Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1698/10.7TAOER.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL
ADVOGADO
DEVER DE RESERVA E CONFIDENCIALIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/15/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: QUEBRA DE SIGILO PROFISSIONAL
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: I - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.

II - Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.

III - este dever de reserva não é absoluto. Pode ceder, nomeadamente, perante o dever de cooperação com as autoridades judiciárias, quando particulares exigências de investigação criminal o imponham", ainda que "sempre dentro de apertados limites e rígidas exigências de controlo que, tanto quanto possível, harmonizem os dois interesses em confronto.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa:

I — Relatório:

I — 1.) Nos autos de processo comum com intervenção do tribunal singular acima indicados, a correr termos no 3.° Juízo de Competência Criminal de Oeiras, em que são arguidos TS... e AS..., pronunciados pela co-autoria material de um crime de insolvência dolosa, em concurso com um crime de frustração de créditos, p.(s) e p.(s), respectivamente, no art. 227.°, n.°1, alas a) e b), e n.°3, e no art. 227.°-A, do Cód. Penal, no início da audiência, em face da manutenção por parte da testemunha Dr.a IA... do propósito de continuar a invocar o sigilo profissional, já alegado aquando da sua inquirição em inquérito, a Digna magistrada do Ministério Público promoveu que se suscitasse junto desta Relação o incidente de dispensa de sigilo profissional "nos moldes que constam já nos autos".

Por parte da Mma Juíza foi então proferido o despacho melhor constante de tls. 498 a 504, que aqui se reproduz:

Veio o Ministério Público a fls. 189-193 requerer seja suscitado junto do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, o incidente previsto no art. 135° do Código de Processo Penal,

com vista a ser prestado depoimento pela Ilustre Advogada Sr.a Dr.ª IA..., com quebra do segredo profissional, porquanto tal Ilustre Causídica invocou, em sede de inquérito, a fls. 179, sigilo profissional.

Invoca para o efeito que:
· Das diligências de investigação realizadas no âmbito do presente inquérito resultou indiciada nos autos a prática por TS... e AS...dos seguintes factos:
1. No âmbito do processo n.° 421/10.0TYLSB do 3° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa foi decretada a insolvência de S...LDA, sociedade que teve a sua sede na Rua ..., e da qual eram sócios AB...e JB....

2. No dia 25-05-2009, estes sócios cederam as suas quotas a AF..., facto que foi inscrito no registo comercial.

3. A sociedade insolvente encerrou a sua actividade no dia 29-12.2009.
4. No âmbito do referido processo AM... foi nomeado administrador da insolvência.
5. Em dia não concretamente determinado mas que se situa entre 25-05-2009 e 29-12­2009, TS... e AS... retiraram do interior das instalações da S...LDA, na morada acima referida, todo o equipamento aí existente, entre o qual se encontravam as máquinas, as ferramentas, materiais de stock, materiais de escritório e cinco viaturas com as matrículas:..., ..., ..., ... e ....
6. A cedência de quotas a AF... foi simulada nunca tendo este sido proprietário da sociedade nem seu administrador, tendo adquirido, pretensamente, as quotas aos arguidos TS... e AS...s, tendo para tanto assinando "uns papéis", num escritório de advogado, em Almada, o que fez porque assim lograria obter uma reforma porquanto nunca fizera descontos para a segurança social, escritório esse que se veio a apurar pertencer à Sra. Dra. IA..., advogada com relação de mandato com a sociedade S...LDA.
7. Os arguidos TS... e AS...fizeram seus os referidos objectos, que constavam do mapa dos imobilizados da referida sociedade, o que fizeram em prejuízo da massa insolvente.
· No decurso da investigação tomou-se imprescindível a inquirição de Sra. Dra. IA..., advogada da S...LDA, com a cédula profissional n.° ... e que possui o seu escritório em Almada.
Conclui pela legitimidade da escusa e pela justificada quebra do sigilo profissional, na ponderação do interesse superior da descoberta da verdade e da realização da justiça.

Por despacho de fls. 196, datado de 12-07-2012, do Meritíssimo Juiz de Instrução, foi solicitado parecer ao Conselho Distrital de Lisboa da Ordem dos Advogados, acerca da (i)legitimidade da escusa da Ilustre Advogada, o qual veio a ser junto aos autos a fls. 221-229, pugnando pela legitimidade da escusa.

