Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2440/19.2T8BRR.L1-4
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: DESPEDIMENTO
GREVE
SERVIÇOS MÍNIMOS
RELAÇÃO LABORAL PLURILOCALIZADA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/06/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA
Sumário: I - O direito à greve é um direito fundamental dos trabalhadores, de natureza irrenunciável (art.º 57.º da Constituição da República Portuguesa e art.º 530.º n.º 3, do Código do Trabalho).
II - O recurso à greve é decidido pelas associações sindicais ou pela assembleia de trabalhadores, sendo os trabalhadores representados pela associação sindical que decidiu o recurso à greve ou pela comissão de greve eleita pela assembleia de trabalhadores (artigos 531.º e 532.º, do Código do Trabalho).
III- A greve suspende o contrato de trabalho do trabalhador aderente, incluindo o direito à retribuição e os deveres de subordinação e assiduidade (art.º 536.º, n.º 1, Código do Trabalho), ficando aquele colocado numa situação de imunidade em relação às consequências da sua abstenção de trabalhar.
IV- Uma vez que a greve pode contender com a tutela do interesse geral da comunidade e com outros direitos fundamentais dos cidadãos, o legislador previu que as empresas ou estabelecimentos destinados à satisfação de necessidade sociais impreteríveis, a associação sindical que declare a greve ou a comissão de greve e os trabalhadores aderentes devem assegurar durante a mesma, a prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades (art.º 537.º n.º 1, do Código do Trabalho).
V - Nesse contexto, os representantes dos trabalhadores em greve devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos definidos e informar do facto o empregador, até vinte e quatro horas antes do início do período de greve ou, se não o fizerem, deve o empregador proceder a essa designação (art.º 538.º, n.º 7 Código do Trabalho). Assim sendo,
VI - Deveria a 2.ª Ré, ora Recorrente, ter indicado ao Sindicato XXX os trabalhadores que estavam aptos e disponíveis para prestar os serviços mínimos, tal como lhe foi por este solicitado, visto dispor a empregadora da pertinente informação a esse respeito.
VII -  Tendo o Autor verificado que o seu nome não integrava a lista elaborada pelo dito Sindicato onde constavam os nomes dos trabalhadores designados para prestar serviços mínimos - entidade a quem cabia legalmente essa indicação, tendo o mesmo optado por aderir à greve, à luz da Constituição, da lei e das regras da boa-fé, a sua ausência ao serviço no dia em questão, não pode ser qualificada como falta injustificada, tendo antes ocorrido no âmbito do exercício legítimo do seu direito à greve.
VIII - Ainda que assim não fosse, e porventura se considerasse que a adesão à greve por parte do trabalhador tinha sido executada de forma contrária à lei, tratando-se de uma única falta, no contexto em questão, sem que se tenha demonstrado a ocorrência de quaisquer prejuízos para a Ré empregadora, não tendo o Autor passado disciplinar, sempre seria de considerar desproporcionada a aplicação de sanção disciplinar expulsiva (art.º 330.º, do Código do Trabalho), sabido constituir esta a última ratio do nosso sistema punitivo laboral (art.º 328.º, do Código do Trabalho), não se verificando justa causa de despedimento (art.º 351.º, do Código do Trabalho).
IX – A presente situação consubstancia uma relação laboral plurilocalizada, na medida em que existem elementos de contacto, pelo menos, com as ordens jurídicas portuguesa e (…). Com efeito, o Autor é português, presta serviços para a Ré que é (…), desempenhando as suas funções a bordo de aeronaves registadas na (…), no espaço aéreo europeu, tendo as partes escolhido no âmbito dos contratos de trabalho que celebraram a aplicação da lei (…).
X - Ao caso aplica-se o disposto no Regulamento 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I).
Resulta do art.º 3.º do citado Regulamento, como primeiro critério para a determinação da lei aplicável, o princípio da autonomia da vontade. Cabendo, assim, às partes a escolha da lei aplicável. Não deixa, contudo, de se acautelar a posição da parte mais débil, prevendo-se, no tocante aos contratos de trabalho, que “a escolha da lei não pode privar o trabalhador da proteção proporcionada pelas disposições não derrogáveis por acordo da lei que seria aplicável na falta de acordo” (art.º 8.º n.º 1). Estabelecendo-se nos n.ºs 2 e 3, do mesmo preceito, respetivamente, os fatores de conexão determinantes da lei reguladora do contrato no caso de as partes não terem escolhido a lei aplicável e na hipótese de não ser possível determinar a lei aplicável (“a lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do constato ou, na sua falta  a partir da qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato” e a “lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador”). 
XI – Uma vez que a Ré durante o tempo em que perdurou a relação laboral em causa remunerou o Autor de acordo com a lei (…), tendo-se provado ter o Autor auferido retribuição variável (cujo montante não se apurou), jamais lhe tendo sido pago qualquer verba enquadrável no conceito de subsídio de férias e de subsídio Natal, e não estando demonstrado que o trabalhador tivesse de receber a retribuição mínima mensal garantida, é de concluir que a legislação laboral portuguesa assume conteúdo mais protetivo para o trabalhador do que a lei (…).
XII – Para além disso, no caso em apreço, de acordo com a jurisprudência do TJUE, o essencial dos indícios fácticos indicativos do local onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho, para efeitos de determinação da lei que seria aplicável na falta de acordo, apontam, claramente, para a lei portuguesa.
(Elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
1. 1.AAA interpôs a presente ação especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra BBB e CCC.
As Rés apresentaram articulado motivador de despedimento. Alegram, em síntese, que a entidade empregadora do Autor é a 2.ª Ré, tendo esta ratificado o procedimento disciplinar movido ao Autor pela 1.ª Ré. O Autor faltou propositadamente ao trabalho num dia em que estava escalado para realização de serviços mínimos, na sequência de uma greve decretada pelo XXX. A sua conduta causou prejuízos organizacionais à entidade empregadora. Concluíram, requerendo se determine que a entidade empregadora do Autor era a CCC e que independentemente do referido, seja declarado válido e lícito o despedimento do Autor.
O Autor contestou a ação, pugnando se declare a ilicitude do despedimento de que foi alvo. Pediu que a Ré empregadora seja condenada a reintegrá-lo ao serviço, sem prejuízo da sua categoria e das funções exercidas à data do despedimento, até ao trânsito em julgado da sentença, assim como a pagar-lhe as férias em falta, os subsídios de férias e de natal desde 2014, os bónus de produtividade relativos ao ano de 2019 e o valor referente à formação dos últimos 3 anos. Pediu ainda a condenação da Ré a pagar-lhe os juros de mora à taxa legal de 4%, desde a data de vencimento de cada uma das referidas prestações, até efetivo e integral pagamento, bem como a indemnizá-lo, a título de danos não patrimoniais na quantia de € 10.000. Alegou, em resumo, que o processo disciplinar foi conduzido e o despedimento aplicado por entidade que não era a sua entidade empregadora, o que implica a sua nulidade. O Autor não estava escalado para qualquer serviço de acordo com a lista de trabalhadores emitida pela entidade com legitimidade para o fazer, sendo que todos os serviços mínimos foram assegurados; não tem quaisquer sanções disciplinares averbadas, pelo que a sanção aplicada é desproporcional e abusiva, consubstanciando o presente disciplinar uma prática de assédio por o Autor ter feito greve.  Com o despedimento viu-se privado da sua remuneração, situação que lhe causou danos não patrimoniais.
A 2.ª Ré respondeu, pugnando pela improcedência da contestação do Autor e do pedido reconvencional.
Procedeu-se ao saneamento dos autos, tendo sido admitida reconvenção deduzida pelo Autor.
Identificou-se o objeto do litígio e dispensou-se a enunciação dos temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento.
Proferida sentença nela se finalizou com o seguinte dispositivo:
Pelos fundamentos de facto e de direito supra expostos, o tribunal julga a ação totalmente procedente porque totalmente provada e, em consequência, decide:
a) Declarar ilícito o despedimento promovido pela 2.ª Ré contra o Autor;
b) Consequentemente, condenar a 2.ª Ré na reintegração do Autor no mesmo estabelecimento da empresa, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
c) Condenar a 2.ª Ré no pagamento ao Autor – em sede de liquidação - das retribuições que este deixou de auferir desde 26.09.2019 até trânsito em julgado da presente decisão, deduzidas as seguintes quantias, a liquidar em incidente próprio:
a. Quantias que o Autor tenha auferido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento;
b. Subsídio de desemprego eventualmente atribuído ao Autor no período referido em c), devendo a Ré entregar essa quantia à segurança social.
d) Condenar a 2.ª Ré a entregar à Segurança Social todos os montantes auferidos pelo Autora a título de subsídio de desemprego, em sede de liquidação.
e) Condenar a 2.ª Ré no pagamento ao Autor dos subsídios de férias e de Natal desde a data em que este passou a exercer funções na base de Lisboa até trânsito em julgado da presente decisão, a liquidar em incidente próprio.
f) Condenar a 2.ª Ré no pagamento ao Autor da quantia de € 8000 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios à taxa supletiva legal desde a data da citação até efetivo e integral pagamento”.
1.2. Inconformada com esta decisão dela recorre a 2.ª Ré, formulando as seguintes conclusões:
(…)
1.3. O Autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida.
1.4. O recurso foi admitido na espécie, efeito e regime de subida adequados.
1.5. Remetidos os autos a esta Relação foi ordenada vista, tendo o Exmo. Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitido parecer no sentido da confirmação da sentença e não provimento do recurso.
1.6. A esse parecer respondeu a 2ª Ré, ora Recorrente, mantendo os seus pontos de vista.
1.7. Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
Cumpre apreciar e decidir
2. Objeto do recurso
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º s 3 e 4, 639.º, n.º 1, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado. Assim, as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem na impugnação da matéria de facto; em aquilatar se a Ré, ora Recorrente, despediu o Autor e, nesse caso, se o despedimento é lícito, bem como se não são devidos ao Autor os montantes referentes aos subsídios de férias e de Natal e ao bónus de produtividade do ano de 2019.
3. Fundamentação de facto
3. 1. Encontram-se provados os seguintes factos:
A. O Autor nunca desempenhou funções sob a autoridade, direção e fiscalização da 1.ª Ré.
B. O Autor foi admitido ao serviço da 2.ª Ré em 25 de março de 2012.
C. Foi na estrutura desta sociedade que o Autor esteve integrado até à data da cessação do contrato de trabalho.
D. Era a 2.ª Ré que emitia ordens e instruções ao Autor atinentes à organização e disciplina do trabalho, nomeadamente no que respeita aos voos concretos a assegurar e operar pelo Autor, às funções por si a desempenhar, ao horário de trabalho a cumprir, ao agendamento do período de férias.
