Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
13035/15.0T8LSB.L1-8
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
NEGLIGÊNCIA OU MERA CULPA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO EQUITATIVA
DANOS FUTUROS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - Nas acções de responsabilidade civil extra-contratual, a causa de pedir é complexa, como complexa é normalmente a situação de facto de onde emerge o direito à indemnização, pressupondo, segundo as circunstâncias, a alegação de matéria de facto relacionada com o evento, a ilicitude, a conduta culposa ou uma situação coberta pela responsabilidade objectiva, os prejuízos e o nexo de causalidade adequada entre o evento e os danos.

- A culpa exigida pelo artigo 483°, n° 1 compreende o dolo e a negligência ou mera culpa, a falta de cuidado, a imprudência em face de determinados tipos de situação; enquanto que a ilicitude consiste num juízo de censura sobre o próprio facto, na culpa, esse juízo de reprovação incide sobre o agente em concreto, o qual podia e devia, nas circunstâncias, ter agido de modo diverso.

- A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.

- A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão, antes visa proporcionar ao lesado situações ou momentos de prazer ou de alegria, bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade da dor pessoal sofrida.

- A reparação judicial dos danos não patrimoniais, ou seja, o montante indemnizatório ao ser fixado equitativamente, deverá ter em consideração, as circunstâncias apontadas no artigo 496º, nº 3 do Código Civil, e deve aproximar-se, quanto possível, dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em conta as flutuações da moeda e deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do artigo 566º do Código Civil, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo tribunal.
-Os danos futuros decorrentes de défice funcional permanente podem ter uma vertente patrimonial, caso impliquem uma efectiva perda de rendimento ou de capacidade de ganho, mas também uma vertente que vem sendo entendida como também tendo natureza não patrimonial, nos casos em que, não existindo uma comprovada perda de capacidade de ganho, o exercício da normal actividade profissional acarrete esforços suplementares.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - RELATÓRIO

