Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27414/19.0T8LSB-B.L1-2
Relator: ANTÓNIO MOREIRA
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
FRACÇÃO AUTÓNOMA
USO HABITACIONAL
PROSTITUIÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: É de admitir a apresentação de um videograma, gravado e colocado na rede social Facebook pela parte contrária, no qual a mesma se pronuncia sobre o procedimento cautelar que lhe foi instaurado, aí expressando a sua opinião relativamente à demanda em questão e seus fundamentos, bem como relativamente aos demandantes, e do qual não resulta que se destinasse a ser conhecido apenas por um círculo privado e fechado de destinatários que excluía os requerentes, já que não se está perante prova que respeite a actos da vida privada da autora do videograma, ou que haja sido obtida através de violação da correspondência ou telecomunicações da mesma.
A exploração de um negócio de prostituição numa fracção autónoma destinada à habitação de um prédio cujas restantes fracções se encontram também elas destinadas à habitação, o qual faz aumentar o movimento de pessoas estranhas ao prédio e leva a que um dos condóminos não consiga vender a sua fracção autónoma enquanto tal negócio continue a ser ali explorado, traduz-se numa actividade violadora dos direitos dos restantes condóminos, quer na sua vertente das relações de vizinhança, quer na sua vertente puramente económica, assim levando ao decretamento de providência cautelar tendente a fazer cessar tal exploração.
Litiga de má fé quem, na sua oposição e no recurso que interpõe da decisão final, vem afirmar ser falso que explore um negócio de prostituição na fracção autónoma arrendada com destino à sua habitação, como foi alegado no requerimento inicial e resultou provado, e que anteriormente à apresentação da referida oposição proferiu declarações à comunicação social de onde resulta a confirmação da exploração desse negócio de prostituição na referida fracção autónoma.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

Luís L. (1º requerente), Alexandre P. (2º requerente), José S. (3º requerente) e C., Ld.ª (4ª requerente), intentaram procedimento cautelar comum contra G., S.A. (1ª requerida) e contra Ana M. (2ª requerida), pedindo que:
· Seja a 1ª requerida intimada a afectar a fracção autónoma de que é proprietária ao fim habitacional a que se destina e a consentir na sua utilização apenas para esse fim;
· Seja a 2ª requerida condenada a não utilizar essa fracção para fim diferente da habitação e a cessar a utilização que dela vem fazendo;
· Seja ordenada a retirada da placa publicitária na porta de entrada da fracção alusiva à actividade de tarot e ordenado à 2ª requerida que retire todos os anúncios publicados na internet relativos ao dito “E.L.”;
· Sejam ainda as requeridas condenadas ao pagamento de sanção pecuniária compulsória calculada ao valor diário de € 1.500,00, até completo cumprimento integral das determinações que lhes forem impostas no que respeita à imediata retirada da placa publicitária e dos anúncios publicados na internet bem como à cessação da actividade acima descrita na fracção.
Para sustentar a sua pretensão alegam, em síntese, que:
· São proprietários de algumas fracções do prédio sito no (...), 54, em Lisboa, tendo em Outubro de 2019 a 1ª requerida dado de arrendamento à 2ª requerida a fracção de que é proprietária, com destino a habitação;
· Na requerida fracção exerce-se a exploração do negócio de prostituição, sob a aparência da exploração comercial de um alegado consultório de tarot, sendo tal espaço divulgado na internet como “E.L. acompanhantes de luxo”;
· A actividade descrita vem provocando prejuízos graves aos requerentes, por se assistir à constante entrada de pessoas estranhas no prédio, com a consequente devassa do imóvel, criando perigo para os condóminos e residentes do imóvel;
· O 1º requerente tem em curso a venda da sua fracção, tendo encontrado interessado, mas quando este tomou conhecimento da situação comunicou que apenas aceita comprar a fracção caso cesse a utilização da mesma que é feita pela 2ª requerida.
Regularmente citadas, a 1ª requerida veio aos autos confirmar a celebração do contrato de arrendamento para habitação com a 2ª requerida, mais alegando que já interpelou a mesma para abandonar o locado, tendo intentado acção de despejo com esse fim.
A 2ª requerida apresentou oposição onde, em síntese, confirma a celebração do contrato de arrendamento para habitação, mais alegando que é na fracção arrendada que reside e tem instalado o seu agregado familiar, e impugnando os demais factos que lhe são imputados, por não serem verdadeiros. Conclui pela improcedência do procedimento cautelar.
Vieram, entretanto, os requerentes requerer a condenação da 2ª requerida como litigante de má-fé, em multa e em indemnização no montante de € 1.000,00, invocando ter a mesma deliberadamente alterado a verdade dos factos, deduzindo oposição cuja falta de fundamento é manifesta e alterando dolosamente a verdade dos factos relevantes para a boa decisão da causa, tudo com o objectivo de impedir a descoberta da verdade, como o demonstra o vídeo que publicou no Facebook e onde afirma os factos contrários aos que alegou na oposição.
Em resposta, veio a 2ª requerida dizer, em síntese, que a página de Facebook em questão apenas é visível para os seus amigos, pelo que aquele vídeo foi obtido em violação do direito de protecção das telecomunicações, sendo nula a obtenção do mesmo e assim ficando por demonstrar a invocada litigância de má-fé.
Após realização da audiência final foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
Assim, tendo em conta as considerações expendidas e as normas legais citadas, decide-se julgar parcialmente procedente a presente providência cautelar comum e consequentemente:
a) Condena-se a 2.ª Requerida a não utilizar a fracção sita no 9.º andar do n.º 54 da Rua do (...) para fim diferente da habitação e a cessar a utilização da mesma na exploração do negócio de prostituição;
b) Condena-se a 2.ª Requerida a retirar todos os anúncios publicados na Internet relativos ao “E.L.”;
c) Condena-se a 2.ª Requerida no pagamento a título de sanção pecuniária compulsória de € 500,00 (quinhentos Euros) por cada dia em que se mantiver a actividade do “E.L.” na fracção sita no 9.º andar do n.º 54 da Rua do (...) e em que se mantiver os anúncios publicados na Internet relativos ao referido Espaço.
d) Condena-se a 2.ª Requerida como litigante de má-fé em multa que se fixa em 5 (cinco) UC’s e indemnização à parte contrária que se fixa em € 750,00 (setecentos e cinquenta Euros).
e) Absolve-se a 1.ª Requerida dos pedidos contra si formulados”.