E. Era à 2.ª Ré a quem o Autor tinha de justificar as faltas ao trabalho e apresentar os respetivos documentos justificativos.
F. O Autor estava também inscrito na Segurança Social como trabalhador da 2.ª Ré.
G. Era esta sociedade que pagava mensalmente a retribuição do Autor.
H. Era também esta sociedade que mensalmente procedia aos descontos legais relativos às contribuições e quotizações para a Segurança Social.
I. À relação laboral entre o Autor e a 2.ª Ré aplicou-se desde o início a legislação laboral irlandesa.
J. Em novembro de 2018, a 2.ª Ré e o XXX alcançaram um acordo que previa a transição e futura aplicação da legislação laboral portuguesa às relações laborais entre aquela empresa e os seus trabalhadores a desempenhar funções em Portugal, como era o caso do Autor, nos seguintes termos: “Artigo 1: Âmbito O presente acordo é aplicável a todos os Tripulantes de Cabine diretamente contratados pela CCC cuja base de afetação é localizada em território Português. Artigo 2: Lei aplicável em termos de legislação laboral As partes acordam que, na data limite de 31 de janeiro de 2019, os contratos de trabalho dos Tripulantes de Cabine diretamente contratados pela CCC referidos no artigo 1 serão regidos pela legislação laboral portuguesa. (…) Artigo 4: Nenhum impacto em litígios pendentes O acordado nos artigos 2 e 3 não produzem impacto nas diferenças de entendimento da CCC e do XXX relativamente à jurisdição e lei aplicável em relação a litígios pendentes perante tribunais portugueses.”
K. Neste contexto, em 31 de janeiro de 2019 a 2.ª Ré comunicou aos seus trabalhadores, incluindo ao Autor, que a partir de 1 de fevereiro de 2019 iria passar a aplicar-se à relação laboral entre as partes a legislação laboral portuguesa.
L. Foi ainda comunicado que por força de uma futura transmissão de estabelecimento (concretamente, do contrato de prestação de serviços celebrado entre a 2.ª Ré e a YYY igualmente sociedade de Direito irlandês) os contratos de trabalho viriam futuramente a ser transmitidos ope legis para uma empresa de trabalho temporário portuguesa.
M. Sucede que o licenciamento para a atividade de trabalho temporário relativamente à 1.ª Ré não se encontra, à data da apresentação da contestação, finalizado.
N. O Autor foi despedido pela 1.ª Ré na sequência de um procedimento disciplinar com intenção de despedimento com justa causa que culminou na aplicação da referida sanção disciplinar com efeitos a 26 de setembro de 2019.
O. Em 28.08.2019 o Autor foi notificado da abertura do procedimento disciplinar e da respetiva nota de culpa através da plataforma denominada … e por email.
P. Em 29 de agosto de 2019 o autor foi notificado da nota de culpa, desta vez via postal registada com aviso de receção.
Q. O Autor apresentou via email a resposta à nota de culpa subscrita pela Dra. …, Advogada, com poderes para o efeito.
R. Na resposta à nota de culpa o Autor requereu a inquirição de três testemunhas: (…), (…) e (…).
S. A testemunha (…) foi inquirida, tendo a inquirição das duas restantes testemunhas sido dispensada pelo Autor.
T. Juntamente com a resposta à nota de culpa o Autor juntou cinco documentos.
U. A 2.ª Ré é uma sociedade comercial que se dedica essencialmente à prestação de serviços para os seus clientes, incluindo a YYY, que se dedica à prestação de serviços de transporte aéreo.
V. O Autor detém a categoria profissional de Customer Service Agent.
W. No dia 01.08.2019 foi entregue um pré-aviso de greve do pessoal tripulante de cabine pelo XXX para os dias 21 a 25 de agosto de 2019.
X. Em virtude do referido pré-aviso de greve, foi convocada uma reunião pela Direção Geral do Emprego e das Relações de Trabalho, entre a 2.ª Ré e o XXX, que teve lugar no dia 06.08.2019.
Y. Uma vez que na aludida reunião não foi alcançado um acordo entre as partes sobre a definição de serviços mínimos, em 16.08.2019 foi emitido o Despacho n.º 65/2019 pelo Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e das Infraestruturas e Habitação.
Z. Neste Despacho foram decretados os serviços mínimos e determinados os voos de ligação necessariamente abrangidos por esses serviços mínimos e que teriam, assim, de ser operados e assegurados.
AA. Na sequência do referido Despacho, no dia útil imediatamente seguinte, ou seja, dia 19.08.2019, a YYY enviou ao XXX a lista dos voos abrangidos pelos serviços mínimos, as respetivas datas e horários.
BB. Em 19.08.2019, pelas 18h45m, o XXX apresentou à YYY uma lista dos trabalhadores que deveriam cumprir os serviços mínimos decretados.
CC. Em data concretamente não apurada a 2.ª Ré enviou uma convocatória a cada um dos trabalhadores escalados para os voos garantidos pelos serviços mínimos e, assim, ao Autor.
DD. A YYY enviou, no dia 23.08.2019, uma comunicação para o XXX.
EE. Nesta comunicação, para além de salientar novamente a necessidade de cumprimento dos serviços mínimos decretados no Despacho Ministerial n.º 65/2019, a YYY apresentou uma lista dos trabalhadores alocados para operar os voos abrangidos pelos serviços mínimos, bem como solicitou ao XXX que informasse estes mesmos trabalhadores da imperatividade de dar cumprimento ao aludido despacho.
FF. Nestas comunicações, a YYY salientou ainda a importância de os trabalhadores assegurarem e darem cumprimento aos serviços mínimos e, para que não fossem invocadas quaisquer questões, evidenciou ainda que o eventual incumprimento dos mesmos teria forçosamente de ser encarado e considerado como uma infração disciplinar muito grave.
GG. O Autor não compareceu em qualquer um dos dois voos a que estava adstrito nos termos da lista referida em BB. HH. Nos termos da lista referida em BB. o Autor estava escalado para o seguinte dia e voos: a) Dia 25.08.2019, para os voos FR1885/4 e FR6066/7.
II. Apesar de devidamente convocado para tal, o Autor não compareceu ao serviço.
JJ. Quando confrontado com os factos acima descritos no dia 26.08.2019, o Autor admitiu e reconheceu que, apesar de lhe terem sido enviadas e ter lido as convocatórias e instruções dos dias 20 e 24 de agosto não compareceu ao serviço.
KK. A 19.08, pelas 15h40m, o XXX solicitou à YYY que lhe facultasse uma lista de trabalhadores disponíveis para cumprir os voos dos serviços mínimos.
LL. O XXX foi notificado do Despacho Ministerial que decretou os serviços mínimos a 16.08.
MM. A YYY e a 2.ª Ré não forneceram a lista solicitada em TT.
NN. Em fevereiro de 2019 o Autor foi notificado pela 2.ª Ré que a partir dessa data passaria a ser um trabalhador da 1.ª Ré.
OO. Ao receber a comunicação referida em K., o Autor aceitou e não estranhou o teor da mesma, tendo ficado perfeitamente convencido de que o seu contrato teria transitado para a 1.ª Ré.
PP O Autor desconhecia e não tinha obrigação de saber se o processo de licenciamento da 1.ª Ré se encontrava ou não cumprido.
QQ. No processo disciplinar movido contra o Autor nenhuma referência é feita à 2.ª Ré, tendo esta proferido a 04.10.2019 um despacho, com o seguinte teor: “CCC, aqui representada por …, portadora do Passaporte n.º EA8157768, na qualidade de HR Manager, com referência ao procedimento disciplinar instaurado ao seu trabalhador AAA, declara expressamente ratificar todos os atos praticados nos respetivos autos e no seu âmbito, nomeada mas não limitadamente, todos os despachos proferidos, a Nota de Culpa emitida e a decisão final de despedimento com justa causa proferida, reconhecendo e assumindo expressamente todos os efeitos jurídicos produzidos.
RR. Foram decretados, como serviços mínimos os seguintes voos de ligação: a) um voo diário de ida e volta entre Lisboa e Paris; b) um voo diário de ida e volta entre Lisboa e Berlim; c) um voo diário de ida e volta entre Porto e Colónia; d) um voo diário de ida e volta entre Lisboa e Londres; e) um voo de ida e volta entre Lisboa e a Ilha Terceira, nos dias 21, 23 e 25 de agosto.
SS. Devido ao facto vertido em MM. o XXX praticou o facto vertido em BB.
TT. Após ter enviado a lista para as empresas e ainda no mesmo dia, a Direção do XXX emitiu um comunicado a todos os seus associados, disponibilizando, para consulta, a lista de tripulantes afetos aos serviços mínimos.
UU. Alguns tripulantes, após terem consultado a lista e verificando a sua própria indisponibilidade para os dias em que estavam escalados, entraram em contacto com o XXX, o que deu origem a uma retificação da lista, retificação essa enviada para as empresas e por comunicado para todos os tripulantes.
VV. Após receber a informação da lista elaborada pelo XXX, a YYY/2.ª Ré endereçaram uma carta a esta entidade informando que não aceitavam a lista proposta e informando que já tinham efetuado o seu planeamento e que iriam cumprir o mesmo.
WW. Relativamente aos dias de greve o Autor teve o cuidado de verificar a lista dos serviços mínimos elaborada pelo XXX, quer a primitiva quer a retificada, tendo constatado que o seu nome não fazia parte pelo que decidiu aderir à greve.
XX. Todos os aviões levantaram voo.
YY. O Autor não tem quaisquer infrações disciplinares averbadas ao seu registo pessoal.
ZZ. O Autor tinha sido eleito pelos seus Colegas para exercício do cargo de delegado sindical, facto que era do total conhecimento da 2.ª Ré, uma vez que o mesmo participava, frequentemente, nas reuniões de negociação de um futuro Acordo de Empresa bem como efetuava retiradas sindicais sempre que a sua presença se revelava necessária para cumprimento das suas atribuições.
AAA. O Autor recebeu no espaço de um mês duas notificações para reunir em Dublin, uma para justificar uma retirada sindical, ao qual lhe foi atribuída uma falta injustificada e outra para se justificar quanto à sua retirada à greve.
BBB. O Autor não aufere um vencimento base.