A fls. 257-262 foi entretanto deduzida acusação pelo Ministério Público contra TS... e AS..., imputando-lhes a prática, em co-autoria material e em concurso efectivo, de um crime de insolvência dolosa, p. e p. pelo art. 227°, n.° 1, als. a) e b), e n.° 3, e de um crime de frustração de créditos, p. e p. pelo art. 227°-A, todos do Código Penal, pelos seguintes factos:

1. No âmbito do processo n.° 421/10.0TYLSB do 3° Juízo do Tribunal de Comércio de Lisboa, no dia 28-06.2010, foi decretada a insolvência de S...Lda., sociedade que teve a sua sede na ..., e nomeado, AM..., como seu administrador,

2. Tendo sido determinada a imediata apreensão de todos os elementos de contabilidade e de todos os bens da insolvente.

3. Nesta data - 28.06.2010 - a sociedade insolvente possuía o imobilizado melhor identificado e descrito a fls.30 para cujo teor integralmente se remete.

4. À data de 31.12.2008, tal imobilizado orçava o valor de € 85.276,26 (oitenta e cinco mil duzentos e setenta e seis euros e vinte e seis cêntimos), cfr. fls. 30.

5. Eram à data da insolvência sócios efectivos da citada sociedade os dois arguidos TS... e AS...e não AF...,

6. Na realidade, AB...e JB..., sócios da S...Lda., cederam formalmente as suas quotas, no dia 21.5.2009, a AF...,

7. Facto que foi inscrito no registo comercial a 25.5.2009, tendo aquele sido nomeado novo sócio e gerente único.

8. Todavia, trata-se de uma inscrição fictícia.

9. Na verdade, e pese embora o teor das inscrições n.°s 3 e 4 e apresentações 10 a 13 de 2006 insertas na matrícula comercial da sociedade, as quotas desta não foram transmitidas a AF..., mas sim aos arguidos.

10. AF... não adquiriu qualquer parte social na identificada sociedade nem praticou qualquer acto de gestão.

11. AF... nunca tomou posse de qualquer quota tendo sido os arguidos que na realidade se apossaram delas.

12. A cedência de quotas a AF... foi, pois, simulada nunca tendo este sido proprietário da sociedade nem seu administrador, o que foi acordado e decidido pelos arguidos TS...e AS....
13. AF... foi toxicodependente, vivendo de biscates e na dependência económica de terceiros, entre outros do arguido TS....
14. Os arguidos pretenderam, assim, apropriar-se dos bens do imobilizado da sociedade, e encenar a actividade desta, e desresponsabilizar-se das dívidas que sobre a mesma impendiam, bem assim como sobre eles, como representantes efectivos desta, o que os arguidos sabiam.
15. De facto, meses depois desta aquisição - no dia 29.12.2009 -, a S...Lda., encerrou a sua actividade.
16. Em dia não concretamente determinado mas que se situa entre o dia 21.5.2009 e o dia 29.12.2009, os arguidos retiraram do interior das instalações da Serralharia..., acima identificadas sitas no Dafundo todo o equipamento aí existente, entre o qual se encontravam as máquinas, as ferramentas, materiais de stock, materiais de escritório e cinco viaturas com as matrículas: ......

17. Os veículos encontravam-se penhorados por dívidas S...Lda., foram apreendidos pela decisão judicial que decretou a insolvência, o que os arguidos sabiam.
18. Os arguidos retiraram os identificados objectos pertença do imobilizado da sociedade das instalações desta para os fazer seus e sonegá-los aos credores da insolvente.
19. De tais mercadorias fizeram uso os arguidos em seu benefício pessoal ao invés de terem sido entregues aos credores da sociedade insolvente que deste modo ficaram prejudicados.
20. Os arguidos sabiam que deste modo inviabilizavam o pagamento dos montantes em dívida aos seus credores, o que era seu desejo.
21. Depois de decretada a insolvência, a dia 28.6.2010, instados pelo administrador da insolvência a informar qual a localização de tais objectos, os arguidos recusaram fazê-lo.

22. Pretenderam os arguidos com a recusa de informação ao administrador da insolvência eximir-se ao pagamento dos montantes que tinham em dívida para com os credores, fazendo seus montantes dos créditos não pagos que àqueles eram devidos e que deste modo não viram ressarcidos os seus prejuízos.
23. Os arguidos actuaram em comunhão de esforços e de acordo com um plano que previamente acordaram entre si.

24. Os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente bem conhecendo o carácter proibido e punido das condutas que adoptaram.

Cumpre apreciar.
Dispõe o art. 87° do ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS, sob a epígrafe Segredo profissional, que:
"1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por
revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;

c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;

d) A factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;

e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respectivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;

f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas; em que tenha intervindo.