A 2ª requerida recorre desta decisão final, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem na íntegra:
A) O presente recurso vem interposto da parte da sentença proferida no Procedimento Cautelar Comum (Proc. nº 27414/19.0T8LSB) em que o Tribunal “a quo” decidiu condenar a 2ª Requerida, ora Recorrente, da seguinte forma: “Assim, tendo em conta as considerações expendidas e as normas legais citadas, decide-se julgar parcialmente procedente a presente providência cautelar comum e consequentemente:
a) Condena-se a 2.ª Requerida a não utilizar a fracção sita no 9.º andar do n.º 54 da Rua do (...) para fim diferente da habitação e a cessar a utilização da mesma na exploração do negócio de prostituição;
b) Condena-se a 2.ª Requerida a retirar todos os anúncios publicados na Internet relativos ao “E.L.”;
c) Condena-se a 2.ª Requerida no pagamento a título de sanção pecuniária compulsória de € 500,00 (quinhentos Euros) por cada dia em que se mantiver a actividade do “E.L.” na fracção sita no 9.º andar do n.º 54 da Rua do (...) e em que se mantiver os anúncios publicados na Internet relativos ao referido Espaço. d) Condena-se a 2.ª Requerida como litigante de má-fé em multa que se fixa em 5 (cinco) UC’s e indemnização à parte contrária que se fixa em € 750,00 (setecentos e cinquenta Euros).
B) A Recorrente não concorda com a sentença proferida porquanto a mesma se encontra em contradição com a prova documental e testemunhal efectivamente produzida, para além de violar o disposto nos Artos. 12º, 13º, 26º n.º 1 e Arto. 37º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
C) Para o que releva para o objecto do presente recurso, tendo o Tribunal “a quo” dado como provados os seguintes factos relevantes que passamos a transcrever:
“V – FACTOS INDICIARMENTE PROVADOS
Dos que revelam para a decisão da causa e não constituem conclusões ou conceitos de direito, julgam-se indiciariamente provados os seguintes factos:
7. Ali se exerce, de forma organizada, a exploração do negócio de prostituição,
8. Daí retirando a 2.ª Requerida vantagens económicas, assistindo-se ao aproveitamento económico daquela actividade.
9. Surgindo divulgado na internet como “E.L. - Acompanhantes de Luxo”.
10. Deslocando-se diariamente e ali permanecendo durante o dia diversas pessoas.
11. Assistindo-se à constante entrada de pessoas estranhas no prédio.
12. Chegando uma familiar menor a ser interpelada no interior do prédio por pessoas estranhas sobre se a mesma também se dirigia para o 9.º andar.
13. O 1.º Requerente tem em curso o processo de venda da fracção autónoma designada pela letra P correspondente ao 11.º andar, tendo encontrado interessado na respectiva compra, por preço de várias centenas de milhares de euros,
14. Sendo que tendo este interessado conhecimento da situação acima descrita, comunicou ao Requerente que apenas aceita comprar aquela fracção caso cesse a utilização da fracção do 9.º andar, nos termos que acima ficaram expostos
seria de esperar que os mesmos se alicerçassem em prova clara e inequívoca, o que não é o caso, conforme se demonstrará, estranhando-se a referência da sentença recorrida ao facto 15, uma vez que os factos dados como provados terminam no n.º 14, pelo que não se vislumbra o conteúdo do ponto 15;
D) A verdade é que dos anúncios publicados em sites da internet e que se encontram juntos a fls. 35 vs. a 38 vs. dos autos não contêm a localização exacta do local “E.L. – Acompanhantes de Luxo Portuguesas”, ou seja, concretamente a Rua do (...), n.º 54 – 9.º andar.
E) O mesmo se dirá do link referido no artigo 21.º do requerimento inicial, bem como a entrevista dada pela 2.ª Requerida num programa de televisão em canal aberta (visualizável através do link: (…)) de 8 de Janeiro de 2020, onde se refere que a Requerida abriu um espaço de acompanhantes de luxo em Outubro de 2019, e que, só por coincidir com data do início do contrato de arrendamento, foi suficiente para o Tribunal “a quo” decidir que no (...), n.º 54, 9º andar se praticava a prostituição, quando no referido link não é referida qualquer morada.
F) Esqueceu-se o Tribunal “a quo” que ninguém está proibido de dar entrevistas na casa onde reside, nem está proibido de aí receber visitas, seja de familiares, amigos ou mesmo jornalistas!
G) Tanto os depoimentos de parte como os testemunhos foram unânimes em afirmar, quando questionados pela Meritíssima Juíza sobre a inquilina do 9º andar e a actividade a que a mesma se dedica, que apenas tinham tido conhecimento pela comunicação social através das entrevistas dadas pela Requerida e através da administração do condomínio numa reunião, tendo sido igualmente unânimes em declarar que não podiam afirmar sem sombra de dúvida que no interior da fracção correspondente ao 9º andar era exercida a actividade de prostituição.
H) A própria sentença refere que o Tribunal “a quo” formou a sua convicção, quanto aos factos provados elencados em 7. a 11., pela visualização dos anúncios publicados em sites da internet e que se encontram juntos a fls. 35 vs. a 38 vs. dos autos, reconhecendo que é verdade que tais anúncios não contêm a localização exacta do local “E.L. – Acompanhantes de Luxo Portuguesas”, ou seja, concretamente a Rua do (...), n.º 54 – 9.º andar.
I) Tendo em conta os factos relatados pelas testemunhas e pelas próprias partes é por demais evidente que a sentença a proferir nos autos deveria ter sido a de absolver a Requerida dos vários pedidos e só não o foi por erro do Tribunal “a quo”.
J) Os receios pela segurança, o incómodo e a ofensa ao bom nome alegados pelos Requerentes não advêm do facto de no 9º andar ser exercida qualquer actividade relacionada com o negócio do sexo, que não lograram provar, mas apenas do facto de a Requerida ser sua vizinha, residindo no mesmo prédio, tendo sido reconhecida pelos seus vizinhos por ter lançado uma petição pública em defesa da legalização da prostituição;
K) Não se encontram provados, com objectividade e distanciamento, factos que sustentem a existência de uma ameaça e a necessidade de se adoptarem medidas para evitar o perigo, pelo que não se encontram reunidos os pressupostos exigidos no Arto. 362º n.º 1 do C.P.C. para que seja decretada e dado provimento à providência cautelar requerida.
L) De qualquer forma cumpre referir que a condenação da Requerida a utilizar a fracção para sua habitação, é uma redundância e afigura-se inútil posto que isso é precisamente o que sempre se verificou desde o início do contrato de arrendamento!
M) Ora, perante estes factos é manifesto que a sentença a proferir teria de ser necessariamente outra, ou seja, a de absolver a Requerida dos pedidos;
N) E assim sendo, também não faz sentido a condenação da Requerida no pagamento de sanção pecuniária compulsória.
O) Nem tão pouco a condenação na retirada de todos os anúncios publicados na Internet relativo ao E.L., pois que, não tendo ficado provada a sua origem e autoria e não fazendo os mesmos qualquer alusão à morada concreta do imóvel (rua, nº de porta, andar etc.) não pode assacar-se à Requerida a responsabilidade pela sua retirada;
P) Andou, pois, muito mal o Tribunal “a quo” que errou, e errou de forma grosseira, ao dizer que: “Ficou ainda indiciarmente provado que a 2.ª Requerida ali exerce, de forma organizada, a exploração do negócio de prostituição”, visto que da prova produzida nada resulta de forma clara e inequívoca a esse respeito.