CCC. O Autor é natural da cidade do Porto, mais concretamente da Póvoa de Varzim, tendo mudado a sua vida para Lisboa por forma a poder ser trabalhador da Ré.
DDD. Para o efeito, decidiu adquirir uma habitação própria e fixar a sua residência permanente perto do Aeroporto de Lisboa.
EEE. Na semana em que assinou a escritura de compra e venda da sua casa, teve conhecimento da instauração do processo disciplinar, tendo em vista o seu despedimento.
 FFF. Toda esta situação causou-lhe uma tristeza profunda e uma angústia tão grande que foi forçado a procurar ajuda médica para o efeito.
GGG. O Autor ainda não conseguiu encontrar novo emprego, o que apenas aumenta a situação vertida em FFF.
HHH. A 2.ª Ré nunca pagou subsídio de férias ao Autor durante todo o período de vigência do contrato.
III. O Autor nunca recebeu subsídio de natal durante todo o período de vigência do contrato.
JJJ. O Autor não tinha vencimento base, recebendo o valor de cerca de € 16 por cada hora de voo.
KKK. Apesar de a partir de julho de 2019 surgir nos recibos do Autor uma referência ao subsídio de natal e férias, os valores correspondentes eram automaticamente descontados, pelo que nunca lhe foram processados.
LLL. Desde 2015 que o trabalhador apenas tem 20 dias de férias.
MMM. A 2.ª Ré paga, pelo menos desde 2018, um bónus de produtividade no valor de € 150/mês a cada Tripulante que no ano respetivo não tenha faltas injustificadas ou atrasos.
NNN. Os contratos de trabalho fazem referência à escolha da lei irlandesa como a lei aplicável à relação laboral, o que se deveu a imposição da Ré.
OOO. Para desempenhar as suas funções o Autor apresentava-se, todos os dias em que prestasse trabalho, junto da competente Sala dos Tripulantes no referido aeroporto, em Portugal,
PPP. Portugal é o país no qual o Autor se apresentava a trabalhar e o país onde iniciava e ao qual regressava no final da sua jornada de trabalho.
QQQ. Os aviões da 2.ª Ré encontravam-se estacionados no referido Aeroporto de Lisboa, Portugal.
RRR. Na referida Sala dos Tripulantes o Autor registava a sua entrada ao serviço em computador destinado para o efeito, bem como registava a sua saída no final de cada dia de trabalho, o que era obrigatório e imperativo sob pena de marcação de falta.
SSS. Nos dias em que o serviço do Autor consistisse em voos programados, este deveria apresentar-se e registar a sua entrada 45m antes de cada voo.
TTT. As instruções de segurança aos passageiros por parte do Autor, atendimento dos mesmos durante o voo era prestado a bordo de aeronave registada na Irlanda.
UUU. A coordenação e planeamento da atividade do Autor eram feitas na Irlanda.
3.2. Factos não provados
Não se provou que:
a) Que, para além do que resulta do facto vertido em D., o Autor reportasse aos seus superiores hierárquicos também trabalhadores da mesma sociedade, nomeadamente e entre outros a (…) e (…) ambas do Departamento de Recursos Humanos da 2.ª Ré.
b) Que tenha sido a 2.ª Ré que decidiu instaurar um procedimento disciplinar ao Autor e, a final, aplicar-lhe a sanção disciplinar de despedimento com justa causa.
c) Que de forma a tornar mais eficiente de um ponto de vista de gestão administrativa e de recursos humanos a sua operação em Portugal, a 2.ª Ré se tenha decidido pela criação da 1.ª Ré.
d) Que concluído o procedimento disciplinar movido contra o Autor se tenha constatado que em toda a referida documentação, onde consta “BBB” devia ler-se e constar “CCC”
e) Que o facto vertido em N. tenha ocorrido com justa causa e tenha sido efetuado pela 2.ª Ré.
f) Que não era possível cumprir a lista apresentada pelo XXX, uma vez que esta contemplava vários trabalhadores que se encontravam indisponíveis para trabalhar, por se encontrarem em gozo de licença de parentalidade, período de gravidez, em gozo de férias, impedidos por restrições/limitações de horas de voos ou que já não desempenhavam à data quaisquer funções na 2.ª Ré.
g) Que o facto vertido em DD. tenha ocorrido a 20.08.2019 e se tenha devido à necessidade de dar efetivo cumprimento ao identificado Despacho e aos serviços mínimos decretados.
h) Que no dia 24.08.2019 a 2.ª Ré tenha enviado nova comunicação aos trabalhadores escalados e, inclusivamente, ao Autor, relembrando os dias para os quais estes estavam calados de forma a ser dado cumprimento aos serviços mínimos.
i) Que os voos referidos em HH. estivessem abrangidos por determinação do Despacho n.º 65/2019 pelos serviços mínimos.
j) Que nas circunstâncias vertidas em II. o Autor tivesse consciência de que estava obrigado a operar os dois voos de serviço mínimos acima identificados.
k) Que nas circunstâncias vertidas em JJ. o Autor estivesse consciente dos seus deveres, faltando propositadamente.
l) Que com o comportamento referido em k) o Autor tenha desrespeitado de forma consciente, dolosa e reiterada, ordens licitamente emitidas tendo prejudicado, também de forma consciente e dolosa, a 2.ª Ré, provocando-lhe sérios prejuízos, tanto ao nível da sua operação como da sua organização.
m) Que no ano de 2019 o Autor tenha auferido, durante o ano de 2019, um vencimento base mensal de € 1338,81.
n) Que o Autor tenha auferido em média as seguintes retribuições durante os 12 meses do ano: 2014 - € 1435,01; 2015 - € 1428,8; 2016 - € 1458,77; 2017 - € 1286,52; 2018 - € 1511.21; 2019 – 1338,81.
o) Que nos últimos três anos de contrato o Autor não tenha efetuado qualquer formação;
p) Que conste expressamente do contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a 2.ª Ré o pagamento de uma retribuição horária fixa por cada hora agendada, bem como um bónus de vendas mensal como retribuição pelo trabalho prestado.
q) Que a 2.ª Ré tenha aceite pagar aquele montante concreto a título de retribuição horária no pressuposto e condição essencial de que a mesma seria paga ao Autor em doze prestações mensais, conforme igualmente acordado entre as partes.
r) Sob a lei …o valor de salário mínimo é estabelecido por hora e por experiência:
- Trabalhador experiente, com mais de dois anos nas funções - € 9,8/hora (equivalendo a cerca de € 1568 por mês num horário completo); - Trabalhador com mais de 19 anos e mais de um ano de experiência, mas menos de € 2 – 8,82/hora (equivalendo a cerca de € 1411,2 por mês num horário completo); - Trabalhador com mais de 18 anos e menos de 1 ano desde o primeiro emprego - € 7,84/hora (equivalendo a cerca de € 1248 por mês num horário completo); - Trabalhador menor - € 6,86/hora (€ 1097,6).
s) Que nas circunstâncias vertidas em PPP. a sala fosse disponibilizada e titulada pela 2.ª Ré.
t) Que após a aterragem e o regresso à referida sala de tripulação o Autor redigia os relatórios necessários, depositando os mesmos em local destinado para o efeito ou introduzindo-os eletronicamente em computador existente na sala, de acordo com a categoria de cada um dos relatórios.
u) Que o Autor recebia as instruções de trabalho a partir da … onde se encontravam os seus superiores hierárquicos.
v) Que o Departamento de controlo de tripulação da 2.ª Ré está localizado em Dublin, sendo o mesmo responsável por assegurar a mitigação de quaisquer disrupções nas operações de voo em caso de alterações de última hora, atrasos ou incidentes.
 w) Que os tripulantes são contactados pelo Controlo de Tripulação, situado em Dublin, quando se encontram em stand-by e se revela necessário operar algum voo.
x) Que é também o departamento de Inflight que gere todos os temas operacionais, tais como assiduidade e performance, tudo a partir de ….
y) Que as rotas e os tempos de trabalho eram preparados pela 2.ª Ré a partir de Dublin e posteriormente enviados para o Autor via online, com 4 semanas de antecedência, podendo este aceder ao planeamento em qualquer local.
z) Que todas as licenças e pedidos de licença são submetidas pelos trabalhadores através da aplicação da 2.ª Ré designada … e são revistas em …, sendo que é ao Departamento de Controlo de Tripulação que os tripulantes devem notificar as situações de incapacidade temporária para o trabalho e para onde devem também enviar os respetivos documentos justificativos.
aa) Que os requisitos e condições de atribuição do bónus de produtividade nunca tenham objeto de negociação ou acordo com os trabalhadores, tendo o Autor sido deles devidamente informado.
bb) O bónus de produtividade está condicionado à verificação dos seguintes requisitos cumulativos: inexistência de faltas injustificadas ao trabalho, inexistência de atrasos na apresentação ao trabalho e manutenção do contrato de trabalho em vigor a 31 de janeiro do ano subsequente àquele a que se reporta.
4. Fundamentação de Direito
4.1. Da impugnação da matéria de facto
Impugna a 2.ª Ré, ora Recorrente, a decisão da matéria de facto, nos termos que se passam a indicar e a analisar de seguida.
(…)
Em face do exposto, apenas nos resta concluir pela procedência, parcial, da presente questão.
4.2. Do despedimento do Autor
4.2.1. Sustenta a 2.ª Ré, ora Recorrente que apenas por mera aparência documental é que o procedimento disciplinar do Recorrido foi executado por uma entidade que não era sua entidade empregadora real, pois, em termos materiais, tudo foi desenvolvido pela Recorrente.  Mais diz que o procedimento disciplinar, conducente ao despedimento do Autor, tramitado pela 1.ª Ré, deve ser considerado válido, por ter sido por si ratificado.
Sem prejuízo do que adiante se dirá, e ao invés do invocado pela Ré, não foi apenas por mera aparência que o procedimento disciplinar do Recorrido foi executado por uma entidade que não era a sua empregadora real (o que o Autor não desconhecia). Muito pelo contrário.
Com efeito, a 1.ª Ré interveio ao longo de todo o procedimento disciplinar como se fora a entidade patronal do Autor. As pessoas que intervieram na elaboração desse procedimento fizeram-no em representação daquela entidade, o expediente que nesse âmbito foi remetido ao Autor tem o nome da 1.ª Ré e o papel usado tem a designação da 1.ª Ré.  Os atos materiais (e formais) que conduziram ao “despedimento” do Autor foram perpetrados pela 1.ª Ré. Compreende-se, por isso, que o Autor se tenha considerado despedido pela 1.ª Ré e contra esta tenha inicialmente deduzido a presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento. Tanto mais que lhe havia sido transmitido pela Ré, ora Recorrente, que a partir de 1 de fevereiro de 2019 se passaria a aplicar à relação laboral a legislação laboral portuguesa e que os contratos se transmitiriam para uma empresa de trabalho temporário portuguesa, tendo o Autor, como tal, ficado convencido que o seu contrato teria transitado para a 1.ª Ré.