O autor NA intentou contra a ré N Seguros – Companhia de Seguros, S.A. acção declarativa de condenação para efectivação da responsabilidade civil automóvel emergente de acidente de viação ocorrido em 28.10.2011, da responsabilidade do veículo DC, seguro na ré pela apólice nº 000.
Pede que a ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 139.041,01, a título de indemnização pelos danos sofridos, acrescida dos juros de mora legais, vencidos a partir da data da citação e até efectivo e integral pagamento.
A ré contestou alegando que o autor foi responsável pela produção do acidente, desconhecendo se correspondem à verdade o montante das indemnizações pedidas.
A Caixa Geral de Aposentações interveio, ao abrigo do disposto no artigo 46º nº 3 do DL 503/99, de 20 de Novembro, pedindo a condenação da ré a reembolsar a CGA do montante pago ao autor, a título de reparação de acidente de serviço, no valor de € 39.008,05.
A ré contestou o pedido formulado pela CGA, alegando que não recai sobre a condutora do veículo DC a responsabilidade pela produção o evento dos autos. Mais alega que desconhece se o autor sofreu lesões e qual a sua quantificação e ainda se recebeu da CGA quaisquer montantes a título de entrega de capital de remição de € 39.008,05.
Foi proferida SENTENÇA nos seguintes termos:
“Julga-se parcialmente procedente por provada a presente acção e, em consequência,
1. Condena-se a ré N Seguros – Companhia de Seguros, S.A. a pagar ao autor, NA: a) A quantia de €20.000,00; acrescida dos juros de mora, contados à taxa supletiva legal, desde a presente decisão e até integral pagamento;
b) A quantia de €30.000,00; acrescida de juros de mora contados desde a citação e até pagamento;
 c) A quantia de €80.000,00; acrescida dos juros de mora, contados à taxa supletiva legal, desde a presente decisão e até integral pagamento;
d) A quantia de €1.345,30; acrescida de juros de mora contados desde a citação e até pagamento; Tudo num total de €131.345,30.
2. Condena-se a ré N Seguros – Companhia de Seguros, S.A. a pagar à Caixa Geral de Aposentações a quantia de €39.008,05; acrescida de juros de mora contados desde a citação e até pagamento.
3. Absolve-se a ré N Seguros – Companhia de Seguros, S.A. do mais peticionado”.
Não se conformando com a douta sentença, dela recorreu a ré, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:
A) No dia 28 de Outubro de 2011, cerca das 16:10 horas, na Auto-Estrada n° 2 (A 2), no nó de Coina — acesso ao Itinerário Complementar n° 21 (IC 21), concelho do Barreiro, Distrito de Setúbal, ocorreu um acidente de viação;
B) Foram intervenientes:
a) O autor que, à ocasião, se encontrava no exercício da missão de fiscalização automóvel; e
b) O veículo ligeiro de passageiros, marca Chevrolet, matrícula DC, propriedade de LR, conduzido por CF, com o consentimento do proprietário, e seguro na ré pela apólice 0039951 do ramo automóvel, em vigor à data do acidente;
C) O local do acidente é uma recta com boa visibilidade, e o piso encontrava-se seco;
D) O veículo DC circulava no IC 21, Nó de Coina/Portagens, no sentido de Lisboa/Barreiro;
E) A condutora do veículo DC circulava atrás de uma viatura, cuja matrícula se desconhece, a qual, por ter uma altura e largura superiores às do veículo DC interveniente, impossibilitava a condutora do veículo DC de ter uma visibilidade total da via por onde circulava;
F) Após passar a barreira da portagem, a condutora do veículo DC deixou a via por onde circulava, destinada aos utilizadores da "Via Verde" e adjacente ao separador central, e desviou a sua trajectória para a fila de trânsito mais à direita, atento o seu sentido de marcha;
G) Na ocasião, o autor encontrava-se no exercício da sua actividade fiscalizadora, a interceptar os veículos que haviam sido detectados em infracção por excesso de velocidade, indo nele embater com a zona frontal, direita, do veículo DC, provocando a projecção do mesmo e a sua queda na via;
H) A condutora do veículo DC apenas se deu conta da presença do autor, quando estava mesmo em cima dele;
I) O autor encontrava-se uniformizado e equipado com colete reflector;
J) Entende a ré, ora recorrente, que outros factos resultaram provados e a sua ponderação resultará decisão diferente quanto à atribuição de responsabilidade aos intervenientes, no acidente objecto dos presentes autos;
K) Importa ter presente, quanto à conduta de ambos os intervenientes o seguinte:
(i). Relativamente à condutora do veículo seguro na ora Recorrente, CF
- circulava na A 2, sentido de marcha Lisboa/Coina, e pretendia sair no nó de Coina;
- após passar a praça de portagem daquela saída da A 2, pretendia aceder ao IC 21, cujo acesso se faz pelo lado direito daquela via;
- para passar a zona de portagem, a condutora do veículo seguro na ora recorrente (o DC), circulava pela via de trânsito mais à esquerda, das sete existentes no local, destinada aos utilizadores do identificador de "Via Verde" - conforme Reconstituição de Acidente, Relatório de Peritos, junto aos autos com a petição inicial do autor;
- a via imediatamente mais à direita daquela por onde circulava o veículo DC encontrava-se interdita à circulação de trânsito;
- a velocidade máxima permitida no local é de 40 km/hora;
- os veículos circulavam a velocidade reduzida mas constante, no entanto sem paragens;
- o veículo que circulava à frente do veículo seguro, cuja matrícula se desconhece, tinha altura e largura superiores às do veículo seguro (DC);
 - a presença daquele veículo à frente do veículo seguro impedia a visibilidade total da via, para a condutora do veículo seguro, CF:
- após passar a praça da portagem, do lado direito, existe uma raia marcada no pavimento;
- após a zona delimitada no pavimento com a raia, não existe qualquer marcação no pavimento, quer de traço contínuo, quer de traço descontínuo - conforme fotografias anexas ao Relatório Fotográfico junto pelo autor com a petição inicial, croquis junto ao Auto de Ocorrência, junto aos autos com a contestação como documento 2 e fotografias anexas ao Relatório de Averiguação junto aos autos com a contestação como documento 3;
- a condutora do veículo seguro na ora recorrente, CF, por pretender sair no ramal de acesso ao IC 21, existente do lado direito daquela praça de portagem, teria que atravessar as faixas de rodagem mais à sua direita;
- a condutora do veículo seguro na ora recorrente, CF, após passar a zona de portagem, e porque pretendia aceder ao ramal de acesso ao IC 21 existente à sua direita, accionou o sinal de mudança de direcção à direita;
- a condutora do veículo seguro na ora recorrente, após passar a zona onde se encontravam marcadas raias no pavimento, porque não circulava qualquer veículo na meia faixa de rodagem do seu lado direito e não existia qualquer obstáculo na via, acedeu a esta via de trânsito mais à sua direita;
- esta manobra foi executada cerca de 10 (dez) metros após a raia marcada no pavimento;
- quando se encontrava ainda em plena execução da manobra pretendida, apenas com parte do lado direito do veículo seguro (DC) a ocupar a faixa de rodagem mais à sua direita, a condutora daquela viatura, CF, apercebeu-se da presença de um peão, o autor, em plena faixa de rodagem, a cerca de 1 (um) a 2 (dois) metros de si;
- tentou então retomar a via mais à esquerda, por onde circulava, no entanto dada a proximidade com o peão, não lhe foi possível evitar o embate;
- o embate ocorreu entre a parte da frente, lado direito, do veículo DC, no peão, o autor – conforme fotografias de folhas 5, do documento 3 junto com a contestação.
(ii)  Relativamente ao Autor, Nuno Alexandre Cunha Azevedo
- o autor encontrava-se no exercício da missão de fiscalização automóvel;
- o autor encontrava-se a cerca de 90 metros da praça de portagem;
- o autor encontrava-se na segunda meia faixa de rodagem mais à esquerda, das sete existentes no local, a qual se encontrava interdita à circulação de veículos, face à missão de fiscalização que decorria;
-o autor avisava os condutores da necessidade de redução de velocidade, que naquele local já era reduzida e limitada pela sinalização vertical existente antes da praça de portagem;
- os condutores dos veículos, sem que parassem a circulação dos veículos, abrandavam a velocidade a fim de formarem fila de trânsito que possibilitasse ao autor identificar e seleccionar os veículos que seriam objecto de fiscalização;
- o autor encontrava-se a cerca de 50/60 (cinquenta e sessenta) centímetros da zona de separação das vias;
- o autor viu o veículo seguro sair da faixa de rodagem destinada aos condutores que utilizam identificador de "Via Verde", mais à esquerda, e ocupar a faixa de rodagem à sua direita muito próximo do local onde se encontrava;
- o autor encontrava-se na via de trânsito interdita à circulação de veículos — a segunda meia faixa de rodagem mais à esquerda — e encontrava-se identificado com uniforme e equipado com colete reflector;
- não existia qualquer marcação no local, quer por sinalização vertical, quer por traço contínuo marcado no pavimento, que impedisse a mudança de direcção dos veículos que circulavam na faixa de rodagem mais à esquerda para a(s) faixa(s) mais à direita;
- na operação de fiscalização que se encontrava a decorrer no local não foram colocados quaisquer obstáculos na via, nomeadamente, a colocação de pinos, que impedissem a mudança de direcção dos veículos que circulavam na via mais à esquerda.
L) Foi referido expressamente pelo autor, NA, e é possível confirmar por audição do CD 201710311113701 17517909 2871018 – 31/10/2017, 11:10 horas, ao minuto 18:30, que aquele refere que a cabine de portagem mais à direita da "Via Verde", que era aquela por onde circulava o veículo seguro, se encontrava fechada à circulação de veículos;
M) Acrescenta o autor, no CD 201710311113701 17517909 2871018              – 31110/2017, 11:10 horas, ao minuto 19:28 que a sua função na via era fazer com que os veículos reduzissem ainda mais a velocidade, relativamente àquela que era permitida no local, que era de 40 km/hora;