Q) No que à condenação como litigante de má-fé, em multa e indemnização aos Requerentes em € 750,00, baseada num vídeo alegadamente obtido pelos Requerentes da rede social facebook, cumpre referir que, não sendo a página de Facebook da Requerida pública, estando apenas visível para os “Amigos”, a prova apresentada, se foi obtida desta página de rede social, o que não está sequer demonstrado, foi-o em violação do direito de protecção das telecomunicações, sendo, por conseguinte nula, indo nesse sentido muita da nossa Doutrina;
R) De tudo resulta, de forma inequívoca, a contradição entre a sentença condenatória proferida e a prova produzida, que teria forçosamente de levar a uma sentença absolutória da Requerida;
S) Em suma, o Tribunal a quo, ao decidir da forma que decidiu, dando razão aos argumentos apresentados pelos Requerentes na, aliás, douta sentença, violou o disposto nos Artos. 12º, 13º, 26º n.º 1 e 37º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa (C.R.P.) e bem assim, o disposto no Arto. 362º n.º 1 do C.P.C. e no Arto. 829º-A do C.C.
Pelos requerentes foi apresentada alegação de resposta, aí sustentando a manutenção da decisão recorrida e bem ainda que a indemnização a arbitrar pela litigância de má fé não deve ser inferior a € 1.000,00, tendo presente que o recurso interposto apenas se destinou a protelar o trânsito em julgado da decisão, sem fundamento sério e com incumprimento do ónus a que alude o art.º 640º do Código de Processo Civil.
*
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos art.º 635º, nº 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil, as questões submetidas a recurso, delimitadas pelas aludidas conclusões, prendem-se com:
· A alteração da matéria de facto;
· A verificação dos requisitos para o decretamento das providências cautelares e respectiva sanção pecuniária compulsória;
· A litigância de má fé da 2ª requerida.
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A decisão recorrida considerou como indiciariamente provada a seguinte matéria de facto:
1. Os 1º, 2º e 4ª requerentes são proprietários de fracções autónomas do prédio urbano sito no (...), 54, e Travessa (…), em Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º (...) e inscrito na matriz predial urbana da freguesia de (…) sob o artigo (…).
2. Residindo os 1º a 3º requerentes no identificado prédio, respectivamente nas fracções designadas pelas letras P, Q e S, correspondentes ao 11º, 12º e 14º andares.
3. Sendo que o mencionado prédio urbano é composto por 19 fracções autónomas.
4. A fracção autónoma sita no 9º andar, designada pela letra N, é destinada a habitação.
5. Sendo esta fracção propriedade da 1ª requerida.
6. No início de Outubro de 2019 a 1ª requerida deu de arrendamento à 2ª requerida a fracção autónoma de que é proprietária.
7. Ali se exerce, de forma organizada, a exploração do negócio de prostituição,
8. Daí retirando a 2ª requerida vantagem económica, assistindo-se ao aproveitamento económico daquela actividade.
9. Surgindo divulgado na internet como “E.L. - Acompanhantes de Luxo”.
10. Deslocando-se diariamente e ali permanecendo durante o dia diversas pessoas.
11. Assistindo-se à constante entrada de pessoas estranhas no prédio.
12. Chegando uma familiar menor a ser interpelada no interior do prédio por pessoas estranhas sobre se a mesma também se dirigia para o 9º andar.
13. O 1º requerente tem em curso o processo de venda da fracção autónoma designada pela letra P, correspondente ao 11º andar, tendo encontrado interessado na respectiva compra, por preço de várias centenas de milhares de euros.
14. Sendo que, tendo este interessado conhecimento da situação acima descrita, comunicou ao 1º requerente que apenas aceita comprar aquela fracção caso cesse a utilização da fracção do 9º andar, nos termos que acima ficaram expostos.
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Da alteração da matéria de facto
Decorre da conjugação dos art.º 635º, nº 4, 639º, nº 1 e 640º, nº 1 e 2, todos do Código de Processo Civil, que quem impugna a decisão da matéria de facto deve, nas conclusões do recurso, especificar quais os pontos concretos da decisão em causa que estão errados e, ao menos no corpo das alegações, deve, sob pena de rejeição, identificar com precisão quais os elementos de prova que fundamentam essa pretensão, sendo que, se esses elementos de prova forem pessoais, deverá ser feita a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o recurso (reforçando a lei a cominação para a omissão de tal ónus, pois que repete que tal tem de ser feito sob pena de imediata rejeição na parte respectiva) e qual a concreta decisão que deve ser tomada quanto aos pontos de facto em questão.
A respeito do disposto no referido nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil, refere Abrantes Geraldes (in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pág. 126 a 129):
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) (…)
d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou incongruente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto”.
E, mais adiante, afirma a rejeição, total ou parcial, do recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, designadamente quando se verifique a “falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, bem como quando se verifique a “falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, concluindo que a observância dos requisitos acima elencados visa impedir “que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”.
Por outro lado, e impondo-se a especificação dos pontos concretos da decisão que estão erradamente julgados, bem como da concreta decisão que deve ser tomada quanto aos factos em questão, há-de a mesma reportar-se, em primeira linha, ao conjunto de factos alegados pelas partes (e sem prejuízo do disposto no nº 2 do art.º 5º do Código de Processo Civil).
Ou seja, é no confronto do elenco de factos provados e não provados com os factos alegados pelas partes que o recorrente que pretende impugnar a decisão relativa à matéria de facto deve dar cumprimento à exigência de especificação acima referida, indicando cada um dos concretos pontos de facto que, sendo integrantes da causa de pedir ou de cada uma das excepções alegadas, mereciam decisão diversa daquela tomada pelo tribunal recorrido, e sob pena de rejeição dessa impugnação.
Revertendo tais considerações para o caso concreto, constata-se desde logo que a 2ª requerida apenas cuidou de cumprir o referido ónus de especificação a que alude o nº 1 do art.º 640º do Código de Processo Civil no que se refere à factualidade que consta do ponto 7. dos factos indiciariamente provados.
Com efeito, apenas na conclusão P) da sua alegação de recurso a 2ª requerida faz menção expressa à materialidade em questão, através da sua reprodução e alegação de que está incorrectamente decidida como provada, mais indicando que, face à prova produzida, resulta que a mesma não está indiciariamente provada.
Já quanto a cada um dos restantes factos provados que elenca na conclusão C) da sua alegação de recurso (aqueles identificados nos pontos 8. a 14.), e apesar de concluir genericamente que “não concorda com a sentença proferida porquanto a mesma se encontra em contradição com a prova documental e testemunhal efectivamente produzida” (conclusão B)), a 2ª requerida não concretiza em que consiste tal discordância, em momento algum especificando qual ou quais destes estão incorrectamente julgados, e qual deveria ser a decisão que deveria ser tomada por este Tribunal de recurso, quanto a cada um deles.
Assim, e como se verifica o cumprimento ao ónus de especificação em questão apenas em relação ao ponto 7. dos factos provados, é apenas relativamente a este segmento da decisão de facto que importa conhecer da impugnação da 2ª requerida, sendo a mesma rejeitada quanto à restante factualidade reproduzida nas conclusões da alegação da mesma.