4. 2. 2. Quanto aos demais aspetos em que se decompõe presente questão, tendo os mesmos sido colocados pela Ré no âmbito do processo 9433/19.5T8LRS.L1, relatado pela ora Relatora, remetemos para o aí consignado. 
Assim, 
“Nos termos do art.º 98.º do Código do Trabalho “O empregador tem poder disciplinar sobre o trabalhador ao seu serviço, enquanto vigorar o contrato de trabalho”. O que significa ter o empregador a faculdade de aplicar sanções disciplinares ao trabalhador quando este com o seu comportamento cometa infração disciplinar – ou seja, infrinja os deveres que sobre si impendem decorrentes da lei, dos regulamentos internos da empresa e dos instrumentos de regulação coletiva de trabalho. Mais latamente, abrange tal poder as condutas extralaborais com reflexos na relação de trabalho e nos interesses do empregador, sempre que o trabalhador se coloque na vigência do contrato e no âmbito da organização em que se insere, numa situação censurável atentatória dos interesses dessa organização (Vd. Paulo Sousa Pinheiro, “Curso de Direito Processual do Trabalho”, Almedina Maio 2020, pág. 95).
O poder disciplinar caracteriza-se por ser um poder subjetivo do empregador, recondutível à categoria de direito potestativo, traduzindo-se para o trabalhador numa posição de sujeição face às alterações que o exercício de tal poder implicam na sua esfera jurídica.
É um poder exclusivo do empregador que pode ser exercido diretamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele (art.º 329.º n.º 4 do Código do Trabalho).
Embora seja um poder do empregador, o mesmo pode ser exercido por funcionários do empregador, sendo também comum serem advogados a tramitar os procedimentos disciplinares e a decidir da aplicação da sanção, desde que munidos dos necessários poderes de representação (Vd. os Acórdãos do TRE de 11-04-2019, proc. 071/18.9T8EVR-A.1 e do TRP de 19-12-2012, proc. 477/11.9TTVRL-A.P1 e de 13-07-2011, proc.  161/09.3TTVLG.P1).
Segundo a Recorrente, o exercício dessa prerrogativa patronal é possível por delegação de poderes em terceiros, e também quando esse poder é exercido sem poderes de representação - o que depois carece da competente ratificação para se manter válido e pleno na ordem jurídica – o que invoca com base nos seguintes patamares argumentativos:
i) No presente caso, tratou-se, na prática, de um conjunto de atos de gestão praticados por terceiro, que foram ratificados pela Recorrente, na pessoa da responsável para o efeito (representação sem poderes).
ii) A não ser daquele modo enquadrada a situação, pode a mesma ser configurada como um caso de gestão de negócios, o que redunda na mesma conclusão (art.º 464.º e segs. do Código Civil).
iii) Entendendo-se que a 1.ª Ré agiu em nome próprio, ainda que em benefício da Recorrente, tão pouco aniquila a lei o ato ou negócio celebrado, mandando aplicar as normas relativas ao mandato sem representação (art.º 1180.º e segs. do Código Civil).
iv) Finalmente, considerando que se trata de gestão de negócio alheio julgado próprio (art.º 472.º do Código Civil), tendo esta ratificado o procedimento disciplinar, então terá de se aplicar o regime da gestão de negócios com o mesmo resultado.
Vejamos
Antes de mais, cumpre assinalar, que sendo a Ré uma sociedade comercial, o procedimento disciplinar, desde que não praticado por ela, deve sê-lo por quem tem poderes para a representar. Por força do disposto no art.º 157.° do Código Civil, são-lhe aplicáveis as disposições aplicáveis às pessoas coletivas, razão pela, qual segundo o  art.º 163.º n.° 1, do mesmo diploma, a sua representação em juízo ou fora dele, cabe a quem os estatutos determinarem ou, na falta de disposição estatuária, à administração ou a quem por ela for designado. Deste modo, a emissão de uma declaração com conteúdo negocial gera uma obrigação vinculante para a sociedade sempre que a mesma seja produzida por um seu representante  “de jure”,  art.º 258° do Código Civil, subsidiariamente aplicável (Ac. do STJ de 17-06-2019, proc. 08S3617).
No caso em análise, a Recorrente, não concedeu quaisquer poderes de representação à 1.ª Ré no que toca ao exercício do poder disciplinar sobre o Autor.
A Recorrente pugna pela validade e eficácia do procedimento disciplinar do Autor, invocando, como se disse, ter procedido à sua ratificação. 
Como é sabido, a ratificação do negócio encontra-se referida em várias disposições do Código Civil. Assim sucede no caso da representação sem poderes, art.º 268.º Código Civil. (“1- O negócio que uma pessoa, sem poderes de representação, celebre em nome de outrem é ineficaz em relação a este, se não for por ele ratificado. 2. A ratificação está sujeita à forma exigida para a procuração e tem eficácia retroativa, sem prejuízo dos direitos de terceiro. 3. Considera-se negada a ratificação, se não for feita dentro do prazo que a outra parte fixar para o efeito. 4. Enquanto o negócio não for ratificado, tem a outra parte a faculdade de o revogar ou rejeitar, salvo se, no momento da conclusão, conhecia a falta de poderes do representante”), no abuso de representação, art.º 269.º (“O disposto no artigo anterior é aplicável ao caso de o representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso”), na hipótese de gestão de negócios representativa, art.º 471.º, 1.ª parte (“Sem prejuízo do que preceituam os artigos anteriores quanto às relações entre o gestor e o dono do negócio, é aplicável aos negócios jurídicos celebrados por aquele em nome deste o disposto no artigo 268.º) e no mandato sem representação, art.º 1178.º  (“ 1- Se o mandatário for representante, por ter recebido poderes para agir em nome do mandante, é também aplicável ao mandato o disposto nos artigos 258.º e seguintes”).
A propósito desta temática, Rui Alarcão, inA Confirmação dos Negócios Anuláveis”, Coimbra, pág. 123, fazendo apelo a uma noção estrita de ratificação, refere que a ratificação do negócio se caracteriza como “o ato pelo qual, na representação sem poderes ou com abuso no seu exercício, a pessoa em nome de quem o negócio é concluído declara aprovar tal negócio, que doutro modo seria ineficaz em relação a ela”. 
A Recorrente sustenta, conforme exposto, que o caso se reconduz a uma situação de representação sem poderes a que se refere o citado art.º 268.º n.º 1, do Código Civil. Mas não lhe assiste razão. Com efeito, de acordo com o normativo citado, é mister que o agente celebre o negócio “em nome de outrem”, como representante de outra pessoa (contemplatio domini). (Vd. Ac. do STJ de 11-07-2013, proc. 4244/09.1TBSLL.L1.SI). O que implica dever o agente manifestar ou fazer saber à contraparte que não age para si; o negócio não o vincula, mas sim à pessoa em nome de quem o realiza.
Exige-se neste domínio, como é sabido, a notoriedade ou evidenciação da condição representativa. Vd. Raul Guichard “O Instituto da Representação Voluntária”, file:///C:/Users/mj01161/Downloads/O+INSTITUTO+DA+REPRESENTA%C3%87%C3%83O+VOLUNT%C3%81RIA+NO+C%C3%93DIGO+CIVIL%20(1).pdf. O que in casu não ocorreu. Na realidade, ao contrário do que sustenta a Recorrente, nunca a 1.ª Ré, BBB, agiu de modo a que se possa considerar que atuou em nome de outrem, ou seja, em nome da Recorrente, 2.ª Ré.   
Ao longo de todo procedimento disciplinar, sempre se arrogou a dita 1.ª Ré, como empregadora do Autor (que sempre apelidou de “seu trabalhador”) -  o que resulta, com clareza, do teor de todas as peças que compõem o procedimento disciplinar e correspondência trocada, onde a mesma surge sempre e só identificada como BBB (vd. fls. 29 e segs).
Posição esta, aliás, que a mesma 1.ª Ré até corroborou no início dos presentes autos na medida em que se apresentou na audiência de partes, na qualidade de empregadora do Autor, nada tendo invocado em sentido contrário.
Em face dessa realidade, não estamos, pois, perante uma situação de representação sem poderes enquadrável no aludido art.º 268.º, pelo que a “ratificação” do negócio efetuada pela Recorrente não é operante.
Posto isto, importa agora ver se a situação se integra na figura da gestão de negócios (artigos 464.º a 472.º do Código Civil). 
Nos termos do art.º 464.º “Dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direção de negócio alheio no interesse e por conta do respetivo dono, sem para tal estar autorizada”. Segundo referem Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, I Volume, Coimbra, 4.ª Edição Revista, pág. 443, a expressão negócio não é usada na sua aceção técnico-jurídica, podendo a atuação do gestor abarcar a realização de negócios jurídicos, atos jurídicos não negociais, ou até simples factos materiais. Por negócio, considera-se o assunto ou interesse de outrem - suscetível de ser realizado por um terceiro. Neste domínio, sustenta, por seu turno, Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Almedina, Vol. I, pág. 494, não é necessário que os atos assumam cariz patrimonial.
Para além disso, impõe o legislador que o gestor atue “no interesse e por conta do dono do negócio”, o que significa, decompondo estas noções, que a gestão deve traduzir-se numa atividade que seja útil para o dono do negócio, à luz dos valores fundamentais do ordenamento e da boa fé, devendo os atos praticados destinar-se à esfera jurídica do beneficiário. Vd. Menezes Cordeiro “Tratado de Direito Civil”, Vol. VIII, Almedina, 2007, pág. 86. 
É ainda necessário que a intervenção do gestor decorra intencionalmente em proveito alheio e não em exclusivo interesse próprio. Pois, como alertam Pires de Lima e Antunes Varela, in Ob. Cit., pág. 443, se o gestor agir no seu exclusivo interesse falta um requisito essencial do instituto que é o de estimular (ou pelo menos não desencorajar) a intervenção útil nos negócios alheios carecidos de direção.
Com base no exposto, bem se vê que os requisitos de que depende a aplicação do regime da gestão de negócios no presente caso se não mostram reunidos. Como já dito, a 1.ª Ré agiu, pura e simplesmente em nome próprio, e nada se apurou que nos possa levar a concluir que a prática dos atos (a tramitação do procedimento disciplinar) se destinava à esfera jurídica da 2.ª Ré ou mesmo em benefício desta.
