedade de produtos e marcas de prestigio. Mais se invoca que:

…"A P é «Master Franchiser» para Portugal da rede internacional "F Superstore" que possui mais de 300 unidades em actividade em, pelo menos, 22 países, e tem como objecto a comercialização de produtos e equipamentos para escritório, bem como de serviços e soluções para empresas, oferecendo uma ampla variedade de produtos e marcas de prestigio"...

Do contrato, constam, com relevância, as seguintes cláusulas:

Cláusula 1ª:

“1 - Pelo presente contrato a “P”, na sua qualidade de detentora dos direitos exclusivos para Portugal do sistema de venda e distribuição de artigos de papelaria e escritório e afins sob imagem e marca "F Superstore", concede à “Master F” o direito de utilização exclusiva dos referidos sistema, imagem e marca no território definido, que consta no Anexo A ao presente documento e, em particular na loja sita na cidade de V, nela se compreendendo a denominação comercial, as insígnias, o logótipo, as siglas as combinações de cores e a sua arquitectura, assim como o "Know-how" específico do seu sistema de Franchising, dos seus métodos e técnicas de trabalho e dos seus produtos ...”

Cláusula 2ª:

“1 – A P obriga-se a prestar todo o apoio necessário ao lançamento e consolidação do sistema de venda e distribuição de artigos de papelaria e escritório sob a imagem e marca "F Superstore" e, designadamente:

a) Apoiar a “M”, assegurando a formação adequada dos quadros da “Me” a afectar à actividade e a informação necessária para uma correcta execução das suas obrigações e, designadamente, a aconselhar a constituição da gama do stock inicial de produtos;
b) Proceder à selecção, aquisição e montagem de todo o mobiliário e sinalética das lojas que, no âmbito deste contrato, a “M” se propõe abrir em V;
c) Fornecer os produtos do stock inicial bem como os necessários à sua regular reposição.

2- A “M” compromete-se a:

f) Adquirir à P e apenas a esta, o stock inicial de produtos das lojas "F Superstore" a abrir, bem como o stock subsequente.”

Cláusula 3ª:

“ – O fornecimento de encomendas será satisfeito com regularidade, assegurando-se a normal reposição de stocks, desde que recebida a encomenda com a antecedência mínima de 5 dias.”

Cláusula 4ª:

“1 – Em contrapartida do direito de utilização da marca "F Superstore", durante o período de vigência e nas condições previstas neste contrato, a “M” compromete-se a pagar à “P”:

a) A título de direito de entrada, o montante de € 15.000,00, pagos com a assinatura do presente contrato;

b) A título de «royalties» , e mensalmente, 4% das vendas líquidas;

c) Em contrapartida do direito de usufruto do mobiliário, estantaria e sinalética interior e exterior da loja, durante o período de vigência do presente contrato, o montante de  € 40.000,00, pagos 50% 30 dias após a abertura da loja e, os restantes 50%, pagos 120 dias após a abertura da mesma.

2 – Os pagamentos dos fornecimentos, tanto de produtos como de mobiliário e sinalética da loja, serão efectuados num prazo de 60 dias, após a sua facturação pela “PIC”.

3 – Os pagamentos de «royalties» serão efectuados até ao final do mês subsequente àquele a que respeitam.

4 – Se a “M” não efectuar pontualmente os pagamentos previstos, a “P” notificá-la-á, por carta registada com aviso de recepção, para que, no prazo de 30 dias, efectue o respectivo pagamento, acrescido de juros de mora, à taxa máxima legalmente prevista no momento do incumprimento.

5 — Findo este prazo, e decorridos 30 dias sem que a “M” tenha efectuado o respectivo pagamento, assiste à “P” o direito de resolver o presente contrato, sem que tal facto confira à “M” o direito a qualquer indemnização ou compensação, sem prejuízo de este ser responsável por todos os prejuízos decorrentes do incumprimento.

6 – O valor referente ao direito de entrada nunca será reembolsado, independentemente da forma de cessação que o presente contrato venha a assumir.

Cláusula 8ª:

1 – Em caso de violação de qualquer das cláusulas do presente contrato, a parte não faltosa goza do direito de rescisão unilateral do contrato, independentemente do direito a ser ressarcida dos danos e lucros cessantes resultantes de tal incumprimento.

2 – Sem prejuízo das circunstâncias já referidas que justificam a cessação do presente contrato, poderá ainda o mesmo ser resolvido imediatamente, por incumprimento contratual, quando se verificar alguma das seguintes circunstâncias:

a) Ser alguma das partes declarada falia ou ser objecto de processo de falência ou processo especial de recuperação de empresa tiver cessado os pagamentos, ou se a totalidade ou parte dos direitos transmitidos pelo presente contrato for penhorado, arrestado ou de qualquer forma retirado à sua disponibilidade no decurso de um processo judicial;

b) Ser a M advertida pela PIC do incumprimento da mesma obrigação, por três vezes, dependentemente de ter solucionado a falha.

3 – No caso de cessação do presente contrato, a “M obriga-se a devolver à “P” o equipamento e sinalética característicos e específicos do seu sistema de franchising, bem como toda a informação contida no sistema informático, devendo esta, posteriormente, compensar a M pelo valor contabilístico de tais bens, o qual nunca poderá ser superior ao do respectivo custo, deduzido das amortizações acumuladas entretanto operadas e corrigidas pela taxa de juro de referência. 

4 - A “M” renuncia, desde já, a qualquer indemnização de clientela a que pudesse ter direito.

Cláusula 10ª:

1 – Este contrato é válido por dez anos, podendo ser eventualmente renovado por períodos sucessivos de cinco anos.

..."Anexo A
Delimitação do território de exploração exclusiva
Códigos Postais    Localidades
3500 e 3510        V"... - (Al. C) dos FA)

Por carta de 04.10.05 a Autora, invocando a cláusula 4°, n° 4 do contrato mencionava que a dívida da Ré atinge € 183.813,81, dos quais se encontram vencidos € 149.647,70 e, concede à Ré um prazo de 30 dias para pagar, acrescido de juros de mora. – (Al. D) dos FA).


Por carta de 25.11.2005, a A. comunicou à Ré a resolução do contrato. – (Al. E) dos FA).

A Ré remeteu à Autora, que recebeu, a carta registada com A/R, datada de 17.10.2005, na qual declarava resolvido o contrato e pede a restituição de € 15.000,00 pagos a título de direitos de entrada, a restituição das «royalties» pagas, a cessação do usufruto sobre os móveis e sinalética e a restituição do proporcional de € 40.000,00, pagos sobre o tempo do contrato em falta; o direito a indemnização a liquidar em acção judicial. (Al. F) dos FA)

A Ré liquidou à Autora, a título de direitos de entrada, €55. 000,00, descontado o IVA, e, pagou, a título de «royalties»,  € 6.927,97 – (Al. G) dos FA) .

Em 28/11/05, o montante total das facturas relativas aos fornecimentos, deduzidas das notas de crédito relativas às devoluções efectuadas ou diferenças de preços, atingia o montante de € 182.134,68. – (Resposta ao ponto 1° da Base Instrutória, doravante BI).

Em 28/11/95, a título de «royalties», estava por pagar o montante de € 2.399,12, relativo aos meses de Julho, Agosto e Setembro e correspondente a um total de vendas de € 56.583,00, deduzidos de uma retenção de 15%. (Resp. ao 2° BI).

A A autorizou e incentivou que um estabelecimento seu, situado no extremo oposto da cidade de V, passasse a vender ao público, explorado por um seu agente. –(Resp. ao 5° BI).

Esse estabelecimento vendia ao público alguns dos produtos que a R. também vendia. – (Resp ao 6º BI).

Produtos esses fornecidos pela A. – (Resp. ao 6º-A, da BI, por confissão).

A A estabelecia os preços máximos a praticar pela R. – (Resp. ao 7º, da BI ).

A R, de imediato, reclamou dessa situação à A., tendo esta respondido, em 25/11/04, que aquele estabelecimento deixaria de vender ao público e passaria a vender a revendedores. – ( Resp. ao 8° BI ).

A A. apenas fornecia a R. um produto de marca "F" e a quase totalidade dos restantes produtos eram artigos da própria A. – (Resp. ao 11º, da BI, por confissão).

No início de 2005, a A. informou a R. que havia rescindido o contrato de franquia, que havia celebrado com a "F Internacional", e que deixara de ser «Master Franchising», em Portugal, daquela marca. – (Resp. ao 13º, da BI, por confissão).

E prometeu à R. que iria estudar a possibilidade de celebrar contratos de franquia com a insígnia «P» e que a R. passaria a ser sua franquiada. – (Resp. ao 14º, da BI, por confissão).

A R. deixou de publicitar a marca "F". – ( Resp. ao 15° BI ).

O fornecimento quase total de produtos, que não eram "F", à R., criou um desfasamento entre a imagem do estabelecimento e os produtos efectivamente vendidos pela R. – ( Resp. ao 17º, BI ).

Alguns dos produtos fornecidos pela A. à R., no stock inicial, tinham pouca rotatividade e procura. – ( Resp. ao 19º, BI ).

A R. não conseguiu vender alguns produtos do stock inicial fornecidos pela A. – (Resp. ao 20º, BI ).