Por outro lado, e quanto à especificação dos concretos meios de prova que sustentam a impugnação da decisão de facto, embora na sua alegação de recurso a 2ª requerida faça uma referência isolada às declarações de parte do 1º requerente, não cuida de indicar qualquer passagem da gravação do mesmo (apenas indica genericamente “vide gravação do depoimento”), nem, em alternativa, cuida de transcrever o excerto da parte das declarações que consideraria relevante para a questão de facto em causa.
E no mais que se refere à prova gravada (ou aos depoimentos testemunhais), a 2ª requerida nem sequer identifica quais deles são relevantes para a decisão de facto impugnada, limitando-se a afirmar genericamente que “tanto os depoimentos de parte como os testemunhos foram unânimes em afirmar”, sem nada mais concretizar.
Ou seja, também relativamente ao ónus de especificação dos concretos meios probatórios que impõem a alteração da decisão de facto impugnada, apenas se mostra o mesmo cumprido relativamente aos meios de prova documentais (incluindo os audiovisuais) que constam do processo, não havendo assim lugar à reapreciação da prova gravada, mas apenas da referida prova pré-constituída.
Quanto à apreciação da prova em questão pelo tribunal recorrido, foi a seguinte a fundamentação que ficou a constar da decisão recorrida (na parte que aqui releva):
O tribunal formou a sua convicção quanto à decisão da matéria de facto provada, através do exame crítico de toda a prova produzida.
(…)
Quanto aos factos provados elencados em 7. a 11., pela visualização dos anúncios publicados em sites da internet e que se encontram juntos a fls. 35 vs. a 38 vs. dos autos.
Como refere a 2.ª Requerida é verdade que tais anúncios não contêm a localização exacta do local “E.L. – Acompanhantes de Luxo Portuguesas”, ou seja, concretamente a Rua do (...), n.º 54 – 9.º andar. No entanto, temos de ter em conta que a actividade em causa é enquadrável no crime de lenocínio, não sendo razoável que fosse indicado a morada concreta.
Contudo desses anúncios divulgados na internet resulta claro que o local se situa no (...) junto da Avenida (…), ou seja, em localização compatível com a morada indicada nos autos.
Mas não foi a única prova produzida nesse sentido. Assim, necessário conjugar tais anúncios com a visualização do link referido no artigo 21.º do requerimento inicial, bem como a entrevista dada pela 2.ª Requerida num programa de televisão em canal aberta (visualizável através do link (…)) de 8 de Janeiro de 2020, onde resulta claramente que a 2.ª Requerida abriu o seu espaço em Outubro de 2019, ou seja, data do início do contrato de arrendamento. Nessas entrevistas, a própria 2.ª Requerida admite que sabe que poderá ser encerrado o espaço.
Mais, a testemunha PEDRO A. teve um depoimento isento e objectivo e referiu de forma clara que das reportagens fotográficas e das filmagens onde se fala de prostituição é inequivocamente reconhecível o andar do prédio. Também a testemunha JOÃO L., que reside no 7.º piso, confirmou de forma fundamentada que as fotografias que se encontram juntas aos autos a fls. 119 e seguintes são referentes aos andares do prédio sito na Rua do (...), n.º 54.
(…)
Mas quanto ao reconhecimento da fracção como sendo do n.º 54, 9.º andar, se houvesse dúvidas, as mesmas foram dissipadas com o depoimento da testemunha JOSÉ F., morador do andar de baixo (8.º andar) e que referiu de forma incontornável que as fotografias são de uma fracção do prédio, idêntica à sua fracção e quando confrontado com a fotografia de fls. 137 confirmou que os móveis que se encontram na lateral da lareira foram colocados pelo anterior proprietário do 9.º andar e como era visita de casa disso não tem dúvidas.
(…)
Ora, das entrevistas concedidas pela 2.ª Requerida aos canais televisivos, a 2.ª Requerida também se encontra no mesmo local onde foram tiradas as fotografias e refere que abriu aos jornalistas a casa onde é exercida essa actividade. Assim, não parece plausível que a 2.ª Requerida anuncie o seu espaço na referida fracção e que não exerça aí a actividade.
(…)
Tais meios de prova são suficientes e bastantes para dar como provados os factos contidos em 7.a 11.
Contudo, impõe-se também lançar mão do ficheiro audiovisual junto pelos Requerentes com o requerimento de 17 de Março de 2020.
Face à sua junção, a 2.ª Requerida alegou que a prova é nula porque desconhece a origem da prova e não sendo a página de facebook da Requerida de natureza pública, não pode a prova ser admitida.
(…)
Ora, a 2.ª Requerida não nega a autoria desse vídeo, mas levanta a dúvida da sua origem e que o mesmo foi obtido em violação do direito de protecção das telecomunicações.
A 2.ª Requerida estava ciente que esse vídeo podia extravasar as fronteiras de um alegado “grupo de amigos” criado numa rede social, sendo certo que esse vídeo foi gravado em resposta à sua citação no presente procedimento cautelar.
Como já foi referido, as provas produzidas e elencadas são suficientes para prova dos factos contidos em 7. a 11., independentemente dessa gravação trazida pelos Requerentes e retirada do facebook. No entanto, não poderemos deixar de ter em atenção esse meio de prova em conjugação com os restantes para a apreciação do pedido de litigância de má-fé formulado pelos Requerentes”.
No que respeita à reapreciação da prova documental acima elencada, sustenta a 2ª requerida, para além do mais, que o videograma apresentado pelos requerentes (e que foi valorado pelo tribunal recorrido, nos termos acima citados) constitui um meio de prova obtido de forma ilícita (e, por isso, nulo), já que, para tanto, foi violado o direito de protecção das telecomunicações.
Com efeito, resulta do nº 8 do art.º 32º da Constituição da República Portuguesa que são nulas todas as provas obtidas mediante “abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”, mais decorrendo do art.º 34º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, que “o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis”.
A respeito da insusceptibilidade de valoração de provas ilícitas em processo civil, Miguel Teixeira de Sousa (in “As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa”, pág. 229) explica que “parece haver ainda que distinguir, em processo civil, entre os meios de prova que não podem ser considerados atendendo à forma como foram obtidos:
- é o caso das provas conseguidas mediante os métodos proibidos no art. 32º, nº 8, CRP – e aqueles outros que foram obtidos ilicitamente, mas cuja produção não representa, em si mesma, qualquer ilicitude.
Assim, se, por exemplo, a apresentação em juízo de um diário íntimo (mesmo que legitimamente obtido pela parte) representa uma ilicitude que obsta à sua valoração como meio de prova, já a junção de um documento furtado não constitui, em si mesma, uma ilicitude, pelo que, por esse motivo, nada obsta à valoração em processo desse meio de prova.
Também é defensável que a ilicitude da obtenção da prova se tenha por justificada quando o agente visa exclusivamente a aquisição de um meio de prova sobre factos que dificilmente poderiam ser provados por outra forma e utiliza o material obtido somente com essa finalidade probatória”, mais explicando que “ainda que a prova seja ilícita quanto ao método da sua obtenção, a sua valoração em processo não está forçosamente excluída”.