Não é assim aplicável o disposto na 1.ª parte do disposto no referido art.º 471.º do Código Civil, não tendo valia, para esse efeito, a “ratificação” a que procedeu a Recorrente.
Acresce ainda, que mesmo que assim não ocorresse e se pudesse, por hipótese, considerar estarmos perante um caso de gestão em nome próprio, ou seja, em presença do previsto na 2.ª parte, do art.º 471.º do Código Civil, acima transcrito, ainda assim a “ratificação” operada pela Recorrente não teria a virtualidade de tornar eficaz os atos praticados pela 1.ª Ré. É que nesse caso teriam de se considerar as regras do mandato sem representação, concretamente o disposto nos artigos 1180 .º (“O mandatário, se agir em nome próprio, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes dos atos que celebra, embora o mandato seja conhecido dos terceiros que participem nos atos ou sejam destinatários destes”) e 1181.º (“1-O mandatário é obrigado a transferir para o mandante os direitos adquiridos em execução do mandato”), pelo que, agindo o mandatário em seu nome, adquire o mesmo os direitos e as obrigações decorrentes dos atos que praticou que deve obrigatoriamente transferir para o mandante. Como expressivamente escreve Pessoa Jorge, “Mandato sem Representação”, Edições Ática, pág. 192, “apesar dos efeitos do mandatário sem poderes se inserirem, em princípio, na sua esfera jurídica, eles destinam-se ao seu verdadeiro interessado, para o qual a interposta pessoa (mandante) os deve transmitir, na sua exata configuração jurídica ou pelo menos na sua expressão económica. (Cfr., também, entre outros, os Acórdãos do STJ de 11-05-2000, proc. 00B229 e de 11-07-2013, proc. 4244/09.1TBSXL.L1.S1, www.dgsi.pt).
Neste caso, uma vez que a 1.ª Ré, agiu em nome próprio, adquiriu a mesma os direitos e assumiu as obrigações decorrentes dos atos por si praticados (tramitação do procedimento disciplinar deduzido contra o Autor), pelo que deveria a mesma ter transferido os mesmos para a esfera jurídica da Recorrente - o que não se apurou minimente, nem as Rés alegaram factos concretos que pudessem consubstanciar essa transferência.
Finalmente, também não seria de aplicar ao caso o disposto no art.º 472.º n.º 1 do Código Civil, “Se alguém gerir negócio alheio, convencido de que ele lhe pertence, só é aplicável o disposto nesta secção se houver aprovação da gestão (..)”. A aprovação da gestão refere-se apenas à relação entre o gestor o dono do negócio, sem efeitos perante terceiros. Na hipótese contemplada neste artigo, por contraposição ao disposto no art.º 469.º, com a aprovação da gestão, do que se trata é o gestor passar a gozar dos direitos previstos no n.º 1, do art.º 468.º (reembolso das despesas). Vd. Pires de Lima e Antunes Varela, Ob. Cit. págs. 451 e 453.
Saliente-se, por fim, que nenhuma das situações tratadas nos Acórdãos referidos pelo Autor se compaginam com a situação descrita nestes autos.
No Ac. do STJ de 17-06-2009, proc. 4700/18.0T8VNG.P1, estava em causa uma situação de representação sem poderes. Alguém que não sendo representante se comportava como tal. Tendo havido aceitação tácita dessa representação, fez-se corresponder a mesma a ratificação, atenta a não exigência de forma especial para esta.
No Ac. do TRE de 11-04-2019, proc. 1071/18.9T8EVR-A.1, o poder disciplinar foi exercido por funcionário da Ré, com funções de direção de recursos humanos, e com poderes de representação da empregadora para proceder à cessação de contratos de trabalho e decidir da aplicação de sanções disciplinares, conforme procuração.
No Ac. do TRG de 20-09-2018, proc. 910/15.0BRG-B.G1, foi nomeado pelo empregador instrutor para elaboração do procedimento disciplinar, tendo-se entendido que se ao trabalhador se colocavam duvidas sobre a existência ou latitude dos poderes do representante do empregador que subscreve a nota de culpa, deveria o mesmo exigir prova desses poderes (art.º 260.º do Código Civil).
Posto isto, apenas nos resta concluir que a “ratificação” a que a Ré procedeu não teve o condão de validar e fazer seus o procedimento disciplinar e o despedimento do Autor realizados pela 1.ª Ré”.
Com base no exposto, conclui-se pela improcedência da presente questão.
4.3. Da (i)licitude do despedimento do Autor
4.3.1. Tendo como pressuposto a bondade da sua argumentação, conclui a 2.ª Ré, ora Recorrente, que o procedimento disciplinar o despedimento perpetrado na pessoa do Autor pela 1.ª Ré é válido, assumindo a mesma todas as responsabilidades e consequências inerentes. O que já vimos não sucede, visto a “ratificação” invocada pela Recorrente ser inoperante, não tendo tornado eficaz relativamente a si o despedimento do Autor.
Mas, se assim é, importa realçar que a Ré, ora Recorrente, ao pretender fazer seus os atos praticados no procedimento disciplinar efetuado pela 1.ª Ré que culminou no “despedimento” do Autor não deixou ela mesma de manifestar a intenção de se desvincular contratualmente do Autor por via do despedimento. O que fez mediante o despacho e a carta de 04-10-2019 que endereçou ao Autor e este recebeu “reconhecendo e assumindo expressamente todos os efeitos jurídicos produzidos” no aludido procedimento disciplinar de despedimento (fls. 91 e 92).
Na realidade, não deve esquecer-se que “A manifestação de vontade da entidade empregadora, por escrito, direcionada ao trabalhador no sentido inequívoco de lhe comunicar a cessação do contrato que os ligava, consubstancia um negócio jurídico, unilateral e recipiendo, que se considera perfeito e eficaz, uma vez comunicada ao destinatário tal manifestação de vontade, coincidindo o momento da cessação do contrato com a receção pelo trabalhador daquela declaração”. (Vd. os Acórdãos do STJ de 29-10-2013, 3579/11.8TTLSB.L1.S1  e de 01-07-2021, proc. 3615/20.7T8BRG.G1,  in www.dgsi.pt).
Deste modo, uma vez que o aludido despedimento perpetrado pela Ré, ora Recorrente, na pessoa do Autor não foi precedido de procedimento disciplinar é o mesmo ilícito, nos termos do art.º 387.º n.º 4, do Código do Trabalho.
4.3.2. A Recorrente fundamentou a licitude do despedimento, invocando, em suma, que o Autor ao não ter comparecido ao serviço no dia da greve (25-08-2019), apesar do nome do mesmo constar da lista por si elaborada para prestar serviços mínimos incorreu em falta injustificada - o que pela sua gravidade constitui justa causa de despedimento.
 4.3.3. Antes de se analisar a questão, importa relembrar o circunstancialismo fáctico que rodeou a ausência ao serviço por parte do Autor.
O XXX, em que se encontra filiado o Autor, emitiu pré-aviso de greve para o pessoal tripulante de cabine, para os dias 21 a 25 de agosto de 2019.
Não tendo sido alcançado acordo entre as partes, pelo Despacho 65/2019, do Ministério do Trabalho Solidariedade e Segurança Social, foram decretados os serviços mínimos e determinados os respetivos voos de ligação.
No dia 19-08-2019, A YYY enviou a lista dos voos cobertos pelos serviços mínimos, as respetivas datas e horários. No mesmo dia 19-08-2019, pelas 15h40m o XXX, solicitou à YYY que lhe facultasse uma lista de trabalhadores disponíveis para cumprir os voos dos serviços mínimos.
A Ré e a YYY não forneceram a lista solicitada.  Ainda no mesmo dia, pelas 18h45m, o referido sindicato apresentou à YYY uma lista com os trabalhadores que deveriam cumprir os serviços mínimos.
Alguns dos tripulantes integrantes da lista constataram que se encontravam indisponíveis para realizar serviços mínimos, pelo que na sequência do contacto destes foi tal lista retificada pelo sindicato.
O Autor verificou que das listas apresentadas pelo XXX (quer a primeira, quer a segunda), o seu nome não fazia parte, tendo aderido à greve.
 A Ré e a YYY não aceitaram a lista proposta pelo sindicato, e enviaram convocatória a cada um dos trabalhadores que escalaram para assegurar os voos garantidos pelos serviços mínimos.
O Autor foi escalado  pela Ré, para prestar serviço no dia 25-08-2019, voo FR1885/4 e FR6066/7, não tendo comparecido ao serviço por ter aderido à greve (factos provados X, Z, AA, BBB, CCC, GG e HH e MM).   
4.3.4. Como resulta do art.º 57.º da nossa Constituição o direito à greve é um direito fundamental dos trabalhadores. Trata-se de um direito irrenunciável, nos termos prescritos no art.º 530.º n.º 3, do Código do Trabalho. 
O recurso à greve é decidido por associações sindicais, ou pela assembleia de trabalhadores, sendo os trabalhadores representados pela associação sindical que decidiu o recurso à greve ou pela comissão de greve eleita pela assembleia de trabalhadores (artigos 531.º e 532.º, do mesmo diploma legal).
A greve suspende o contrato de trabalho do trabalhador aderente, incluindo o direito à retribuição e os deveres de subordinação e assiduidade (art.º 536.º, n.º 1), ficando aquele colocado numa situação de imunidade em relação às consequências da sua abstenção de trabalhar.
Uma vez que a greve pode contender com a tutela do interesse geral da comunidade  e outros direitos fundamentais dos cidadãos, tais como a vida, saúde a segurança e as condições mínimas de existência e bem estar, o legislador admite restrições  ao direito de greve, tendo  previsto que as empresas ou estabelecimentos destinados à satisfação de necessidade sociais impreteríveis, a associação sindical que declare a greve ou a comissão de greve e os trabalhadores aderentes devem assegurar durante a mesma, a prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação daquelas necessidades. É o que  resulta do art.º 537.º n.º 1, do Código do Trabalho, em cujo n.º 2 se elencam exemplificativamente os sectores em que tais empresas ou estabelecimentos podem operar. E se estabelece no n.º 3 que “a associação sindical que declare a greve, ou a comissão de greve (…)  e os trabalhadores aderentes devem prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção de equipamentos e instalações” (suporte de emprego), e no n.º 4 que “Os trabalhadores afetos à prestação de serviços referidos nos números anteriores mantêm-se, na estrita medida necessária a essa prestação, sob a autoridade e direção do empregador, tendo nomeadamente direito a retribuição.” Como se refere no Parecer da PGR de 04-01-1999, http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/-/B22B04A01568D490802582970038804B cujas considerações se mantêm atuais, “O sistema previsto na lei é, assim, um sistema de quase monopólio sindical, que tem sido justificado pelo valor da função benéfica dos sindicatos no enquadramento dos movimentos colectivos, canalizando organizadamente os procedimentos e impedindo o surgimento de explosões grosseiras e violentas; (…)”A concepção orgânica da greve manifesta-se, também, em momentos essenciais do processo, para além de competência para decidir do recurso à greve e para desencadear a acção colectiva”. Como sucede “na relevante obrigação positiva de prestação de serviços mínimos indispensáveis à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ou das atividades necessárias à segurança e manutenção dos equipamentos e instalações.”