2 - A obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, omesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente, tenham qualquer intervenção no serviço.

3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, directa ou indirectamente, com os factos sujeitos a sigilo.

4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho distrital respectivo, com recurso para o Bastonário, nos termos previstos no respectivo regulamento.

5 - Os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.

6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no m° 4, o advogado pode manter o segredo profissional.

7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n. ° 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua actividade profissional, com a cominação prevista no n.° 5.

8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração.".

Deste preceito resulta o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.

E bem assim que, os actos praticados pelo advogado com violação do segredo profissional não podem fazer prova em juízo.

Ora, face à abrangência do art. 87.° do LOA, o Tribunal não dispõe de elementos que permitam fundar qualquer dúvida sobre a legitimidade da escusa da Exma. Senhora Advogada em causa, pelo que reputamos legítima a escusa da prestação do depoimento.

Assim sendo, na ponderação do promovido, decidimos suscitamos perante o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa o incidente a que se refere o art. 135°, n° 3 do CPP, com vista a que a Ilustre Advogada Sr.ª Dr.ª IA... preste depoimento com quebra do segredo profissional.

Nesta conformidade, foram os autos, no seu original, remetidos a este Tribunal.

II — Aqui recepcionados, a Exm.a Sr. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser autorizado o depoimento em causa, com quebra do dever de sigilo profissional.

Uma vez que do processo já consta um Parecer emitido pela respectiva Ordem Profissional (ainda que sob a matéria da legitimidade da escusa), foi entendido, em face da proximidade das Férias Judiciais de Verão, não ser necessária nova audição da mesma, em função do projecto de acórdão elaborado.
Após os vistos respectivos interveio a apreciação da Conferência. Cumpre assim apreciar e decidir:

III - 1.) Como já foi enfatizado no despacho acabado de transcrever, não se colocam questões relevantes em relação à escusa em depor que foi invocada.

Tal como decorre do mencionado art. 87.° do Estatuto da Ordem dos Advogados, "o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os

factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:

a) a factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;

d) a factos comunicados por co-autor, co-réu ou co-interessado do seu constituinte ou pelo respectivo representante;

f) a factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo."

Sendo que a "obrigação do segredo profissional existe quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, directa ou indirectamente,

tenham qualquer intervenção no serviço".

Mais ainda, "os actos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo".

Ora, como é sabido, este dever de reserva não é absoluto. Pode ceder, nomeadamente, "perante o dever de cooperação com as autoridades judiciárias, quando particulares exigências de investigação criminal o imponham", ainda que "sempre dentro de apertados limites e rígidas exigências de controlo que, tanto quanto possível, harmonizem os dois interesses em confronto" (Cfr. Simas Santos Leal Henriques — Código de Processo Penal Anotado, I Vol., pág.' 739).

Note-se, com efeito, que o dever acima mencionado visa satisfazer o interesse público do exercício do direito de punir, o qual tem, do mesmo modo, consagração constitucional (cfr. art.°s 29.°, 32.° e 202.°, da CRP).

A harmonização supra referida opera-se, como se tem por consensualizado, dentro dos cânones preconizados pelo art. 135.°, n.° 3, do Cód. Proc. Penal.

Afirma-se no mesmo:

"O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado (...), pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos."

III - 2.) Como também já foi anotado, a solicitação inicialmente formulada remonta à própria fase de Inquérito.

Aí se havia mencionado que, "considerando a gravidade dos factos em apreço e a necessidade da obtenção do depoimento da Ilustre Advogada para poder aferir da (in)existência de uma simulação e da (des)responsabilização do arguido AS..., julgamos dever o segredo profissional ceder perante a necessidade de realização das necessidades investigatórias do caso concreto, cujo valor se afigura superior (...)".

Ora em relação a esse interesse investigatório, o pedido em causa já há muito se mostra ultrapassado.

Não só tal fase se encerrou e houve até instrução (estamos agora no início do julgamento), como o arguido referido não foi efectivamente acusado.
Passou à qualidade de testemunha, sendo que a Ex.ª Sr.ª Advogada mencionada, está também arrolada pela defesa do arguido TS..., que infrutiferamente havia requerido a sua audição naquela fase facultativa do processo.

Em todo o caso, a respectiva inquirição mantém ainda toda a pertinência na parte em que poderá esclarecer a tal situação de "simulação" que terá investido a agora testemunha AF... na titularidade das quotas sociais da Serralharia..., que alegadamente se terá concretizado no escritório da Sr.ª Advogada requerida.
Mas não só, ao que se afirma: "foram-lhe colocados à frente papéis para assinar, que tanto o TS...como o AS... e a Advogada, diziam que era para ter direito à reforma, que era para dar início aos descontos para a Segurança Social."

III - 3.) Não se põe em causa que a inquirição referida não seja relevante ou mesmo não se revista de interesse significativo para a descoberta da verdade.

O problema é que, segundo a exigência normativa contida no art. 135.°, n.°3, do Cód. Proc. Penal, tal estalão está situado ao nível da imprescindibilidade do depoimento, sentido interpretativo normalmente veiculado nos Pareceres emitidos pela Ordem dos Advogados a este propósito.

Por via de regra, a utilização pelo legislador daquela expressão, tem em vista inculcar uma mais exigente ponderação, no plano concreto, dos juízos de

necessidade, proporcionalidade, adequação, ou idoneidade do meio probatório em causa, como também uma utilização subsidiária da sua utilização - quando houver outro que conduza ao mesmo resultado, deve ser esse o preferencialmente utilizado.

Daí o conceito de "absoluta necessidade", referenciado nos mencionados Pareceres.

Esta questão, aliás, tem vindo a ser objecto do interesse recente da nossa Jurisprudência.

Assim, para o acórdão da Relação de Évora de 17/06/2014, no processo 68/08.5IDSTR-B.E1 (disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt/jtre):

"A quebra de segredo profissional não exige que o depoimento seja imprescindível para a descoberta da verdade. Essa imprescindibilidade não constitui um requisito obrigatório da quebra de segredo, mas antes um dos fatores que, exemplificativamente, podem fundamentar o juízo de prevalência dos interesses conflituantes com os protegidos pelo segredo profissional.

Terá lugar, em princípio, quando o depoimento se apresente como imprescindível, mas nada impede que a quebra seja determinada em hipóteses de menor relevância para a descoberta da verdade (v.g. depoimento necessário, determinante, muito importante), em atenção à sua conjugação com outros fatores, como sejam a relevância jurídico penal concreta do depoimento ou, mesmo, a gravidade do crime ou a importância relativa dos bens jurídicos a proteger."


Diferentemente, para o acórdão da Relação de Lisboa de 25/03/2014, no processo 602/08.7TBBNV-A.L1-7 (acessível no correspondente site da DGSI), a "quebra do segredo profissional do Advogado em favor do interesse da descoberta da verdade dos factos e da administração da justiça tem carácter verdadeiramente excepcional e só deve ser determinada sor razões imperiosas doutro modo inultrapassáveis, como seja estar a parte impedida de produzir a prova que lhe compete sem o depoimento desse Advogado" (sublinhado nosso).

III - 4.) A necessidade de conciliação deste tipo de exigências com o dever de esclarecimento e apuramento da verdade material, conduzem-nos no caso concreto a uma solução mista.

Por um lado, é importante não obstacular de forma definitiva tal audição, mas por outro, julgamos que é ainda cedo para emitir um juízo definitivo sobre essa imprescindibilidade.

O que queremos significar?

Que a exacta conformação daquela exigência está sobretudo dependente da demais prova que possa ser produzida a julgamento e não de um juízo abstracto e apriorístico em relação à sua necessidade.

A cessão de quotas estará documentalmente evidenciada. Também as testemunhas que foram trabalhadores naquela serralharia encontram-se em condições de indicar se o mencionado Armindo Simão ali foi visto alguma vez, e se, nomeadamente, deu ordens e instruções.

Mas como facilmente se reconhecerá, independentemente do que os arguidos possam declarar (e não sabemos o que vão dizer, se é que o farão), muito do esclarecimento da problemática em causa vai passar sobre o que aquele interveniente probatório concreto possa revelar em julgamento.

E aí sim, de forma decisiva, a imprescindibilidade do depoimento da Exm.' Advogada ficará delineada.

Por esta forma, não se postergam as exigências de esclarecimento da verdade, nem se sacrificará o carácter de ultima natio, que a prestação de depoimento por parte de um qualquer senhor advogado deve revestir.

Nesta conformidade

IV - Decisão:

Nos termos e com os fundamentos indicados, sem prejuízo de uma ulterior reapreciação do problema, em função do decurso do julgamento a efectuar, acorda-se em por agora não conceder na requerida dispensa de segredo profissional para que a Dr.a IA... possa depor como testemunha neste processo n.° 1698/10.7TACER a correr termos nos Juízos de Competência Criminal de Oeiras.

Lisboa, 15 de Julho de 2014

Luís Gominho

José Adriano