E, do mesmo modo, explica (no seu blog do IPPC, disponível em blogippc.blogspot.com, em comentário ao acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8/9/2014, relatado por Maria José Costa Pinto e disponível em www.dgsi.pt), que “quando um post colocado no facebook é susceptível de exceder um círculo privado e fechado e, portanto, é passível de ter uma divulgação pública, não pode o seu autor obstar à utilização desse post como meio de prova, ou seja, não pode invocar a nulidade dessa prova por abusiva intromissão na vida privada (art. 32.º, n.º 8, CRP)”.
Por outro lado, e como já afirmou este Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 11/12/2018 (relatado por Cristina Neves e disponível em www.dgsi.pt), “se hoje se vulgarizou o uso de plataformas electrónicas na internet, tais como o facebook, o instagram e outras, para divulgação de mensagens, fotografias e aspectos da vida privada dos seus titulares (ou daquela que se quer apresentar, como vida mais ou menos privada), tal não significa uma autorização implícita para que estes conteúdos sejam reproduzidos noutras sedes e com outros fins, sejam publicitários, comerciais, divulgação de notícias, etc.
Este consentimento tem de ser expresso, sendo apenas excluída a necessidade de consentimento nos casos em que a notoriedade do visado, o cargo que desempenhe, exigências de justiça ou polícia, finalidades científicas, didácticas ou culturais, o justifique, ou quando a reprodução da imagem vier enquadrada na de lugares públicos, na de factos de interesse público ou que hajam decorrido publicamente”.
No caso concreto está em causa a junção aos autos de um videograma, que a 2ª requerida reconhece ter sido por si gravado e colocado na rede social Facebook, e no qual a mesma 2ª requerida se pronuncia sobre o procedimento cautelar que lhe foi instaurado, designadamente sobre o teor do requerimento inicial.
Desse conjunto de declarações da 2ª requerida retira-se, além do mais, que a mesma afirma (quanto à actividade da prostituição que é afirmada no requerimento inicial) tratar‑se do “nosso trabalho”, mais afirmando que “pedem (…) € 1.500,00 ao dia enquanto estivermos a trabalhar aqui no andar”. Ainda por referência à fracção autónoma identificada em 4. dos factos indiciariamente provados (o “andar”) e à actividade da prostituição utiliza também a expressão “enquanto cá estivermos”. Mais adiante, afirma igualmente (referindo-se aos requerentes) que “o que incomoda (…) é saber que no prédio há um andar de prostituição”. E mais adiante, ainda, afirma que “os clientes sobem (…), entram dentro de casa (…), fazem dentro do quarto”.
Retira-se igualmente desse videograma que a 2ª requerida o gravou com a intenção de o publicar na rede social Facebook, dando-o a conhecer a terceiros, aí não identificados e individualizados.
Ou seja, o conteúdo do referido videograma não respeita a um acto da vida privada e íntima da 2ª requerida, mas antes à circunstância da mesma ser demandada num procedimento cautelar e às opiniões que a mesma, livremente, entendeu manifestar, relativamente à demanda em questão, aos seus fundamentos e aos demandantes.
E quanto à circunstância do mesmo se destinar a ser publicado na rede social Facebook, em momento algum a 2ª requerida demonstra que tal publicação se destinou a ser conhecida apenas por um círculo restrito de “amigos”, do qual estavam excluídos os requerentes, por vontade da mesma 2ª requerida.
O que equivale a afirmar que o carácter eminentemente público da rede social Facebook (como decorre da circunstância de se destinar à “partilha de interesses, conhecimentos e valores comuns”, “através da publicação de comentários, fotos, links, etc”, tudo segundo a própria definição da mesma rede social, mencionada pela 2ª requerida) e o correspondente desconhecimento do universo de destinatários do videograma publicado pela 2ª requerida, não permite classificar a mesma publicação como um meio de comunicação privada, do mesmo modo que o conteúdo desse videograma não pode ser enquadrado como pertencendo ao domínio da vida privada da 2ª requerida, mas antes como sendo relativo à actividade (pública) dos tribunais.
E, nessa medida, não está vedada a valoração desse videograma como meio de prova, na medida em que a sua apresentação pelos requerentes não constitui qualquer acto ilícito, não só no que respeita à difusão do seu conteúdo, mas igualmente no que respeita à sua obtenção.
Por outro lado, e uma vez que o referido videograma foi apresentado pelos requerentes exclusivamente com finalidade probatória, justifica-se que o mesmo seja atendido, face à necessidade de apuramento da verdade material e de justa composição do litígio que norteia o processo civil.
Assim, e tendo presente o conteúdo do mesmo videograma, estão afastadas quaisquer dúvidas que pudessem subsistir relativamente à apreciação da prova documental referida na decisão recorrida (e acima citada).
Designadamente, o conteúdo do referido videograma afasta a afirmação de que a decisão de facto não está alicerçada “em prova clara e inequívoca” (como afirmado pela 2ª requerida), já que a circunstância dos anúncios relativos ao “E.L.” não conterem a localização exacta do local onde tal estabelecimento se encontra em funcionamento mostra-se irrelevante, a partir do momento em que a 2ª requerida refere no videograma em questão “que no prédio há um andar de prostituição”, mais referindo estar “a trabalhar aqui no andar”.
Mas, do mesmo modo, já se mostrava irrelevante a ausência de localização do referido “E.L.” nos anúncios, tendo presente que no programa televisivo emitido em 8/1/2020, onde a 2ª requerida esteve presente e foi entrevistada, foi a mesma apresentada como tendo aberto “as portas de sua casa para que o “A tarde é sua” conhecesse este espaço onde a Ana trabalha com outras mulheres”, mais afirmando a 2ª requerida, na referida entrevista, que “passei por muita coisa que eu não permito a nenhuma delas [as cidadãs identificadas na peça televisiva em questão como exercendo a prostituição] que passe na minha habitação”.
Ou seja, fica plenamente demonstrado, face à prova pré-constituída constante do processo e ora reapreciada, que na fracção autónoma identificada em 4. dos factos provados (aquela que foi arrendada à 1ª requerida pela 2ª requerida e que esta considera como a sua “casa” ou “habitação”), é exercida pela mesma 2ª requerida a exploração do negócio de prostituição, de forma organizada, correspondendo esse negócio àquele que gira sob a denominação de “E.L.” que surge publicitado na internet.
E, nesta medida, improcedem as conclusões do recurso relativas à alteração da decisão da matéria de facto, sendo a mesma de manter, nos termos que ficaram a constar da decisão recorrida.
*
Da verificação dos requisitos para o decretamento das providências cautelares
É sabido que, na sua essência, o procedimento cautelar é destinado a garantir, a quem o invoca, a titu­la­ridade de um direito, contra a ameaça ou um risco que sobre ele paira e que é tão imi­nente que a sua tutela não pode aguardar a decisão judicial.
São seus requisitos, além do mais, o periculum in mora (ou seja, de que a demora na decisão a proferir na acção principal acarrete um prejuízo grave), e o fummus bonus juris (a aparência da realidade do direito invocado).
Mais decorre do art.º 364º do Código de Processo Civil a instrumentalidade do procedimento cautelar, já que pressupõe uma acção definitiva, instaurada ou a instaurar, só podendo esta ser dispensada e ser definitivamente composto o litígio no procedimento cautelar se a matéria aí adquirida permitir a formação de convicção segura acerca da existência do direito acautelado (art.º 369º do Código de Processo Civil).
Ou seja, as providências cautelares são medidas provisórias, correspondendo à necessidade efectiva e actual de remover o receio de um dano jurídico, seja o mesmo tipificado, caso em que lhe corresponde a respectiva providência cautelar especificada, seja não tipifi­cado, caso em que lhe corresponde a providência cautelar não especificada concretamente adequada a assegurar a efectividade do direito ameaçado, como decorre do disposto no art.º 362º do Código de Processo Civil.
E como medidas provisórias que são, fazem com que seja necessário apurar não só do direito que assiste ao requerente e à violação do mesmo pelo requerido, mas igualmente à caracterização do tipo de violação, pela intensidade e/ou reiteração, por um lado, e pelas especiais consequências negativas para o requerente, por outro.
O procedimento cautelar é, pois, como um mais em relação à acção, quando surge como preliminar da mesma, pelo que a causa de pedir do procedimento cautelar é necessariamente mais complexa que a da acção definitiva que lhe cor­responde.
Por isso é que Abrantes Geraldes (Temas da Reforma do Processo Civil, vol. III, 2ª edição, pág. 131) refere que “as providências cautelares se destinam tão só a prevenir prejuízos decorrentes da demora no processamento da acção principal”, apesar de poderem caber “nos procedimentos cautelares medidas que visem dar utilidade ou eficácia ao conteúdo da futura sentença (de natureza constitutiva, modificativa ou extintiva), paralelamente com o que ocorre em determinadas providências específicas”.
Regressando ao caso concreto, e quanto a esta questão da verificação dos requisitos necessários ao decretamento das providências cautelares requeridas, ficou afirmado na decisão recorrida:
Quanto ao requisito da existência do direito invocado (aparência do direito), parece-nos que este se mostra preenchido.
(…)
No caso em apreciação, ficou provado que os Requerentes são proprietários de fracções de um prédio, onde, desde Outubro de 2019, se instalou no 9.º andar a 2.ª Requerida, fracção dada de arrendamento pela 1.ª Requerida. Ficou ainda indiciarmente provado que a 2.ª Requerida ali exerce, de forma organizada, a exploração do negócio de prostituição. Ora, independentemente da intenção da 2.ª Requerida em legalizar tal actividade, a mesma continua, perante a lei, a ser ilegal, podendo constituir a prática de um crime de lenocínio (a ser apreciado em sede própria).
É claro que o facto de ser exercido, de forma organizada, a exploração do negócio de prostituição num prédio de habitação tal implica uma alteração da vivência de todos os residentes e provocando, como também ficou indiciarmente provado, um entrave à livre disponibilidade do património de cada um dos proprietários, dificultando a venda das fracções.
Ora, dito isso, não restam dúvidas que o Tribunal não poderá deixar de decretar o presente procedimento cautelar, no sentido em que não poderia deixar de permitir a continuação de uma actividade actualmente não permitida e que lesa os direitos dos Requerentes.
O mesmo se diga quanto ao requisito do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável, este também se mostra preenchido no caso dos autos, porquanto o 1.º Requerente não alienou a sua fracção por esse motivo, sendo certo que o decurso do tempo o prejudica patrimonialmente.
No entanto, a procedência do presente procedimento cautelar apenas se cinge à condenação da 2.ª Requerida, sendo certo que a utilização da fracção com o fim distinto do constante no título constitutivo da constituição da propriedade horizontal e do constante da contrato de arrendamento não pode ser assacado à 1.ª Requerida.
Quanto à 2.ª Requerida, também é improcedente parte do pedido formulado na alínea c), na parte da retirada da placa publicitária na porta de entrada da fracção alusiva à actividade de tarot por não haver prova suficiente quanto a esse facto. Quanto ao restante elencando, a 2.ª Requerida, em consequência da cessação da actividade na fracção, deverá também retirar todos os anúncios publicados na internet relativos ao “E.L.””.
A 2ª requerida discorda deste entendimento, desde logo porque entende “que os Requerentes não lograram provar a prática da prostituição no 9º andar do prédio onde residem, ou seja, não se encontram provados, com objectividade e distanciamento, factos que sustentem a existência de uma ameaça e a necessidade de se adoptarem medidas para evitar o perigo”, do mesmo modo que entende que “a sentença aderiu à tese dos Requerentes que invocam incómodo e a ofensa ao seu bom nome, sentimentos que não advêm do facto de na fracção arrendada à Requerida ser exercida qualquer actividade relacionada com o negócio do sexo, que ficou sobejamente demonstrado que não ocorre, mas apenas do facto de a Requerida ali residir”.
E mais invoca que aquilo que está em causa é a discriminação da 2ª requerida pelos requerentes, por não concordarem com as suas ideias e causas.
Todavia, e face ao teor da decisão recorrida, designadamente na parte acima transcrita, não se alcança onde logra a 2ª requerida ver afirmado que o direito dos requerentes que importa ser protegido se prende com a discriminação daquela, em consequência da posição que a mesma manifesta publicamente, quanto à despenalização da exploração da prostituição.
E, desde logo, porque em momento algum os requerentes afirmaram qualquer posição ou opinião relativamente à questão em apreço, apenas tendo invocado que o exercício concreto da prostituição numa das fracções autónomas do prédio, onde são igualmente proprietários de fracções, faz perigar tal direito de propriedade. Do mesmo modo, o tribunal recorrido apenas sobre essa questão se pronunciou, nada tendo afirmado sobre a temática da despenalização da exploração da prostituição. E tudo apesar da afirmação pública desse tema pela 2ª requerida, inclusive para sustentar (não na oposição ao procedimento cautelar, mas em sede do já referido videograma) que essa sua posição legitimaria a exploração da prostituição, nos moldes dados como provados em 7. a 11. dos factos provados.
Ou seja, mantendo-se inalterada a factualidade dada como provada, e daí resultando a referida exploração do negócio de prostituição, de forma organizada e economicamente vantajosa para a 2ª requerida, na fracção autónoma correspondente ao 9º andar do mesmo prédio onde os requerentes são proprietários de fracções, e nas quais residem, do mesmo modo resultando demonstrado que tal actividade se traduz, não só no aumento da insegurança de cada um dos condóminos (por força do aumento da entrada de pessoas estranhas no prédio), como igualmente numa maior dificuldade dos requerentes poderem dispor livremente das fracções, como ocorre com o 1º requerente, que não consegue vender a sua fracção enquanto tal exploração continue a ocorrer na fracção do 9º andar, estão verificados os requisitos acima mencionados que impõem a fixação das medidas cautelares adequadas a fazer cessar esse perigo de lesão do direito de propriedade dos requerentes, quer na sua vertente das relações de vizinhança, quer na sua vertente puramente económica.
Por outro lado, não está nem nunca esteve em causa qualquer atitude discriminatória relativamente à pessoa da 2ª requerida, designadamente em razão das posições que toma publicamente, mas apenas e tão só as consequências da exploração do negócio de prostituição numa fracção autónoma, no que se refere à violação de direitos dos requerentes.
Com efeito, tais medidas cautelares não afectam o direito à habitação da 2ª requerida na fracção do 9º andar, nem tão pouco colocam em causa o exercício dos seus direitos como inquilina, perante a 1ª requerida, não estando em causa a “expulsão” da 2ª requerida do prédio, mas apenas a cessação da exploração do negócio de prostituição naquela fracção autónoma destinada à habitação, e que foi dada à mesma de arrendamento com esse único e exclusivo fim. Pelo que não se alcança onde se verifica a violação do direito ao respeito e dignidade da 2ª requerida, do mesmo modo não se alcançando onde se mostram violados “os mais básicos e elementares princípios constitucionais da universalidade e da igualdade consagrados no Arto. 12º e no Arto. 13º da Constituição da República Portuguesa”, ou o direito à liberdade de expressão e informação da mesma, que lhe está pessoalmente garantido pelo art.º 37º da Constituição da República Portuguesa.
Assim, a decisão recorrida não merece qualquer censura quando afirma a violação do direito dos requerentes em consequência da referida exploração do negócio de prostituição na fracção correspondente ao 9º andar e, como forma cautelar de fazer cessar tal violação, determina à 2ª requerida que se abstenha de utilizar a mesma fracção para fim diferente do fim habitacional a que se destina, mais determinado que a 2ª requerida cesse a referida exploração do negócio de prostituição na fracção.
Todavia, a decisão recorrida não pode subsistir quanto à condenação da 2ª requerida a retirar da internet os anúncios aí publicados e relativos ao “E.L.”.
Com efeito, se é certo que o “E.L.” está actualmente instalado na fracção correspondente ao 9º andar, também é certo que (como se refere na decisão recorrida) a publicidade a esse “E.L.” não o identifica como sendo um local físico correspondente à referida fracção.
Pelo contrário, aquilo que resulta dos anúncios em questão é que está publicitada uma actividade (a prostituição) explorada sob a denominação de “E.L.”.
E se se está perante uma actividade que se pode denominar de actividade económica produtiva (note-se que está demonstrado que a sua exploração pela 2ª requerida conduz a um aproveitamento económico da mesma, que é o mesmo que afirmar a existência de receitas e despeitas, com o correspondente lucro), então a mesma tanto pode ser explorada na fracção em questão como em qualquer outro local, e sempre com a mesma denominação de “E.L.”.
Dito de outra forma, a publicitação do “E.L.”, por si só, não faz com que a fracção em questão nos autos seja utilizada para o exercício do negócio de prostituição que gira sob tal denominação.
Antes é a conduta da 2ª requerida, enquanto titular de tal negócio, ao instalá-lo na fracção em causa, que faz com que a mesma seja utilizada para fim distinto do fim habitacional a que se destina.
Pelo não é proporcional e adequada ao fim visado (a cessação da exploração do negócio de prostituição na fracção autónoma destinada a habitação e correspondente ao 9º andar do nº 54 do (...), em Lisboa) a imposição da proibição da publicitação, pela 2ª requerida, daquele negócio da sua titularidade, na medida em que tal publicitação não determina que o negócio esteja a ser, ou tenha de ser, explorado na fracção em questão, e sendo que a própria natureza do mesmo faz com que o “E.L.” (denominação pela qual gira tal negócio) possa ser instalado em qualquer local adequado ao exercício da prostituição.
E tudo sem embargo, naturalmente, da ilicitude penal do negócio que, como bem se referiu na decisão recorrida, não carece de ser apreciada nesta sede, mas em sede própria (a jurisdição criminal).
Assim, justifica-se que a decisão recorrida seja revogada quanto ao segmento b) do dispositivo acima transcrito (correspondente à condenação da 2ª requerida a retirar os anúncios publicados na internet relativos ao “E.L.”).
Por outro lado, e quanto à sanção pecuniária compulsória fixada em c), na decisão recorrida ficou assim sustentada a sua aplicação:
(…) o instituto da sanção pecuniária compulsória é uno e é de natureza substantiva, sendo de natureza adjectiva, de carácter formal-processual, apenas a sua actuação. Daí que os pressupostos da fixação de sanção pecuniária compulsória sejam, em qualquer caso, os estabelecidos pelo artigo 829.º-A do Código Civil.
Atentemos, então, no disposto no artigo 829.º-A do Código Civil.
Interessam-nos os n.os 1 a 3, pois, não estando em causa, nestes autos, um pagamento em dinheiro corrente, o n.º 4 é inaplicável. Ora, resulta do n.º 1 que constitui pressuposto da fixação de sanção pecuniária compulsória que se trate de obrigação de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, e, mesmo nesse âmbito, excepcionam-se os casos em que a natureza da prestação exija qualidades científicas ou artísticas do obrigado. Entendeu o legislador que, com a única excepção decorrente do n.º 4, só quando se trate de obrigação de prestação de facto que apenas possa ser cumprida pelo próprio devedor se justifica o especial incentivo, em que a sanção pecuniária compulsória se traduz, ao cumprimento por parte deste último. Esse especial incentivo é constituído, nos termos dos n.os 1 a 3 do artigo 829.º-A, pela condenação do devedor no pagamento de uma quantia pecuniária, a fixar segundo critérios de razoabilidade e a reverter para o credor e para o Estado em partes iguais, por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso.
(…)
Tais imposições apenas podem ser cumpridas pela 2.ª Requerida, pelo que sendo prestações de facto infungível, positiva e negativa, deverá a mesma ser condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.
Face ao critério de razoabilidade expresso no n.º 2 do artigo 829.º-A do Código Civil, julga-se adequado fixar esse valor em € 500,00 (quinhentos Euros) diários.
Deste modo, procede parcialmente a condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória, condenando-se assim a 2.ª Requerida no pagamento de € 500,00 (quinhentos Euros) por cada dia em que se mantiver a actividade do “E.L.” na fracção sita no 9.º andar do n.º 54 da Rua do (...), bem como em que se mantiver os anúncios publicados na Internet relativos ao referido Espaço”.
A 2ª requerida não apresenta qualquer outro argumento para sustentar a inaplicabilidade do disposto no art.º 829º-A do Código Civil, para além da afirmação da inexistência da factualidade provada que consta da decisão recorrida, e que se mantém em sede do presente recurso.
Pelo que inexiste qualquer fundamento que afaste a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória à 2ª requerida, tendo em vista o cumprimento das providências cautelares ora impostas.
Todavia, e face ao acima exposto quanto à não condenação da 2ª requerida na retirada dos anúncios relativos ao “E.L.”, a sanção pecuniária compulsória concretamente fixada na medida diária de € 500,00 deve reconduzir-se apenas ao cumprimento da providência cautelar de cessação da utilização da fracção para a exploração do negócio de prostituição na fracção autónoma correspondente ao 9º andar do nº 54 do (...), em Lisboa.
Assim, e nesta medida, procedem parcialmente as conclusões do recurso da 2ª requerida.
*
Da litigância de má fé
Na decisão recorrida ficou assim afirmada a litigância de má fé da 2ª requerida:
Resulta para este Tribunal que a 2.ª Requerida deduziu oposição ao presente procedimento cautelar, invocando um facto que sabia não ser verdade, tanto mais que a própria sempre admitiu que sabia que o seu espaço seria encerrado ao dar a cara nos meios de comunicação social (conforme entrevistas dadas pela própria na (…) e no (…), sendo que a 2.ª Requerida não coloca a veracidade dessas entrevistas em causa). Ora, a 2.ª Requerida afirma no vídeo trazido a juízo a 13 de Março de 2020, dia da sua citação no presente procedimento cautelar, que exerce a actividade de acompanhamento de luxo no referido local.
Ora, depois, veio a 2.ª Requerida deliberadamente alterar a verdade dos factos, quando na comunicação social assume o seu comportamento, demonstrando não ter receio das consequências.
Tal comportamento da 2.ª Requerida, não é mais do que fazer do processo um uso manifestamente reprovável, com o fim de entorpecer a acção da justiça e pondo em causa a própria actividade do Tribunal.
(…)
Tal situação enquadra-se na dedução de uma oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Também incumbe aos tribunais o poder e o dever de responsabilizar as partes, quando utilizem, sem qualquer razão ou fundamento, os meios judiciários.
É nesse âmbito que se insere o instituto da litigância de má-fé.
Ora, no caso sub judice, por tudo o que já supra ficou referido é bem patente que a 2.ª Requerida deduziu uma oposição cuja falta de fundamento bem saba, alterando a verdade dos factos, com o objectivo de entorpecer a acção da justiça, verificando-se, assim, a previsão das alíneas a), b) e d) do n.º 2 do artigo 542.º do Código de Processo Civil”.
Para sustentar a revogação da sua condenação em multa e indemnização a favor dos requerentes, invoca a 2ª requerida, tão só, que tal condenação não se revela possível porque assenta na consideração da obtenção de um meio de prova através da intromissão abusiva nas telecomunicações da 2ª requerida.
Todavia, e face a tudo o que acima já foi afirmado e decidido, quanto à licitude da apresentação de tal meio de prova e necessidade de sua valoração, tendo presente a sua exclusiva finalidade probatória e a necessidade de apuramento da verdade material e de justa composição do litígio, constata-se que a argumentação apresentada pela 2ª requerida carece de qualquer fundamento.
Com efeito, no seu requerimento de oposição apresentado em 29/2/2020 a 2ª requerida afirmou claramente (art.º 7º) ser “falso o alegado pelos Requerentes ao dizerem que ali [na fracção correspondente ao 9º andar] funciona um consultório de tarot que esconderia um negócio de prostituição”, mais alegando que nunca “deu outro uso ao local que não o de afectação exclusiva à habitação” (art.º 6º).
E mais alega (art.º 15º) que das entrevistas que deu, “em momento algum, a Requerida referiu que a Fração autónoma de que é arrendatária e onde reside, no (...), 54, 9º andar, seja destinada ao exercício da actividade de “acompanhantes””.
Ora, tais afirmações são desmentidas, não só pelo teor do videograma apresentado pelos requerentes, mas igualmente pelo teor da entrevista concedida pela 2ª requerida a um programa televisivo da (…), em 8/1/2020 (ou seja, anteriormente à apresentação do requerimento de oposição, e disponível para visualização através do link indicado na decisão recorrida), decorrendo do conjunto de afirmações aí proferidas pela 2ª requerida que a fracção autónoma em causa era destinada ao exercício da prostituição, sendo essa uma actividade organizada pela 2ª requerida.
Como já referiu o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 7/10/2004 (relatado por Maria Laura Leonardo e disponível em www.dgsi.pt), “a acção é um instrumento posto à disposição dos interessados para fazerem valer em juízo as suas pretensões.
No artº 266º-A do CPC [que corresponde ao art.º 8º do Código de Processo Civil] consagra-se um dever geral de probidade. “As partes devem agir de boa fé e observar os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo anterior.”
É a violação deste dever (conduta ilícita), de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má fé”.
E como já referiu este Tribunal da Relação de Lisboa, no seu acórdão de 5/5/2011 (relatado por Octávia Viegas e disponível em www.dgsi.pt), “a parte está obrigada a uma pesquisa séria e intensa da verdade dos factos que traz a juízo, tendo uma actuação diligente, usando das precauções exigidas pela mais elementar prudência, a própria de um bom pai de família, naquelas circunstâncias concretas”, sob pena de ser condenada como litigante de má fé.
Foi este dever geral de probidade que a 2ª requerida violou, não por lapso ou outra circunstância atendível, mas porque quis dizer (e disse) uma coisa à comunicação social e o seu contrário ao tribunal.
Ou seja, verifica-se a conduta processual ilícita e dolosa da 2ª requerida quando nega, na sua oposição, a existência de uma situação de facto que já havia afirmado publicamente, conduta que continua a manter em sede do presente recurso, e que assim permite concluir que mais não pretendeu, com tal conduta, alterar a verdade dos factos e deduzir uma oposição cuja falta de fundamento conhecia, com o único objecto de entorpecer (designadamente atrasando) a acção da justiça.
Pelo que, também nesta parte, improcedem as conclusões do recurso da 2ª requerida, não havendo que fazer qualquer censura à decisão recorrida quando a condenou como litigante de má fé, em multa no valor de 5 UC e indemnização aos requerentes no valor de € 750,00, que se entende não dever ser aumentada, não obstante o pedido dos requerentes nesse sentido.
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DECISÃO
Em face do exposto julga-se parcialmente procedente o recurso e consequentemente:
I- Elimina-se a al. b) do dispositivo da decisão recorrida;
II- Revoga-se a al. c) do dispositivo da decisão recorrida, que se substitui por esta outra al. c) em que se condena a 2ª requerida no pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, da quantia de € 500,00 (quinhentos euros), por cada dia em que mantiver a exploração do negócio de prostituição na fracção sita no 9º andar do nº 54 do (...), em Lisboa;
III- Mantêm-se as al. a), d) e e) do dispositivo da decisão recorrida.
Quanto às custas devidas pelo procedimento cautelar, são suportadas pelos requerentes e pela 2ª requerida, na proporção de 50% para aqueles e de 50% para esta, e sem prejuízo do apoio judiciário concedido à 2ª requerida.
Quanto às custas devidas pelo recurso, são suportadas pelos requerentes e pela 2ª requerida, na proporção de 25% para aqueles e de 75% para esta, e sem prejuízo do apoio judiciário concedido à 2ª requerida.

8 de Outubro de 2020
António Moreira
Carlos Castelo Branco
Lúcia Sousa