4.3.5. No caso em apreço, tratava-se de greve no âmbito no sector do transporte (aéreo) pelo que tendo o aludido Sindicato emitido o pré-aviso de greve, e não tendo as partes chegado a acordo, foi pelo Governo determinada a prestação de serviços mínimos.
Nesse contexto, “Os representantes dos trabalhadores em greve devem designar os trabalhadores que ficam adstritos à prestação dos serviços mínimos definidos e informar do facto o empregador, até vinte e quatro horas antes do início do período de greve ou, se não o fizerem, deve o empregador proceder a essa designação” (art.º 538.º, n.º 7). 
Como acima se assinalou, sendo a greve um direito dos trabalhadores, cujo recurso é decidido pelas associações sindicais (vertente individual e coletiva do direito de greve), bem se compreende que caiba em primeira mão aos representantes dos trabalhadores em greve a indicação dos trabalhadores que devem prestar serviços mínimos, assim se privilegiando a sua função de gestores do processo grevista. Se a indicação não for feita em 24 horas antes do início da greve cabe ao empregador a designação em falta. A este propósito refere Monteiro Fernandes, “Direito do Trabalho” Almedina, 17.ª Edição, pág. 773, “Não se trata do exercício de um poder do empregador, mas do cumprimento de um dever legalmente imposto em nome de interesses diferentes do empregador: este é obrigado a cooperar no processo de salvaguarda das necessidades em virtude das quais os serviços haviam de ser prestados”. 
4.3.6. Assinala-se, ainda, que a ausência ao trabalho resultante da adesão a greve lícita não é de qualificar como falta. O contrato da trabalho encontra-se suspenso, estando por isso o trabalhador liberado do dever de assiduidade.
Todavia, a ausência do trabalhador por motivo de adesão à greve declarada ou executada de forma contrária à lei, considera-se falta injustificada. Implicando a greve  perda da retribuição (art.º 536.º n.º 1), a ilicitude da greve repercute-se na antiguidade do trabalhador,  podendo constituir infração disciplinar. O que não prejudica os princípios gerais em matéria de responsabilidade civil (artigos 540.º n.ºs 1 e 2 e 256.º do Código do Trabalho e art.º 483.º do Código Civil).
4.3.7. Relativamente à presente problemática resultou apurado que o XXX, no prazo (de 24h) indicado na lei, designou os trabalhadores que deveriam prestar serviços mínimos. E se é um facto, também apurado, que na primeira lista por si apresentada constavam trabalhadores que não estavam disponíveis para os prestar (tendo sido elaborada pelo dito Sindicato nova lista), tal situação ficou a dever-se à atitude da 2.ª Ré, ora Recorrente, e da YYY que não fornecerem àquele Sindicato a indicação (a lista) dos trabalhadores disponíveis para cumprir serviços mínimos. Tendo optado elas mesmas por procederem à designação dos trabalhadores para prestar tais serviços mínimos.
A 2.ª Ré, ora Recorrente, para além de invocar que da 1.ª lista apresentada pelo XXX constavam trabalhadores que não podiam voar nas datas indicadas pelo referido Sindicato ou não estavam devidamente identificados, invoca também que se não recusou  a entregar qualquer informação ao Sindicato, tendo apenas querido cumprir a legislação europeia e nacional de proteção de dados pessoais e evitar a aplicação de coimas, não estando o dito sindicato legalmente legitimado a aceder a dados pessoais de todos os trabalhadores da Recorrente, inclusive aqueles trabalhadores que não são filiados nesse sindicato, para proceder à designação de trabalhadores para prestação dos serviços mínimos.
Ao que se pressupõe estará a dita Ré a referir-se ao Regulamento 679/2016, do Parlamento e do Conselho de 27-04-2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (Regulamento Geral de Proteção de Dados – RGPD), e à Lei 58/2019, de 08-08, que assegura a execução, na ordem jurídica nacional, do referido Regulamento.
Salvo o devido respeito, não assiste razão à Ré.
4.3.8. Como não se ignora e foi também assinalado pelo Autor, o RGPD concretiza a garantia e tutela do direito de qualquer pessoa singular a que toda a informação que lhe diga respeito seja objeto de tratamento legal, para finalidades determinadas, limitado ao mínimo necessário e com base no seu consentimento ou noutro fundamento legalmente estabelecido
Consta, nomeadamente, do aludido Regulamento, “O tratamento dos dados pessoais deverá ser concebido para servir as pessoas. O direito à proteção de dados pessoais não é absoluto; deve ser considerado em relação à sua função na sociedade e ser equilibrado com outros direitos fundamentais, em conformidade com o princípio da proporcionalidade. O presente regulamento respeita todos os direitos fundamentais e observa as liberdades e os princípios reconhecidos na Carta, consagrados nos Tratados (…)” (Considerando 4).
Elencando o seu art.º 4.º, as definições a considerar para efeitos da sua aplicação. De entre elas, na parte aqui relevante, consta o que se entende por:
1) «Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;
2) «Tratamento», uma operação ou um conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição;
(…)
 7) «Responsável pelo tratamento», a pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, a agência ou outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outras, determina as finalidades e os meios de tratamento de dados pessoais; sempre que as finalidades e os meios desse tratamento sejam determinados pelo direito da União ou de um Estado-Membro, o responsável pelo tratamento ou os critérios específicos aplicáveis à sua nomeação podem ser previstos pelo direito da União ou de um Estado-Membro; (…)”.
Segundo o art.º 5.º n.º 1 alínea a), do mesmo Regulamento, os dados pessoais são objeto de um tratamento lícito, leal e transparente em relação ao titular dos dados.
Sendo que por força do disposto no art.º 6.º
“ 1-O tratamento só é lícito se e na medida em que se verifique pelo menos uma das seguintes situações:
a) O titular dos dados tiver dado o seu consentimento para o tratamento dos seus dados pessoais para uma ou mais finalidades específicas;
b) O tratamento for necessário para a execução de um contrato no qual o titular dos dados é parte, ou para diligências pré-contratuais a pedido do titular dos dados;
c) O tratamento for necessário para o cumprimento de uma obrigação jurídica a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito;
 d) O tratamento for necessário para a defesa de interesses vitais do titular dos dados ou de outra pessoa singular;
e) O tratamento for necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento;
f) O tratamento for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, exceto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança.
De acordo com o supra exposto, a Ré é a entidade responsável pelo tratamento dos dados pessoais dos seus trabalhadores no âmbito da execução dos respetivos contratos de trabalho (art.º 17.º do Código do Trabalho e art.º 28.º da Lei 58/2019, de 08-08).
4.3.9. Relativamente aos trabalhadores filiados no dito Sindicato, não se tratava de divulgar os seus dados pessoais, visto o mencionado Sindicato naturalmente já deles dispor, mas tão só de indicar que os mesmos trabalhadores estavam aptos a prestar serviços mínimos. Quanto aos demais trabalhadores, carecendo o XXX de saber quais os que reuniam condições para prestar tais serviços, a fim de os designar para esse efeito e assim se observar a lei, entendemos que, no caso, constituía obrigação da Ré fornecer essa informação ao Sindicato. Relembra-se que mesmo na pendência de um conflito coletivo de trabalho (como é a greve), devem as partes agir de boa fé (art.º 522.º do Código do Trabalho), encontrando-se a Ré vinculada a prestar tal informação ao Sindicato para se cumprir o determinado na lei.
Anota-se ainda que a argumentação apresentada pela Ré, ora Recorrente, no tocante aos dados solicitados pelo Sindicato se encontrarem protegidos pela legislação de proteção de dados apenas foi aventada pela 1.ª Ré no âmbito do procedimento disciplinar, não tendo a questão sido anteriormente colocada ao Autor ou ao XXX como se pode constatar da vária documentação junta aos autos (em particular a referente às reuniões havidas entre o Autor e responsáveis da 1.ª Ré (fls. 93 a 95 verso).
Deveria, assim, a 2.ª Ré, ora Recorrente, ter indicado os trabalhadores que estavam aptos e disponíveis para prestar os serviços mínimos - aceitando-se como lógico e natural ser esta entidade, enquanto empregadora, que dispunha da pertinente informação a esse respeito.
Na verdade, “não é por haver divergência que a boa-fé deixa de condicionar a forma de as partes agirem” (Vd. Luís Gonçalves da Silva, inCódigo do Trabalho Anotado”, 7.ª Edição, Almedina, coordenação de Romano Martinez, pág. 1278), sendo certo que, embora seja lícito ao empregador minimizar os danos decorrentes da greve, o mesmo “não deverá atuar de molde a inviabilizar o exercício do direito de greve” (Vd. Pedro Romano Martinez e Outros, inCódigo do Trabalho Anotado”, 7.ª Edição, Almedina, coordenação de Pedro Romano Martinez).
4.3.10. Destarte, tendo o Autor verificado que o seu nome não constava,  nem da primitiva, nem da segunda lista elaborada pelo XXX, entidade, como já vimos - a quem cabia legalmente essa indicação -, tendo o mesmo optado por aderir à greve, à luz da Constituição, da lei e das regras da boa-fé (art.º 126.º n.º 1 do Código do Trabalho), a sua ausência ao serviço no dia 25 de agosto de 2019, não pode ser qualificada como falta injustificada “(…) por motivo de adesão à greve executada de forma contrária à lei (…)” -  art.º  541.º n.º 1, do Código do Trabalho, tendo antes ocorrido no âmbito do exercício legítimo do seu direito à greve .