Com o arresto, foram retirados das lojas todos os utensílios, máquinas, equipamentos e mercadorias. – ( Resp. ao 23° BI ).

A R. gastou em publicidade, € 12.685,69, descontando o IVA – (Resp. ao 25º, BI ).

Em mobiliário e equipamento, gastou € 39.439,56, descontando o IVA, – (Resp ao 26º, BI).

Em obras de adaptação da loja gastou € 9.007,73, descontando o IVA. ( Resp. ao 27º, BI ).

A R. não teria suportado essas despesas se não tivesse celebrado o contrato com a A. – ( Resp ao 28º, BI ).

A R. lançou no mercado regional, correspondente ao distrito de V, uma campanha publicitária em que assegurava a exclusiva comercialização dos produtos "F". – (Resp ao 30 BI ).

A R. recebeu na inauguração da loja, empresários e representantes de entidades da região, divulgando ser a representante exclusiva dos produtos "F". – (Resp. ao 31º, BI).

À excepção de um produto da marca "F", os restantes eram produtos da marca da A. e de outras marcas e alguns com preços mais elevados que os da concorrência. – (Resp. ao 32º, BI).

A A., em alguns casos, entregava produtos a R., com atraso, o que levou a R. a atrasar os fornecimentos a clientes. – (Resp. ao 33º, BI).

A R. foi perdendo clientela. – (Resp. ao 34º,  BI ).

Os sócios da R. são gestores de grande implantação e prestígio na região. – (Resp. ao 37º, BI ).

Os sócios da R. aportaram a sua imagem de prestigio ao início da R. – (Resp. ao 38º, BI).

A A. apenas forneceu um produto da marca "F" à R., porque era o único produto dessa marca de que a A. dispunha – (Resp. ao 39º, BI).

Todos os demais produtos fornecidos pela A. à R., eram já comercializados por outros comerciantes em V, mesmo antes de a R. abrir sua loja. (Resp. ao 40º, BI).

Conforme resulta dos autos, está ainda provado que:

Por decisão transitada em julgado, foi decretado o arresto do direito ao arrendamento e trespasse do estabelecimento da ré sito, em V e de todos os bens que constituem o recheio deste estabelecimento – fls. 48 do I vol., dos apensos.

9. Recurso de facto

Invocando os depoimentos das testemunhas M,  MR e O, pretende, a apelante, que se alterem as respostas dadas aos pontos 6°, 8°, 9°, 10º, 10°-A, 12°, 15°, 16°, 18°, 19°, 20, 21°, 22°, 24°, 29°, 31°, 32°, 33°, 34°, 35° e 36° da base instrutória, considerando-os integralmente provados.

É o seguinte o teor dos aludidos quesitos:

Quesito 6º:

“…Esse terceiro vendia e vende os produtos iguais aos que a Ré comercializava a um preço inferior aos praticados pela Ré?”    

Este quesito mereceu a seguinte resposta: «provado que esse estabelecimento vendia ao público alguns dos produtos que a R também vendia.»

É de manter a resposta dada.

Na verdade, este quesito tem na sua base a alegação da ré de que a autora influenciava os preços da «concorrência», vendendo os mesmos produtos a um terceiro, seu agente/representante, a um preço mais baixo do que à ré, o que permitia a este, por sua vez, revendê-los a um preço inferior ao praticado por esta.

Ora, os depoimentos invocados pela apelante não estão alicerçados em elementos objectivos susceptíveis de lhes conferir a relevância probatória pretendida pela apelante.

Efectivamente, no essencial, a testemunha M, na altura, empregada da ré, limita-se a afirmar que «a loja da ré vendia os produtos da «marca P» mais caros do que as outras lojas» e a testemunha O, também (à data) empregado da ré,  referiu que a P vendia,  através do seu agente, em V, os mesmos produtos mais baratos.

Note-se, porém, que é a própria testemunha (da ré), M, a reconhecer que a autora não impunha preços, apenas sugeria preços que eram indicativos; a ré podia fazer descontos ao consumidor. Esclareceu, no entanto, que a ré tinha  custos muito superiores aos da loja concorrente em V, porque o franchising tem custos muito superiores.

Por outro lado, o administrador da autora, , afirmou que «a gama de produtos à venda em ambos os estabelecimentos era muito diversa, já que a ré vendia outros produtos (informática, etc.) que o agente da autora não comercializava.

Relativamente ao preço de venda ao consumidor, foi categórico ao afirmar que, relativamente aos produtos “comuns” «o preço de venda no agente não era inferior aos praticados pela ré (salvo se houvesse promoções, o que podia acontecer temporariamente).

Este depoimento é corroborado pelo da testemunha J que esclareceu que a P vendia à ré os (mesmos) produtos a preço de custo mais baixo do que ao “S, sendo certo que, muito embora o preço de venda ao público (máximo) fosse fixado pela P, isso não impedia a ré de vender os artigos a preço inferior ao do catálogo, podendo, designadamente, fazer os descontos que entendesse, para cativar o cliente. Esclareceu ainda que as margens de lucro do “S” eram inferiores às da ré, porque ele vendia a revendedores.

Quesito 8º:

“A Ré de imediato reclamou dessa situação à Autora, transmitindo-lhe esta que encerraria essa unidade até final do ano de 2004, o que nunca fez?”

Mereceu a seguinte resposta: «provado que a R, de imediato, reclamou dessa situação à A, tendo esta respondido, em 25/11/04, que aquele estabelecimento deixaria de vender ao público e passaria a vender a revendedores.»

Nenhum dos depoimentos invocados pela apelante fornece elementos concretos que permitam suportar a alteração desta resposta.

A resposta ao quesito apenas pode, por isso, fundar-se, como sucedeu in casu, no depoimento do administrador da autora, …, que disse que a ré reclamou junto da A., por causa de o seu agente, em V, vender os mesmos produtos que a ré também vendia. Então, a A. restringiu a venda de produtos no seu estabelecimento. Mas nunca disse que encerrava aquele estabelecimento do agente. Referiu ainda que o estabelecimento em causa já existia antes da loja da ré abrir e que sofreu uma reformulação, passando  a vender apenas produtos de papelaria e apenas a revendedores, por incentivo da P.

No mesmo sentido é o depoimento da testemunha J, o qual declarou que a ré começou a pressionar a autora para que essa loja (a do agente S) deixasse de vender ao público. A A. aceitou e fizeram um acordo com esse agente para deixar de vender ao público passando a vender só a revendedores e não a consumidores finais (como sucedia com a loja da ré).

Quesito 9º:

“O que acarretou para a Ré perda de muitos negócios?”

Quesito 10º:

“E perda de credibilidade por se ter publicitado como comerciante exclusiva dos produtos “F”?”

Ambos os quesitos tiveram uma resposta negativa.

Não oferece qualquer dúvida a manutenção daquelas respostas: aliás, em rigor, a resposta ao quesito 9º seria de considerar prejudicada, pela resposta dada ao quesito anterior.

Quanto ao quesito 10º: a matéria do quesito está relacionada com a dos quesitos anteriores (5º a 8º). Ora, neste contexto, é claro, face à prova produzida, que o agente da autora, em V, não vendia produtos da “F”, fossem eles quais fossem. São as próprias testemunhas da ré a confirmá-lo.[1] Daí, não se vislumbrar como poderia a credibilidade da ré ser posta em causa, pelo facto de se ter publicitado como comerciante exclusivo dos produtos “F, devido à continuação da actividade do agente da autora.

Quesito 10º-A:

“A Ré investiu muito mais do que inicialmente havia projectado, por proposta da Autora?”

A resposta, negativa, é de manter.

A testemunha O declarou que, por imposição da P, através do Dr. J, a ré arranjou um espaço grande (arrendaram duas lojas) para instalar a loja em V. A P queria que fosse uma loja do tipo da que existia, em Lisboa.

A testemunha MR limita-se a repetir que lhe disseram que a P exigiu que a loja fosse instalada num espaço maior do que o necessário.

Porém, o administrador da autora, A e a testemunha J disseram exactamente o contrário, ou seja, que a A. aconselhou a ré a abrir um único espaço e não  dois; foi a ré que quis duas lojas, o que foi completamente desaconselhado pela autora, até pelo aumento de encargos que isso significava.

Quesito 12º:

“Logo desde o início dos fornecimentos desses produtos, a Ré deu conta à Autora da desconformidade entre os produtos fornecidos e os anunciados no site da "F Internacional" procedimento que foi repetindo ao longo do contrato?”

A resposta, negativa, é de manter.

Os depoimentos invocados não permitem minimamente suportar uma resposta positiva.

Efectivamente, a testemunha M afirma não saber se havia outros produtos da marca “F” disponíveis para venda, para além dos “post-it” fornecidos pela autora. Além disso, quer o depoente, A, quer a testemunha, J, foram categóricos: o site da “F Internacional” não anunciava produtos.

A testemunha J explicou, ainda, de forma muito assertiva, que a autora só dispunha de um produto da marca “F” (o já referido post-it). A ré sabia disso perfeitamente, aceitando contratar nessas condições. Inclusive, representantes da ré visitaram lojas da F”, já em funcionamento, e puderam ver, in loco, os produtos que lá se vendiam.

Quesito 15º:

“Por isso a Ré deixou de publicitar a marca "F” e foi perdendo gradualmente a clientela?”

Respondeu-se a este quesito: «provado que a R. deixou de publicitar a marca "F".»

Não merece censura a decisão.

Dos depoimentos invocados, designadamente o das testemunhas, M  e O , não é possível concluir que as dificuldades por que passava a loja da ré fossem, directa ou indirectamente, provocadas pela falta de publicidade da marca  “F1”. Com efeito, aquelas testemunhas atribuem o fracasso comercial da loja quer aos preços praticados, quer ao atraso na entrega de artigos pela autora

Por seu turno, de outros depoimentos retira-se que as dificuldades da loja começaram com o facto de os sócios da ré não estarem à frente  do negócio e terem arranjado um gerente de loja, a ora testemunha O , que não tinha perfil para o cargo, por falta de capacidade de liderança  e de formação adequada - cf. depoimento da testemunha J.
Quesito 16º:

“A Autora prometeu à Ré que celebraria o contrato de Franchising da insígnia “P” até ao início do Verão de 2005, o que não sucedeu?”

Respondeu-se «não provado».

Nenhuma das testemunhas invocadas conseguiu situar o momento temporal em que a autora anunciou à ré que celebraria o contrato de franchising a insígnia “P”.[2]

Por outro lado, o depoente A disse que a autora nunca se comprometeu com prazos. Disseram à ré que iam franchisar a marca P, mas só depois de fazer estudos de mercado. 

No mesmo sentido depôs a testemunha J: disse `ré que, logo que estivesse feita a reestruturação interna da P, seria feita a mudança de franchising para a nova marca “P”.

Quesito 18º:

“O que lhe criou dificuldades na venda de produtos?”

Este quesito, formulado na sequência do quesito 17º, em que se perguntava se “o fornecimento quase total de produtos que não eram “F” criou um desfasamento entre a imagem do estabelecimento e os produtos efectivamente vendidos”, teve uma resposta negativa.

Acontece que, pelas razões enunciadas a respeito do quesito 15º, aqui aplicáveis «mutatis mutandis», a resposta é de manter.

Quesito 19º:

“Muitos dos produtos fornecidos à ré eram produtos de fraca qualidade ou sem implantação no mercado, e de venda quase impossível?“

Respondeu-se: «provado que alguns dos produtos fornecidos pela A à R., no stock inicial, tinham pouca rotatividade e procura.»

A resposta restritiva é de manter.

É, aliás, a testemunha da ré, M, a própria a declarar que muitos produtos que a autora fornecia à ré, que faziam parte do stock inicial, eram verdadeiros «monos« que não se vendiam.

Quanto aos outros produtos, posteriormente adquiridos pela ré (isto é, que não faziam parte do stock inicial), foi afirmado pela testemunha O que 40% dos produtos que lá tinham já não eram vendáveis, por estarem desactualizados (por exemplo, retroprojectores; lacre; fios de norte; livros de acta, de razão, etc.).

Este depoimento, no entanto, é frontalmente contrariado pelo da testemunha J, o qual, além do mais, afirmou que os artigos, que não foram incluídos no stock inicial, eram escolhidos pela ré, de entre um leque muito variado de artigos.

Quesito 20º:

“O que levou a Ré a não ter conseguido vender os produtos objecto do arresto?”

Respondeu-se «provado que a R. não conseguiu vender alguns produtos do stock inicial, fornecido pela A.

Atendendo ao que se disse, a respeito do quesito anterior, a resposta não podia deixar de ser também restritiva.

Quesito 21º:

“Cerca de 35% desses produtos eram bens que a própria Autora não comercializava, por os mesmos não serem vendíveis?”

Este quesito está relacionado com o quesito 19º. Pelas razões já acima referidas, e por uma questão de coerência, entendemos que a resposta deve ser restritiva, nessa medida se alterando a respectiva resposta.

Responde-se, assim, ao quesito nos seguintes termos:

«Provado que alguns dos produtos fornecidos pela A. à R., incluídos no stock inicial, tinham pouca procura, pelos clientes da loja da ré.»

Quesito 22º:

“A Autora autorizou a Ré a protelar temporariamente os pagamentos das facturas, por a Ré não conseguir vender os produtos que a Autora lhe fornecia?”

Respondeu-se «não provado».

É assumido pela própria ré que havia atrasos nos pagamentos. Todavia, o facto de a autora aceitar – até certa altura – pagamentos fora do prazo contratualmente estabelecido, o que é confirmado pelas testemunhas, não permite tirar qualquer ilação.

Ora, a prova produzida não permite concluir, com o mínimo de objectividade, que a autora autorizou a ré a protelar os pagamentos de facturas, e, ainda menos, que o fazia movida pela convicção de que a ré não conseguia vender os seus produtos.

Repare-se:

A testemunha M afirma que a ré não estava a cumprir os prazos de pagamento e referiu ter falado com o responsável da autora, a testemunha J, o qual sabendo que a ré tinha dificuldades em escoar os produtos “F,  concedia os protelamentos de pagamento, que a ré pedia.

Esta mesma versão é apresentada pela testemunha MR.

Acontece que o referido J não confirma esta versão. Pelo contrário: referiu que a autora nunca deu autorização para a ré pagar mais tarde e que enviou vários emails aos sócios da ré, reclamando o pagamento da dívida, sem ter obtido qualquer resposta.

Também o depoente, A, nega veemente a existência de acordo no sentido do alargamento dos prazos de pagamento. Afirma, precisamente, que foi a falta de pagamento das facturas (no prazo inicialmente previsto), que levou à  ruptura do contrato.

Quesito 24º:

“E perdeu a Ré o contacto com os clientes e a projecção do estabelecimento no mercado?”

Mereceu resposta negativa, que é de manter.

Na verdade, nenhuma das testemunhas se pronunciou sobre este facto, em particular.

E, muito embora as testemunhas M , MR e O  tenham afirmado que quando foi feito o arresto a loja esteve fechada (durante 2 meses, segundo aquela testemunha), mantendo-se os trabalhadores na loja, isso, só por si, não significa que a ré tenha «perdido o contacto com os clientes», sendo certo que – como se sabe – no mundo dos negócios, se recorre cada vez mais às novas tecnologias, como forma privilegiada de comunicação.

Aliás, talvez por isso mesmo, os trabalhadores tenham continuado na loja…

No que toca à segunda parte do quesito, é esclarecedora a afirmação da testemunha MR: quando foi feito o arresto, a loja de V já estava numa fase descendente; a  loja nunca atingiu um “ponto de equilíbrio”:acumulava dívidas e não havia períodos de recuperação; a loja começou a afundar-se desde o início.

Quesito 29º:

“A Ré acumulou prejuízos de funcionamento da loja até à data da resolução, no valor de 135. 856,00?”
Da prova testemunhal, invocada pela apelante, assume particular relevância, o depoimento da testemunha MP, contabilista da ré (e sócio de uma sociedade de que também é sócio, um dos sócios da ré).

Esta testemunha afirmou que procedeu ao cálculo do prejuízo de funcionamento da loja e explicou como chegou ao montante constante do quesito. Segundo afirmou, apurou o prejuízo de 2005, somou-lhe o prejuízo da empresa, em continuidade, até Setembro de 2006 e o prejuízo que continuaram a ter até finais desse ano. Trata-se, como é patente, de um procedimento contabilístico, que não permite concluir que a ré tenha sofrido um prejuízo efectivo do valor  quesitado.

Mantém-se, pois, a resposta negativa ao quesito.

Quesito 31º:

“E recebeu na inauguração da loja a maioria dos empresários da região a quem divulgou passar a ter os preços mais baixos da concorrência de artigos de papelaria da marca "F"?”

Respondeu-se «provado que a R. recebeu na inauguração da loja, empresários e representantes de entidades da região, divulgando ser a representante exclusiva dos produtos "F".

Nenhum dos depoimentos invocados pela apelante permite alterar esta resposta.

Na verdade, a testemunha M (apenas) confirma que a autora fez uma grande publicidade dos produtos da marca “F”, dizendo que tinha preços muito competitivos, esperando que a marca pudesse ser uma líder no mercado, em V.

E a testemunha O referiu, no essencial, que na inauguração, estava lá toda a gente de V que constituía o público-alvo e foi anunciado que iam ser uma loja”F”.

Quesito 32º:

“E quando solicitada para fornecer esses produtos a ré apenas podia vender produtos da marca P e a preços mais elevados e em condições mais desvantajosas que os da concorrência?”

Respondeu-se «provado que à excepção de um produto da marca "F", os restantes eram produtos da marca da A e de outras marcas e alguns com preços mais elevados que os da concorrência.»

É de manter a resposta, nos seus precisos termos, pelas razões supra enunciadas, quanto aos quesitos 6º, 10º, 15º e 18º.

Quesito 33º:

“E a Autora não entregava os produtos à Ré nos prazos que anunciava, o que levava a Ré a atrasar os fornecimentos aos clientes?”

Respondeu-se que «a A., em alguns casos, entregava produtos à R. com atraso, o que levou a R. a atrasar os fornecimentos a clientes.

Sobre esta matéria é de atender, particularmente, aos depoimentos das testemunhas O (afirmou, em síntese, que, desde o início da loja, havia falta de artigos que não eram entregues; a ré insistia com a autora para fornecer o material em falta; por causa disso, a testemunha falou directamente com os responsáveis da P, para resolver o problema),  MR (disse que os gestores da loja lhe disseram que havia sistemáticos atrasos na entrega de mercadoria encomendada à autora; a própria testemunha encomendou uma secretária que demorou muito tempo a chegar e veio sem as peças todas), M (declarou que raramente a autora cumpria os prazos de entrega dos produtos; a A. não tinha capacidade de resposta para satisfazer as solicitações dos clientes e, por isso, quando os produtos chegavam, o cliente já não os queria), e J (disse que podia haver rupturas pontuais no fornecimento de alguns produtos da P, pois eram na ordem dos milhares; no entanto, essa não era a regra; acrescentou ainda que a loja da ré esteve sempre composta e que a falta de artigos nunca condicionou a actividade da loja).

Estes depoimentos são suficientemente esclarecedores no sentido de que a autora não cumpria todos os prazos de entrega da mercadoria, mas já não permitem, com a indispensável  segurança e certeza, afirmar que essa era uma prática sistematicamente seguida pela autora.

Mantém-se, pois, a resposta dada ao quesito.

Quesito 34º:

“Por isso, a Ré foi perdendo a sua clientela?”

Respondeu-se «provado que a R. foi perdendo clientela.»

É de manter esta resposta, necessariamente restritiva, atendendo a que dos depoimentos das testemunhas invocadas pela ré, bem como do conjunto da prova produzida, não é possível identificar uma única causa para o insucesso comercial da loja da ré e designadamente para a perda de clientela.

Quesito 35º:

“E  tornou-se numa empresa desacreditada no mercado?”

Quesito 36º:

“Ficando a sua imagem deteriorada e associada a uma imagem comercial enganosa, com atrasos de cumprimento e falta de produtos?”

A resposta negativa a estes dois quesitos é de confirmar, pelas razões acabadas de enunciar.

Concluindo:

Salvo no que toca ao quesito 21º, mantém-se inalterada a decisão de facto, por não ter ficado demonstrada a existência de erro de apreciação ou de valoração das provas que deva ser corrigida por esta Relação, estando a decisão recorrida devidamente fundamentada, com lógica e coerência, dando conta das razões que levaram o Tribunal a formar a sua convicção em determinado sentido.

10. Enquadramento jurídico

10.1. O contrato

A autora, como franquiadora (master franshiser) e a ré, como franquiada, celebraram um contrato de franquia, cujos termos constam, no essencial, da factualidade dada como provada.

Trata-se de um contrato atípico, sem regulamentação específica no quadro normativo interno, que, por isso, se rege pelas normas do Código Civil que consagrem regras gerais, bem como, por analogia, sendo caso disso, pelas normas reguladoras de outros contratos, designadamente do contrato de agência.[3] 

Configura-se, além disso, como um contrato duradouro, de execução continuada[4], uma vez que as respectivas prestações se protelam no tempo, de modo contínuo ou reiterado.

10.2. A questão da resolução

Como se sabe, a resolução é um meio de extinção do vínculo contratual, por declaração unilateral, condicionada, em regra[5], por um fundamento legal ou convencional (art. 432º, CC).

Por norma, a resolução legal está relacionada com o incumprimento (culposo) de prestações contratuais (causa subjectiva), mas o instituto também tem aplicação nos casos de quebra do equilíbrio contratual (causa objectiva), estando especialmente previsto em sede de alteração das circunstâncias (cf. art. 437º, e ss, do CC).

A resolução dos contratos, nos termos gerais do art. 432º e ss. do CC segue o regime da liberdade de forma, bastando a mera declaração de uma das partes à outra para produzir os seus efeitos (art. 436º, CC), só excepcionalmente se exigindo a intervenção judicial. Trata-se de uma declaração informal, mas receptícia, pois só se torna eficaz quando chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida (art. 224º, nº1, do CC). Depois disso, não poderá ser revogada.

Como já se disse, por via de regra, a resolução não é decretada pelo tribunal, podendo, por isso, ser invocada sem que se encontrem preenchidos os respectivos pressupostos. Se for esse o caso, estar-se-á perante uma resolução ilícita, a qual, apesar disso, não é inválida, pelo que, mesmo injustificada, produz os seus efeitos: determina a cessação do vínculo.[6]

A contraparte pode, contudo, impugnar (judicialmente) os fundamentos da resolução, cabendo então ao tribunal apreciar a justificação invocada e decidir se a relação contratual subsiste, ainda que a resolução seja ilícita.[7]

Em qualquer dos casos, a resolução, embora ilícita, determina, em princípio, a obrigação de indemnizar os prejuízos causados à contraparte.

10.2.1. No caso concreto, ambas as partes declararam resolvido o contrato: a ré, por carta enviada à autora, datada de 17/10/2005, e a autora, por carta dirigia à ré, em 25/11/2005.

Ora, atento o exposto, compreende-se facilmente que, quando a autora declarou resolvido o contrato, já o vínculo contratual se encontrava extinto, por a declaração resolutiva da ré ter operado os seus efeitos, em data anterior.

E, não tendo a resolução declarada pela ré sido contestada pela autora (caso em que poderia discutir-se a sua ilicitude) produziu validamente os seus efeitos: o contrato celebrado entre as partes extinguiu-se.

10.2.2. A questão dos efeitos da resolução

Em princípio, a resolução tem eficácia retroactiva, salvo se a retroactividade contrariar a vontade das partes ou a finalidade da resolução (art. 434º, nº 1, do CC). Ou seja: as partes devem ficar na situação em que estariam se não tivessem celebrado o contrato.

Porém, nos contratos de execução continuada ou periódica, a resolução não abrange as prestações já efectuadas, excepto se entre estas e a causa da resolução existir um vínculo que legitime a resolução de todas elas (art. 434º, nº 2, CC). Quer dizer: quanto a estes contratos, a resolução, em regra, só produz efeitos para o futuro.

É o que se passa no caso dos autos, atendendo à própria natureza do contrato de franquia. Assim, não estando verificados os pressupostos da «excepção à excepção» contemplada na 2ª parte do art. 434º, nº2, CC., a resolução do vínculo pela ré não abrange as prestações já efectuadas.

Daqui decorre, desde já, que a autora tem direito às quantias peticionadas (respeitantes a fornecimentos ocorridos na vigência do contrato e a «royalties», cujo pagamento a ré não fez), com excepção de € 2.142,00 (que a autora alegava ter indevidamente creditado à ré), por não se terem provado os correspondentes factos.

Relativamente, às quantias peticionadas pela ré, em reconvenção:

Precisamente, porque, in casu, a resolução não tem eficácia retroactiva, não há que restabelecer a situação que existiria se a parte lesada não tivesse celebrado[8], pelo que a ré não tem direito à restituição dos quantitativos peticionados, nem a título de direitos de entrada (o que contrariaria inclusive o convencionado na cláusula 4ª, nº6, do contrato), nem a título de «royalties», nem a título de ressarcimento de danos sofridos com a celebração do contrato, nem relativos a «prejuízos de funcionamento» ou como compensação de danos morais (os quais, de resto, nem conseguiu provar).

Também não tem direito à dedução (ao pedido) de € 120.570,00 (valor dos bens arrestados), nem à compensação pelos prejuízos decorrentes de não ter podido vender aqueles bens. Em primeiro lugar, porque, o arresto foi decretado, por decisão judicial, transitada em julgado, assim se avalizando os fundamentos invocados pela requerente, ora autora. Em segundo lugar, porque, na ausência de base legal ou convencional, no contrato de franquia, a assunção do risco de comercialização das mercadorias corre, por conta do franquiado, pelo que este deve suportar o prejuízo daí resultante (ainda que a cessação do contrato ocorra com culpa exclusiva do franquiador, o que, in casu, nem sequer se provou).[9]


11. Nestes termos, negando provimento ao recurso, acorda-se em confirmar a sentença recorrida.

Custas pela apelante.

Lisboa, 10 de Dezembro de 2009

Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho
Amélia Ribeiro
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[1] cf., por exemplo, o depoimento de O ue declarou: o agente da autora  - que a partir de certa altura passou a designar-se “MX”- vendia os mesmos produtos da ré, com excepção dos post-it da “F”).
[2] Cf., a este respeito o depoimento da testemunha M que se limitou a declarar que o gerente da ré a convidou para vir trabalhar na loja de V, que era da marca “F” e iria sofrer uma modificação, passando a ser da marca “P”.
[3] Sobre a aplicação do regime do contrato de agência e a
discussão doutrinária, a este respeito, pode consultar-se Maria de
Fátima Ribeiro, Contrato de Franquia, 142.
[4] Cf. Maria de Fátima Ribeiro, Contrato de Franquia, 76 e ss.
[5] A resolução legal imotivada é de natureza excepcional, não se
configurando uma dessas situações excepcionais, no caso concreto.
[6] cf., Romano Martinez, Da Cessação do Contrato,  220 e ss. e
Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, 147 e ss.
[7] Sobre esta problemática, v. Romano Martinez, Da Cessação do
Contrato, pags. 222-224.
[8] Cf. Romano Martinez, Da Cessação do Contrato, 207 e ss.
[9] Neste sentido, Maria de Fátima Ribeiro, Contrato de Franquia,
256-257 e Pinto Monteiro, Contratos de Distribuição Comercial, 169-170.