N) Refere ainda o autor no CD 201710311113701 17517909 2871018 --31/10/2017, 11:10 horas, ao minuto 21:12 que havia veículos a circular na via verde, encontrando-se a cerca de 50 a 60 (cinquenta a sessenta) centímetros da linha separadora de vias, sendo que na via onde o autor se encontrava, enquanto agente regularizador de trânsito, não circulava nenhum veículo, especificando, quanto ao local onde ocorreu o sinistro que "Tinha a linha de portagem, depois temos o que chamamos "as raias", que são as linhas delimitadoras em forma de "V" para quem vem no meu sentido..., com as baias, com um traço contínuo e só depois de mim é que há um traço descontínuo.”;
O) Relativamente às circunstâncias em que ocorreu o sinistro objecto dos presentes autos, referiu a condutora do veículo seguro na ora recorrente, CF, e é possível confirmar por audição do CD 20171031150014 17517909 2871018 – 31/10/2017, 14:37 horas, ao minuto 02:34, e após ter sido questionada como se processava o trânsito no local, referiu que não havia trânsito, circulando apenas uma carrinha à sua frente. Acrescentou ainda que, devido às dimensões da carrinha que circulava à sua frente, não via nada à sua frente, "... estávamos a sair das portagens da "Via Verde" quando eu vou, faço pisca para a direita, quando vejo um militar da GNR à minha frente. Ainda tentei repor a marcha, à minha frente, para a faixa normal de rodagem e embati-lhe um bocadinho de lado, com a minha parte frontal direita";
P) É possível confirmar por audição no CD 20171031150014 17517909 2871018 – 31110/2017,14:37 horas, ao minuto 04:07 que o condutor da carrinha que circulava à sua frente, possivelmente após ter visto o militar da GNR accionou o travão, sendo que aquela condutora, CF, sem que lhe fosse possível apurar a razão para aquela travagem, porque não tinha visibilidade à sua frente para além da viatura que a precedia, também accionou o travão;
Q) Resultou ainda daquele depoimento que a velocidade imprimida ao veículo seguro (DC) era reduzida, que ainda travou na sequência da travagem efectuada pelo veículo que a precedida, no entanto, porque pretendia aceder à zona de Coina e sair numa intercepção uns metros mais à frente, existente do lado direito, quando acabou a zona onde se encontravam delimitadas as raias no pavimento, accionou o sinal de pisca para o lado direito para se encostar ao lado direito, c porque nada o impedia, iniciou a mudança para a via de trânsito à sua direita;
R) Refere ainda, CD 20171031150014 17517909 2871018 – 31/10/2017, 14:37 horas, ao minuto 07:05 que após a zona onde se encontram delimitadas as raias no pavimento, não há qualquer sinalização no pavimento, quer através de traço contínuo, nem descontinuo;
S) Mais, e quanto à presença do autor, peão naquela via, foi questionado se existiam alguns cones reflectores na via, a fim de delimitar a circulação de veículos onde se encontrava o peão, tendo aquela condutora do veículo seguro, CF, referido expressamente ao          minuto                08:54, do CD 20171031150014 17517909 2871018 — 31/10/2017, 14:37 horas, que não existiam cones reflectores a delimitar aquela presença;
T) Acrescentou    ainda     ao minuto 18:00,                do CD 20171031150014 17517909 2871018 31/1012017, 14:37 horas, que o autor encontrava-se na faixa de rodagem ao lado direito daquela que era destinada à circulação da via verde, e por onde circulava inicialmente, mas relativamente próximo da mesma;
U) Resulta assim evidente, pelas declarações de parte prestadas pelo autor, NA, pelo depoimento prestado pela condutora do veículo seguro na ora recorrente, CF, em conjugação com pela prova documental junta aos autos, nomeadamente, fotografias anexas ao Relatório Fotográfico junto pelo autor com a petição inicial, croquis junto ao Auto de Ocorrência, junto aos autos com a contestação como documento 2 e fotografias anexas ao Relatório de Averiguação junto aos autos com a contestação como documento 3, que outros factores contribuíram para a produção do evento dos autos, e que não se encontram devidamente reproduzidos na factualidade dada como provada;
V) A ora recorrente considera que se mostra essencial atender a todos os factores existentes no tempo e local onde ocorreu o evento dos autos, a fim de melhor apurar as circunstâncias em que o mesmo ocorreu;
W) Há que ter presente as circunstâncias em que se realizou a missão de fiscalização automóvel, e em que condições se encontrava o autor a realizar aquela acção dc fiscalização;
X) Entende a ora recorrente que não foi acautelado, por nenhuma forma, por parte da autoridade que se encontrava no local a proceder à missão de fiscalização automóvel (a GNR), que a integridade física do agente que se encontrava em plana via de circulação, o autor, estava acautelada;
Y) Sabemos que se encontrava a decorrer a acção de fiscalização automóvel, de controlo de velocidade, de autuação dos condutores que haviam sido detectados em excesso de velocidade na A 2, no Nó de Coina, após a Praça de Portagens;
Z) A Praça de Portagem, no Nó de Coina, é composta por sete cabines, correspondentes a sete meias faixas de rodagem, sendo que nas seis mais à direita o pagamento é efectuado ao portageiro/pagamento manual, e a faixa de rodagem existente mais à esquerda está restrita à circulação de veículos que sejam detentores de identificados de "Via Verde", sendo que nesta via mais à esquerda a velocidade máxima permitida é de 40 Km/hora;
AA) No âmbito dessa acção de fiscalização, o autor encontrava-se colocado após a Praça de Portagens, na segunda via mais à esquerda, a cerca de 50 a 60 (cinquenta a sessenta) centímetros da meia faixa de rodagem mais à esquerda;
BB) O autor, para além do uniforme militar que envergava, estava apenas equipado com colete reflector;
CC) Não foram colocados quaisquer pinos reflectores que delimitassem a circulação de veículos no local, nomeadamente, que impedissem ou delimitassem de qualquer forma a circulação de viaturas na segunda meia faixa de rodagem mais à esquerda, na qual se encontrava o autor apeado;
DD) Logo após a zona da Praça das Portagens e a separar as vias de trânsito, encontravam-se colocadas no pavimento raias delimitadoras, que impedem a mudança de via por parte dos condutores, sendo certo que, após o fim destas raias delimitadores não se encontra colocado qualquer traço no pavimento, quer contínuo quer descontínuo;
EE) Ao contrário do que foi referido pelo autor, aquele encontrava-se em plena via de circulação de trânsito, após a Praça de Portagens da A2, Nó de Coina, onde a circulação de veículos é permitida, resultando evidente que a presença do autor em plena via de circulação de veículos, sem qualquer sinalização preventiva ou medida delimitadora de circulação para as viaturas que acabam de sair de uma via de circulação rápida, contribuiu para a produção do evento dos autos;
FF) Não poderá ser desvalorizado o facto de no local a velocidade se encontrar limitada a 40 Km/hora, só por si já considerada reduzida, e à circunstância de o autor se encontrar a regular a circulação de veículos no local, o que determinava o abrandamento dos condutores à sua passagem, levando necessariamente a concluir que a condutora do veículo seguro na ora recorrente circulava a uma velocidade inferior àqueles 40 Km/hora;
GG) É, assim, evidente que o circunstancialismo em que se produziu o acidente dos autos, com a presença não sinalizada do autor na via, própria e exclusiva para o trânsito de viaturas, e com o autor apenas vestindo um colete reflector que não permitia à condutora do veículo DC, por comprovadamente estar sem visibilidade para o autor devido à dimensão da viatura que a antecedia, não pode levar à conclusão de que o evento dos autos é integralmente imputável à condutora do veículo seguro (DC);
HH) Por isso, considera a ora recorrente que sempre com o devido respeito pelo douto tribunal, se terá de concluir que ao autor, enquanto peão colocado em plena via de circulação, mesmo que no exercício das suas funções de fiscalização automóvel, mas sem qualquer sinalização para além do colete reflector colocado no seu corpo e pela circunstância do veículo que precedia o DC, pelas suas dimensões não permitir a visibilidade adequada à condutora para avistar o autor, a responsabilidade pela produção do evento dos autos, terá de ser repartida pelos intervenientes, numa proporção que se considera adequada ao autor de 40%, tudo com as legais consequências;
II) Não pode a ora recorrente conformar-se com a atribuição dos montantes indemnizatórios, a título de danos não patrimoniais, nos termos constantes da sentença, os quais sempre terão de ser considerados manifestamente exagerados, atendendo aos critérios legal e jurisprudencial vigentes.
JJ) Por outro lado, resulta evidente que da sentença proferida resulta uma duplicação de atribuição de valores indemnizatórios ao autor, ao ser arbitrada, por um lado, uma indemnização de € 80.000,00, a título de dano futuro de natureza não patrimonial, considerando o índice de desvalorização profissional, a natureza das funções exercidas pelo autor, o peso e o incómodo do esforço físico suplementar necessário e, por outro, o arbitramento de uma indemnização de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais, pela incapacidade permanente parcial de que se encontra afectado, com a inerente frustração das suas expectativas de progressão profiissional.
KK) Senão, vejamos o que resulta provado, quanto às lesões e sequelas sofridas pelo autor, em consequência do evento dos autos:
- a consolidação médico-legal das lesões é fixável em 30.03.2012;
- É fixável um período de défice funcional temporário total de 14 dias (28.10.2011, entre 31.10.2011 e 11.11.2011 e 16.01.2012);
- É fixável um período de défice funcional temporário total de 141 dias (entre 29.10.2011 e 30.10.201);
- O período de repercussão temporária na actividade profissional total é fixável num período de 134 dias (entre 28.10.2011 e 09.03.2012);
- O período de repercussão temporária na actividade profissional parcial é fixável num período de 21 dias, (entre 10.03.2012 e 30.03.2012);

- O quantum doloris é fixável no grau 3 (três) de escala de 1/7 (um a sete);
- O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável cm 15 (quinze) pontos;
- Em termos de repercussão permanente na actividade profissional, as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
- A repercussão permanente nas actividades desportivas de lazer é fixável no grau 4 (quatro) de 1/7 (um a sete);
- A repercussão permanente na actividade sexual é fixável no grau 1 (um) de 1/7 (um a sete);
LL) Resulta evidente que não foi considerado pelo douto tribunal a quo a atribuição de qualquer indemnização a título de dano patrimonial (para além dos valores referentes aos bens utilizados pelo autor no momento do evento dos autos, no valor total de euros 1.345,30) e isto porque, conforme expresso na douta sentença recorrida “Para ressarcimento do dano patrimonial futuro de perda de capacidade de ganho pede o autor o pagamento da indemnização de € 82.406,71. Calculou o autor tal dano considerando a remuneração auferida pelo autor à data da fixação da IPP, a percentagem de IPP fixada, e a expectativa de vida activa até aos 75 anos.
Conforme prevê o artº° 564° do CC, o dever de indemnização compreende também os benefícios que o lesado deixou de auferir, mormente, pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis.
No caso em análise não há dúvidas que o autor sofreu desvalorização física, e que foi fixada a IPP de 16,4%, por referência à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho. No entanto, não resultou provado que tal IPP implicou uma efectiva perda salarial, e na proporção de tal percentagem de incapacidade; ou seja, na efectiva e futura capacidade de ganho do autor tal IPP não terá qualquer reflexo, enquanto perda patrimonial";
MM) Vem o douto tribunal a quo considerar que, face às sequelas sofridas e repercussão das mesmas no exercício da actividade habitual, importam as mesmas a tutela do direito, arbitrando uma indemnização de euros 80.000,00, no entanto, não pode a ora recorrente conformar-se com a atribuição daquela valor indemnizatório;
NN) Como decorre da própria sentença recorrida, não resultou para o autor qualquer perda da capacidade de ganho, mas sim de um dano de natureza não patrimonial como veio a ser considerado pelo douto tribunal a quo;
OO) Não assumindo o dano não patrimonial uma feição reparatória, esse dano deve traduzir uma feição compensatória, sendo que, no que concerne aos danos não patrimoniais, a obrigação de indemnização decorre do disposto no artigo 496° n°1 do Código Civil que estabelece que "na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”;.
PP) O montante da compensação do dano, não devendo determinar enriquecimentos injustificados, também não deve corresponder a um montante miserável, razão pela qual no seu cálculo o "Tribunal, nos termos do disposto no artigo 496° n°3, do Código Civil, deve fixar uma indemnização segundo critérios de equidade, tendo em atenção os critérios do artigo 494° do Código Civil, tomando o julgador em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida – vide Acórdão do STJ de 10 de Fevereiro de 1998, in CJ, STJ, Tomo 1, pág.67;
QQ) Assim, o montante indemnizatório, correspondente aos danos não patrimoniais, terá de ser calculado sempre segundo critérios de equidade, atendendo, nomeadamente, ao grau de culpabilidade do agente, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor actual da moeda;
RR) Assim, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, "O montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realizada da vida.";
SS) Concluiu-se no Processo n° 1053212008-6, que correu termos junto do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17 de Dezembro de 2008, nos termos do qual "No caso dos autos, provou-se que o A. sofreu graves fracturas e traumatismos, tendo sido alvo de intervenções cirúrgicas, sendo, pois, inquestionáveis as dores, a angústia e a tristeza por ele suportadas até à recuperação que foi possível das lesões que sofreu. As sequelas destas mantém-se de forma sensível (incapacidade permanente para o trabalho de 18%; urna perna mais curta do que outra e deformações em ambos os pés, tendo de usar palmilhas especiais até ao fim da sua vida, a impedi-lo de permanecer muito tempo em pé e de passear e praticar desporto como então fazia, as várias cicatrizes). Também relevante o sofrimento psicológico relacionado com o facto de não ser seguro que pudesse recuperar de todo e as perdas de memória e a ansiedade, provocadas pelo traumatismo craniano, pelo estado de coma e pelas constantes anestesias necessárias às várias intervenções cirúrgicas a que teve de se submeter.
Pode, pois, concluir-se que o A., homem de 48 anos, saudável e fisicamente robusto antes do acidente (amante e praticante de desporto e exercendo a sua actividade profissional sem qualquer problema), passou, após este, a ser um homem fisicamente limitado e incapacitado para a vida em geral, com o que isso tem de perda de afirmação social nas mais variadíssimas vertentes (familiar, profissional, afectiva, recreativa, cultural, cívica, etc.), de perda da saúde em geral e da própria "alegria de viver" e consequente desgosto de se ver em tal situação.
Neste quadro, ao abrigo das regras da equidade - citados arts 494° e 496° do CC - e com o melindre que sempre acarreta a quantificação de tais danos, entendemos como adequado e equilibrado fixar esta vertente de indemnização no montante de € 20.000, algo menos do atribuído na instância recorrida, na atenção da alteração para menos, que fizemos nos termos sobreditos, da sua IPP.';
TT) O Supremo Tribunal de Justiça, na Revista n° 455/06.OTCGMR.Gl.S1 – 6ª Secção, entendeu que : "Considerando que o autor tinha 12 anos à data do acidente; que o causador do acidente agiu com culpa exclusiva e acentuada, nada tendo contribuído o autor; que foi de 10 dias o período de internamento e de 1 ano a duração do tempo de doença; que, por causa do traumatismo sofrido, passou a padecer de cefaleias e de insónias, tornando-se uma pessoa mais irritável e ansiosa; que mantém amnésia para o acidente e passou a sentir mais dificuldade em concentrar-se e em memorizar; que as sequelas determinaram uma incapacidade permanente geral de 10% e as lesões causaram ao autor um quantum doloris de grau 4 na escala de 1 a 7, no momento do acidente e no decurso do tratamento; que estas sequelas continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodo e mau estar e que, à data do acidente, o autor era uma pessoa saudável e de constituição física normal, mostra-se adequado o valor de €10.000, a título de compensação pelos danos não patrimoniais°;
UU) Nos termos do Acórdão proferido no Processo que, com o n° 184/C.P2.SI, correu termos junto da 7ª Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, de 29 de Março de 2012, "Na verdade as graves e irreversíveis sequelas das lesões nos dois membros inferiores que limitam de forma acentuada a mobilidade do autor, seja na sua vida pessoal, seja na sua actividade profissional, que encurtam o leque de opções de trabalho, que impõem uma acréscimo de esforço para realizar as suas actividades laborais ou de natureza pessoal, inquestionavelmente causam um dano patrimonial (o dano biológico) que merece a tutela do direito.
No entanto o autor não tem razão quando pretende que a tal indemnização seja fixada em €110.000, 00.
Aqui sim, seria uma duplicação de indemnizações, já que o recorrente autor no fluido pretende que se utilizem as operações usuais para encontrar o montante indemnizatório relativo aos lucros cessantes, ou seja, como se não tivesse sido fixada a pensão vitalícia.
Como é evidente, não pode ser.
Do que se trata, como se disse acima é apenas de fixar a indemnização pelo dano biológico que se não confunde com a fixada no foro laborai relativa à redução da capacidade de trabalho e que não está em causa nestes autos.
Assim tendo em atenção idade do lesado (35 anos, aquando o acidente) e o grau de desvalorização (30%), critérios previstos na Portarias n°377/2008 de 26/05 e n° 679/20009 de 25/06, se bem que meramente indicativos, e no respeito da equidade (artigo 566°,n°3 do CC) entende-se equilibrado fixar o montante indemnizatório por este dano (dano biológico) em 610.000,00";
VV) O Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Janeiro de 2016, na Revista n° 3265/08.6FJVNF.GI.SI - 6" Secção, entendeu que : "Com efeito, e sem necessidade de reproduzir aqui em detalhe todos os padecimentos do Autor, vemos que foi submetido a várias intervenções cirúrgicas (mais de 17, muitas delas com anestesia geral, prevendo-se, ainda, a necessidade de, no futuro, se sujeitar a novas intervenções), sofreu internamento hospitalar deveras prolongado (7 meses inicialmente e por várias outras vezes, por períodos de semanas ou mesmo 1 ou 2 meses), foi st jeito a muitas sessões de fisioterapia e, posteriormente, hidroterapia, que se prolongam por vários meses, foi atingido por várias infeções (osteamieliles) contraídas em hospitais e a necessitarem de doses repetidas de antibióticos, esteve muitos meses acamado em casa com necessidade da ajuda de terceira pessoa para todos os atos da sua vida, esteve engessado durante dois meses, viu-se obrigado a deslocar-se, primeiro em cadeira de rodas e depois com a ajuda de canadianas (só a partir de 2007, tendo o acidente ocorrido em Outubro de 2005), que terá que usar – pelo menos, uma – por toda a sua vida, sofreu dores de grau 6 (numa escala de 1 a 7), ficou esteticamente afectado num grau de 5, numa escala de 1 a 7 (cicatrizes várias na perna e na região frontal da cabeça, bem como na ráquis e abdómen [resultantes de colheita de enxerto ósseo], bem como encurtamento em 4 em do membro inferior esquerdo), ,ficou afectado do ponto de vista psicológico e psiquiátrico, face às dores sentidas, alteração da sua vida nas vertentes profissional, social, pessoal e familiar (com particular relevo, o facto de ter deixado de conviver com amigos e familiares, não sair de casa, ter dificuldade em dormir, necessitar da ajuda de terceiro, sentir-se inútil e incapaz, estar depressivo e ansioso e com problemas de autoestima, não ir à praia nem praticar qualquer desporto, problemas conjugais, etc.), autorrepresenta a possibilidade de amputação da perna, perdeu a esperança de voltar a andar normalmente, o que tudo lhe determinou, ao nível das sequelas psiquiátricas, uma incapacidade permanente parcial de 12 pontos, sofreu quase três anos de ITT, ficou afectado de uma IPP de 49 pontos, sendo as sequelas, em termos de rebate profissional impeditivas do exercício da sua actividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico -profissional e sem capacidade futura de reconversão, ficou necessitado de auxílio de 3". pessoa para algumas actividades do seu dia e dia, para o resto da sua vida, ficou afectado de anquilose a nível do joelho esquerdo, anquilose no tornozelo em flexão plantar ausência de extensão e eversão activas no pé esquerdo.
Deste modo, tudo visto e ponderado, afigura-se que a indemnização de Duros 100.000,00 estabelecida no acórdão recorrido se apresenta como adequada ao caso';
WW) Na esteira da jurisprudência que, a título exemplifcativo atrás se refere, que a recorrente considera que os valores fixados na sentença recorrida, a título de danos não patrimoniais, salvo o devido respeito, sempre terão de ser considerados elevados e não respeitam os critérios legal e jurisprudencial aplicáveis a casos semelhantes;
XX) Para aferir do dano não patrimonial sofrido pelo autor, NA, há que ter por base as conclusões do Relatório da Perícia de Avaliação do Dano Corporal em Direito Civil realizado;
YY) Foi determinado pela observação realizada que, em resultado do acidente, o autor padeceu de um défice funcional temporário total de 14 dias, com um período de repercussão temporária total na actividade profissional fixado num total de 134 dias, para além de ter sido determinado que o autor padeceu de um défice funcional temporário parcial de 141 dias, com um período de repercussão temporária parcial na actividade profissional fixado num total de 21 dias;
ZZ) Acresce ainda que, como foi referido pelo Relatório Pericial, foi determinado que o autor é portador de um défice funcional permanente da integridade fisico- psíquica fixável em 15 Pontos;
AAA) Assente nos factos considerados provados, nos períodos de incapacidade fixados, no défice funcional permanente de que ficou portador que lhe conferem uma incapacidade permanente, e ainda na alegada frustração das expectativas do autor na sua progressão profissional, veio a sentença recorrida a fixar o montante indemnizatório, a título de danos não patrimoniais, em euros 130.000,00 (sendo euros 80.000,00, pela desvalorização profissional atentas as funções exercidas pelo  autor, com os inerentes esforços suplementares, acrescido de euros 20.000,00, a título de incómodos, dores e sofrimentos, físico e psicológico, ao qual ainda é sorrido o montante de euros 30.000,00, a título de ressarcimento dos danos de que ficou afectado face à incapacidade permanente parcial de que ficou afectado, o que, salvo o devido respeito, leva a concluir que o montante fixado para a indemnização a este título, é manifestamente elevado, atento os critérios legal e jurisprudencial vigentes para casos semelhantes;
BBB) Atendendo aos pressupostos narrados nestas alegações, a ré, ora recorrente, entende que, na fixação do montante indemnizatório a título de danos não patrimoniais ao autor, NA, não foram observados e, por conseguinte, foram violados os normativos legais estabelecidos nos artilos 496° n°3 e 494°, ambos do Código Civil;
CCC) Donde, deverá a sentença recorrida ser revogada nesta parte, devendo, por todos os danos não patrimoniais sofridos pelo autor, ser fixado um montante indcmnizatório não superior a euros 50.000,00;
DDD) Acontece que, questionando a responsabilidade da condutora do veículo seguro na ora recorrente na produção do acidente de viação dos autos, sempre o montante a atribuir ao autor deverá ter em consideração a proporção de responsabilidade a atribuir àquela;
EEE) A ora recorrente considera, conforme atrás se encontrou exposto, que a responsabilidade na produção do evento dos autos não poderá ser imputada, pelo menos de forma integral, a condutora do veículo seguro na ora recorrente;
FFF) Assim, para arbitramento de montante a pagar à Caixa Geral de Aposentações, por força da entrega de capital de remição ao autor, de euros 39.008,05, sempre terá que ser atendida a ponderação de responsabilidade a atribuir à ora recorrente, com as legais consequências.

Termina, pedindo que a sentença recorrida seja revogada e, em consequência, ser proferida nova decisão donde se conclua:
(i) pela atribuição de responsabilidade, mesmo que de forma parcial ao próprio autor pela produção do evento dos autos;
(ii) para além de, e no que à fixação dos montantes indemnizatórios, a título de danos não patrimoniais ao autor NA, em conformidade com os parâmetros atrás definidos;
(iii) para além da respectiva adequação do montante a pagar à Caixa Geral de Aposentações, por força da entrega de capital de remição ao autor, sempre terá que ser atendida a ponderação de responsabilidade a atribuir à ora recorrente.
 
O autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

II -FUNDAMENTAÇÃO

A) Fundamentação de facto
Mostram-se provados os seguintes factos:
1º - No dia 28 de Outubro de 2011, cerca das 16-10 horas, na A2, nó de Coina – Acesso ao IC21, concelho do Barreiro, Distrito de Setúbal, ocorreu um acidente de viação.
2º - Foram intervenientes:
a) O A. que à ocasião se encontrava no exercício da missão de fiscalização automóvel; e
b) O veículo ligeiro de passageiros, marca Chevrolet, matrícula DC, propriedade de LR, conduzido por CF, com o consentimento do proprietário, e seguro na Ré, pela apólice 000, do ramo automóvel, em vigor à data do acidente.
3º - O local do acidente é uma recta com boa visibilidade, e o piso encontrava-se seco.
4º - O veículo “DC” circulava no IC 21, Nó de Coina/Portagens, no sentido de Lisboa/Barreiro.
5º - A condutora do veículo “DC” circulava atrás de uma viatura, cuja matrícula se desconhece.
6º - A qual, por ter uma altura e largura superiores às do veículo “DC” interveniente, impossibilitava-a de ter uma visibilidade total da via por onde circulava.
7º - Após passar a barreira da portagem, a condutora do veículo “DC” deixou a via por onde circulava, destinada aos utilizadores da “Via Verde” e adjacente ao separador central.
8º - E desviou a sua trajectória para a fila de trânsito mais à direita, atento o seu sentido de marcha.
9º - Na qual, à ocasião, se encontrava o A. no exercício da sua actividade fiscalizadora, a interceptar os veículos que haviam sido detectados em infracção por excesso de velocidade.
10º - Indo nele embater com a zona frontal, direita, do veículo “DC”.
11º - Provocando a projecção do mesmo e a sua queda na via.
12º - A condutora do veículo “DC” apenas se deu conta da presença do A., quando estava mesmo em cima dele.
13º - O A. encontrava-se uniformizado e equipado com colete reflector.
14º - Em consequência directa e necessária do embate, o A. sofreu ferimentos e danos físicos.
15º - Após o acidente, o A. foi transportado em ambulância do INEM ao Centro Hospitalar Barreiro-Montijo, onde lhe foram prestados os cuidados médicos de que carecia, tendo-lhe sido dada alta no mesmo dia, pelas 22.30 horas.
16º - Nos dias seguintes, 29 e 30 de Outubro de 2011, porque sentiu um agravamento do seu estado de saúde, o A. deslocou-se ao Centro Clínico da GNR, onde lhe foram diagnosticadas as seguintes lesões:
a) traumatismo cervical de que resultou hérnia discal C4-C5;
b) traumatismo da pirâmide nasal; e
c) entorse do joelho direito.
17º - Devido às lesões diagnosticadas, o A. esteve internado no referido Centro Clínico de 30 de Outubro até ao dia 11 de Novembro seguinte.
18º - A que se seguiu um período de convalescença no domicílio.
19º - Em 16 de Janeiro de 2012, o A. foi submetido a intervenção cirúrgica para correcção do desvio do septo nasal, obstrução e deformação nasal, no Hospital da Ordem Terceira.
20º - Por subsistirem dores e adormecimento dos membros superiores e inferiores, o A. foi consultado na especialidade de neurocirurgia.
21º - Tendo-lhe sido prescritos vários exames complementares de diagnóstico, por suspeita de traumatismo da coluna cervical e alteração da sensibilidade.
22º - Para uma melhor recuperação física, o A. efectuou 60 sessões de fisioterapia, que decorreram de 15.12.2011 até 30.03.2012.
23º - O A. retomou o serviço normal em 9 de Março de 2012.
24º - O A. efectuou diversos exames complementares de diagnósticos no Hospital CUF Infante Santo.
25º - O A. efectuou consulta de neurocirurgia.
26º - Em 23.11.2011 o A. foi submetido a exame de ressonância magnética da coluna vertebral.
27º - O presente acidente de viação foi já objecto de acção declarativa intentada pelo Estado Português, contra a mesma seguradora, N Seguros, Companhia de Seguros, S.A.
28º - Tal acção foi proposta no então Tribunal de Família e Menores e de Comarca do Barreiro, tendo corrido termos pelo Proc. nº 3037/13.6TBBRR do 2º Juízo Cível, tendo sido julgada procedente, por provada, e proferida em 12.04.2014 sentença, transitada em julgado em 22-05-2014.
29º - Em 19.03.2012 o A. foi submetido a exame pericial de neurocirurgia por acidente de serviço, realizado pelo Dr. Miguel Laia, Médico-Cirurgião, tendo este verificado que o A. apresentava as seguintes sequelas: - “cervico-braquialgia esquerda de forma espontânea de agravamento com a prova dos braços estendidos onde apresenta irradiação pelo ombro e braço esquerdo com topografia radicular em C4/C5 e hipoestesia táctil e à dor na face antero-externa do braço esquerdo”.
30º - Devido às sequelas físicas resultantes das lesões causadas pelo acidente, no âmbito dos Serviços do Ministério da Administração Interna, o A. foi submetido a uma Junta Superior de Saúde realizada em 09.01.2013, tendo a mesma verificado que o A. era portador de IPP de 16,37%.
31º - Tendo o resultado da Junta sido homologado em 15.01.2013 pelo Exmo. 2º Comandante Geral da GNR.
32º - Em consequência das lesões sofridas pelo A. no acidente de viação, é possível determinar que:
- A consolidação médico-legal das lesões é fixável em 30.03.2012;
- É fixável um período de défice funcional temporário total de 14 dias (28.10.2011, entre 31.10.2011 e 11.11.2011, e 16.01.2012);
- É fixável um período de défice funcional temporário parcial de 141 dias, (entre 29.10.2011 e 30.10.2011;
- O período de repercussão temporária na actividade profissional total é fixável num período de 134 dias, (entre 28.10.2011 e 09.03.2012);
- O período de repercussão temporária na actividade profissional parcial é fixável num período de 21 dias, (entre 10.03.2012 e 30.03.2012);
- O quantum doloris é fixável no grau três de escala de sete; - O défice funcional permanente da integridade físico-psíquica é fixável em 15 pontos;
- Em termos de repercussão permanente na actividade profissional, as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares;
- A repercussão permanente nas actividades desportivas de lazer é fixável no grau quatro de sete;
 - A repercussão permanente na actividade sexual é fixável no grau um de sete.
33º - O A. viu, repentinamente, o veículo DC na sua frente e avançar velozmente sobre si, tomando consciência de que ia sofrer o embate daquele no seu corpo.
34º - Tendo sofrido enorme susto, e sentido medo de morrer no acidente.
35º - Cuja lembrança o acompanha para o resto da vida.
36º - O A. nasceu em 16.07.1979, contando 32 anos de idade à data do acidente.
37º - À data do acidente, o A. era 2º Sargento nº 000 da GNR, exercendo a actividade profissional inerente a este posto.
38º - O A. abraçou a sua carreira de militar da GNR, como Guarda Provisório, em 17 de Setembro de 2001, quando tinha 22 anos de idade.
39º - Desde a data em que iniciou a sua carreira de militar, mercê do resultado positivo dos diversos cursos que frequentou e da submissão a provas físicas que prestou, foi sendo sucessivamente promovido:
- em 29.06.2002 a guarda;
- em 03.06.2007 a Cabo;
- em 01.09.2010 graduado no posto de Furriel; e
- em 01.10.2011 a 2º Sargento.
40º - Do seu registo curricular de actividade militar, consta que exerceu funções principais de: Chefe de Equipa de Trânsito; Adjunto do Chefe de Secção; Serviço Operacional; Frequência de Cursos; e Serviço de Patrulha.
41º - Recebeu formação e especialização/qualificação, nas seguintes áreas: Na área da informática, Master de Win; Trânsito; Acção de formação de Pistola Glock; Inglês 2.1; Certificação de Operador Balanças; Operador Provida 2000; Socorrismo; Formação e Actualização Rodoviária.
42º - Deu formação a Praças da GNR, no âmbito do curso de formação de Guardas e posteriormente de especialização de trânsito.
43º - Foi distinguido com louvores que lhe foram atribuídos pelas Chefias da GNR, pelos serviços prestados.
44º - Era objectivo do A. progredir na sua carreira como militar da GNR como o fazia antes do acidente, ambicionando chegar não só ao topo da carreira, ou seja, ao posto de Sargento-Mor, mas também ao oficialato.
45º - À data do acidente faltava-lhe ascender aos postos de 1º Sargento, Sargento-Ajudante, Sargento-Chefe, e Sargento-Mor para atingir o topo da carreira de sargentos.
46º - Sendo a ascensão na carreira do A. dependente de aspectos relacionados com a antiguidade em cada posto, para além de outros critérios, como seja a frequência dos respectivos cursos e especializações, a prestação de provas de conhecimentos técnico-profissionais adquiridos, e ter aptidão física e psíquica adequadas, as quais são avaliadas mediante submissão a rigorosas inspecções médicas para comprovar o bom estado de saúde e a consequente aptidão física do candidato militar.
47º - Devido à incapacidade de que ficou afectado por causa do acidente, deixou de possuir a aptidão física exigida para a progressão na carreira, para além do posto de 1º Sargento.
48º - Em Fevereiro de 2015, o A. foi nomeado para frequentar o curso de Instrutor de Intervenção Policial para Sargentos.
49º - Devido à incapacidade física resultante do acidente, veio a ser excluído da admissão ao curso pelas respectivas chefias, por falta da necessária aptidão física.
50º - Devido à incapacidade física de que é portador, o A. está definitivamente impedido de frequentar os cursos de Intervenção de Ordem Pública e de Operações Especiais por implicarem a obrigatoriedade de exames de aptidão física.
51º - A frustração das suas expectativas profissionais e de progressão na carreira militar na GNR., causam ao A. grande desgosto.
52º - À data da fixação da IPP - 09.01.2013 – o A. auferia a retribuição anual no montante de € 19.788,15.
53º - Em consequência do acidente ficaram danificados e sem conserto objectos pessoais do A., e que foram substituídos por bens com o seguinte valor de aquisição:
T-Shirt branca e Apito fox. -----------------€14,45;
Boné B.T. Sargento ------------------------- €42,85;
Coldre em couro branco -------------------€25,00;
Par de óculos de sol -------------------------€158,00;
Par de óculos graduados -------------------€535,00;
Relógio marca Pulsar catalonia -----------€170,00;
Telemóvel TMN ----------------------------- €689,00.
54º - Por ofício de 19 de Fevereiro de 2013, a Secção de Recursos Humanos da Unidade Nacional de trânsito da Guarda Nacional Republicana informou a Caixa Geral de Aposentações de que “Na sequência do acidente sofrido pelo 2º Sargento nº 201034 - NA, em 28 de Outubro de 2011, foi organizado o processo por acidente em serviço (693/2011) tendo o mesmo sido qualificado “como ocorrido em serviço” (despacho de 23 de Dezembro de 2011 do Exmo. 2º Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana)”.
55º - Entre outros documentos, foi anexo ao referido ofício cópia da Informação nº 2458/11, de 13/12/2011, da Direcção de Justiça de Disciplina da GNR, na qual se encontra exarado o despacho de 23 de Dezembro de 2011 do Exmº 2º Comandante-Geral da Guarda Nacional Republicana.
56º - De acordo com a Informação nº 2458/11, no dia 28 de Outubro de 2011, nas portagens de Coina/Barreiro (IC21 Km.0), Nuno Alexandre Cunho Azevedo nomeado patrulha “Operação 3/46 todos os Santos 2011”, aquando do desempenho da sua específica missão, foi atropelado pela condutora do veículo com matrícula DC.
57º - Em consequência deste acidente, NAsofreu traumatismo cervical de que resultou hérnia discal C4-C5, traumatismo da pirâmide nasal e entorse do joelho direito.
58º - Por ofício de 18 de Junho de 2013, a Caixa Geral de Aposentações convocou NApara comparecer no dia 25 de Julho de 2013 nas instalações na CGA para realização de junta médica para confirmação de incapacidade nos termos do Decreto-Lei nº 503/99, de 20 de Novembro.
59º - A Junta Médica da Caixa Geral de Aposentações, realizada em 25 de Julho de 2013, considerou que das lesões apresentadas pelo sinistrado – traumatismo da coluna cervical, hérnia discal, traumatismo da pirâmide nasal, traumatismo do joelho direito – resultava uma incapacidade permanente parcial, atribuindo um grau de incapacidade de 16,37%.
60º - Por decisão proferida em 30 de Janeiro de 2014, proferida pela Direcção da Caixa Geral de Aposentações, ao abrigo de delegação de poderes conferida pelo Conselho Directivo e publicada no Diário da República, II Série nº 192, de 4 de Outubro de 2013, foi fixada a NA uma pensão por acidente em serviço - pensão anual vitalícia no valor de €2.356,27.
61º - Atendendo ao grau de desvalorização fixado, a título de reparação do acidente em serviço sofrido pelo sinistrado, foi pago pela Caixa Geral de Aposentações o capital de remição de €39.008,05.

B) Fundamentação de direito

As questões colocadas e que este tribunal deve decidir, nos termos dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, expurgando as conclusões formuladas pela recorrente do que nelas traduz mera argumentação ou se revela inócuo para a decisão a proferir, podemos concluir que está em causa, no âmbito do recurso, apenas o conhecimento das seguintes questões:
- A responsabilidade pela produção do acidente;
- A fixação dos montantes indemnizatórios, a título de danos não patrimoniais ao autor;
- O montante a pagar à Caixa Geral de Aposentações.

A RESPONSABILIDADE PELA PRODUÇÃO DO ACIDENTE

A douta sentença recorrida decidiu que a responsabilidade do acidente pertence exclusivamente à condutora do veículo DC. Nas alegações a ré seguradora argumenta que a responsabilidade na produção do acidente deve ser repartida na proporção de 40% para o autor e de 60% para a condutora do veículo segurado.
Cumpre decidir.
Segundo o disposto no nº 1 do 483º do C. Civil, “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.”
Nas acções de responsabilidade civil extra-contratual, a causa de pedir é complexa, como complexa é normalmente a situação de facto de onde emerge o direito à indemnização, pressupondo, segundo as circunstâncias, a alegação de matéria de facto relacionada com o evento, a ilicitude, a conduta culposa ou uma situação coberta pela responsabilidade objectiva, os prejuízos e o nexo de causalidade adequada entre o evento e os danos.
O facto tem de ser ilícito, ou seja, o agente infringe um dever jurídico através da violação dos direitos subjectivos de outrem, de que são exemplo os direitos de personalidade.
A culpa exigida pelo artigo 483°, n° 1 compreende o dolo e a negligência ou mera culpa, a falta de cuidado, a imprudência em face de determinados tipos de situação.
Enquanto que a ilicitude consiste num juízo de censura sobre o próprio facto, na culpa, esse juízo de reprovação incide sobre o agente em concreto, o qual podia e devia, nas circunstâncias, ter agido de modo diverso.
Quanto ao modo de apreciação da culpa, estipula o artigo 487° n° 2 que não deve atender-se in concreto à diligência habitual do autor do facto, mas in abstracto, ponderando as circunstâncias de cada caso e a diligência do homem médio, do bonus pater famíliae.
A prova da culpa pertence ao lesado (artigo 487° n° 1).
No caso dos autos e têm especial relevo os factos respeitantes à dinâmica do acidente.
Assim:
- A condutora do veículo “DC” circulava atrás de uma viatura, a qual, por ter uma altura e largura superiores às do veículo “DC” interveniente, impossibilitava-a de ter uma visibilidade total da via por onde circulava – (5º e 6º).
- Após passar a barreira da portagem, a condutora do veículo “DC” deixou a via por onde circulava, destinada aos utilizadores da “Via Verde” e adjacente ao separador central e desviou a sua trajectória para a fila de trânsito mais à direita, atento o seu sentido de marcha – (7º e 8º).
- Na qual, à ocasião, se encontrava o A. no exercício da sua actividade fiscalizadora, a interceptar os veículos que haviam sido detectados em infracção por excesso de velocidade – (9º).
- Indo nele embater com a zona frontal, direita, do veículo “DC”, provocando a projecção do mesmo e a sua queda na via – (10º e 11º).

O facto de a condutora do veículo “DC” circular atrás de uma viatura, a qual, por ter uma altura e largura superiores às do veículo “DC”, impossibilitava-a de ter uma visibilidade total da via por onde circulava, não constitui justificação para o seu comportamento, conforme alega, pois, nesse caso, eram-lhe ainda exigíveis mais cautelas perante a visibilidade reduzida. Assim, a referida condutora, ao não abrandar e certificar-se que a via por onde pretendia passar a circular estava impedida violou as regras da imprudência, donde emerge a sua culpa.
Por outro lado, o autor, militar da GNR, em nada contribuiu para a produção do acidente, pois se encontrava no exercício da sua actividade fiscalizadora, a interceptar os veículos que haviam sido detectados em infracção por excesso de velocidade devidamente identificado e em local visível para os condutores, uniformizado e com colete reflector (factos provados sob os nºs 9º e 13º) – artigo 4º nº 1 do Código da Estrada.
Conforme dispõe o artigo 35º nº1 do Cód. da Estrada, “o condutor só pode efectuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direcção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito”.
Ao desviar a sua trajectória para a fila de trânsito mais à direita, atento o seu sentido de marcha, violou ainda o disposto no artigo 24º nº 1 do Código da Estrada, pois devia ter regulado a velocidade do seu veículo de forma a poder imobilizá-lo, no espaço livre e visível à sua frente, caso surgisse qualquer obstáculo.
Conclui-se, assim, tal como na sentença recorrida e também na sentença proferida em 12.04.2014 no processo nº 3037/13.6TBBRR (fls 27 a 36) que, “ Não tendo agido de acordo com as normais cautelas impostas aos condutores, e violando as disposições legais já indicadas, conclui-se que a condutora do veículo seguro na ré actuou ilícita e culposamente”.

A FIXAÇÃO DOS MONTANTES INDEMNIZATÓRIOS, A TÍTULO DE DANOS NÃO PATRIMONIAIS AO AUTOR

Conclui a ré apelante que o montante fixado a título de danos não patrimoniais arbitrados ao autor são manifestamente elevados.
Cumpre decidir.
 A obrigação de indemnização em geral consiste na restauração natural ou, quando tal se revele impossível ou excessivamente oneroso para o responsável, a compensação em determinada quantia monetária, com a finalidade última de colocar o lesado mais próximo da situação em que se encontraria no momento presente, como se o dano não se tivesse verificado (vd. artigos 562° e 566°, n°s 1 e 2).
Os danos não patrimoniais são aqueles que, pelo menos directamente, não são susceptíveis de avaliação pecuniária, reflectem valores de ordem moral, espiritual e, por isso, a obrigação de indemnização tem uma finalidade compensatória.
Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (artº 496º, nº 1).
O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º ( artº 496º, nº 3).
Embora sejam insusceptíveis de avaliação pecuniária bastante para contrapor às dores e sofrimentos, uma situação que, se não anule, ao menos atenue ou minore, de modo significativo os danos dela provenientes. Compreende tais danos as fortes dores devidas ao acidente e em correlação com os tratamentos e intervenção cirúrgicas sofridas. Trata-se de danos cuja dimensão não obedece aos critérios correntes de avaliação. O artigo 496º nº 1 limita-se a fornecer um critério com alguma elasticidade, mas inspirado numa razão objectiva, sobre a qual há-de assentar o juízo de equidade.
Nessa perspectiva, só são atendíveis os danos não patrimoniais que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Ora, um dano grave não é um dano exorbitante ou excepcional, mas é aquele que sai da mediania, que ultrapassa as fronteiras da banalidade.
É um dano considerável que, no seu mínimo espelha a intensidade duma dor, duma angústia, dum desgosto, dum sofrimento moral que, segundo as regras da experiência e do bom senso, se torna inexigível em termos de resignação.
Para a dor moral ou psíquica é impossível estabelecer escalas peremptórias: dentro do critério da gravidade, seguir-se-ão os ensinamentos da experiência humana em termos de afectividade e sentimento, segundo um prudente arbítrio de indemnização.
Importa, neste âmbito, encontrar o adequado quantitativo em dinheiro, através do qual se alcança um prazer de neutralizar a dor sofrida.
Nestes danos interfere em especial a natureza e intensidade do sofrimento causado e a sensibilidade do lesado e duração da dor. Pese embora registar-se uma evolução positiva na jurisprudência quanto aos montantes que ultimamente se têm fixado para ressarcir o lesado vítima de danos não patrimoniais, são ainda insuficientes e continuam a pecar, por defeito, com indemnizações muito baixas.
A compensação por danos não patrimoniais visa facultar ao lesado uma importância em dinheiro que seja adequada a propiciar alegrias, satisfações e bem-estar que lhe apaguem da memória o sofrimento físico ou moral, a dor espiritual e física, a vergonha que lhe foi provocada pelo evento danoso, quer seja passado, presente ou mesmo futuro.
A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.
A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão, antes visa proporcionar ao lesado situações ou momentos de prazer ou de alegria, bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade da dor pessoal sofrida[1]
Sem embargo do recurso a critérios pautados por um maior grau de objectividade, a solução da equidade, cujo prudente uso foi confiado pelo legislador aos tribunais que apreciam a matéria de facto, pode assentar na razoável ponderação dos elementos estruturais resultantes da matéria de facto provada. A equidade não se confunde com a pura arbitrariedade ou com a total entrega da solução a critérios assentes em puro objectivismo do julgador.
A reparação judicial dos danos não patrimoniais, ou seja, o montante indemnizatório ao ser fixado equitativamente, deverá ter em consideração, as circunstâncias apontadas no artigo 496º, nº 3 do Código Civil, e deve aproximar-se, quanto possível, dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em conta as flutuações da moeda e deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do artigo 566º do Código Civil, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo tribunal.
Quanto aos danos futuros, o autor pediu o pagamento de uma indemnização de € 82.406,71. Calculou o autor tal dano considerando a remuneração auferida pelo autor à data da fixação da IPP, a percentagem de IPP fixada, e a expectativa de vida activa até aos 75 anos. Conforme prevê o art.º 564º do CC, o dever de indemnização compreende também os benefícios que o lesado deixou de auferir, mormente, pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis. No caso em análise não há dúvidas que o autor sofreu desvalorização física, e que foi fixada a IPP de 16,4%, por referência à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho.
Por outro lado, tal como refere e bem a douta sentença, “subsiste um dano futuro de natureza não patrimonial, decorrente da incapacidade com que o autor ficou afectado dadas as sequelas das lesões sofridas no acidente de viação em apreço. Com efeito, e como resultou provado, para além da IPP o autor sofreu um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 15 pontos, e se em termos de repercussão permanente na actividade profissional, as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicam esforços suplementares.
Como vem sendo entendido pela jurisprudência maioritária, os danos futuros decorrentes de défice funcional permanente podem ter uma vertente patrimonial, caso impliquem uma efectiva perda de rendimento ou de capacidade de ganho, mas também uma vertente que vem sendo entendida como também tendo natureza não patrimonial, nos casos em que, não existindo uma comprovada perda de capacidade de ganho, o exercício da normal actividade profissional acarrete esforços suplementares. Sem entrar na discussão sobre se os esforços suplementares configuram um dano patrimonial ou não patrimonial, a verdade é que se trata de um dano futuro, resultado de lesões na saúde e integridade física do lesado. E, quer se trate de dano patrimonial ou não patrimonial, a verdade é que, não sendo determinável uma efectiva perda de rendimentos futuros, o cálculo da indemnização obedecerá a critérios de equidade, (art.º566º nº3 do CC)[2].
No caso, e como ficou provado, o autor ingressou na carreira militar, sendo à data do sinistro 2º Sargento da GNR. Trata-se de carreira exigente, com grande enfase na preparação e aptidão física dos militares. Estando provado que o autor ficou afectado de sequelas físicas, todas elas decorrentes das lesões sofridas em consequência da colisão; que essas sequelas determinam uma IPP de 16,37 por referência à Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho; determinaram ainda um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 15 pontos; e se em termos de repercussão permanente na actividade profissional, as sequelas são compatíveis com o exercício da actividade habitual, implicam esforços suplementares, não resta que concluir pela existência de um dano futuro indemnizável.
Considerando o índice de desvalorização profissional, a natureza das funções do autor, e notório peso e incómodo do esforço físico suplementar necessário, entende-se ser adequada a fixação de indemnização em €80.000,00”.

O MONTANTE A PAGAR À CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES

A Caixa Geral de Aposentações interveio, ao abrigo do disposto no artigo 46º nº 3 do DL 503/99, de 20 de Novembro, pedindo a condenação da ré a reembolsá-la do montante pago ao autor, a título de reparação de acidente de serviço, no valor de € 39.008,05.
Foi este o valor atribuído pela douta sentença.
Argumenta a apelante que tal valor deve ser atribuído em função da responsabilidade a atribuir à apelante na proporção de 40%.
Não colhe a pretensão da apelante, uma vez que já decidimos que a segurada da ré é a única culpada da produção do acidente, pelo que a ré, ora apelante, deve ser condenada a pagar à CGA o valor acima referido.
Improcedem, assim, na totalidade, as conclusões das alegações da apelante.

CONCLUSÕES
- Nas acções de responsabilidade civil extra-contratual, a causa de pedir é complexa, como complexa é normalmente a situação de facto de onde emerge o direito à indemnização, pressupondo, segundo as circunstâncias, a alegação de matéria de facto relacionada com o evento, a ilicitude, a conduta culposa ou uma situação coberta pela responsabilidade objectiva, os prejuízos e o nexo de causalidade adequada entre o evento e os danos.
- A culpa exigida pelo artigo 483°, n° 1 compreende o dolo e a negligência ou mera culpa, a falta de cuidado, a imprudência em face de determinados tipos de situação; enquanto que a ilicitude consiste num juízo de censura sobre o próprio facto, na culpa, esse juízo de reprovação incide sobre o agente em concreto, o qual podia e devia, nas circunstâncias, ter agido de modo diverso.
- A indemnização por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico.
- A satisfação ou compensação dos danos não patrimoniais não é uma verdadeira indemnização, no sentido de um valor que reponha as coisas no seu estado anterior à lesão, antes visa proporcionar ao lesado situações ou momentos de prazer ou de alegria, bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade da dor pessoal sofrida.
- A reparação judicial dos danos não patrimoniais, ou seja, o montante indemnizatório ao ser fixado equitativamente, deverá ter em consideração, as circunstâncias apontadas no artigo 496º, nº 3 do Código Civil, e deve aproximar-se, quanto possível, dos padrões seguidos pela jurisprudência tendo em conta as flutuações da moeda e deve ser actual, aplicando-se aqui igualmente a regra do artigo 566º do Código Civil, que manda atender à data mais recente em que o facto é apreciado pelo tribunal.
- Os danos futuros decorrentes de défice funcional permanente podem ter uma vertente patrimonial, caso impliquem uma efectiva perda de rendimento ou de capacidade de ganho, mas também uma vertente que vem sendo entendida como também tendo natureza não patrimonial, nos casos em que, não existindo uma comprovada perda de capacidade de ganho, o exercício da normal actividade profissional acarrete esforços suplementares.

III - DECISÃO

Atento o exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.

Lisboa, 21 de Junho de 2018

Ilídio Sacarrão Martins

Teresa Prazeres Pais 

Isoleta de Almeida Costa


[1] Cfr. A. Varela, “ Das Obrigações em Geral”, 9ª edição, Vol. I, pág.628 e Dário Martins de Almeida, “ Manual dos Acidentes de Viação”, pág. 275.
[2] Ac STJ de 20.10.2011, Proc.º nº 428/07.5TBFAF.G1:S1