4.3.11. Ainda que assim não fosse, e porventura se considerasse que a adesão à greve por parte do Autor tinha sido executada de forma contrária à lei, in casu, por se encontrar o trabalhador sujeito à obrigação de prestar serviços mínimos - tratando-se de uma única falta, no contexto em questão, sem que se tenha demonstrado a ocorrência de quaisquer prejuízos para a Ré, todos os aviões levantaram voo (facto provado XX), não tendo o Autor passado disciplinar, sempre seria de considerar desproporcionada a aplicação de sanção disciplinar expulsiva (art.º 330.º, do Código do Trabalho), sabido constituir esta a última ratio do nosso sistema punitivo laboral (art.º 328.º, do Código do Trabalho), não se verificando justa causa de despedimento (art.º 351.º, do Código do Trabalho).
Com base no exposto, e sem necessidade de outros considerandos, improcede a presente questão.
4.4. Da não serem devidos ao Autor os montantes referentes aos subsídios de férias e de Natal
4.4.1. A propósito desta questão sustenta, entre o mais, a Ré que tendo as partes escolhido no âmbito do contrato de trabalho a aplicação da lei irlandesa, é esta a aplicável. Refere ainda que ao presente caso se aplica o critério previsto no n.º 3, do art.º 8.º do Regulamento Roma I, sendo o elemento de conexão operativo o “estabelecimento que contratou o trabalhador”, estabelecimento este situado em …, na ….
A sentença recorrida considerou que tendo o Autor sido contratado diretamente pela Ré, e sendo a sua base de afetação (Lisboa) Portugal é a legislação portuguesa a aplicável a partir do momento em que passou a exercer funções na base de Lisboa (o que não se apurou). Pelo que as retribuições que aquele deixou de auferir desde a data do despedimento devem ser acrescidas dos montantes respeitantes aos subsídios de férias e de Natal. 
4.4.2. O presente caso diz efetivamente respeito a uma relação laboral plurilocalizada, na medida em que a mesma tem elementos de contacto, pelo menos, com as ordens jurídicas  … e portuguesa. Com efeito, o Autor é português, presta serviços para a Ré que é irlandesa, desempenhando as suas funções a bordo de aeronaves irlandesas, no espaço aéreo europeu, tendo as partes escolhido no âmbito dos contratos de trabalho que celebraram a aplicação da lei irlandesa.
4.4.3. Face a esta situação, importa ter em conta o Regulamento 593/2008, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de junho de 2008, sobre a lei aplicável às obrigações contratuais (Roma I).
Aí se estabelece nos seus considerandos, designadamente, que:
“(…)
(11) A liberdade das partes de escolherem o direito aplicável deverá constituir uma das pedras angulares do sistema de normas de conflitos de leis em matéria de obrigações contratuais.
(…)
(23) No caso dos contratos celebrados com partes consideradas vulneráveis, é oportuno protegê-las através de normas de conflitos de leis que sejam mais favoráveis aos seus interesses do que as normas gerais.
(…)
(35) Os trabalhadores não deverão ser privados da protecção que lhes é conferida pelas disposições que não podem ser derrogadas por acordo ou que só podem sê-lo a seu favor.
Prescrevendo na parte relevante o referido Regulamento o seguinte:
Artigo 1.º
 Âmbito de aplicação material
O presente regulamento é aplicável às obrigações contratuais em matéria civil e comercial que impliquem um conflito de leis.  
(…)
CAPÍTULO II
REGRAS UNIFORMES
Artigo 3.º
Liberdade de escolha
1. O contrato rege-se pela lei escolhida pelas partes. A escolha deve ser expressa ou resultar de forma clara das disposições do contrato, ou das circunstâncias do caso. Mediante a sua escolha, as partes podem designar a lei aplicável à totalidade ou apenas a parte do contrato.
2. Em qualquer momento, as partes podem acordar em subordinar o contrato a uma lei diferente da que precedentemente o regulava, quer por força de uma escolha anterior nos termos do presente artigo, quer por força de outras disposições do presente regulamento. Qualquer modificação quanto à determinação da lei aplicável, ocorrida posteriormente à celebração do contrato, não afeta a validade formal do contrato, nos termos do artigo 11.º, nem prejudica os direitos de terceiros.
3. Caso todos os outros elementos relevantes da situação se situem, no momento da escolha, num país que não seja o país da lei escolhida, a escolha das partes não prejudica a aplicação das disposições da lei desse outro país não derrogáveis por acordo.
4. Caso todos os outros elementos relevantes da situação se situem, no momento da escolha, num ou em vários Estados-Membros, a escolha pelas partes de uma lei aplicável que não seja a de um Estado-Membro não prejudica a aplicação, se for caso disso, das disposições de direito comunitário não derrogáveis por acordo, tal como aplicadas pelo Estado-Membro do foro.
5. A existência e a validade do consentimento das partes quanto à escolha da lei aplicável são determinadas nos termos dos artigos 10.º, 11.º e 13.º.
(…)
Artigo 8.º
Contratos individuais de trabalho
1. O contrato individual de trabalho é regulado pela lei escolhida pelas partes nos termos do artigo 3.º. Esta escolha da lei não pode, porém, ter como consequência privar o trabalhador da proteção que lhe proporcionam as disposições não derrogáveis por acordo, ao abrigo da lei que, na falta de escolha, seria aplicável nos termos dos n.ºs 2, 3 e 4 do presente artigo.
2. Se a lei aplicável ao contrato individual de trabalho não tiver sido escolhida pelas partes, o contrato é regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato ou, na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato. Não se considera que o país onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho mude quando o trabalhador estiver temporariamente empregado noutro país.
3. Se não for possível determinar a lei aplicável nos termos do n.º 2, o contrato é regulado pela lei do país onde se situa o estabelecimento que contratou o trabalhador.
4. Se resultar do conjunto das circunstâncias que o contrato apresenta uma conexão mais estreita com um país diferente do indicado nos n.ºs 2 ou 3, é aplicável a lei desse outro país”.
4.4.4. Da leitura dos citados considerandos e referidas disposições normativas, resulta que o legislador da União Europeia estabelece como primeiro critério para a determinação da lei aplicável o princípio da autonomia da vontade, o que constitui um dos princípios vigentes do âmbito do Direito Internacional Privado, por via do qual podem as partes optar pela lei que irá regular o contrato. As mesmas designam por comum acordo a lei aplicável ás suas relações, ou seja, o contrato rege-se “pela lei escolhida pelas partes
Mas, como claramente resulta do referido Regulamento, não deixa de se acautelar a posição da parte mais débil na relação contratual, prevendo-se, no tocante aos contratos de trabalho, que “a escolha da lei não pode privar o trabalhador da proteção proporcionada pelas disposições não derrogáveis por acordo da lei que seria aplicável na falta de acordo”. Estabelecendo-se nos n.ºs 2 e 3, respetivamente, os fatores de conexão determinantes da lei reguladora do contrato no caso de as partes não terem escolhido a lei aplicável e na hipótese de não ser possível determinar a lei aplicável (“a lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do constato ou, na sua falta  a partir da qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho em execução do contrato” e a “lei do país em que esteja situado o estabelecimento que contratou o trabalhador). 
4.4.5. A limitação da autonomia das partes, assenta no facto de não estar em causa contrato comercial, mas sim uma relação laboral, regida, em grande parte, por normas imperativas as quais “mais não fazem do que desenvolver e constituir o eco de orientações dominantes do sistema respetivo” (Vd. Rui Moura Ramos “Da Lei Aplicável ao Contrato de Trabalho Internacional”, Almedina, 1990, pág. 793).
Desta feita, uma vez que o exercício da autonomia da vontade pode originar abusos e ser mesmo objeto de perversão ou manipulação da escolha por parte da entidade mais forte, consagrou-se (…) um estatuto protetor (inigual) para o contraente débil, assim se compensando «a desigualdade de facto com uma desigualdade de direito, com vista ao equilíbrio» (Vd. Rui Moura Ramos, “Das Relações Privadas Internacionais”, Coimbra Editora, pág. 200 e o Ac. do TRL de 15-12-2011, proc. 149/04.0TTCSC.L1, in www.dgsi.pt).
 4.4.6. A proteção da parte mais fraca visa, pois, o reequilíbrio da relação contratual e tem vindo a ser assumida por diversos instrumentos internacionais como sucede por via do Regulamento 1215/2012, de 12 de dezembro, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e ás decisões em matéria civil e comercial (Bruxelas Bis I) e se prevê na Convenção de Roma de 1980 (art.º 6.º), “sobre a lei aplicável às obrigações contratuais gerais” (a que Portugal aderiu pela convenção assinada no Funchal em 18 de Maio de 1992, e se encontra publicada em Anexo à Resolução da Assembleia da República n.º 3/94, de 3 de Fevereiro, DR I Série A, de 3.2.1994), que substituiu os artigos 41.º e 42.º do Código Civil e antecedeu o Regulamento n.º 593/2008. Sendo este aplicável aos contratos após 17-12-2009.
4.4.7. No que se refere à Lei supletivamente aplicável a que alude o art.º 8.º n.º 1 parte final e n.º 2, do Regulamento 593/2008 (“o contrato é  regulado pela lei do país em que o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho e, execução do contrato ou  na sua falta, a partir do qual o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho e execução do contrato”, e à semelhança do que consta no art.º 6.º n.º 2, da Convenção de Roma (“ (…) o contrato de trabalho é regulado a) Pela lei do país em que o trabalhador, no cumprimento do contrato, presta habitualmente o seu trabalho, mesmo que tenha sido destacado temporariamente para outro país (…)”), o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), tem feito apelo a uma interpretação articulada entre a Convenção de  Bruxelas, o Regulamento Bruxelas I, e Convenção de Roma e Regulamento Roma I, sustentando que o conceito de lugar da prestação habitual do trabalho deve ser interpretado de forma ampla, desde que seja possível determinar o Estado com o qual o trabalho apresenta conexão mais estreita. “Nesta interpretação do principio da proximidade surge para ajudar a determinar o conceito de lugar da prestação habitual do trabalho, ampliando o seu âmbito, para apurar o lugar que tem um vínculo mais significativo com o litígio, evitando-se a proliferação de foros competentes”.  O lugar da prestação habitual do trabalho, é aquele onde o trabalhador estabelece «o centro efetivo das suas atividades profissionais e/ou a partir do qual cumpre na realidade o essencial das suas obrigações para com a sua entidade patronal» (Vd. Anabela Susana de Sousa Goncalves “Os Casos Crewlink e o Contrato de Trabalho Internacional”, PDT 2018, I, Almedina, pág. 239).
Em várias decisões o TJUE tem-se referido à necessidade do uso de uma interpretação lata do conceito de “local de trabalho”, preconizando-se o uso de vários “índices fácticos como o local de planeamento do trabalho, onde se situa o escritório, para onde regressa o trabalhador depois de cada viagem de trabalho, em qual dos locais passa  a maior parte do tempo, a partir do qual efetua as suas missões de transporte de carga e descarga, o local das ferramentas de trabalho”, de modo a que, de acordo com a função ou atividade desempenhada, se logre determinar de entre os vários Estados onde o trabalhador presta o seu  trabalho aquele “com o qual o trabalho tem uma conexão mais significativa” (Vd. Helena Mota “Contrato Individual de Trabalho Internacional”, PDT 2020-I, Almedina pág. 278).
Por assumir relevância em termos de aplicação do critério dos índices de facto, tem sido também usado pelo TJUE o conceito de base de afetação, designando este “o local onde o trabalhador inicia e termina normalmente o período normal de trabalho ou uma série de períodos de trabalho, o local onde organiza o seu trabalho diário, onde se mantém  à disposição do empregador , tendo de residir inclusivamente em local próximo daquele local por esta razão, sendo determinado pela própria transportadora aérea no âmbito do seu poder de direção” (Vd. Anabela Susana de Sousa Goncalves, Ob. Cit. pág. 256).
4.4.8. Nesta linha, tem vindo a ser realçado o papel subsidiário do critério da lei do país onde se situa o “estabelecimento que contratou o trabalhador” (art.º 6.º, n.º 2, primeira parte da Convenção de Roma, e art.º 8.º n.º 3 do Regulamento 593/2008), visto que este apenas intervém quando se conclua que o trabalhador não presta habitualmente o seu trabalho no mesmo país. Sublinhando-se também o carácter pouco harmonioso desse critério com a perspetiva protetora do trabalhador, visto se traduzir “numa conexão pessoal ligada à precisamente à parte mais forte na relação laboral, suscetível por isso de desequilibrar ainda mais a posição das partes na relação de trabalho”. (Cfr. Rui Moura Ramos “A lei aplicável ao contrato individual de trabalho na jurisprudência recente do Tribunal de Justiça da União Europeia”, inEstudos dedicados ao Professor Doutor Bernardo da Gama Lobo Xavier”, Almedina, pág. 451).
4.4.9. No presente caso, como já vimos, as partes escolheram como lei aplicável ao contrato de trabalho, a lei …. O contrato foi celebrado em 25 de março de 2012. Porém, a Ré e o XXX em novembro de 2018, celebraram acordo que previa a transição e futura aplicação da legislação laboral portuguesa às relações laborais entre aquela empresa e os seus trabalhadores a desempenhar funções em Portugal, como era o caso do Autor, nos seguintes termos:
“Artigo 1: Âmbito
O presente acordo é aplicável a todos os Tripulantes de Cabine diretamente contratados pela CCC, cuja base de afetação é localizada em território Português.
Artigo 2: Lei aplicável em termos de legislação laboral 
As partes acordam que, na data limite de 31 de janeiro de 2019, os contratos de trabalho dos Tripulantes de Cabine diretamente contratados pela CCC referidos no artigo 1 serão regidos pela legislação laboral portuguesa. (…)
Artigo 4: Nenhum impacto em litígios pendentes
O acordado nos artigos 2 e 3 não produzem impacto nas diferenças de entendimento da CCC e do Sindicato relativamente à jurisdição e lei aplicável em relação a litígios pendentes perante tribunais portugueses.”
Posto isto,
4.4.10. Vejamos agora a matéria dos subsídios de férias e de Natal. Como vem sendo entendido, trata-se de complementos remuneratórios de natureza retributiva. São prestações pecuniárias de periodicidade anual, tendo como fundamento direto o contrato de trabalho. Tais subsídios estão no Código do Trabalho nos artigos 264.º (1 - A retribuição do período de férias corresponde à que o trabalhador receberia se estivesse em serviço efectivo. 2 - Além da retribuição mencionada no número anterior, o trabalhador tem direito a subsídio de férias, compreendendo a retribuição base e outras prestações retributivas que sejam contrapartida do modo específico da execução do trabalho, correspondentes à duração mínima das férias. 3 - Salvo acordo escrito em contrário, o subsídio de férias deve ser pago antes do início do período de férias e proporcionalmente em caso de gozo interpolado de férias. (…)”) e no art.º 263.º (1- - O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de dezembro de cada ano (…)”).
O subsídio de férias, compreende “a retribuição base e demais prestações retributivas que sejam contrapartida de modo especifico da execução do trabalho ou seja, as que modelam especificamente a função ou posto de trabalho”. “O critério para aferir da integração no conceito para este efeito é que o pagamento se refira à própria prestação de trabalho, às especificidades da execução deste, como as relativas à penosidade, horário incómodo (suplementar, noturno, turnos…), isolamento, toxicidade, e outros, importando fazer a verificação caso a caso, tem em conta a especificidade da atividade”. (Vd. Maria do Rosário Ramalho, “Tratado de Direito do Trabalho”, II Vol. pág. 365 e o Ac. do TRG de 05-04-2019, proc. 340/16.7T8VRL.G1, www.dgsi.pt.).
O valor do subsídio de férias é calculado com base no período legal de férias, sendo que este “tem a duração de 22 dias”, art.º 238.º n.º 1, do Código do Trabalho.
À luz do regime decorrente do Código do Trabalho, e do próprio teor dos normativos citados, afigura-se-nos inequívoco assumirem os mesmos natureza imperativa, não podendo ser derrogados por acordo das partes, exceto in mellius, constituindo aqueles subsídios prestações obrigatórias (art.º 3.º, n.º 4 do Código do Trabalho).
4.4.11. Pese embora a sua natureza retributiva, tais prestações não se traduzem na contrapartida da prestação do trabalho, como sucede com a retribuição (art.º 258.º, n.º 1 do Código do Trabalho), tendo finalidade especifica, visando compensar o acréscimo de gastos, normalmente associados ao gozo das férias (“O direito a férias deve ser exercido de modo a proporcionar ao trabalhador a recuperação física e psíquica, condições de disponibilidade pessoal, integração da vida familiar e participação social e cultural”, art.º 237.º, n.º 4 do Código do Trabalho) e à quadra natalícia. Por ser assim, o legislador continua a prever que, salvo acordo em contrário, o subsídio de férias seja pago antes do início do período de férias e o de Natal até 15 de dezembro  - e não depois desses períodos. 
4.4.12. Invoca também a Ré, ora Recorrente, que à relação laboral em causa era aplicada a Lei … que não prevê o pagamento dos subsídios de férias e de Natal, pelo que pagava a retribuição ao Autor em 12 prestações mensais. Mais referindo que o pagamento de dois subsídios além da remuneração mensal, de acordo com a lei portuguesa, apenas concentra uma maior percentagem do valor salarial em dois momentos do ano, sendo que, por oposição, o enquadramento legal da remuneração sob a Lei …, é muito mais favorável aos trabalhadores dado que assegura um valor mínimo superior, mesmo que esse pagamento seja efetuado em 12 prestações mensais, ao invés de 14.
Consoante emerge do acima referido, e é também realçado pelo Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, os subsídios de férias e de Natal, são prestações remuneratórias adicionais relativamente à remuneração mensal, não resultando da divisão por 14 de um valor global anual da retribuição. “(…) quer o subsídio de férias, quer o de Natal têm como referência a retribuição de um mês, mas as regras quanto ao cálculo desses subsídios são distintas, integrando o primeiro determinadas prestações complementares que não entram no apuramento do segundo (…)”.
Resulta da factualidade provada, que a Ré durante o tempo em que perdurou a relação laboral em causa, remunerou o Autor de acordo com a lei irlandesa, pois mesmo depois da celebração do acordo com o XXX, pese embora a partir de julho constasse dos recibos a referência aos subsídios de férias e de Natal, os valores correspondentes eram automaticamente descontados, nunca lhe tendo sido processados. Destarte, tendo-se provado ter o Autor auferido na Ré retribuição variável (cujo montante não se apurou), jamais lhe tendo esta pago qualquer verba que se possa enquadrar no conceito de subsídio de férias e de Natal, e não estando demonstrado que o Autor tivesse de receber a retribuição mínima mensal garantida, é de concluir que a legislação laboral portuguesa assume conteúdo mais protetivo para o trabalhador do que a lei irlandesa.
4.4.13. Acresce que o essencial dos indícios fácticos supra assinalados para se determinar o local onde o trabalhador presta habitualmente o seu trabalho se verificam no presente caso. Apontando os mesmos, claramente, para a aplicação da lei portuguesa, desde o momento em que o Autor passou a exercer funções na base de Lisboa. Com efeito, para desempenhar as suas funções o Autor apresentava-se, todos os dias em que prestasse trabalho, junto da competente Sala dos Tripulantes no referido aeroporto, em Portugal. Este é o país no qual o Autor se apresentava a trabalhar e o país onde iniciava e ao qual regressava no final da sua jornada de trabalho. Os aviões da 2.ª Ré encontravam-se estacionados no referido Aeroporto de Lisboa, Portugal. Na referida Sala dos Tripulantes o Autor registava a sua entrada ao serviço em computador destinado para o efeito, bem como registava a sua saída no final de cada dia de trabalho, o que era obrigatório e imperativo sob pena de marcação de falta. Nos dias em que o serviço do Autor consistisse em voos programados, este deveria apresentar-se e registar a sua entrada 45m antes de cada voo (factos provados OOO a SSS).
Tudo isto para se concluir, pela improcedência da presente questão.
4.5. De não ser devido ao Autor o bónus de produtividade
Insurge-se a Ré, ora Recorrente, contra a atribuição ao Autor o bónus de produtividade do ano de 2019, cujos requisitos, entende, se não verificam.
Tem razão a Ré quanto a este aspeto.
Com efeito, uma vez que o contrato de trabalho não perdurou durante todo o ano de 2019, não se pode concluir pela verificação dos pressupostos que subjazem ao pagamento de bónus assente na produtividade, não sendo este devido ao Autor.
Improcede, por conseguinte, esta questão.

5. Decisão
Em face do exposto, julga-se parcialmente procedente o presente recurso na sua vertente de facto e de direito, revogando-se a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar ao Autor o bónus de produtividade de 2019, mantendo-se no mais o ali decidido.
Custas pela Ré e pelo Autor na proporção do decaimento.

Lisboa, 2022-04-06
Albertina Pereira
Leopoldo Soares
Alves Duarte
Decisão Texto Integral: