Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
11605/18.3T8LSB.L1-2
Relator: CARLOS CASTELO BRANCO
Descritores: NULIDADE DA DECISÃO
FACTOS COMPLEMENTARES
SEGURO
INCÊNDIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I) Derivando a absolvição da ré da improcedência da acção e, esta, estando assente no facto de a autora não ter demonstrado os fundamentos do direito que invocou, verifica-se plena inteligibilidade do decidido e integral conformidade com os pressupostos em que assentou, inexistindo contradição entre os fundamentos e a decisão de uma sentença.
II) No vigente CPC distinguem-se os factos essenciais e os factos instrumentais. Os primeiros são os que se mostram decisivos para a procedência da acção – podendo ser essenciais primários (alegados nos articulados) ou essenciais derivados (resultando da instrução da causa e tendo a feição de factos complementares ou concretizadores dos antes alegados) e, quanto a estes, tem de ser observado prévio contraditório para o seu aproveitamento para o processo (cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. b) do CPC). Os segundos não têm tal virtualidade (cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. a) do CPC).
III) Um facto não provado não se confunde com um facto negativo, não se podendo extrair da factualidade não provada que esteja assente o facto negativo que lhe seja simétrico. A inclusão de um determinado facto no rol dos factos não provados apenas permite assumir que o mesmo não se comprovou, sem que daí se possa inferir algum valor positivo para a demonstração de outra factualidade.
IV) Mostra-se prejudicado o conhecimento de questão atinente à validade/invalidade de uma condição geral de um contrato de seguro, se não se apurou que o sinistro se encontrava enquadrado nas garantias do referido contrato.
V) Se não obtêm procedência as questões suscitadas pelo apelante, mostra-se prejudicado o conhecimento do objecto da ampliação do recurso deduzida pelo apelado nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do CPC, por não se encontrarem verificados os pressupostos que determinariam o seu conhecimento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

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1. Relatório:
Nos presentes autos de acção declarativa, com processo comum, que EUROHIDRA–MANUTENÇÃO INDUSTRIAL E CONSTRUÇÃO DE EQUIPAMENTOS, LDA., identificada nos autos, instaurou contra VITÓRIA SEGUROS, também identificada nos autos, em 12-06-2019, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e absolveu a ré do pedido contra si formulado pela autora.
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Não se conformando com a decisão proferida, dela apela a autora, formulando, em suma, as seguintes conclusões:
“A) Em causa na presente ação está o pedido de pagamento de um prémio de garantido pela R. seguradora, na sequência de um sinistro ocorrido nas instalações da sociedade Real Bolo, quando a A. aí estava a realizar uns trabalhos no exercício da sua atividade de manutenção industrial e reparação de equipamentos industriais.
B) Na douta sentença a Meritíssima Juiz a quo, considera como provado que entre as partes foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º …, pelo prazo de um ano e seguintes, com início em 26 de dezembro de 2008, mediante o qual a R. seguradora assumiu a responsabilidade civil extracontratual da A. ora recorrente, garantindo a indemnização dos prejuízos involuntariamente causados a terceiros no exercício da atividade da A. de manutenção de equipamentos industriais
C) Pese embora tal consideração, considera que a A. haveria ter provado os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos nos artigos 483º e seguintes do Código Civil, maxime, a existência de um facto ilícito, culposo e danoso decorrente do exercício da sua atividade de manutenção de equipamentos industriais
D) Donde resulta clara contradição insanável e evidente ambiguidade da Meritíssima Juiz, pois que numa situação de responsabilidade civil extracontratual por prejuízos involuntariamente causados, deverão estar reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil à exceção da existência de um facto culposo e ilícito, pois que estamos perante uma responsabilidade pelo risco -Neste sentido Ac. STJ de 05.09.2009 – Processo 8162/2008-6
E) A A. logrou provar os factos constitutivos do seu direito, o preenchimento in casu dos requisitos da responsabilidade extracontratual, na modalidade de responsabilidade pelo risco, e por isso enquadrável no contrato de seguro, não fosse a Meritíssima não considerar as declarações dos seus legais representantes
F)A Meritíssima juíza considerou que as aludidas declarações de parte contribuíram para o esclarecimento dos factos em apreço por relatarem as circunstâncias de tempo, modo e lugar em que deflagrou o incêndio e em que foram realizados os trabalhos acordados com a Real Bolo, porém desprezou-as levando a uma perversão do intuito da lei e do princípio da livre apreciação da prova e a uma incorreta resposta à base instrutória
G)Veja-se o que diz o legal representante da A. MM… nas suas declarações de parte em gravação digital
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01.08.04 h M… - “80% do nosso trabalho é fogo em qualquer coisa que nós façamos temos sempre que utilizar ou rebarbadora ou máquinas de soldar ou mesmo máquinas de corte – acetileno … logo á partida isso é um risco inerente à nossa atividade
01.09.28 h Juiz – E foi em que local ? (entenda-se o incêndio)
M… – Da estufa ?
Juiz – sim
M… - quando eu entrei (entenda-se depois de deflagrar o incêndio) a zona que eu vi foi do lado direito junto á parede numa zona de cabos que lá existia a um metro e meio/ 2 metros da zona onde estivemos a fazer os trabalhos de incandescência
01.11.58h Mandatária da A. – Detetaram que o incêndio estava a ocorrer à direita da estufa junto aos cabos elétricos (…) onde tinham sido feitos os trabalhos de incandescência. É possível que esses trabalhos de incandescência, as tais partículas incandescentes tenham caído no solo ou nos cabos sem que tivessem ateado logo
M… - sim perfeitamente , porque a soldadura estava a ser efetuada a cerca de 3 metros de altura quando cai para o chão, cai nos cartões mas pode espalhar e a incandescência o problema que tem é que não é uma chama, é um ponto quente, se eventualmente no meio disso tudo … uma dessa fagulhas, incandescências que salte para o lado dos cabos, se os cabos tiverem cobertura de manteiga, que tinham com toda a certeza, pode começar a criar uma zona de aquecimento e por sua vez fazer esse ateamento, mas quer dizer, depois de tudo acautelado isso acontecer, não posso dizer, é um risco real que pode ter acontecido, que nós tenhamos visto essa situação não , até à altura o ponto de incandescência que possa ter ficado a atear , isso pode perfeitamente acontecer e qualquer pessoa que solde sabe isso, essa situação é muito possível de acontecer, é realmente um risco da soldadura , por isso é que a soldadura tem que ser tão acautelada e mesmo assim ás vezes ….
01.15.51h Mandatária da A. – o que é que vocês fazem ?
M… - nós contruímos máquinas, reparamos equipamentos, fazemos estruturas metálicas, fazemos todo o tipo de manutenção em equipamentos e fazemos estruturas metálicas ou pavilhões
01.18.47h Mandatária da A. – já referiu que é possível que a incandescência que ocorreu durante os trabalhos possa ter causado uma espécie de .. possa não ter ateado logo, é isso ?
M… – muitas vezes acontecia … numa zona que se está a soldar, está-se a soldar e está tudo bem , mas com a incandescência, que aquilo são pingos de metal sobre aquecido, caem e rebolam porque a tendência é enrolarem e caem em zona de cabos; quando caem em zonas de cabos o que é que acontece muitas vezes ? embrulha-se no meio e aquilo fica ali . o cabo começa a aquecer e começa a criar ali uma zona de calor … isto já me aconteceu uma ou 2 vezes, na altura quando eu trabalhava na Merloni, e aí conseguia se detetar porque estavam lá mais pessoas
01.21.00h M… – quando temos 3 espirais de 3 metros uma ao lado da outra e depois em baixo temos a estrutura de ferro toda … se cair no cartão (entenda-se partículas incandescentes) e rebolar para debaixo daquilo como é obvio nós não conseguimos detetar tudo
Veja-se o que diz o legal representante da A. MM… nas suas
declarações de parte em gravação digital
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01.54.58h A… – foram feitos trabalhos de corte e soldadura
01.55.34h A… - Quando os trabalhos já estavam concluídos, uma parte, porque íamos continuar no dia seguinte, um funcionário detetou um foco de incêndio numa zona onde estavam uns cabos elétricos, daí o foco de incêndio pode ter resultado de várias coisas mas uma delas também pode ter sido uma fagulha da soldadura que se nos escapou, pode ter caído para cima dos cabos e ficar a remoer e daí ter pegado o incêndio … é uma possibilidade
01.58.58h Mandatária da A.: esses trabalhos que estavam a fazer, eram trabalhos com rebarbadora, com soldadura ?
A…: eram trabalhos com a rebarbadora, corte …
01.59.14 A…: os trabalhos de soldadura é que aconteceram dentro da estufa Os trabalhos e soldadura é que aconteceram dentro da estufa
01.59.28h A…: Os trabalhos de soldadura libertam partículas, daí nós termos posto uns cartões para garantir que elas não passavam …mas podiam ter passado … pode ter passado, pode ter havido uma qualquer que pode ter passado
01.59.45h Mandatária da A: O foco de incêndio foi detetado em que local ?
A…: Foi detetado no chão da estufa numa zona onde estavam cabos elétricos enrolados
Mandatária da A: E é possível que alguma partícula se tenha alojado aí sem que vocês tenham conseguido ver
A…: é possível
Mandatária da A: é possível que uma partícula caia no solo e que não gere logo lume, fogo, que não ateie
A…: é possível. e se cair em cima da borracha pode estar durante algum tempo a remoer. Inclusivamente essa partícula é metálica se tivesse eletricidade nesses cabos elétricos, ela pode criar um curto circuito e acelerar o incêndio … a combustão … pode dar origem à combustão
2.04.32h Mandatária da A: relativamente à queda das partículas que possam ter ocorrido, até que ponto é que poderiam ter evitado ou contornado a situação de alguma queda de partícula que não fosse visível na altura
A…: não é fácil, porque as partículas normalmente vêm em direção ao solo, mas em certas situações podem saltar para qualquer lado e nós não podemos estra a soldar e fechar totalmente a zona onde estamos a soldar
F) nada obsta a que as declarações de parte constituam o único arrimo para dar certo facto como provado desde que as mesmas logrem alcançar o standard de prova exigível para o concreto litígio em apreciação e neste caso as declarações de parte constituem um exemplo acabado de declarações que merecem credibilidade, sendo que a aferição da credibilidade final de cada meio de prova é única, irrepetível, e deve ser construída pelo juiz segundo as particularidades de cada caso segundo critérios de racionalidade.
G) In casu os legais representantes da A., mostraram ter conhecimento direto dos factos que descreveram de forma clara e coerente, não sendo tendenciosos pese embora o seu natural interesse na causa
H) Não sendo de esquecer que as circunstâncias que descreveram sobre a forma como o incêndio deflagrou estão corroboradas em prova documental junta aos autos – o certificado de regulação de sinistro – a que a Meritíssima Juiz também não alude -Neste sentido vide Ac. RL de 26.04.2017 – processo 18591/15.0T8SNT.L1-7
I) Nem tão pouco a Ré nega as circunstâncias em que deflagrou o incêndio apenas se refugia na argumentação de que se trata de responsabilidade contratual e não extracontratual e por isso não enquadrada no contrato de seguro, procurando assim, á escassez de argumentos afastar a sua responsabilidade.
J) A pronúncia acerca da existência de responsabilidade pelo risco é crucial e houve por parte da Meritíssima efetiva omissão de pronuncia ao não fazer constar do elenco de factos provados e não provados as circunstâncias em que o sinistro, e como o risco da atividade da A. esteve sempre presente, pelo que o Tribunal "a quo" não pode concluir pela falta de prova dos factos constitutivos do direito da A.
K) Na verdade, em virtude da prova constante dos autos, quer testemunhal (declarações de parte dos legais representantes da A.) quer documental (certificado de regulação de sinistro), deverão ser aditados os quesitos 27º, 28º e 29º aos factos dados provados, com a seguinte redação:
A - Factos provados
Quesito 27º os trabalhos que a A. desenrolou na Real Bolo consistiram, nomeadamente em trabalhos de soldadura sendo que a incandescência das partículas libertadas que são pingos de metal aquecido podem cair e/ou saltar, sendo a tendência de enrolar, começando a aquecer e a criar uma zona de calor, ficando a remoer para só mais tarde poder atear
Quesito 28º a queda das partículas incandescentes é um ato involuntário representando um risco da atividade da A. de manutenção industrial e reparação de equipamentos industriais, porque as partículas incandescentes normalmente vêm em direção ao solo, mas em certas situações podem saltar para qualquer lado, não sendo imediatamente visíveis
Quesito 29º O incendio deflagrou numa zona onde estavam cabos elétricos enrolados a um metro e meio/ 2 metros da zona onde a A. esteve a fazer os trabalhos de incandescência
L) Impunha-se assim decisão diferente que deveria ter ido no sentido de considerar que existiu responsabilidade civil extracontratual, na modalidade de responsabilidade pelo risco da A. pela verificação de todos os pressupostos da responsabilidade civil à exceção da existência de facto ilícito, danoso e/ou culposo por o mesmo não ser exigível
QUANTO À VALIDADE DAS CONDIÇÕES GERAIS JUNTAS PELA R. AOS AUTOS:
M) Considerando que as condições gerais juntas pela A. à sua petição têm um clausulado diferente das que a R. juntou à sua contestação e que do depoimento da testemunha arrolada pela R. CO… apenas resulta que o clausulado das condições gerais juntas pela A. aos autos não estavam disponíveis em Dezembro de 2008 mas apenas resultaram que só começaram a vigorar em Maio de 2009.
Q) Considerando ainda que do depoimento da testemunha CO…, não resulta que as condições que começaram a vigorar, alegadamente em Maio de 2009 tivessem sido entregues à A.
R) Veja-se o que diz o legal representante da R. CO… nas suas declarações de parte em gravação digital
20190207095319_19544906_2871108 02.19.08h C… : Está a perguntar se eu consigo garantir que as condições de 2007 foram entregues ao cliente ? Eu não consigo garantir porque não estava na entrega da documentação ?
S) Sendo que do artigo 224º nº2 CC resulta que a declaração negocial que tem um destinatário só se torna eficaz logo que chegue ao poder ou é dele conhecida e porqie não logrou a R. provar que tais condições tivessem chegado ao conhecimento da A.
T) Impende sobre a R. por ter o ónus da interpelação, a demonstração do recebimento das condições contratuais pela A., o que não cumpriu- Neste sentido Ac. STJ de 08.06.2016 – processo 06A1355
U) Acresce que inclusivamente a Meritíssima Juiz considerado como não provado nas alíneas K) e L) do elenco de factos não provados que:
• em 17 de dezembro, o mediador tivesse entregue à A. condições gerais referidas em 16) do elenco dos factos provados (condições com a ref. “webdoc RCGP 11.07)
• a A. tivesse recebido do seu mediador as condições referidas em 16)
V) ) donde não devem ser consideradas válidas as condições gerais juntas pela R. aos autos por não terem sido receptícias, não se percebendo que na sua fundamentação de direito o Tribunal a quo não se pronuncie sobre tal questão prejudicando o direito que a A. pretende fazer valer
X) Impunha-se assim decisão diferente que deveria ter ido no sentido de considerar que as condições gerais juntas pela R. não são válidas e por isso inaplicáveis à A. devendo prevalecer o clausulado das que foram juntas pela A. donde não consta a exclusão contratual de incêndio ou fogo
Z) Até porque, sempre a Meritíssima Juiz se deveria pronunciar relativamente à exceção contratual de incêndio ou fogo levantada em sede de contestação pela Ré, o que não fez
QUANTO À OMISSÃO DE PRONUNCIA SOBRE AS EXCLUSÕES CONTRATUAIS DESIGNADAMENTE O RISCO DE INCÊNDIO
AA) na sua contestação, a Ré levanta a questão de que a sua responsabilidade estaria excluída por força do artigo 4º nº2 das clausulas contratuais gerais que junta donde que consta que “ (…) não ficam garantidos (…) d) danos causados a terceiros por fogo, explosão, fumo e água e) danos causados a terceiro por incêndio”
AB) Ora, sendo que no contrato de seguro a seguradora, ora recorrida, se obriga a cobrir um risco, ocorrido o sinistro, há, no caso de dúvida sobre se o mesmo integra o risco, que precisar o verdadeiro objeto do contrato outorgado, com recurso, nomeadamente, às regras de interpretação do negócio jurídico fixadas nos art.ºs 236º, n.º 1 e 238º, n.º 1, do CC, podendo o intérprete socorrer-se de outros elementos interpretativos que não a apólice, sendo que limitar a análise do contrato de seguro à apólice seria denegar proteção à parte mais fraca.
AC) Por desvirtuar e esvaziar consideravelmente o conteúdo do contrato de seguro e beneficiar, desmedida e injustificadamente, a posição contratual da seguradora, pondo em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato, não é permitida (devendo ser declarada nula), num contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo da manutenção industrial e reparação de equipamentos para a indústria, a cláusula alegadamente inserta nas “condições especiais” que exclua da respetiva cobertura/garantia os danos decorrentes de danos causados por fogo, explosão, incêndio, fumo e água - Neste sentido o Ac. Relação Coimbra de 30.06.2015 – Processo 20/10.7BPPSC1
AD) A Meritíssima Juiz, deixou de se pronunciar sobre esta questão apesar da respetiva apreciação lhe ter sido colocada.
AF) Veja-se o que diz o legal representante da A. – MM… – nas suas declarações de parte em gravação digital
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01.11.01h M… – nós contratamos um seguro com base no risco na nossa atividade e depois a nossa seguradora diz que isso não está contemplado … Eu que tenho uma empresa que trabalha com lume a torto e direito não faço uma cobertura de incêndio .. quando eu preciso desse seguro para entrar em qualquer empresa onde eu trabalhe .. onde isso é obrigatório
01.14.13h Mandatária da A. – qual a razão de ser da contratação deste seguro
M… – era incêndios, inundações, uma vez que também podemos trabalhar com tubos
Mandatária da A – incêndios e inundações que vocês provocassem
M… – basicamente quando nós entramos numa zona que temos que andar a cortar com um maçarico, quando temos que andar a fazer soldadura para fixar pontos ou fixar estruturas e quando temos que andar a cortar em zonas que temo … temos que ter a cobertura de incêndio. Aliás não há empresa nenhuma que me aceite um seguro de responsabilidade civil que não inclua aquilo em que eu vou trabalhar
Mandatária da A – esse seguro era contratado para cada cliente?
M… – não este seguro era um seguro geral que a Portucel, que a Siderurgia, que a Lusosider, ou qualquer um dos nossos clientes a quem nós vamos, desde Continental Teves a Autoeuropa, aceitam perfeitamente como admissível.
Mandatária da A – e que se destina a garantir o quê ?
M… – o facto do risco do nosso trabalho, o facto de poder acontecer alguma coisa que não esteja inerente às nossas condições de segurança criadas, que crie um dano ao cliente
Mandatária da A – foi isso que vocês fizeram quando contrataram ?
M… – sim foi isso que foi pedido
Mandatária da A - foi isso que pediram ao mediador
M… – sim foi isso que foi pedido ao mediador e
01.16.16h Mandatária da A. – se vos apresentassem um seguro que não tivesse a cobertura de incêndio, vocês aceitavam ?
M… – Como é obvio eu não posso aceitar (…) é daquelas coisas que escapa à lógica pensar o contrário sequer
Veja-se o que diz o legal representante da A. MM… nas suas declarações de parte em gravação digital
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01.57.48h A… – (entenda-se seguro de responsabilidade civil) que só faz sentido existir por a nossa profissão, ser uma profissão onde trabalhamos com fagulhas; o corte e a soldagem do aço provoca chama e há risco de provocar incêndio, esse seguro só se justifica se tiver cobertura de incêndio; será um dos principais riscos da nossa atividade . Os dois principais riscos da nossa atividade são o incêndio e o manuseamento de cargas pesadas .
02.00.45h Mandatária da A. ; porque é que a Eurohidra contratou este seguro ?
A… : contratamos esse seguro, para já porque algumas empresas já nessa altura exigiam que tivéssemos um seguro de responsabilidade civil para podermos trabalhar na casa dos clientes
Mandatária da A.: Porquê?
A…: era preciso ter um seguro porque nó trabalhamos com soldadura, com corte de material, com manuseamento de cargas e que há risco, existe risco
Mandatária da A: que tipo de seguro era?
A…: não foi especificamente para este trabalho da Real Bolo, para qualquer que fossemos fazer à casa dos clientes, fosse ele qual fosse
Mandatária da A. : vocês na altura foram aconselhados por algum mediador, não foram?
A…: fomos aconselhados pelo mediador em função daquilo que os clientes nos pediam Os clientes pedem-nos um seguro para trabalharmos nas instalações deles
Mandatária da A. que garanta o quê?
A…: a proteção do risco da nossa atividade
2.02.33 h Mandatária da A.: e se vos tivesse sido apresentado um seguro com a exclusão da cobertura de incêndio, vocês tinham aceite
A…: Não, porque o incêndio é um dos principais riscos da nossa atividade
AG) O Tribunal "a quo" não levou a efeito uma correta apreciação da matéria de facto, não se pronunciando sobre uma questão elementar que lhe foi colocada – a procedência ou não de uma alegada exceção contratual
AH) Admitir a exceção contratual invocada pela R. sempre levaria a um esvaziamento do objeto do seguro celebrado com a A. e potencialmente a um efetivo “não seguro” sem que nomeadamente os elementos disponíveis atinentes ás circunstâncias da celebração do contrato relatadas pelos legais representantes da A. e às características da atividade desta, apontem para a pretendida restrição/exclusão da cobertura de incêndio
Em suma, temos pois que:
• os elementos carreados para os autos permitem de forma inequívoca provar que, por um lado estão preenchidos todos os requisitos da responsabilidade pelo risco da atividade da A. de manutenção industrial e reparação de equipamentos para a industria, cujos danos estão assim cobertos pelo seguro celebrado com a A., pois que o incêndio deflagrou nas instalações da Real Bolo, local onde a A. havia acabado de terminar trabalhos de soldadura donde podem ter sido projetadas partículas incandescentes sem que fossem mediatamente visíveis e que mais tarde pudessem ter ateado. E sendo esta questão da existência de responsabilidade pelo risco crucial e determinante nos presentes autos, a Meritíssima Juiz esteve mal quando não se pronunciou sobre ela.
Mais que não fosse pela sua natureza à atividade da A. está inerente um risco donde a desnecessidade de sequer provar a existência de um facto culposo, cabendo logo o acidente na esfera do risco.
• Por outro lado, a R. invoca uma exceção contratual relativa à cobertura de incendio e mais uma vez esteve mal a meritíssima Juiz ao não se pronunciar sobre outra questão determinante, a que acresce que tal exclusão consta de um clausulado que a R. não logrou provar que tivesse chegado ao conhecimento da A. e por isso não sendo tal clausulado válido também tal exclusão não deve ser considerada válida
• E ainda que se considere tal clausulado válido o que só por excesso de patrocínio se aceita, diga-se que considerar uma exclusão da cobertura de incendio para uma atividade do ramo da manutenção industrial e reparação de equipamentos para a indústria onde a iminência de fogo representa cerca de 80% do seu trabalho, seria desvirtuar e esvaziar consideravelmente o conteúdo do contrato de seguro e beneficiar, desmedida e injustificadamente, a posição contratual da seguradora, pondo em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato, o que levaria a um esvaziamento do objeto do seguro celebrado com a A. e potencialmente a um efetivo “não seguro” (…).
Pelo que se impunha decisão diferente que deveria ter ido no sentido de condenar a Ré, ora recorrida ao pagamento do prémio de seguro contratado pela A., devendo ser revogada a sentença.
Termos em que deve conceder-se provimento ao recurso, revogando-se a douta decisão recorrida e proferindo-se, em sua substituição, douto acórdão que condene a Ré no pedido formulado pela A. (…)”
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A ré apresentou contra-alegações – tendo requerido a ampliação do objecto do recurso – e concluindo:
“i. Ampliação do objecto da apelação – impugnação da decisão de facto (subsidiariamente)
FP nº 15
1. Considerando, por um lado, o nº 2 dos factos provados (não impugnado pela A.), quanto aos valores do capital garantido e da franquia, e, por outro, o que a R. aceitou nos arts. 54º e 55º da contestação, quanto ao alegado nos arts. 14º e 15º da p.i., impõe-se, para evitar contradições na decisão de facto, a alteração do nº 15 dos factos provados, propondo-se que este adopte a seguinte redacção: “A ré, através do seu mandatário, recusou a regularização do sinistro.” ou, em alternativa, “A ré, através do seu mandatário, declinou o pagamento à autora do capital seguro indicado no nº 2.”.
Al. i) dos FNP
2. O gerente da A. AM… declarou que, aquando da contratação do seguro, a A. foi aconselhada por um mediador de seguros, em função das suas necessidades, ou seja, do que os seus clientes lhe exigiam em matéria de seguro de responsabilidade civil (ficheiro 20190207 095319 19544906 2871108.wma, passagem da gravação: 02:01:40 – 02:01:50).
3. No mesmo sentido foi o depoimento prestado pela testemunha RB… (ficheiro 20190207 095319 19544906 2871108.wma, passagem da gravação: 02:26:45 – 02:28:31).
4. A testemunha RB… esclareceu, também, que o mediador de seguros que interveio na contratação do seguro não tinha poderes de representação da R. (passagem da gravação: 02:42:50 – 02:43:01).
5. As declarações prestadas pelo gerente da A., AM…, e o depoimento prestado pela testemunha RB… são, quanto à matéria da alínea i) dos factos não provados, convergentes e, como tal, suficientes para que essa matéria transite para os factos provados e se acrescente a estes um novo número com a seguinte redacção: “A autora recorreu aos serviços de um mediador de seguros para obter informações e se aconselhar sobre o seguro a contratar.”.
· 1º aditamento aos FP
6. Porque relevante à luz da solução jurídica que a R. defenderá para o litígio subsidiariamente, a mesma sugere, ainda, que se adite aos factos provados que “O mediador de seguros que interveio na contratação do seguro não tinha poderes de representação da R..”, facto este que é complementar ou concretizador do alegado no art. 24º da contestação e, como tal, pode ser considerado pelo julgador, nos termos do art. 5º/2 a) e b) do CPC, sendo que encontra suporte nas declarações prestadas pela testemunha RB….
· Als k) e l) dos FNP
7. Os gerentes da A. MM… e AM… reconheceram que, aquando da feitura do seguro, o mediador de seguros entregara à A. as condições gerais da apólice (ficheiro 20190207 095319 19544906 2871108.wma, passagens da gravação: 01:21:25 – 01:22:03 e 02:02:01 – 02:02:10, respectivamente).
8. Dos depoimentos prestados pelas testemunhas CO… e RB… resultaram os seguintes factos:
- As condições gerais de fls. 7 a 15 vigoraram a partir de Maio de 2009 e só foram disponibilizadas pela internet nessa data, como transparece do código “WEBDOC RCP 05.09”, nelas aposto;
- As condições gerais da apólice da A. são as de fls. 66v. a 70, que vigoraram entre Novembro de 2007 e Dezembro de 2008, como transparece do código “WEBDOC RCGP 11.07”, nelas aposto;
- Os mediadores de seguros têm acesso às condições gerais das apólices através do portal a eles destinado, o qual lhes disponibiliza, apenas, as condições gerais vigentes em cada momento, mas não as que deixaram de vigorar;
- Em Dezembro de 2008, aquando da feitura do seguro, o mediador de seguros apenas tinha acesso às condições gerais de fls. 66v. a 70, então vigentes, e não às condições gerais de fls. 7 a 15, inexistentes naquela data (ficheiro 20190207 095319 19544906 2871108.wma, passagens da gravação: CO… –02:07:43 – 02:08:35, 02:08:37 – 02:14:32, 02:14:45 – 02:17:18 e 02:20:15 – 02:22:38; RB…– 02:24:55 – 02:25:37, 02:29:50 – 02:30:29 e 02:30:31 – 02:42:50)
9. Se, conforme declararam os gerentes da A., esta recebeu do mediador de seguros, aquando da subscrição da proposta de seguro, as condições gerais da apólice e se, como depuseram as testemunhas CO… e RB…, o referido mediador não tinha acesso a outras condições gerais que não as de fls. 66v a 70, então vigentes (nomeadamente não tinha acesso às condições gerais de fls. 7 a 15, inexistentes à data), pode-se concluir, com suficiente segurança, que, em Dezembro de 2008, a A. recebeu do mediador de seguros as condições gerais de fls. 66v. a 70.
10. Assim, a prova acima indicada justifica a eliminação das alíneas k) e l) dos factos não provados e que se dê como provado que “Em Dezembro de 2008, aquando da subscrição da proposta de seguro, o mediador de seguros entregou à A. as condições gerais de fls. 66v. a 70.”.
· 2º aditamento aos FP
11. Porque relevante à luz da solução jurídica que a R. proporá para o litígio subsidiariamente, sugere-se que se adite aos factos julgados provados que “A R. disponibiliza aos mediadores de seguros, no portal a eles destinado, as condições gerais (das apólices) vigentes, mas não as que deixaram de vigorar.”, sendo que este facto encontra suporte nas passagens dos depoimentos prestados pelas testemunhas CO… e RB… acima indicadas e, por ser instrumental, ou complementar ou concretizador, da factualidade alegada nos arts. 27º a 32º da contestação, pode ser considerado pelo julgador, nos termos do art. 5º/2 a) e b) do CPC.
· Alteração ao nº 25 dos FP
12. A decisão vertida no nº 25 dos factos provados não deixa transparecer quem foi o autor do relatório de sinistro junto à contestação sob doc. 4 (fls. 72 a 74), nem o contexto em que este foi elaborado, elementos esses que são necessários a uma correcta interpretação e valoração do seu teor, sendo que o gerente da A. MM… esclareceu que o referido relatório foi elaborado pela “Peritotal” (nomeada pela R. para a averiguação do sinistro), na sequência da tomada de declarações aos legais representantes da A., (ficheiro 20190207 095319 19544906 2871108.wma, passagem da gravação:00:42:00 – 00:45:10), explicação que é coerente com o facto de aquele relatório estar redigido na 1ª pessoa do plural.
13. Assim, a R. sugere que o nº 25 dos factos provados adopte a seguinte redacção: “Do relatório de sinistro, elaborado pelo perito nomeado pela R., na sequência da tomada de declarações aos representantes legais da A., oferecido com a contestação sob doc. 4 e constante de fls. 72 a 74 frente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, seguinte: …”.
· Aditamento aos FP de 13 factos provados por confissão da A.
14. Treze dos factos confessados pela A. em sede de depoimento de parte, e descritos na acta da 1ª sessão de julgamento, realizada em 7.2.2019, ou seja, os factos i) a iv), relativamente ao alegado no art. 38º da contestação, e os factos i) a ix), quanto ao alegado no art. 41º do mesmo articulado, não foram transpostos para a decisão de facto, concretamente para os factos provados, apenas integrando ou a contestação ou o relatório referidos nos nºs 10 e 25 dos factos provados, respectivamente, cujo teor foi aí reproduzido.
15. A confissão da A., em sede de depoimento de parte, obriga a julgar provados os referidos 13 factos, autonomizando-os na decisão de facto, não devendo essa factualidade ser aí apresentada apenas como tendo sido alegada na referida contestação ou fazendo parte do conteúdo daquele relatório, como sucede actualmente.
ii. Da impugnação da decisão de facto
16. A A. não alegou na p.i. qualquer facto revelador da sua responsabilidade para com a sua cliente “Realbolo”, seja por factos ilícito, seja pelo risco; pelo contrário, em coerência com a sua posição de sempre, reflectida nos nºs 6, 10, 24 e 25 dos factos provados, a A. manteve, nesse articulado, que os trabalhos já se encontravam concluídos aquando do início do incêndio, o que indicia a inexistência de nexo de causalidade entre a empreitada e o sinistro.
17. Assim, porque não foi articulada na p.i., e não é instrumental, nem complementar ou concretizadora da que a A. aí alegou, a matéria que a A. pretende ver aditada aos factos provados, sob os nºs 27, 28 e 29, não pode ser considerada pelo julgador, nem, consequentemente, reflectida na decisão de facto, nos termos do art. 5º/2 do CPC.
18. Acresce que a matéria que a A. pretende ver aditada sob os nºs 27 e 28 não é objectiva, nem concreta, ou seja, não é factual, mas sim genérica e conclusiva; já o facto que a A. pretende ver aditado sob o nº 29 pouco ou nada acrescenta relativamente a um dos factos por ela confessados, identificado na acta da sessão de julgamento de 7.2.2019 sob o nº iv) – quanto aos factos alegados no art. 38º da contestação –, cujo aditamento aos factos provados a R. requereu, subsidiariamente, nesta contraalegação.
19. Independentemente disso, as declarações dos gerentes da A., MM… e AM…, pela forma titubeante, tíbia e vaga como foram prestadas, jamais poderiam, só por si, suportar as requeridas alterações na decisão de facto, ou outras que não as resultantes da sua expressa confissão.
20. O certificado de regulação do sinistro referido no art. 16º da alegação da A. é um mero documento particular e nenhuma força probatória tem no que concerne às causas do incêndio, não podendo servir de fundamento aos três aditamentos que a A. pretende ver introduzidos nos factos provados, pois, quanto àquela questão, o perito da Lusitânia limitou-se a reproduzir ali a versão dos factos apresentada pela “Realbolo”, segurada da “Lusitânia”, contraditória com a versão dos factos da A., reflectida nos nºs 6, 10, 24 e 25 dos factos provados, dos quais resulta que a A. sempre negou qualquer responsabilidade pelo sinistro.
iii. Do Direito
a) Ausência de prova de um sinistro da responsabilidade da A.
21. Nos termos do art. 342º/1 do CC, cabia à A. provar a eclosão de um sinistro da sua responsabilidade, os danos dele resultantes e os prejuízos por si sofridos com o seu ressarcimento, ou seja, competia-lhe provar que incorrera perante a sua cliente “Realbolo” em responsabilidade por factos ilícitos, demonstrando a verificação dos respectivos requisitos (o ilícito, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre a forma como executou a empreitada e o incêndio).
22. Ora, a decisão de facto não permite imputar à A. a prática de qualquer ilícito culposo e danoso, o mesmo é dizer concluir pela sua responsabilidade por factos ilícitos.
23. A A. reconhece-o, tanto que defende que incorreu, perante a sua cliente “Realbolo”, em responsabilidade pelo risco, e não por factos ilícitos.
24. A A. parece ter-se esquecido que a responsabilidade pelo risco tem carácter excepcional e só existe nos casos previstos na lei (arts. 483º/2 e 499º e ss. do CC), abstendo-se de indicar qualquer norma jurídica, que, na verdade, inexiste, que preveja a responsabilidade pelo risco quanto aos danos causados no exercício da sua actividade de manutenção de equipamentos industriais.
25. Mesmo que a lei previsse a responsabilidade pelo risco, os factos provados são claramente insuficientes para se atribuir o incêndio aos trabalhos executados pela A., o que sempre inviabilizaria essa responsabilidade.
26. Não tendo a A. provado que incorrera em responsabilidade por factos ilícitos, e inexistindo responsabilidade pelo risco, fácil é concluir que a A. não provou a verificação do risco coberto pela apólice de seguro referida no nº 2 dos factos provados, ou seja, a eclosão de um sinistro da sua responsabilidade.
27. Da sentença recorrida resulta, com clareza, que foi esse o fundamento da improcedência da acção, pelo que inexiste a alegada contradição entre os fundamentos e a decisão ou alguma ambiguidade ou obscuridade susceptível de tornar a decisão ininteligível.
b) Condições gerais aplicáveis e exclusões contratuais
28. Mesmo que a A. tivesse provado que o incêndio fora da sua responsabilidade, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, os danos dele resultantes encontrar-se-iam excluídos da garantia da apólice, nos termos das respectivas condições gerais.
29. Face aos factos provados nºs 3, 4, 18 e 22 e à factualidade que será aditada se proceder a impugnação da decisão de facto deduzida subsidiariamente nesta contra-alegação, nomeadamente a matéria a transpor das als. k) e l) dos factos não provados para os factos provados, não se vislumbra como se poderá questionar a aplicação das condições gerais de fls. 66v a 70 ao contrato de seguro celebrado entre as partes.
30. Nos termos do art. 4º/2 d) e e) das condições gerais da apólice da A. (de fls. 66v. a 70), e face ao facto provado nº 19, os danos alegadamente sofridos pela “Realbolo” (cuja medida não se provou nestes autos) e indemnizados pela “Lusitânia”, reembolsada, parcialmente, pela A., encontram-se excluídos da cobertura da apólice, pelo que, mesmo que se tivesse provado a responsabilidade da A. pelo incêndio, nenhuma obrigação indemnizatória recairia sobre a R..
31. Ainda que improcedesse a impugnação da decisão de facto deduzida subsidiariamente na presente contra-alegação, na parte em que se requer a inclusão nos factos provados de que “Em Dezembro de 2008, aquando da subscrição da proposta de seguro, o mediador de seguros entregou à A. as condições gerais de fls. 66v. a 70.”, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, isso não teria como efeito a exclusão dessas condições do contrato de seguro celebrado entre a A. e a R..
32. Da procedência da impugnação da decisão de facto deduzida subsidiariamente nesta contraalegação, na parte em que visa a transição para os factos provados da matéria actualmente contida na al. i) dos factos não provados, bem como a introdução nos factos provados do 1º aditamento (vide conclusão nº 6), resultará que a A. era cliente do mediador e recorreu aos seus serviços para fazer o seguro, que foi colocado na R., tendo, por conseguinte, o mediador intervindo, na contratação, como representante da A., e não da R..
33. Dado que se demonstrou, e, a proceder a impugnação subsidiária da R., ficará espelhado nos factos provados, que “A R. disponibiliza aos mediadores de seguros, no portal a eles destinado, as condições gerais (das apólices) vigentes, mas não as que deixaram de vigorar.” (2º aditamento – vide conclusão nº 11), é forçoso concluir que, por essa via, o mediador tinha acesso privilegiado e conhecia, ou tinha a obrigação de conhecer, as condições gerais da apólice da A., de fls. 66v. a 70, sendo que o conhecimento desse profissional de seguros é oponível à A., por ele representada perante a R., nos termos do citado art. 31º/1 do RJCS.
34. Por isso, ainda que se julgasse não provada a entrega à A. pelo mediador das condições gerais de fls. 66v. a 70, o que apenas se admite por mera hipótese de raciocínio, não poderia aquela opor à R. essa falta de entrega e o desconhecimento das referidas condições.
c) Da nulidade das exclusões do art. 4º/2 d) e e) das condições gerais de fls. 66v a 70
35. Na sua resposta à matéria de excepção, a A. não alegou quaisquer factos concretos ou objectivos dos quais se possa retirar o que alega em sede de apelação, nomeadamente que fez o seguro na convicção que os danos previstos nas als. d) e e) do nº 2 do art. 4º das condições gerais de fls. 66v. a 70 ficavam garantidos, por um lado, e que a exclusão desses danos das garantias da apólice é inconciliável com o objectivo que a mesma visava alcançar com a feitura do seguro, por outro, sendo que se desconhece, em absoluto, qual grau de risco de incêndio na sua actividade de manutenção de equipamentos industriais (era na resposta às excepções, e não na alegação de apelação, que a A. tinha que alegar que “a iminência de fogo representa cerca de 80% do seu trabalho”).
36. Por isso, a decisão de facto não reflecte qualquer factualidade com potencialidade para suportar a requerida declaração de nulidade das referidas exclusões de cobertura, declaração essa que nem sequer foi pedida naquela resposta à defesa por excepção.
37. Se o tribunal “ad quem” chegar a conhecer da questão da nulidade daquelas exclusões contratuais, ou seja, se esta questão não ficar prejudicada pela solução dada ao litígio, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, haverá que aplicar o art. 35º do RJCS, sendo que a A. não alegou, e muito menos provou, que, no prazo indicado nessa disposição, tivesse denunciado qualquer desconformidade entre o acordado e as condições da apólice.
38. Em qualquer caso, tendo a A. sido assessorada e representada, na contratação, por um mediador de seguros, é na pessoa deste que se deve verificar a falta ou vício da vontade, para efeitos de nulidade da declaração, bem como o conhecimento ou ignorância dos factos que podem influir nos efeitos do negócio, nos termos do art. 259º/1 do CC, sendo que o mediador de seguros tinha acesso privilegiado às condições gerais da apólice da R. e conhecia, ou tinha obrigação de conhecer, em virtude dos seus deveres legais, nomeadamente de informação, para com a A., sua cliente, todas as coberturas e exclusões contratuais.
39. Os factos provados não permitem concluir que as exclusões contratuais previstas no art. 4º/2 d) e e) são contrárias à boa fé e, consequentemente, nulas.
Termos em que devem V. Exas. negar provimento à apelação e, em consequência, confirmar a sentença absolutória recorrida (…)”.
*
2. Questões a decidir:
Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões do apelante, nos termos preceituados pelos artigos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC - sem prejuízo das questões de que o tribunal deva conhecer oficiosamente e apenas estando adstrito a conhecer das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objeto do recurso - , as questões a decidir são:
I) Se a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão?
II) Impugnação da Matéria de Facto requerida pela apelante - Se devem ser aditados aos factos provados os seguintes factos:
“27) Os trabalhos que a A. desenrolou na Real Bolo consistiram, nomeadamente em trabalhos de soldadura sendo que a incandescência das partículas libertadas que são pingos de metal aquecido podem cair e/ou saltar, sendo a tendência de enrolar, começando a aquecer e a criar uma zona de calor, ficando a remoer para só mais tarde poder atear.”;
“28) A queda das partículas incandescentes é um ato involuntário representando um risco da atividade da A. de manutenção industrial e reparação de equipamentos industriais, porque as partículas incandescentes normalmente vêm em direção ao solo, mas em certas situações podem saltar para qualquer lado, não sendo imediatamente visíveis.”;
“29) O incêndio deflagrou numa zona onde estavam cabos elétricos enrolados a um metro e meio/2 metros da zona onde a A. esteve a fazer os trabalhos de incandescência.”?
III) Do mérito da apelação:
A) Se não devem ser consideradas aplicáveis as condições gerais juntas pela ré aos autos?
B) Se ocorre omissão de pronúncia sobre a exclusão de responsabilidade da ré, por força do artigo 4º nº 2 das condições gerais, donde consta que “ (…) não ficam garantidos (…) d) danos causados a terceiros por fogo, explosão, fumo e água e) danos causados a terceiro por incêndio”?
C) Se o artigo 4.º, n.º 2, als. d) e e) das condições gerais é inválido?
IV) Ampliação do objecto da apelação requerida pela apelada, nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do CPC, a título subsidiário (para a hipótese de procedência da apelação):
D) Se deve ser alterada a redação do n.º 15 dos factos provados para: “A ré, através do seu mandatário, recusou a regularização do sinistro.” ou, em alternativa, “A ré, através do seu mandatário, declinou o pagamento à autora do capital seguro indicado no nº 2.”?
E) Se a matéria constante da alínea i) dos factos não provados deve transitar para os factos provados, aditando-se a estes um novo número com a seguinte redacção: “A autora recorreu aos serviços de um mediador de seguros para obter informações e se aconselhar sobre o seguro a contratar.”?
F) Se deve ser aditado aos factos provados que: “O mediador de seguros que interveio na contratação do seguro não tinha poderes de representação da R..”, facto este que é complementar ou concretizador do alegado no art. 24º da contestação e, como tal, pode ser considerado pelo julgador, nos termos do art. 5º/2 a) e b) do CPC?
G) Se devem ser eliminadas as alíneas k) e l) dos factos não provados e incluir nos factos provados que: “Em Dezembro de 2008, aquando da subscrição da proposta de seguro, o mediador de seguros entregou à A. as condições gerais de fls. 66v. a 70.”.?
H) Se deve ser aditado aos factos provados a seguinte factualidade: “A R. disponibiliza aos mediadores de seguros, no portal a eles destinado, as condições gerais (das apólices) vigentes, mas não as que deixaram de vigorar.”, por ser instrumental, ou complementar ou concretizador, da factualidade alegada nos arts. 27º a 32º da contestação, pode ser considerado pelo julgador, nos termos do art. 5º/2 a) e b) do CPC?
I) Se deve ser alterada a redação do ponto 25 dos factos provados para a seguinte: “Do relatório de sinistro, elaborado pelo perito nomeado pela R., na sequência da tomada de declarações aos representantes legais da A., oferecido com a contestação sob doc. 4 e constante de fls. 72 a 74 frente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, seguinte: …”?
J) Se devem ser aditados aos factos provados os factos i) a iv), relativamente ao alegado no art. 38º da contestação, e os factos i) a ix), quanto ao alegado no art. 41º do mesmo articulado?
*
3. Enquadramento de facto:
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
1. A autora dedica-se à atividade de manutenção, construção e recuperação de máquinas e equipamentos industriais.
2. A autora e a ré firmaram entre si um acordo escrito, denominado “contrato de seguro”, do ramo responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º …, pelo prazo de um ano e seguintes, e com início em 26 de dezembro de 2008, mediante o qual a segunda assumiu a responsabilidade civil geral extracontratual da autora decorrente do exercício da sua atividade de manutenção de equipamentos industriais, até ao limite de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), sendo a franquia convencionada entre as partes de 10% da indemnização a pagar, com o valor mínimo de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
3. Das condições particulares da apólice n.º …, emitidas em 17 de dezembro de 2008, as quais se encontram junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, o seguinte:
“(...) VICTORIA – Seguro de Responsabilidade Civil
Este Contrato de Seguro é estabelecido segundo as Condições Gerais aplicáveis e com base nas declarações prestadas na Proposta. (...)
Tomador do Seguro EUROHIDRA – MANUT IND CONST EQUIP LDA (...)
Nº 1347443
Período do Seguro 26.12.2008 – 01.01.2010
Vencimento Anual 01.01
Duração do Contrato UM ANO E SEGUINTES (...)
Descrição do Risco
Pessoa/Empresa Segura: EUROHIDRA – MANUT IND CONST EQUIP LDA
Actividade: Máquinas, Componentes e Equipamentos
Âmbito Territorial: Portugal
Garantias Cobertas, Valores Seguros e Franquias
Garantias Cobertas                               Valor Seguro          Franquia
Responsabilidade Civil – Geral EUR 10% Indemnização Min. 250,00
50.000,00
Declarações e Cláusulas Particulares
A ACTIVIDADE É MAIS EXACTAMENTE MANUTENÇÃO DE EQUIPAMENTO INDUSTRIAL
Prémios
Prémio Comercial Anual (s/impostos) EUR 300,00
Pagamento do Prémio Anual
Prémio Inicial Total EUR 335,10 (...)”.
4. A ré endereçou à autora, que recebeu, uma missiva datada de 17 de dezembro de 2008, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“(...) Assunto: Responsabilidade Civil (...)
Agradecemos a confiança depositada na VICTORIA ao subscrever o VICTORIA – Seguro de Responsabilidade Civil.
Juntamos as Condições Particulares que, em conjunto com a cópia da Proposta e Condições Gerais em seu poder, constituem a documentação da sua Apólice. (...)”.
5. No âmbito da sua atividade, à autora foi adjudicada pela sociedade Real Bolo, Lda, sua cliente, uma empreitada de desmontagem do telhado da estufa de fermentação, montagem de uma estrutura de suporte em cantoneira de inox 304 30x30 e montagem de uma cobertura em chapa de Polycarbonato 25, na sequência da proposta apresentada pela autora em 5 de junho de 2010.
6. Quando a autora já se encontrava a arrumar o material para dar como encerrados os trabalhos, deflagrou um incêndio na zona onde estes tinham estado a decorrer e do qual resultaram vários danos.
7. O incêndio referido em 6) ocorreu em 16 de julho de 2010.
8. A sociedade Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A. instaurou contra a sociedade Eurohidra – Manutenção Industrial e Construção de Equipamentos, Lda, ora autora, e a sociedade Vitória Seguros, S.A., ora ré, uma ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum de declaração, que correu termos sob o n.º …/…, no Juízo Central Cível de Almada, J…, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, nos termos constantes da petição inicial, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, peticionando, além do mais, a condenação destas a pagar àquela a quantia total de € 179 112,13 (cento e setenta e nove mil, cento e doze euros e treze cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal de 4% ao ano, até efetivo e integral pagamento.
9. Da petição inicial referida em 8) consta, além do mais, o seguinte:
“(...) II – DOS FACTOS
4ºA Autora é uma Sociedade que se dedica à actividade seguradora.
5ºNo exercício da sua actividade, a Autora celebrou com Realbolo, Lda, um contrato de seguro do Ramo Multirriscos Comerciantes Mercantile, titulado pela apólice n.º … (...).
6ºem 19 de Julho de 2010, a Autora recebeu uma participação de sinistro da sua segurada, Realbolo, Lda,
7ºnos termos da qual aquela Realbolo, Lda comunicava a ocorrência de um incêndio, no dia 16 de Julho de 2010, no local seguro, correspondente ao imóvel sito na Rua …, …, em Vale Fetal, na Charneca da Caparica, concelho de Almada, e do qual resultaram vários danos, nomeadamente na estrutura metálica do pavilhão, tecto falso, paredes, instalação eléctrica de todo o edifício, portão, e em máquinas e equipamentos existentes dentro do mesmo,
8ºsendo que, nessa data laborava nas instalações, a fim de reparar e montar um tecto falso e estufa giratória, a ora 1ª Ré, Eurohidra – Manutenção Industrial e Construção de Equipamentos, Lda, através dos seus trabalhadores e sócios gerentes, AJ… e MJ… (...).
9ºface à localização dos danos, junto às espirais da câmara de fermentação, e ao momento em que o incêndio deflagrou, os mesmos terão sido consequência das partículas incandescentes projectadas pelo corte das chapas que estavam a ser desmontadas do tecto falso da nave,
10ºcom recurso a uma máquina rebarbadora, que os traalhadores da 1ª. Ré utilizavam nessa tarefa,
11ºsendo que o material fundido resultante caía no pavimento, que se encontrava particularmente sujo com matéria gorda que integra o fabrico dos produtos a tratar na espiral de fermentação.Na sequência,
12ºa ora Autora, recebida aquela participação de sinistro, deu início à averiguação das circunstâncias em que o sinistro ocorreu,
13ºpara tanto, tendo solicitado à Tec – Técnicos de Peritagens, Lda uma deslocação ao local do evento dos presentes autos, a fim de proceder à averiguação quanto às causas e circunstâncias em que se produziram os danos reclamados pela sua segurada,
14ºsendo certo que, no dia 19 de Julho de 2010, um perito deslocou-se ao local seguro e constatou a existência dos danos na estrutura metálica do pavilhão, tecto falso, paredes, instalação eléctrica de todo o edifício, portão, e em máquinas e equipamentos existentes dentro do mesmo (...).
15ºé manifesto e terá de se concluir que os danos na estrutura metálica do pavilhão, tecto falso, paredes, instalação eléctrica de todo o edifício, portão, e em máquinas e equipamentos existentes dentro do imóvel sito na Rua …, …, na Charneca da Caparica, concelho de Almada, foram causados pela 1ª. Ré, Eurohidra – Manutenção Industrial e Construção de Equipamentos, Lda,
16ºuma vez que aquela sociedade procedia a trabalhos de montagem de um tecto falso sobre a câmara de fermentação,
17ºmostrando-se necessário, dada a altura do solo até ao tecto, de montar andaimes junto àquela câmara de fermentação, os quais estavam instalados até à cobertura do edifício,
18ºsendo certo que, no decurso dos trabalhos de desmontagem do tecto existente, houve necessidade de cortar umas chapas metálicas, tendo, para o efeito, utilizado uma máquina de corte, vulgo rebarbadora,
19ºtendo, no decurso desses trabalhos de corte de chapa metálica, sido projectadas partículas incandescentes para o pavimento, o que, por se encontrar particularmente sujo com matéria gorda que integra o fabrico dos produtos a tratar na espiral de fermentação,
20ºoriginou o deflagrar de um incêndio nas instalações seguras, com a sua destruição. (...)
21ºatenta a descrição dos factos, que foi efectuada e confirmada pelo gerente da segurada da ora Autora, Sr. MG…, os danos causados no edifício seguro tiveram a sua origem na queda para o solo, no interior do local seguro, das partículas incandescentes e material fundido resultante do corte de chapas com máquina rebarbadora,
22ºtrabalhos que estavam a ser desenvolvidos pela 1ª. Ré, Eurohidra, Lda.De resto,
23ºpor sentença já transitada em julgado, proferida no processo que, com o n.º …/…, corre seus termos junto do ex 3º Juízo Criminal do Tribunal de Comarca e de Família e Menores de Almada (actual Comarca de Lisboa – Almada – Instância Local – Secção Criminal – J…), foram os arguidos naquela acção, AJ… e MJ…, enquanto trabalhadores ao serviço da 1ª. Ré, Eurohidra, condenados pela prática de um crime de incêndio,
24ºporquanto se considerou nessa sentença que, no dia 16 de Julho de 2010, entre as 14:00 e as 17:00 horas, no interior do complexo fabril denominado Realbolo, sito na Rua …, n.º …, Vale Fetal, na Charneca da Caparica, os então arguidos, trabalhadores e sócios gerentes da 1ª. Ré, desenvolviam trabalhos para a montagem de um novo telhado (tecto falso) na câmara de fermentação,
25ºtendo iniciado aqueles trabalhos no interior da aludida câmara de fermentação, onde se encontravam instaladas as espirais de fermentação,
26ºsendo essa câmara de fermentação constituídas por estruturas metálicas compostas por tapetes em fibra destinados ao tratamento dos produtos a confeccionar,
27ºutilizando duas rebarbadoras, uma máquina de soldar e um andaime.Sendo que,
28ºquer o pavimento, quer as espirais de fermentação existentes na câmara de fermentação encontravam-se impregnados de gordura e matéria gorda utilizada no fabrico dos produtos a confeccionar,
29ºtendo sido montado um andaime junto à cobertura da câmara de fermentação, perto das aludidas espirais de fermentação,
30ºprocedendo a trabalhos de corte e soldadura.Acresce ainda que,
31ºenquanto AM…, trabalhador e sócio gerente da 1ª. Ré, em cima do andaime, efectuava a ligação da cantoneira ao telhado do pavilhão e a uma estrutura de inox, recorrendo ao corte de chapa e a operações de soldadura,
32ºoutro trabalhador da 1ª. Ré, MM…, manteve-se em baixo, junto ao andaime,
33estando aqueles dois funcionários da 1ª. Ré, Eurohidra, cientes de que tais operações de corte de chapa e soldadura comportavam elevado risco de incêndio,
34º dado que aquelas operações decorrem sob altas temperaturas,
35º sendo frequente a ocorrência e projecção de partículas incandescentes de metal,
36º não tendo aqueles procedido, em momento prévio à execução dos trabalhos, à limpeza da zona onde iriam decorrer os trabalhos, quer do pavimento, quer dos restantes equipamentos, num raio de 10 metros, de modo a criarem uma zona de segurança que impedisse que as partículas incandescentes atingissem matérias, pavimentos ou superfícies combustíveis. Mais,
37º no decurso daqueles trabalhos de corte de chapa e soldadura, foram libertadas partículas incandescentes,
38º que caíram sobre um dos anéis da espiral de fermentação,
39º dando, imediatamente, origem a uma pequena labareda,
40º sendo que, por não existir qualquer protecção da área onde decorriam os trabalhos, esse pequeno foco de labareda atingiu os restantes anéis da espiral, também eles impregnados de matéria gorda,
41º o que potenciou o desenvolvimento do foco de incêndio,
42º tendo aquele MM…, perante aquele foco de incêndio que ali se iniciava, e com recurso a um extintor existente nas instalações da segurada da ora Autora,
43º projectando o jacto do extintor para as chamas que ali deflagravam, ao invés de ter concentrado aquele jacto na base daquelas chamas,
44º contribuindo, desta forma, para o seu alastramento,
45º que acabou por atingir toda a câmara de fermentação do complexo fabril existente nas instalações seguras na ora Autora,
46º acabando aquele incêndio por atingir toda a nave e respectivos equipamentos, propagando-se para toda a área fabril existente,
47º provocando danos no próprio edifício, nos equipamentos instalados e nas matérias primas armazenadas e produtos já fabricados (...).
48º é manifesto, e terá de se concluir, que o incêndio verificado no local seguro na ora Autora, sito na Rua …, …, na Charneca da Caparica, concelho de Almada, foi causado pela queda para o solo, no interior do local seguro, das partículas incandescentes e material fundido resultante do corte de chapas com máquina, que estavam a ser efectuados pelos trabalhadores ao serviço da 1ª. Ré, AM… e MM…,
49º razão pela qual a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pela segurada da ora Autora, Realbolo, Lda, recai sobre a 1ª Ré, enquanto responsável pelos trabalhos e são consequência da forma com que os realizava, que deu causa ao incêndio ocorrido na Rua …, …, na Charneca da Caparica, concelho de Almada. Acresce que,
50º a segurada da Autora reclamou os danos sofridos, tendo sido possível fixar, como valor necessário para a reparação daqueles, existentes no local seguro e substituição e reparação dos equipamentos e materiais danificados, seguros na apólice em vigor, o valor de Euros 179.112,13 (...),
51º razão pela qual a ora Autora comunicou à sua segurada, Realbolo, Lda que, atendendo aos montantes apurados, apresentava uma proposta de indemnização no valor total de Euros 179.112,13,
52º que a segurada da Autora aceitou. Por isso,
53º atento o circunstancialismo descrito, a Autora, honrando os compromissos por si assumidos no âmbito da apólice em vigor, procedeu ao pagamento das indemnizações à sua segurada, Ralbolo, Lda, de Euros 80.000,00 e Euros 99.112,13, no total de Euros 179.112,13, referente à reparação dos danos efectivamente causados e verificados (...). Sucedeu que,
54º no decurso das averiguações, a ora Autora constatou que a 1ª Ré havia celebrado com a 2ª Ré um contrato de seguro, do Ramo Responsabilidade Civil, titulado pela apólice nº …,
55º encontrando-se, por via dessa apólice de seguro, transferida para a 2ª. Ré a responsabilidade civil decorrente da actividade desenvolvida pela 1ª Ré, nos termos e pelas condições estabelecidas no respectivo contrato de seguro em vigor à data do sinistro. Ora,
56º à luz do contrato de seguro em vigor entre a Autora e a lesada/segurada, a ora Autora encontra-se subrogada no direito que assistia à sua segurada, a Realbolo, Lda, perante as 1ª. e 2ª. Rés, pelas indemnizações pagas àquela, relativas aos danos verificados no imóvel objecto da apólice de seguro em vigor e melhor identificada no anterior artigo 5º. desta petição inicial, bem como nas máquinas e outros objectos que se encontravam dentro do imóvel seguro, uma vez que os mesmos foram consequência do incêndio ocorrido na Rua …, …, na Charneca da Caparica, em Almada,
57º sendo aquelas 1ª. e 2ª. Rés responsáveis pela reparação dos danos causados à Realbolo, Lda, segurada da Autora, nos montantes já pagos por esta, por força daquele contrato de seguro. De resto,
58º em 24 de Julho de 2013, deu entrada em Tribunal pela ora Autora a notificação judicial avulsa, nos termos da qual era requerida a notificação da Eurohidra – Manutenção Industrial e Construção de Equipamentos, Lda, a 1ª. Ré,
59º tendo, em 13 de Janeiro de 2014, sido possível concretizar tal notificação (...).
60º tendo, em 25 de Julho de 2013, dado entrada em Tribunal pela ora Autora a notificação judicial avulsa, nos termos da qual era requerida a notificação da Vitória Seguros, S.A., a 2ª. Ré,
61º tendo, em 19 de Setembro de 2013, sido possível concretizar tal notificação (...)
62º pelo que, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 323º do Código Civil, com aquelas notificações às 1ª. e 2ª. Rés, operou-se a interrupção da prescrição,
63º razão pela qual, desde 29 de Julho de 2013 que se interrompeu a prescrição do direito da Autora, relativamente à 1ª. Ré, Eurohidra, Lda,
64º e, quanto à 2ª. Ré, Vitória Seguros, S.A., esta interrupção da prescrição ocorreu em 30 de Julho de 2013. Assim,
65º vem a Autora reclamar na presente acção o pagamento da quantia de Euros 179.112,13, a título de indemnização liquidada à sua segurada, a Realbolo, Lda,
66º bem como nos juros de mora vencidos e vincendos, contabilizados à taxa legal de 4% ao ano, desde 10 de Setembro de 2010 e 3 de Janeiro de 2011, sobre os montantes de Euros 80.000,00 e 99.112,13, respectivamente, no valor total de Euros 179 112,13. Sendo certo que,
67º a Autora vê-se forçada a recorrer à presente acção, a fim de compelir as ora 1ª. e 2ª. Rés ao cumprimento das suas obrigações. (...)”.
10. No âmbito do processo referido em 8), a ora autora apresentou a contestação, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“(...) POR EXCEPÇÃO
1.º A 1.ª Ré, não obstante ter visto os seus gerentes condenados em sede criminal, pela prática de um crime de incêndio, cada um, p.p. pelo artigo 272.º, n.º 1, alínea a) e n.º 3 do Código Penal, entende que a responsabilidade do sinistro não lhe pode ser imputada, conforme adiante se verá, ou pelo menos, nunca de uma forma exclusiva.
2.º Por outro lado, a 1.ª Ré transferiu a sua responsabilidade Civil Geral Profissional e de Produtos para a 2.ª Ré, através da apólice n.º … com as condições gerais, que estavam em vigor na data do sinistro. (...)
3.º A apólice tinha um capital de 50.000€ (cinquenta mil euros), o qual estava integralmente livre, uma vez que nessa anuidade (2010) não se tinha verificado qualquer sinistro ou participação, no âmbito desta apólice.
4.º Porque não se verificam quaisquer exclusões, a apólice n.º … tem de responder até ao limite do seu capital.
5.º Face ao exposto, e caso se venha a admitir qualquer responsabilidade por parte a 1.ª Ré, o que se concede apenas por mera cautela de patrocínio, apenas poderá esta responder na quota parte da responsabilidade que se vier a apurar, porém, responderá primeiro a 2.ª Ré, até ao limite do capital seguro e apenas no restante a 1.ª Ré.
POR IMPUGNAÇÃO
6.º A 1.ª Ré aceita o teor dos artigos 4.º a 8.º, 11.º e 19.º apenas quanto à confissão de que o pavimento se encontrava particularmente sujo com matéria gorda que integra o fabrico dos produtos, 12.º, 54.º, 55.º, 58.º a 61.º todos da P.I.
7.º A Ré impugna por desconhecer, ou não ter deles conhecimento, por não se tratarem de factos pessoais seus, ou ainda por serem factos, o teor dos artigos 13º, 14.º, 19º quanto à alegação e que no decurso dos trabalhos de corte foram projetadas partículas incandescentes para o pavimento e 21º impugnando-se igualmente por tratar-se do documento que constitui uma certidão emitida pelo Tribunal de Lisboa,
8.º São conclusivos ou contêm matéria de direito, os artigos 1.º a 3.º, 15.º, 16.º, 20.º, 22.º, 23.º, 24.º a 47.º, uma vez que reproduzem o que consta de uma sentença, 48.º a 53.º, 56.º, 57.º, 62.º a 67.º, razão pela qual vão impugnados.
9.º Com efeito, e apesar de os arguidos terem sido condenados no âmbito do processo crime, o facto é que a 1.ª Ré discorda de tal situação, pois entende que não só não existiu qualquer negligência, como entende que a existir algum tipo de responsabilidade e negligência, então a mesma não é apenas sua mas também da Segurada da Autora, a Realbolo, Lda.
10.º Na verdade, a 1.ª Ré não tinha de conhecer ou prever que os materiais existentes no local, nomeadamente os fios eléctricos, ou se a matéria gorda existente nas espirais da câmara de fermentação eram ou não inflamáveis, pois não conhece nem tem obrigação de conhecer em profundidade a atividade da segurada da Autora.
11.º E, seria sempre obrigação da segurada da A., manter adequadamente limpo o espaço, de modo a não provocar ou causar condições propicias a incêndio ou outros acidentes, sendo que aquela bem sabia como se iriam desenrolar os trabalhos e com que recursos e
12.º Aliás, os trabalhos da 1ª Ré foram previamente agendados, para que a seguradora da A. pudesse diligenciar a paragem da produção e limpeza do local, garantindo todas as condições para início dos trabalhos pela 1ª Ré, o que, diga-se em abono da verdade, a A. não demonstra.
13º E mais assistiu a segurada da A. à preocupação da 1.ª Ré em apenas iniciar os trabalhos após certificar-se de que a instalação eléctrica estava toda desligada, de modo a não ocorrer nenhum curto-circuito ou outro problema elétrico, pois pôde a 1.ª Ré observar que existiam cabos elétricos espalhados por todo o chão da zona intervencionada.
14º Pois que foi a própria segurada da A. que, por saber a localização e funcionamento do quadro elétrico assegurou à 1ª Ré que o quadro estaria desligado, por esta lho ter solicitado
15º Aparentemente tudo ficou em condições para se dar inicio aos trabalhos, sendo que a energia elétrica ficou cortada e nem no pavimento nem nos tapetes da camara de fermentação era visível qualquer gordura, apenas se avistando alguns cabos elétricos descarnados, que a segurada da A. assegurou estarem desligados
16.º Note-se que a criação da zona de segurança foi presenciada pela própria segurada da A., pois que foi esta que desligou o quadro elétrico, foi aquela quem garantiu que o solo estava limpo e foi também ela que inclusive forneceu os cartões para proteção do solo, sem que alertasse para qualquer circunstância que pudesse ser causadora de perigo, com o que se impugna o vertido no artigo 36º da P.I.
17.º Aliás, todos os trabalhos de cortes com rebarbadora foram executados fora da estufa, não em chapas como se alude na P.I., mas em cantoneiras que pela sua grande dimensão não permitiam que o trabalho fosse feito dentro da estufa
18º Esse trabalho de corte foi feito em 2 cantoneiras que depois seriam soldadas à parede da estufa e ao teto da nave para que a estufa ficasse sustentada e não caísse, donde resulta a grande dimensão das aludidas cantoneiras,
19º donde quaisquer partículas incandescentes que a rebarbadora pudesse ter projetado aquando da sua utilização, nunca poderiam ter ocorrido dentro da estufa, pois que os trabalhos de corte foram executados fora da estufa, com o que se impugna o vertido no artigo 9º, 10º, 11º quanto à alegação de que o material fundido caía no pavimento e 18º todos da P.I.
20º Na estufa, com recurso a andaimes montados até ao cimo da câmara de fermentação e não até ao teto da nave, apenas foi feito o estritamente necessário, nomeadamente as operações de aparafusamento e soldadura das cantoneiras à parede da estufa, sem recurso a qualquer rebarbadora, com o que se impugna o vertido nos artigos 17º, 18º e 31º todos da P.I.
21º Os dois únicos momentos em que foi usada uma máquina de soldadura aconteceram quando foram feitos 2 pontos de soldadura para fixar as aludidas cantoneiras à estufa sendo que, enquanto um dos trabalhadores da 1ª Ré se encontrava em cima da estrutura, junto à parede a executar o dito trabalho de soldadura, esteve sempre outro trabalhador da 1ª Ré com um extintor no solo para garantir que nenhuma partícula pudesse causar qualquer tipo de acendimento,
22º e nenhum acendimento se verificou no decurso dos trabalhos, donde é impossível que um foco de incendio se tivesse iniciado como consequência direta e necessária do trabalho desenvolvido pela 1ª Ré
23.º E o facto é que o foco de incêndio se verificou já estavam os trabalhos concluídos, quando os trabalhadores da 1ª Ré já estavam a arrumar o material, daí haverem tantas dúvidas sobre se de facto a causa foram os trabalhos ou se foi alguma ignição relacionada com os cabos descarnados ali existentes que pudessem ter ficado ligados contrariamente ao indicado pela segurada da A, ou, que ao ligar-se novamente o quadro, pudessem ter causado qualquer faísca e ter causado algum ponto de ignição,
24.º Isto mesmo decorre do relatório de sinistro elaborado por perito da 2ª Ré que se junta (...) e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
25º Dúvidas não restam que efetivamente os funcionários da 1.ª Ré, após a deteção do foco de incêndio, tentaram debelá-lo, através dos extintores existentes no local, porém, não lograram ser bem sucedidos, pois que a capacidade dos referidos extintores era diminuta, as mangueiras de incêndio que existiam estavam distantes, ficando a 1ª Ré sem capacidade de extinguir o incêndio por falta de recursos que deveriam estar assegurados pela segurada da A. e não estavam
26.º O próprio relatório de sinistro elaborado à data dos factos por perito da 2ª ré dá conta da falta de meios de combate, designadamente extintores, carretel, etc, indicando-os como uma possível causa do incêndio (...)
27º Com efeito, a extinção do incendio em nada se deveu à forma como o trabalhador da 1ª Ré fez incidir o jacto do extintor mas efetivamente pela diminuta capacidade dos extintores existentes no local, da responsabilidade da segurada da A.
28.º Com efeito, a artis legis da 1.ª Ré, em momento algum foi passível de repreensão.
29.º Mas a verdade é que a segurada da Autora é que deveria ter preparado o local, limpando-o, bem conhecendo o poder calorífico e inflamável dos resíduos ali depositados ou alertando a 1.ª Ré de algum risco, o que não fez, conforme confessa na P.I. – artigos 11º e 19º para não poder ser retirado, quando reconhece que o pavimento estava particularmente sujo com matéria gorda
30º De igual forma deveria ter a segurada da A. assegurado a manutenção das condições de segurança contra risco de incêndio aprovadas e a execução das medidas de autoproteção, o que padece de ser demonstrado pela A.
31º E mais, bem sabendo a Segurada da Autora que se iria proceder a trabalhos envolvendo soldaduras e corte de materiais metálicos, com emissão de fagulhas não tinha no local os meios necessários à deteção de incêndio pois que foi um trabalhador da 1ª Ré que detetou o foco de incêndio,
32º não possuía extintores adequados à dimensão e natureza do espaço nem tão pouco se tem conhecimento da existência de quaisquer outros equipamentos de auto proteção, designadamente procedimentos de prevenção ou formação em segurança aos seus colaboradores.
33.º Por essa razão, entende a 1.ª Ré que a segurada da A. é que foi responsável, ou pelo menos co-responsável pelo resultado, donde nunca poderá a 1.ª Ré ser responsabilizada pela totalidade dos danos, uma vez que a causa do incêndio, que aliás não ficou provada, nem antes, nem agora, no seu modesto entendimento, não se deve à 1.ª Ré, mas, quanto muito a uma conjugação de factores, muitos dos quais não dependentes da sua acção.
34.º Assim, deve obrigatoriamente concluir-se, pelo menos em causa partilhada, donde a responsabilidade no mínimo sempre terá de ser mitigada.
35.º Com a mitigação da responsabilidade, que se aceita apenas numa medida nunca superior a 50%, deve a 2.ª Ré ser condenada ao pagamento do capital seguro, no valor de € 50.000,00, deduzida da franquia,
36.º Apenas posteriormente o remanescente deverá ser aplicado à 1.ª Ré, como sua condenação.
DO DIREITO
37º A manutenção das condições de segurança contra risco de incêndio aprovadas e a execução das medidas de autoproteção aplicáveis aos edifícios e recintos são da responsabilidade das entidades exploradoras – vide Decreto-Lei 220/2008 regulamentado pela Portaria 1532/2008
38º Designadamente os espaços industriais independentemente da sua capacidade devem ser equipados com extintores devidamente dimensionados e adequadamente distribuídos, ter sistema de deteção de incêndios e dar formação à sua equipa para extinção de algum foco de incêndio, o que se demonstra
NESTES TERMOS
a) Deve a presente ação ser julgada improcedente por não provada sendo a 1ª Ré absolvida do pedido se assim não se entender, o que só por excesso de patrocínio se admite
b) Deve a presente ação ser parcialmente procedente condenando-se a 1ª Ré na proporção da sua responsabilidade FAZENDO-SE ASSIM A TÃO COSTUMADA JUSTIÇA (...)”.
11. No âmbito do processo referido em 8), foi proferido em 29 de maio de 2017 e transitado em julgado o despacho saneador, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, do qual consta, além do mais, o seguinte:
“O Tribunal é competente.
O processo é o próprio e não enferma de nulidades que o invalidem.
As partes gozam de personalidade e de capacidade judiciárias; A Autora e Ré sociedade são legítimas e encontram-se devidamente representadas.
*
Contestando veio a Ré Victória –Seguros, S.A. excepcionar a sua ilegitimidade passiva alegando, em suma, que o seguro que celebrou com a Ré sociedade é um seguro facultativo e como tal em conformidade com o disposto no artigo 140º do Decreto Lei nº 72/2008, de 16 de Abril não pode ser demandada directamente. Mais alegou que a sua intervenção não integra qualquer das exceções previstas no n.º 2 e 3 desse normativo, pelo que deve ser julgada procedente a excepção e a Ré absolvida da instância.
A Ré sociedade pronunciou-se (...) pugnando pela improcedência da excepção invocada.
Na sequência do despacho proferido (...) veio a Autora pronunciar-se quanto à matéria de excepção deduzida pela Ré seguradora.
Apreciando e decidindo.
Com vista à apreciação da exceção de ilegitimidade passiva invocada pela Ré seguradora cumpre apurar qual o seu interesse na presente ação, isto é cumpre apurar se a Ré seguradora, que celebrou um contrato de seguro facultativo (não obrigatório) pode ser considerada como titular da mesma relação jurídica invocada pela Autora contra a Ré sociedade (segurada da Ré seguradora), caso em que poderá ser considerada como parte principal, ou se é apenas titular de uma relação jurídica conexa, caso em que apenas poderia ser admitida como parte acessória.
Vejamos.
Conforme resulta dos autos o contrato de seguro celebrado entre ambas as Rés começou a vigorar quando era aplicável o regime anterior ao Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril (este diploma veio a aprovar o novo regime do contrato de seguro e entrou em vigor no dia 01 de Janeiro de 2009).
Todavia, e porque o contrato de seguro é renovável, às renovações posteriores a 01 de Janeiro de 2009 já é aplicável o regime estabelecido no Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril.
Assim, atentas as renovações do contrato de seguro celebrado entre as Rés e a data de ocorrência do sinistro impõe-se concluir pela aplicação ao contrato de seguro celebrado entre ambas o regime previsto no Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril.
No caso em apreço a legitimidade da Ré seguradora atenta a relação material controvertida apresentada pela Autora apenas seria sustentável caso se conclua pela existência de um litisconsórcio necessário ou voluntário entre as Rés, o que desde já se adianta que, em nosso entender, não se verifica.
No litisconsórcio, quer necessário, quer voluntário, a relação material controvertida respeita a diversas pessoas. Existe uma pluralidade de partes e uma unidade de relação jurídica ou obrigação interessando a duas ou mais pessoas, “tal situação litisconsorcial pressupõe que a relação jurídica substancial respeita a uma pluralidade de sujeitos, quer no aspecto activo, quer no aspecto passivo, ou nos dois (vide Prof. Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 3.º, pág. 514).
Em qualquer caso de litisconsórcio, necessário ou voluntário, a lei impõe que as partestenham um interesse igual entre elas, como sucede, a título de exemplo quando estamos perante obrigações conjuntas, solidárias e indivisíveis.
Para que possamos concluir que nos presentes autos a Ré seguradora pode ser demandada juntamente com a Ré sociedade (segurada) importa analisar a relação material controvertida tal como a Autora a configura, pois, como é sabido, a legitimidade processual (neste caso passiva), requisito da procedência do pedido, afere-se pelo pedido e pela causa de pedir, tal como são apresentados pela Autora.
A Autora demandou a Ré sociedade (segurada) como sendo a responsável pela ocorrência do sinistro e como responsável pelo pagamento da quantia que peticiona juntamente com a Ré seguradora por força do contrato de seguro facultativo que entre ambas foi celebrado.
Do alegado pela Autora (independentemente de se saber quais as condições gerais em vigor) e que não é posto em causa nos autos, entre a Ré sociedade e a Ré seguradora foi celebrado um contrato de seguro facultativo.
Tratando-se de um contrato de seguro de responsabilidade civil voluntário, aplicam-se as normas estabelecidas nos artigos 137º e segs. do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril (que aprovou o regime jurídico do contrato de seguro).
Preceitua o artigo 138º, n.º 1 daquele diploma, que “O seguro de responsabilidade civil garante a obrigação de indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro, por período de vigência do contrato ou por lesado”.
Deste normativo resulta que nos contratos de seguro facultativo as seguradoras apenas assumem (garantem) perante o tomador do seguro a eventual responsabilidade civil por danos causados a terceiros, não se constituindo, no entanto, como garantes directos da responsabilidade do segurado perante o lesado.
A relação jurídica em causa nos autos, tal como foi delimitada pela Autora na petição inicial, articula-se, assim, entre esta e a tomadora do seguro, enquanto lesante. Diferente (embora conexa com ela) será a relação material estabelecida entre o lesante e a sua seguradora, também aqui Ré, relação que se constituiu com a celebração do contrato de seguro.
A Ré seguradora só indirectamente surge conexionada com a relação material controvertida por ter assumido, através do contrato de seguro que celebrou com a Ré sociedade, a eventual responsabilidade desta última, mas não se constituindo como garante directo perante aquele terceiro lesado.
Da conjugação do exposto com o regime do contrato de seguro aprovado pelo Decreto Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, resulta que a Ré seguradora não é parte legítima.
Com efeito, e com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, ficou afastada a possibilidade da seguradora, nos casos de seguros facultativos, ser directamente demandada, exceto nos casos a que alude o n.º 2 e 3 do artigo 140º do citado Decreto Lei.
De acordo com o nº 2 e 3 do referido artigo 140º a seguradora, aqui Ré seguradora, só pode ser diretamente demandada, de modo isolado ou em conjunto com o segurado, quando o contrato de seguro o preveja ou quando o segurado tenha informado o lesado da existência de um contrato de seguro com o consequente início de negociações directas entre lesado e segurador. Para além destas situações a lei não permite a demanda direta da seguradora.
Não tendo sido alegada pela Autora qualquer uma das situações que possam integrar as exceções previstas no artigo 140º, n.º 2 e 3 do Decreto Lei, a Ré seguradora não pode ser demandada na presente ação como Ré.
A intervenção da Ré seguradora a ser admitida apenas poderia ser como assistente em relação ao segurado ou ao tomador (a Ré sociedade), tendo tal intervenção como objectivo auxiliá-lo na sua defesa e não como parte principal.
Como é sabido, a legitimidade das partes é um pressuposto processual cujo conceito nos é fornecido pelo artigo 30º do Código de Processo Civil. A legitimidade deve ser aferida pelo interesse direto das partes, consistente em as mesmas serem os sujeitos da relação material submetida à apreciação do tribunal. A legitimidade deve ser, pois, referida à relação jurídica objeto do pleito e determina-se averiguando quais os fundamentos da ação e qual a posição das partes relativamente a esses fundamentos (vide Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1981, BMJ, 309, pág. 280). É conhecida a polémica surgida a propósito da determinação da relação jurídica controvertida a atender, ainda no âmbito do Código de 1939, que se consubstanciou nas teses dos Profs. Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães, no “Código de Processo Civil Anotado”, 1º vol., pág. 73, e na “Gazeta da Relação de Lisboa”, ano 32º, pág. 274 e “Rev. da Ordem dos Advogados”, ano 2º, n.º 1 e 2, pág. 164, respectivamente.
Atualmente a legitimidade tem de ser determinada pela utilidade ou prejuízo que, da procedência ou improcedência da ação, possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida – conforme o Dr. Miguel Teixeira de Sousa, no “Estatuto da Legitimidade Singular em Processo Declarativo”, no B.M.J. nº 292, pág. 53, e o Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Outubro de 1988, no B.M.J. nº 380, pág. 432.
Tal como se lê no Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1972, no B.M. J. nº 219, pág. 196, a legitimidade das partes tem que aferir-se, antes de mais, pelo pedido formulado, recorrendo à causa de pedir quando necessário.
A legitimidade processual não se confunde com a legitimidade material. A legitimidade material reporta-se à questão da posição das partes face à relação jurídica controvertida tal como ela existe, e a legitimidade processual afere-se face à relação material tal como o Autor a configura.
Não existindo coincidência entre ambas, as consequências são, obviamente, diferentes, pois, a legitimidade material importa a procedência ou improcedência da ação, ao passo que a legitimidade processual relaciona-se com questões formais que, perante uma determinada situação concreta, pode conduzir à absolvição da instância.
Por tudo o exposto, julgo procedente a exceção dilatória de ilegitimidade passiva da Ré Victória Seguros, S.A. e, consequentemente, absolvo a Ré Victória Seguros, S.A. da presente instância (artigos 278º, nº 1, al. d); 576º, nº 2, e 577º, al. e)), todos do Código de Processo Civil).
Custas a cargo da Autora em proporção a fixar na decisão final.
Notifique-se. (...)”.
12. No âmbito do processo referido em 8), em 22 de novembro de 2017, a aí autora, Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A., e a aí ré, Eurohidra, Manutenção Industrial e Construção de Equipamentos, Lda, firmaram entre si um acordo de transação nos termos constantes da ata de audiência final que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“(...) I. A Autora reduz o pedido para a quantia de 90.000€ (noventa mil euros), com a seguinte forma de pagamento:
A primeira prestação no valor de 5.000€ (cinco mil euros) a pagar até ao último dia de Fevereiro de 2018.
Os restantes 85.000€ (oitenta e cinco mil euros) serão pagos em quatro prestações iguais, a primeira até ao último dia do mês de Agosto de 2018, a segunda até ao último dia do mês de Fevereiro de 2019, a terceira até ao último dia do mês de Agosto de 2019 e a quarta prestação até ao último dia do mês de Fevereiro de 2020.
II. As custas devidas a juízo serão suportadas por ambas as partes em partes iguais, prescindindo ambas de custas de parte e procuradoria na parte disponível. (...)”.
13. O acordo referido em 12) foi homologado por sentença proferida no âmbito do processo referido em 8), em 22 de novembro de 2017, e transitada em julgado.
14. A ilustre mandatária da autora endereçou à ré, que recebeu, a missiva datada de 12 de dezembro de 2017, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“(...) ASSUNTO: Apólice … – ramo responsabilidade civil – Segurado Eurohidra – Manutenção Industrial e Construção de equipamentos Industriais, Ldª (...)
Como é do vosso conhecimento correu termos no Juízo Central Cível de Almada – Juiz …, o processo nº …/… em que foi Autora a Companhia de Seguros Lusitânia, S.A, e Ré a segurada Eurohidra, Ldª, onde foi peticionado o pagamento da quantia de €179.112.13 a título de indemnização liquidada à segurada da Lusitânia – Real Bolo, Ldª - pelos danos verificados no sinistro de incêndio ocorrido em 16.07.2010 nas instalações fabris desta.
Serve o presente para, na qualidade de mandatária da vossa segurada Eurohidra, conforme procuração anexa, informar que no âmbito do referido processo procedeu a Lusitânia, S.A. à redução do pedido para €90.000,00, tendo sido homologado acordo de pagamento, conforme consta da Acta que se junta.
Nesta sequência e porque à data se encontrava em vigor contrato de seguro do ramo Responsabilidade Civil entre a m/ constituinte Eurohidra, Ldª e a Victoria decorrente da actividade desenvolvida por aquela, através da subscrição da Apólice … – ramo responsabilidade civil, vimos solicitar que seja esta Apólice acionada procedendo a Victoria ao pagamento do prémio nela seguro.
Certa dos vossos bons ofícios, aguardo indicação acerca da forma de pagamento. (...)”.
15. A ré, através do seu ilustre mandatário, declinou o pagamento à autora do prémio seguro, ou seja, da quantia de € 49 750,00 (quarenta e nove mil, setecentos e cinco euros), correspondente à diferença entre o capital seguro de € 50 000,00 (cinquenta mil euros) e a franquia de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
16. Das condições gerais com a referência “WEBDOC RCGP 11.07”, oferecidas com a contestação sob o doc. 1 e constantes de fls. 66 verso a 70 frente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, o seguinte:
“(...) SEGURO DE RESPONSABILIDADE CIVIL GERAL E PRODUTOS
CONDIÇÕES GERAIS
ARTIGO PRELIMINAR
Entre a VICTORIA – Seguros, S.A., adiante designada por Seguradora, e o Tomador do Seguro mencionado nas Condições Particulares, estabelece-se o presente contrato de Seguro de Responsabilidade Civil Geral, que se regula pelas Condições Gerais e Particulares desta Apólice, de harmonia com as declarações constantes da proposta que lhe serviu de base e da qual faz parte integrante.
Capítulo I
Definições
Artigo nº 1 – Definições
Para efeitos do presente contrato entende-se por:
Apólice
Documento que contém as condições que regulamentam o Seguro. São parte integrante da Apólice: a proposta, as Condições Gerais, as Condições Particulares que individualizam o risco, as Condições Especiais, caso existam, e, ainda, as actas ou suplementos emitidos à Apólice com o objectivo de a complementar ou modificar.
Seguradora
A VICTORIA – Seguros, S.A., adiante designada por VICTORIA é a entidade que assume o risco acordado contratualmente.
Tomador do Seguro
A pessoa ou entidade que celebra o contrato de Seguro com a VICTORIA, sendo responsável pelo cumprimento de todas as obrigações previstas no contrato, salvo aquelas que, pela sua natureza, devam ser cumpridas pelo Segurado.
Segurado
Pessoa singular ou colectiva cuja Responsabilidade Civil se garante nos termos do presente contrato e que, juntamente com o Tomador do Seguro, o subscreve.
Valor seguro
Valor máximo, também designado por capital ou limite de indemnização, pelo qual a VICTORIA responderá em caso de Sinistro.
Prémio do Seguro
Preço pago pelo Tomador do Seguro à VICTORIA pela contratação do Seguro.
Sinistro
Qualquer evento ou série de eventos de natureza aleatória, susceptível de provocar o funcionamento das garantias do contrato, cuja ocorrência seja acidental, súbita, imprevista e originária de uma mesma causa.
Terceiro
Aquele que, em consequência de um Sinistro coberto por este contrato, sofra uma lesão que origine danos susceptíveis de, nos termos da Lei Civil e desta Apólice, serem reparados ou indemnizados.
Em circunstância alguma são considerados Terceiros:
(i) o Tomador do Seguro e o Segurado;
(ii) o cônjuge ou equiparado, ascendentes e descendentes do Tomador do Seguro e do Segurado e as pessoas que coabitem com eles, vivam a seu cargo ou pelas quais sejam civilmente responsáveis;
(iii) os sócios, gerentes, empregados, assalariados e legais representantes da pessoa ou entidade cuja responsabilidade se garanta.
Lesão Corporal
Ofensa que afecte, não só a saúde física como também a própria sanidade mental, causando Danos.
Lesão Material
Ofensa que afecte qualquer coisa móvel, imóvel ou animal causando Danos.
Danos – Danos Não Patrimoniais e Danos Patrimoniais
Prejuízos indemnizáveis com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, exclusivamente decorrentes de lesões corporais e/ou materiais.
Dano Não Patrimonial
Prejuízo que, não sendo susceptível de avaliação pecuniária, deve, no entanto, ser compensado através de uma obrigação pecuniária.
Dano Patrimonial
Prejuízo que, sendo susceptível de avaliação pecuniária, deve ser reparado ou indemnizado.
Franquia
A importância que, em caso de Sinistro, fica a cargo do Segurado e cujo montante se encontra estipulado nas Condições Particulares.
Negócio
A actividade comercial e/ou industrial do Segurado descrita nas Condições Particulares.
Artigo nº 2 – Objecto e Garantias
1. Âmbito do Contrato
1.1. Responsabilidade Civil Geral
Este contrato tem por objecto garantir o pagamento de danos involuntariamente causados a Terceiros que, nos termos da Lei Civil, sejam exigíveis ao Segurado enquanto na qualidade ou no exercício do seu Negócio ou Actividade descritas nas Condições Particulares desta Apólice.
1.2. Responsabilidade Civil Produtos
Quando contratado e expressamente mencionado nas Condições Particulares, esta Apólice também tem como objecto a responsabilidade civil extracontratual pelos danos causados a terceiros pelos produtos defeituosos designados nas Condições Particulares que, nos termos da Lei Civil e de acordo com o clausulado deste contrato, sejam imputáveis ao Segurado enquanto na qualidade ou no exercício da actividade de produtor expressamente referida nas respectivas Condições Particulares.
Para efeitos desta cobertura, entende-se por:
Produtor
O fabricante de um produto acabado, de uma matéria-prima, de uma parte componente ou qualquer pessoa que se apresente como produtor através da aposição sobre o produto do seu nome, marca ou qualquer outro sinal identificativo, mesmo que este tenha sido fabricado por outrem.
Considera-se, também, produtor aquele que, no exercício da sua actividade comercial, importe produtos com o fim de os vender, locar, locar financeiramente ou efectuar qualquer outro tipo de distribuição no âmbito da sua actividade comercial sem prejuízo da responsabilidade do produtor.
É ainda equiparado a produtor, o fornecedor que, no prazo legal, não indicar ao lesado a identidade do fabricante do produto.
Produto
Qualquer bem móvel, mesmo que incorporado noutro bem móvel ou imóvel.
Produto defeituoso
Todo o produto que não ofereça a segurança que se pode legitimamente esperar, atendendo, nomeadamente, à sua apresentação, normal utilização e momento da sua entrada em circulação.
Um produto não é considerado defeituoso pelo simples facto de posteriormente ser posto em circulação outro mais aperfeiçoado.
Entrega
Transmissão efectiva do produto a uma terceira pessoa ou entidade, considerando-se realizada a partir do momento em que o Produtor perde os meios práticos de exercer um controlo material directo sobre as condições de uso ou de consumo do produto ou de modificar essas condições.
Salvo convenção expressa em contrário nas condições especiais ou particulares respectivas, a garantia concedida abrange, exclusivamente, as reclamações feitas em consequência de Sinistros ocorridos durante o período de vigência da Apólice.
Artigo nº 3 – Âmbito Territorial
Salvo convenção em contrário expressa na Apólice, este contrato apenas produz efeitos em relação a Sinistros ocorridos em Portugal Continental e Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira.
Artigo nº 4 – Exclusões Gerais
Além das exclusões específicas constantes das Condições Particulares desta Apólice:
1. Não ficam garantidos, em caso algum:
a) Danos decorrentes de actos ou omissões dolosas do Segurado, de pessoas cuja responsabilidade esteja garantida por esta Apólice, ou de pessoas pelas quais estes sejam civilmente responsáveis;
b) Danos resultantes de guerra, declarada ou não, hostilidades ou operações bélicas, insurreição, poder militar ou civil usurpado ou tentativa de usurpação do poder, actos de terrorrismo, vandalismo, maliciosos, sabotagem, greves, tumultos e “lock-outs”.
c) danos resultantes de:
(i) radiações ionizantes ou contaminação por radioactividade resultantes de qualquer combustível nuclear ou de qualquer desperdício nuclear ou da combustão de combustível nuclear;
(ii) propriedades radioactivas, tóxicas, explosivas ou outras propriedades perigosas ou contaminantes de qualquer instalação nuclear, reactor ou outra instalação nuclear ou componente nuclear dos mesmos;
(iii) qualquer material de guerra empregando fissão e/ou fusão nucleares ou atómicas, ou outra reacção similar ou força ou material radioactivos;
d) Danos causados pelo Tomador do Seguro, pelo Segurado ou por pessoas cuja responsabilidade esteja garantida por esta Apólice quando praticados no estado de demência, embriaguês ou sob a influência de estupefacientes;
e) Danos causados a quaisquer pessoas, singulares ou colectivas, não consideradas na qualidade de terceiros conforme definição constante do Artº 1º destas Condições Gerais;
f) Sinistros abrangidos pela legislação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais;
g) Danos decorrentes de condução ou propriedade de aeronaves e embarcações qualquer que seja a sua natureza;
h) Danos originados por motivo de força maior, nomeadamente os associados a fenómenos sísmicos, tromba de água, ciclones, furacões, inundações e outros fenómenos naturais de dimensão catastrófica;
i) Danos decorrentes da violação deliberada por parte do Segurado ou de pessoas cuja responsabilidade esteja garantida por esta Apólice de leis, regulamentos ou normas técnicas ou de segurança genericamente aplicáveis à actividade mencionada nas Condições Particulares;
j) Danos causados pelo envio, transmissão ou propagação de vírus informático;
k) A responsabilidade pelo pagamento de coimas, fianças ou encargos de qualquer natureza;
l) Danos devidos à acção de campos electromagnéticos;
m) Danos resultantes ou causados por organismos geneticamente modificados;
n) Danos resultantes de toda e qualquer reclamação baseada em perda financeira pura ou derivada, a qualquer título, nomeadamente perda, quebra ou incumprimentos de qualquer contrato;
o) Para a cobertura de Responsabilidade Civil Geral, danos causados pelas obras, trabalhos, prestação de serviços, produtos e suas embalagens, produzidos, armazenados e/ou fornecidos pelo Segurado ou por quaisquer pessoas cuja responsabilidade esteja garantida por esta Apólice;
p) Prejuízos financeiros indirectos comprovadamente sofridos por Terceiros que não tenham sido alvo do dano directo causador do Sinistro, mas que sejam consequência mediata desse mesmo dano directo, nomeadamente, lucros cessantes, redução de volume de vendas e perdas de mercado ou paralisações de qualquer natureza;
q) Danos resultantes do uso, simples posse ou armazenamento de armas, munições ou quaisquer matérias explosivas;
r) Furto ou roubo praticado por qualquer das pessoas referidas nas alíneas d) e e);
s) Danos decorrentes da condução ou propriedade de veículos que, nos termos da legislação em vigor ao tempo da ocorrência de um Sinistro, sejam obrigados a Seguro obrigatório de Responsabilidade Civil;
t) Responsabilidade Civil Patronal.
2. Salvo convenção em contrário constante das Condições Particulares desta Apólice, não ficam garantidos:
a) Danos resultantes de alteração do meio ambiente, em particular os causados directa ou indirectamente por poluição ou contaminação do solo, das águas ou atmosfera, assim como todos aqueles que forem devidos à acção de fumos, vapores, vibrações, ruídos, cheiros, temperaturas, humidades, corrente eléctrica ou substâncias nocivas;
b) Danos causados a bens pertencentes a terceiros que estejam confiados ao Segurado ou a quaisquer pessoas cuja responsabilidade esteja garantida por esta Apólice, para guarda, utilização, trabalho ou qualquer outro fim;
c) Danos causados pela execução de trabalhos de manutenção, ampliação e outras de obras de construção civil;
d) Danos causados a terceiros por fogo, explosão, fumo e água;
e) Danos causados a terceiros por Incêndio, Acção Mecânica de Queda de Raio e Explosão.
Artigo nº 5 – Exclusões por Qualidade de Produtos
Além das exclusões gerais constantes das Condições Gerais, o presente contrato exclui sempre:
a) Danos baseados no facto dos produtos não se adequarem à função ou ao propósito enunciado pelo Segurado;
b) Danos causados por inobservância das instruções de consumo ou utilização dos produtos;
c) Danos causados por produtos que carecem de autorização ou licenças das autoridades competentes;
d) Danos causados por produtos fabricados experimentalmente;
e) Danos genéticos a pessoas ou animais;
f) Danos causados por produtos cujo defeito não era possível detectar quando da sua colocação em circulação, atendendo ao estado dos conhecimentos científicos e técnicos nesse momento;
g) Danos causados por produtos incluídos no programa de fabricação ou venda, após o início do período de vigência da Apólice.
Artigo nº 6 – Exclusões sobre efeitos do uso dos Produtos
Salvo convenção expressa em contrário constante das Condições Particulares, o presente contrato não garante também:
1. Além das exclusões gerais constantes do presente contrato, têm-se por excluídas do presente contrato:
a) Os custos da retirada do produto do mercado;
b) Os custos da reparação, substituição ou perda de uso dos produtos;
c) Os custos de reposição ou reembalagem do produto no mercado;
d) Os danos materiais que sejam causados por produtos produzidos pelo Segurado, a produto de terceiros, por união e mistura ou mistura com esses produtos, ou elaborados com a intervenção dos produtos do Segurado;
e) Os danos materiais a produtos de terceiros fabricados mediante a transformação do produto do Segurado;
f) Os danos materiais que sejam causados por produtos produzidos pelo Segurado, a produtos de Terceiros, por substituição, isto é, a incorporação ou montagem noutros bens, de tal modo que é possível a todo o momento a sua separação;
g) As indemnizações atribuídas ao Segurado a título de multas ou penalidades.
Capítulo II
Valor Seguro
Artigo nº 7 – Valor Seguro
1. A VICTORIA responde, como limite de indemnização, até aos montantes fixados nas Condições Particulares para cada Sinistro e para o conjunto de Sinistros ocorridos em cada período de Seguro.
2. A responsabilidade da VICTORIA é sempre limitada aos montantes máximos fixados nas Condições Particulares, seja qual for o número de pessoas lesadas por um Sinistro.
3. Salvo convenção em contrário:
a) quando a indemnização judicialmente atribuída aos terceiros for igual ou exceder o Valor Seguro, a VICTORIA não responderá pelas despesas judiciais devidas pelo Segurado;
b) se for inferior, a VICTORIA responderá pela indemnização e despesas judiciais até ao limite do Valor Seguro;
c) o Segurado obriga-se a reembolsar a VICTORIA pelas despesas judiciais por esta despendidas, desde que, juntamente com a indemnização atribuída, excedam o Valor Seguro fixado nas Condições Particulares.
4. A VICTORIA responde por honorários de advogados e solicitadores desde que tenham sido por ela escolhidos.
5. Quando a indemnização devida ao terceiro, por decisão judicial, consistir numa renda, a VICTORIA afectará à constituição da respectiva provisão matemática a parte disponível do Valor Seguro, de acordo com as bases técnicas oficialmente estabelecidas para o efeito.
6. Em cada reclamação ficará a cargo do Segurado uma franquia estabelecida nas Condições Particulares, que será deduzida ao total das indemnizações e despesas feitas pela VICTORIA.
Artigo nº 8 – Pagamento da Indemnização
1. Salvo convenção em contrário expressa nas Condições Particulares, a VICTORIA indemnizará em Euros e em Portugal, entendendo-se cumprida a sua obrigação no momento em que der conhecimento à entidade beneficiária do depósito numa instituição bancária legalmente autorizada a operar em Portugal, a seu favor, da quantia que está obrigada a indemnizar, segundo o direito aplicável.
2. Para a conversão de valores em moeda estrangeira para a moeda com curso legal em Portugal atender-se-á à taxa de câmbio indicativa (“fixing” do Banco de Portugal) do dia em que for efectuado o depósito.
Artigo nº 9 - Franquia
1. Mediante convenção expressa nas Condições Particulares, pode ficar a cargo do Segurado uma parte da indemnização devida, sendo a VICTORIA apenas responsável pelo montante que a exceder.
2. Aplica-se uma só franquia à indemnização por Perdas e Danos resultantes de um mesmo Sinistro.
Artigo nº 10 – Insuficiência de Capital
1. No caso de coexistirem vários lesados pelo mesmo Sinistro e o montante dos danos exceder o Capital Seguro, a responsabilidade da VICTORIA para cada um deles reduzir-se-á proporcionalmente em relação ao montante dos respectivos Danos sofridos, até à concorrência desse capital.
2. A VICTORIA que, de boa fé e por desconhecimento da existência de outras pretensões, liquidou a um lesado uma indemnização de valor superior à que lhe competiria, nos termos do número anterior, apenas fica obrigada para com os outros lesados até à concorrência da parte restante do Capital Seguro.
Capítulo III
Duração do Contrato
Artigo nº 11 – Vigência do Contrato
1. Início
O presente contrato considera-se celebrado pelo período de tempo estabelecido nas condições particulares da apólice e, desde que o prémio ou fracção inicial seja pago, produz os seus efeitos a partir das 00 horas do dia imediato ao da aceitação da proposta pela VICTORIA, salvo se, por acordo das partes, for aceite outra data para a produção de efeitos, a qual não pode, todavia, ser anterior à da recepção daquela proposta pela VICTORIA. A proposta considera-se aprovada se, no prazo de quinze dias a contar da data da sua recepção, a VICTORIA nada tiver comunicado em contrário, por correio registado, ao proponente.
2. Duração
Este contrato considera-se celebrado pelo período de tempo estabelecido nas Condições Particulares:
a) quando for celebrado por um período de tempo determinado, caduca às 24 horas do dia do seu termo;
b) quando o contrato for celebrado por um ano a continuar pelos seguintes, considera-se sucessivamente renovado por períodos anuais excepto se qualquer das partes o denunciar por correio registado ou por outro meio do qual fique registo escrito com a antecedência mínima de 30 dias em relação ao termo da anuidade ou se o Tomador do Seguro não proceder ao pagamento do prémio nos termos do nº 1 do art. 14º
Artigo nº 12
Redução e Resolução
1. O não pagamento pelo Tomador do Seguro do prémio relativo a uma anuidade subsequente ou de uma sua fracção, determina a não renovação ou a resolução automática e imediata do contrato, na data em que o pagamento seja devido.
2. O Tomador do Seguro pode, a todo o tempo, reduzir ou resolver o presente contrato, mediante correio registado, ou por outro meio do qual fique registo escrito, com a antecedência mínima de 30 dias em relação à data em que a redução produz efeitos.
3. A VICTORIA pode resolver o contrato após a ocorrência de um Sinistro ou com fundamento legal, aplicando-se o disposto no número dois, considerando-se, para efeito de devolução do Prémio, apenas a parte do Capital Seguro que exceda o valor da indemnização liquidada.
4. O montante do prémio a devolver ao Tomador do Seguro em caso de redução ou resolução antecipada do contrato será calculado proporcionalmente ao período de tempo que decorreria até ao seu vencimento.
5. A redução ou resolução do contrato produz os seus efeitos às 24 horas do próprio dia em que ocorra.
6. Sempre que o Tomador do Seguro não coincida com o Segurado identificado nas Condições Particulares, este deve ser avisado, com 30 dias de antecedência, da resolução ou não renovação do contrato.
7. Existindo privilégio creditório sobre os bens que constituem o objecto do Seguro, a VICTORIA obriga-se a comunicar por escrito à entidade credora, expressamente identificada nas Condições Particulares, a redução ou resolução do contrato com a antecedência mínima de 15 dias em relação à data em que irá produzir os seus efeitos.
Artigo nº 13 – Nulidade do Contrato
1. Este contrato considera-se nulo e, consequentemente, não produzirá qualquer efeito em caso de Sinistro, quando da parte do Tomador do Seguro ou do Segurado tenha havido, no momento de celebração do contrato, declarações inexactas assim como reticências de factos ou circunstâncias dele conhecidas, e que teriam podido influir sobre a existência de condições do contrato.
2. Se as referidas declarações ou reticências tiverem sido feitas de má fé, a VICTORIA terá direito ao Prémio, sem prejuízo da nulidade do contrato nos termos do número anterior.
Capítulo IV
Pagamento e Alteração dos Prémios
Artigo nº 14 – Pagamento dos Prémios
1. O prémio ou fracção inicial é devido na data da celebração do contrato, dependendo a eficácia deste do respectivo pagamento.
2. Sem prejuízo do disposto no nº 6, os prémios ou fracções subsequentes são devidos nas datas estabelecidas na Apólice, sendo aplicável, neste caso, o regime previsto nos números 3 a 5.
3. A VICTORIA encontra-se obrigada, até 60 dias antes da data em que o prémio ou fracção seguinte é devido, a avisar por escrito o Tomador do Seguro, indicando essa data, o valor a pagar, a forma e o lugar de pagamento e as consequências da falta de pagamento do prémio ou fracção.
4. Nos contratos de seguro cujo pagamento seja objecto de fraccionamento por prazo inferior ao trimestre, e estejam identificados em documento contratual as datas de vencimento e os valores a pagar, bem como as consequências da falta de pagamento do prémio ou fracção, a VICTORIA pode optar por não proceder ao envio do aviso previsto no número anterior, recaindo sobre ela o ónus da prova da emissão e aceitação, pelo Tomador do Seguro, daquele documento contratual.
5. Nos termos da lei, na falta de pagamento do prémio ou fracção na data indicada no aviso previsto no nº 3 ou no documento contratual previsto no número anterior determina a não renovação ou a resolução automática e imediata do contrato, na data em que o pagamento seja devido.
6. Nos contratos de prémio variável e nos contratos titulados por apólices abertas é aplicável o disposto na Condição Especial “Contratos de prémio variável e contratos titulados por apólices abertas”.
7. A falta de pagamento, na data indicada no aviso, de um prémio adicional, desde que este decorra de um pedido do Tomador do Seguro para extensão da garantia, não implicando agravamento do risco inicial, determinará que se mantenham as condições contratuais em vigor anteriormente àquele pedido.
8. O Seguro considera-se em vigor sempre que o recibo tenha sido entregue ao Tomador do Seguro por entidade expressamente designada pela VICTORIA para o recebimento do prémio respectivo.
Artigo nº 15
Alteração do Prémio
Não havendo alteração no risco, qualquer alteração do prémio aplicável ao contrato apenas poderá efectivar-se no vencimento anual seguinte.
Artigo nº 16
Fraccionamento dos Prémios
1. O Tomador do Seguro, nos termos da Lei e das Condições Gerais desta Apólice, contrai perante a VICTORIA a obrigação de pagar o Prémio total relativamente ao período de vigência da Apólice.
2. A VICTORIA aceita, porém, e mediante a cobrança do respectivo sobreprémio que nas Apólices que vigoram por um ano e seguintes o pagamento se faça em prestações liquidadas adiantadamente, de acordo com o indicado nas Condições Particulares desta Apólice.
3. O não pagamento de qualquer prestação do Prémio na data do seu vencimento confere à VICTORIA o direito de exigir imediatamente o pagamento dessa prestação e das prestações vincendas.
Capítulo V
Obrigações da VICTORIA, do Tomador do Seguro e do Segurado
Artigo nº 17 – Obrigações da VICTORIA
1. As averiguações e peritagens necessárias ao reconhecimento do Sinistro e à avaliação dos danos deverão ser efectuadas pela VICTORIA com a adequada prontidão e diligência, sob pena de aquela responder por Perdas e Danos.
2. A indemnização deve ser paga logo que concluídas as investigações e peritagens necessárias ao reconhecimento do Sinistro e à fixação do montante dos danos, sem prejuízo de pagamentos por conta, sempre que se reconheça que devam ter lugar.
3. Se decorridos 45 dia, a VICTORIA de posse de todos os elementos indispensáveis à reparação dos danos ou ao pagamento da indemnização acordada não tiver realizado essa obrigação por causa não justificada ou que lhe seja imputável incorrerá em mora, vencendo a indemnização juros à taxa legal em vigor.
Artigo 18º - Obrigações do Tomador do Seguro e do Segurado
1. Em caso de Sinistro coberto pelo presente contrato, constituem obrigações do Tomador do Seguro e do Segurado, sob pena de responder por Perdas e Danos:
1.1. Empregar todos os meios ao seu alcance para reduzir ou evitar o agravamento dos prejuízos decorrentes do Sinistro e salvar os Bens Seguros, sendo as despesas razoavelmente efectuadas nesse sentido englobadas no cômputo do Sinistro, até ao limite do Capital Seguro;
1.2. Não remover ou alterar, nem consentir que sejam removidos ou alterados quaisquer vestígios do Sinistro, sem acordo prévio da VICTORIA;
1.3. Prover à guarda, conservação e beneficiação dos salvados;
1.4. Comunicar à VICTORIA a verificação de qualquer dos eventos cobertos, o mais rapidamente possível, e por escrito, no prazo máximo de oito dias a contar da data do seu conhecimento, indicando dia, hora, causa conhecida ou presumível, natureza e montante provável dos prejuízos, bem como quaisquer outros elementos necessários à boa caracterização da ocorrência;
1.5. Fornecer à VICTORIA todas as provas solicitadas, bem como todos os relatórios ou outros documentos que possua ou venha a obter;
1.6. Cumprir as prescrições de segurança que sejam impostas pela lei, regulamentos legais ou cláusulas deste contrato;
1.7. Dar pronto conhecimento à VICTORIA de quaisquer citações ou notificações judiciais que receba, assim como de quaisquer outras diligências contra si intentadas, em consequência do Sinistro;
1.8. Não assumir qualquer obrigação perante terceiros, isto é, não negociar, admitir, repudiar ou liquidar qualquer indemnização, sem prévio acordo da VICTORIA;
1.9. Aceitar o recurso aos Tribunais Civis para decidirem acerca da sua responsabilidade perante terceiros, concedendo à VICTORIA, no âmbito dos assuntos de interesse comum do Segurado e da VICTORIA e até aos limites capital estabelecidos nas Condições Particulares, a faculdade de orientação do processo, fornecendo-lhe todos os elementos e documentação úteis que possua;
1.10. No caso de reparações que sejam urgentes, deverá estabelecer contacto imediato com a VICTORIA para acordar a actuação a seguir;
1.11. Em caso de furto ou roubo, o Tomador do Seguro ou o Segurado obriga-se, a apresentar imediatamente queixa às autoridades competentes e promover todas das diligência ao seu alcance conducentes à descoberta dos objectos desaparecidos e dos autores do crime, comunicando à VICTORIA a recuperação de todo ou de parte dos objectos furtados ou roubados;
1.12. Cumprir e fazer cumprir as regras técnicas, regulamentos legais, especificações e recomendações dos fabricantes ou vendedores no que respeita à utilização de aparelhos eléctricos e electrónicos.
2. O Tomador do Seguro ou Segurado responderá, ainda, por Perda e Danos, se:
2.1. Agravar, voluntariamente, as consequências do Sinistro, ou dificultar, intencionalmente, o salvamento das coisas seguras;
2.2. Subtrair, sonegar, ocultar ou alienar os salvados;
2.3. Impedir, dificultar ou não colaborar com a VICTORIA no apuramento da causa do Sinistro ou na conservação, beneficiação ou venda de salvados;
2.4. Exagerar, usando de má fé, o montante dos prejuízos ou indicar coisas falsamente atingidas pelo Sinistro;
2.5. Usar de fraude, simulação, falsidade ou de quaisquer outros meios dolosos, bem como de documentos falsos para justificar a sua reclamação.
Capítulo VI
Disposições Diversas
Artigo nº 19 – Coexistência de Contratos
1. O Tomador do Seguro ou o Segurado ficam obrigados a participar à VICTORIA, sob pena de responderem por Perdas e Danos, a existência de outros Seguros garantindo o mesmo risco.
2. Existindo à data do Sinistro, mais de um contrato de Seguro com o mesmo objecto e garantia, o presente contrato só funcionará em caso de nulidade, ineficácia ou insuficiência de Seguros anteriores.
Artigo nº 20 – Regime de Co-Seguro
Sendo o presente contrato de seguro estabelecido em regime de co-seguro, fica sujeito ao disposto, para o efeito, na Cláusula Uniforme de Co-Seguro descrita nas Condições Particulares.
Artigo nº 21 – Comunicações e Notificações entre as Partes
É condição suficiente para que quaisquer comunicações ou notificações entre as partes, previstas no presente contrato, se considerem válidas e plenamente eficazes que as mesmas sejam feitas por correio registado ou por outro meio do qual fique registo escrito para o último endereço do Tomador do Seguro ou do Segurado constante do contrato ou para a sucursal da VICTORIA em Portugal.
Artigo nº 22 – Sub-Rogação
1. A VICTORIA uma vez paga a indemnização fica subrogada até à concorrência da quantia indemnizada, em todos os direitos, acções e recursos do Segurado, contra terceiro causador, obrigando-se o Segurado a praticar o que necessário for para efectivar esses direitos.
2. O Segurado responderá por Perdas e Danos por qualquer acto ou omissão voluntária que possa impedir ou prejudicar o exercício desses direitos.
Artigo nº 23 – Legislação Aplicável
1. A lei aplicável a este contrato é a lei portuguesa.
2. Nos litígios surgidos ao abrigo desta Apólice poderá haver recurso à arbitragem, que será feito nos termos da lei.
Artigo nº 24 - Foro
O foro competente para dirimir qualquer litígio emergente deste contrato é do local de emissão da Apólice ou o do local de domicílio do Tomador do Seguro, à opção do autor.
CONDIÇÃO ESPECIAL
CONTRATOS DE PRÉMIO VARIÁVEL E CONTRATOS TITULADOS POR APÓLICES ABERTAS
1. Nos contratos de prémio variável e nos contratos titulados por apólices abertas os prémios e fracções subsequentes são devidos na data de emissão do recibo respectivo.
2. A VICTORIA encontra-se obrigada, até 30 dias antes da data em que o prémio ou fracção subsequente é devido, a avisar, por escrito, o Tomador do Seguro, indicando essa data, o valor a pagar, a forma e o lugar de pagamento e as consequências da falta de pagamento do prémio ou fracção.
3. Nos termos da lei, na falta de pagamento do prémio ou fracção referidos no número anterior na data indicada no aviso, o Tomador do Seguro constitui-se em mora e, decorridos que sejam 30 dias após aquela data, o contrato é automaticamente resolvido, sem possibilidade de ser reposto em vigor.
4. Durante o prazo referido no número anterior, o contrato produz todos os efeitos, nomeadamente a cobertura dos riscos.
5. A resolução não exonera o Tomador do Seguro da obrigação de liquidar os prémios ou fracções em dívida correspondentes ao período de tempo que o contrato esteve em vigor e obriga-o a indemnizar a VICTORIA em montante para o efeito estabelecido nas condições particulares, a título de penalidade, tudo acrescido dos respectivos juros moratórios, sendo os que incidem sobre a penalidade prevista contados a partir da data de interpelação ao Tomador do Seguro para pagar a indemnização.
6. A penalidade prevista no número anterior nunca poderá exceder 50% da diferença entre o prémio devido para o período de tempo inicialmente contratado e as fracções eventualmente já pagas. (...)”.
17. As condições gerais referidas em 16) foram pré-elaboradas pela ré.
18. As condições gerais referidas em 16) vigoravam aquando do descrito em 2).
19. Os prejuízos alegadamente sofridos pela Realbolo, Lda e indemnizados pela Lusitânia – Companhia de Seguros, S.A. foram causados pelo incêndio, ou seja, pelo fogo, fumo e água utilizada para o debelar.
20. Um mediador de seguros fez chegar à autora uma proposta de seguro de responsabilidade civil geral.
21. A proposta de seguro de responsabilidade civil geral referida em 20) foi subscrita pela autora.
22. Juntamente com a carta referida em 4), a ré enviou à autora as condições particulares referidas em 3).
23. A autora não participou o sinistro à ré.
24. A autora endereçou à ré, que recebeu, uma carta datada de 10 de agosto de 2010, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“(...) ASSUNTO: SINISTRO/INCÊNDIO
EXMOS SENHORES,
Em referência ao assunto em epígrafe e em resposta à vossa carta datada de 28.07.2010, cumpre-nos informar o seguinte:
A nossa empresa não participou o sinistro que se verificou no dia 20.07.2010 em virtude de entendermos não termos qualquer responsabilidade no ocorrido.
A nossa empresa foi contratada para prestar alguns serviços relacionados com a substituição e reparação de alguns materiais.
Foram efectuados os trabalhos contratados e foram tomadas todas as precauções referentes à segurança dos equipamentos e prestação dos serviços.
O incêndio ocorreu já depois da nossa empresa ter concluído os trabalhos.
Existiam no local vários fios eléctricos que poderão estar na origem do incêndio.
Desconhecemos qual a origem do incêndio sendo certo que quando se iniciou já ninguém da nossa empresa se encontrava a efectuar qualquer trabalho.
Existem outros factos importantes que poderiam estar na origem do sinistro e para os quais não fomos alertados sendo por isso do nosso desconhecimento.
Para além destes factos, os extintores de incêndio que tentámos utilizar para reduzirmos ou eliminarmos as chamas que surgiram já depois de termos concluído os trabalhos e que eram da responsabilidade do dono da obra não eram os adequados ao tipo de incêndio nem ao tipo de produtos que existiam no local.
Destes factos só tivemos conhecimento durante a tentativa de apagarmos as chamas.
Tentámos utilizar mangueiras de água que se encontravam em diversos locais e que devido às dimensões das mangueiras não chegavam ao local onde deveriam ser utilizadas.
Todos estes factores contribuíram para que não conseguíssemos eliminar o incêndio.
Não nos consideramos minimamente responsáveis pelo sinistro verificado.
Nesse sentido não podemos neste momento adiantar mais elementos, manifestando no entanto toda a nossa disponibilidade para facultarmos todos os elementos de que necessitarem, prestarmos todas as informações e ajudarmos a tomarem uma decisão em relação ao presente sinistro. (...)”.
25. Do “Relatório de Sinistro” oferecido com a contestação sob o doc. 4 e constante de fls. 72 a 74 frente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, o seguinte:
“(...) 1. Cerca de dois a três meses antes do sinistro a eurohidra foi chamada de urgência às instalações da Real Bolo através do Sr. MR…, devido ao facto de um terço do telhado da estufa ter caída por cima dos tapetes espiralados.
2. A estufa encontrava-se no interior de um pavilhão.
3. Por cima do tecto da estufa encontrava-se o tecto do pavilhão.
4. O tecto da estufa caiu tendo ficado apenas o tecto do pavilhão.
5. Na altura foram ao local dois funcionários da Eurohidra, tendo sido realizada uma intervenção curativa, que consistiu na retirada dos elementos do telhado que caíram por cima da esteira e fixar um plástico nessa zona para manter a humidade no local permitindo assim a continuação do trabalho.
6. Após essa situação estar concluída foi-nos pedido cotação para realizar uma intervenção para substituir o telhado da estufa completo, dado que o que lá tinha ficado estava em igual ou pior estado em relação aquele que caiu.
7. Após a cotação e orçamento ficou pendente uma data para início das obras, a ser dada pelo Sr. MR….
8. No dia 13 ou 14 julho foi-nos dito que as condições para efectuar o trabalho estavam reunidas e que poderíamos iniciar no dia 16/07 e acabar no dia 17/07.
9. No dia 16 iniciamos os trabalhos pelas 09:00.
10. A primeira fase do trabalho consistiu em retirar a intervenção anterior (plástico fixo com tábuas) e todo o resto do painel de tecto existente.
11. Para efectuar este trabalho foi basicamente necessário um meio de elevação (empilhador) no exterior da estufa e no interior um andaime de nossa propriedade.
12. Esta operação levou o período da manhã todo até perto das duas horas, tendo ainda ficado uma parte do telhado fixo, dado que a parede exterior estava suportada pelo próprio telhado e existia um risco real de cair.
13. Dado existirem inúmeros cabos eléctricos por cima do tecto e caídos na lateral da estufa foi perguntado ao Sr. T… (colaborador da Real Bolo) se estava tudo desligado electricamente. respondido que sim.
14. O Sr. T… deslocou-se ao quadro eléctrico e transmitiu-nos que pensava que estava tudo desligado.
15. No interior da estufa existiam apenas uma armação com lâmpadas a funcionar, encontrando-se mais três cabos pendurados que já não tinham as respectivas armações.
16. Também em relação a estes cabos pendurados foi-nos transmitido que estariam desligados.
17. Depois de termos sido informados que a parte eléctrica estava desactivada, iniciamos o trabalho de remoção do telhado.
18. O trabalho consistia em três fases:
- Retirar todo o trabalho existente
- Montar uma estrutura em T d einox para suporte
- Montar placas de policabornato alveolar por cima dessa estrutura.
19. Devido ao facto da parede lateral direita da estufa estar a ser suportada pelo telhado da mesma foi necessário colocar uma cantoneira para fixar ao meio da estufa ligada ao telhado do pavilhão e a um T de inox que colocamos atravessado da parede direita à parede esquerda, ligado com grampos.
20. Não houve qualquer contacto de soldadura com a estrutura da estufa.
21. Terminada a fase de consolidação da estrutura através da fixação da barra ao tecto do pavilhão e às paredes da estufa através de grampos, iniciou-se a arrumação do material e ferramentas.
22. Até esta fase não existiu qualquer foco ou sinal de incêndio.
23. Passado algum tempo após o termo destas operações um dos funcionários da eurohidra (N…) chamou à atenção que estava qualquer coisa a arder, de imediato verificamos que existia uma pequena chama junto à zona de entrada de croissants perto do chão e próximo de um conjunto de cabos eléctricos que se encontravam pendurados e caídos no chão.
24. Assim que foi dado o alarme utilizou-se de imediato o extintor que tinhamos perto de nós.
25. Enquanto isso foi-se buscar outros extintores existentes nas instalações que verificamos não serem adequados ao tipo de fogo que se encontrava em propagação.
26. Tentamos utilizar também um carretel d eágua mas quando o esticamos ficava a cerca de três metros antes da estufa, ou seja, não tinha comprimento suficiente para chegar sequer à porta da estufa.
27. Não existiam quaisquer outros meios para combater o incêndio.
Conclusões
No nosso entendimento não houve qualquer responsabilidade por parte da eurohidra ou de qualquer um dos seus funcionários podendo existir diversas causas para a origem do incêndio, alheias a esta empresa.
Algumas das causas que poderão estar na origem do incêndio prendem-se com os cabos eléctricos que se encontravam pendurados e alguns colocados no chão enrolados entre si.
Outra das causas embora não relacionadas com o início mas com o combate foi a falta de meios de combate indicados (extintores, carretel, etc) (...)”.
26. A autora pagou à Companhia de Seguros Lusitânia as seguintes quantias:
a) em 27 de fevereiro de 2018, a quantia de € 5 000,00 (cinco mil euros);
b) em 30 de agosto de 2018, a quantia de € 21 150,00 (vinte e um mil, cento e cinquenta euros).
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A DECISÃO RECORRIDA CONSIDEROU COMO NÃO PROVADA A SEGUINTE FACTUALIDADE:
a) o descrito em 2) tenha ocorrido em dezembro de 2016;
b) as condições gerais com a referência “WEBDOC RCP 05.09” oferecidas com a petição inicial sob o doc. 3 e constantes de fls. 7 a 15 vigorassem em dezembro de 2008;
c) a empreitada referida em 5) tenha tido início em 19 de junho de 2010;
d) o incêndio descrito em 6) tenha ocorrido em 19 de junho de 2010;
e) a sociedade Real Bolo, Lda tenha acionado o seu seguro de responsabilidade multiriscos que subscrevera na Companhia de Seguros Lusitânia, S.A.;
f) a Companhia de Seguros Lusitânia, S.A. tenha pago à sociedade Real Bolo, Lda o valor da indemnização correspondente ao valor dos danos então apurados;
g) no decurso das suas averiguações, a Companhia de Seguros Lusitânia, S.A. tenha constatado que a autora havia firmado com a ré o acordo referido em 2);
h) a execução dos trabalhos de corte de chapa e soldadura, suscetíveis de libertar partículas incandescentes, tenha sido desacompanhada da adoção ou da promoção de quaisquer medidas preventivas de segurança, como a limpeza e proteção do local e dos equipamentos existentes na câmara de fermentação, necessárias à criação de uma zona de segurança que evitasse que as referidas partículas atingissem matérias, pavimentos ou superfícies combustíveis;
i) para obter informações e se aconselhar sobre o seguro a contratar, a autora tenha recorrido aos serviços de um mediador de seguros;
j) o mediador de seguros tenha analisado os produtos disponíveis no mercado, após o que, mediante instruções da autora, tenha selecionado o seguro comercializado pela ré;
k) em 17 de dezembro de 2008, o mediador de seguros tivesse entregue à autora as condições gerais referidas em 16);
l) a autora tenha recebido do seu mediador as condições gerais referidas em 16);
m) as condições gerais referidas em 16) tenham vigorado entre 1 de novembro de 2007 e 31 de dezembro de 2008;
n) as condições gerais referidas em b) tenham vigorado entre 1 de maio de 2009 e 11 de janeiro de 2012;
o) a autora tenha elaborado o relatório referido em 25);
p) a autora tenha entregue à ré o relatório referido em 25);
q) as condições gerais referidas em 16) não estivessem em vigor aquando do descrito em 2);
r) as condições gerais referidas em b) tenham sido enviadas à autora pela ré.
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4. Enquadramento jurídico:
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I) Se a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão?
Alega a autora que, na sentença recorrida, ocorre uma “clara contradição insanável e evidente ambiguidade da Meritíssima Juiz, pois que numa situação de responsabilidade civil extracontratual por prejuízos involuntariamente causados, deverão estar reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil à exceção da existência de um facto culposo e ilícito, pois que estamos perante uma responsabilidade pelo risco”.
Vejamos:
Um recurso incide sempre sobre uma decisão que recaiu sobre determinadas questões, visando-se com ele apreciar da manutenção, alteração ou revogação daquela, razão pela qual, enquanto meio de impugnação de uma decisão judicial, o recurso apenas pode incidir, em regra, sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo o tribunal ad quem confrontar-se com questões novas (assim, Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Novo Regime, p. 94).
Os recursos constituem, assim, mecanismos destinados a reapreciar decisões proferidas e não a analisar questões novas, pois que a diversidade de graus de jurisdição determina, em regra, que os tribunais superiores sejam apenas confrontados com questões que as partes discutiram nos momentos próprios.
Apenas podem ser excepcionadas desta regra aquelas situações em que essas questões novas sejam de conhecimento oficioso e o processo contenha os elementos imprescindíveis que viabilizem o seu conhecimento.
Uma tal regra encontra a sua justificação no princípio da preclusão, quer por desprezar a finalidade dos recursos (art. 627º, nº 1 do C.P.C.), quer para não impedir a supressão de graus de jurisdição.
Assim, conclui-se que os recursos se destinam a sindicar as decisões impugnadas, estando a intervenção do tribunal “ad quem” circunscrita às questões que dela foram objecto, ou dito de outra forma, está-lhe vedado apreciar quaisquer outras, salvo se de conhecimento oficioso, uma vez que, nas questões novas, a parte submete a um tribunal de recurso questão que ao tribunal recorrido não cumpria conhecer, porque não lhe fora colocada.
Nos termos do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, relativo às causas de nulidade da sentença, uma sentença é nula quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.
No caso, invoca a apelante a existência de contradição na sentença recorrida.
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 03-11-2016 (Processo 1774/13.4TBLLE.E1, relator TOMÉ RAMIÃO): “A nulidade da sentença a que se refere a 1.ª parte da alínea c), do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil, remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. A ambiguidade da sentença exprime a existência de uma plurissignificação ou de uma polissemia de sentidos (dois ou mais) de algum trecho, e a obscuridade traduz os casos de ininteligibilidade. A estes vícios se refere a 2.ª parte da al. c) do n.º1, do art.º 615.º do C. P. Civil”.
Na mesma linha, decidiu-se no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 08-11-2018 (Processo 0149/18.3BALSB, relator JOSÉ VELOSO) que: “I - A nulidade do acórdão, por contradição entre os fundamentos e a decisão, que é prevista na alínea c), do nº1, do artigo 615º do CPC, verifica-se quando há um vício na lógica-jurídica que presidiu à respectiva construção, de tal modo que os fundamentos invocados apontam, logicamente, num certo sentido, e a decisão tomada vai noutro sentido, oposto, ou pelo menos diverso;  A mesma alínea do artigo 615º do CPC sanciona, ainda, com a nulidade, o acórdão em que ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. É «obscuro» o que não é claro, aquilo que não se entende; e é «ambíguo» o que se preste a interpretações diferentes. Em qualquer caso, fica o destinatário do acórdão sem saber ao certo o que efectivamente se decidiu, ou quis decidir. Mas não é qualquer obscuridade, ou ambiguidade, que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que «torne a decisão ininteligível»”.
Assim, a nulidade assente na ambiguidade ou obscuridade da decisão proferida, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respectivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade).
Por seu turno, a contradição entre os seus fundamentos e decisão, pressupõe um erro lógico na argumentação jurídica, dando conclusão inesperada e adversa à linha de raciocínio adoptada, ou seja, apenas ocorre, quando os fundamentos invocados pelo Tribunal deviam logicamente conduzir ao resultado oposto ao que veio expresso no dispositivo do dito acórdão.
Muito embora não se encontre muito esclarecida a alegação, divisa-se no recurso apresentado pela apelante o seguinte raciocínio: Na sentença dá-se como provada a celebração do contrato de seguro pelo qual a ré assumiu a responsabilidade civil extracontratual da autora, garantindo a indemnização dos prejuízos involuntariamente causados a terceiros no exercício da atividade da A. de manutenção de equipamentos industriais, sendo que, apesar disso, não se logrou considerar estar coberta a responsabilidade pelo risco da ré.
Ora, lê-se na decisão recorrida, nomeadamente, o seguinte:
“1. Nos termos em que a autora configura a presente ação, a questão sub judice consiste em apreciar e decidir sobre a existência do direito da autora, segurada da ré, fundado na cobertura de danos inserta em contrato de seguro de responsabilidade civil, na sequência da verificação de risco seguro.
Vejamos a enunciada questão e se, em face da matéria de facto apurada, a presente ação deverá ou não proceder.
1.1. O contrato de seguro é uma convenção em virtude da qual a seguradora, mediante o pagamento de determinada remuneração (prémio) por parte do segurado, assume a responsabilidade pela verificação de determinado risco e, caso a situação de risco se concretize, se compromete a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado (neste sentido, Moitinho de Almeida, in O Contrato de Seguro no Direito Português e Comparado, Livraria Sá da Costa, 1971, página 23-24 e Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 12/04/2014, processo n.º 919/13.9TVLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Tal contrato assume um caráter consensual - porque se realiza por via do simples acordo das partes - e formal - porque o segurador é obrigado a formalizar o contrato num instrumento escrito, que se designa por apólice de seguro e a entregá-lo ao tomador de seguro, dependendo, portanto, a sua validade da sua redução a escrito.
Desse documento escrito deverão constar todas as condições gerais, especiais e/ou particulares do negócio jurídico celebrado, regulando-se o contrato pelas respetivas cláusulas, desde que não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições do regime jurídico do contrato de seguro e, na falta de previsão destas, pelas regras gerais previstas no Código Comercial e no Código Civil.
1.2. In casu, é pacífico que foi celebrado entre as partes um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º …, pelo prazo de um ano e seguintes, com início em 26 de dezembro de 2008, mediante o qual a ré assumiu a responsabilidade civil extracontratual da autora decorrente do exercício da sua atividade de manutenção de equipamentos industriais, até ao limite de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), com a franquia de 10% da indemnização a pagar, no valor mínimo de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
Está em causa um contrato de seguro de responsabilidade civil, que garante a indemnização dos prejuízos involuntariamente causados a terceiros no exercício da atividade da autora de manutenção de equipamentos industriais, onde a constituição da obrigação da ré seguradora pressupõe, necessariamente, a constituição, no património da autora segurada, da obrigação de indemnizar a lesada, que é um terceiro em relação ao contrato de seguro (neste sentido, Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/01/2019, processo n.º 5992/13.7TBMAI.P2.S1, in www.dgsi.pt).
Em particular e no que ao caso interessa, o instituto da responsabilidade civil extracontratual pode assumir duas modalidades: a responsabilidade por factos ilícitos (artigo 483º do Código Civil) e a responsabilidade objetiva (artigos 503º e 506º do Código Civil).
No que respeita à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, o artigo 483º do Código Civil dispõe que: “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação”.
De acordo com este preceito legal, são pressupostos da responsabilidade civil e, consequentemente, da obrigação de indemnizar: a existência de um facto humano voluntário do agente; a ilicitude do facto, consubstanciada na violação de um direito ou interesse alheio; a culpa, ou imputação do facto ao lesante; o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (neste sentido, vide Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 9.ª edição, Almedina, pág. 550).
Nestes termos, é de concluir que só a reunião de todos estes pressupostos poderá constituir o lesante e, por via do contrato de seguro, a ré seguradora, na obrigação de indemnizar o lesado, apenas assim surgindo o correspondente direito de crédito deste último à indemnização.
De acordo com o artigo 342º, n.º 1 do Código Civil, à autora caberia a alegação e o ónus da prova dos factos constitutivos do direito por si invocado.
De acordo com o artigo 342º, n.º 2 do Código Civil, à ré seguradora caberia a alegação e o ónus da prova da verificação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela autora.
1.3. No caso sub judice, da análise da factualidade apurada é de concluir que a autora não logrou provar, de forma cabal, segura e inequívoca, os factos constitutivos do direito por si invocado, designadamente, nem a ocorrência de um sinistro contemplado no âmbito de cobertura da apólice de seguro em 19 de junho de 2010, nem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos nos artigos 483º e seguintes do Código Civil, maxime, a existência de um facto ilícito, culposo e danoso decorrente do exercício da sua atividade de manutenção de equipamentos industriais.
A este respeito, refira-se que a sentença homologatória da transação lavrada no âmbito do processo que correu termos sob o n. …/…, no Juízo Central Cível de Almada, J…, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, não assume virtualidade suficiente para dar como demonstrada a existência de qualquer responsabilidade civil extracontratual da autora decorrente do exercício da sua atividade de manutenção de equipamentos industriais, na medida em que a sentença incidente sobre a transação não conhece do mérito ou substância da causa, sendo a sua função apenas a de fiscalizar a regularidade e validade do acordo e não decidir sobre qualquer controvérsia substancial (neste sentido, Acordão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/01/2018, processo n.º 8008/16.8T8SNT-B.L1-2, in www.dgsi.pt).
Por outro lado, a transação firmada entre a seguradora da lesada e a autora consubstancia um contrato de transação, nos termos previstos no artigo 1248º do Código Civil, pelo que apenas produz efeitos entre as partes que a celebram e não vincula terceiros, ficando apenas os contraentes adstritos às obrigações dela emergentes.
Nestes termos, é de concluir pela total ausência de prova sobre os fundamentos do direito invocado, o que apenas contra a autora poderá ser valorado, em face dos critérios de repartição do ónus de prova convocáveis, nos termos dos artigos 342º, n.º 1 do Código Civil e 414º do Código de Processo Civil.
Face ao exposto, improcede a pretensão da autora, devendo a ação ser julgada integralmente improcedente, considerando-se assim prejudicada a apreciação das exceções invocadas pela ré”.
No caso, como resulta do exposto, a absolvição da ré deriva da improcedência da acção e, esta, assenta no facto de a autora não ter demonstrado os fundamentos do direito que invocou, expressamente se assinalando que a autora não demonstrou a cobertura da apólice de seguro em 19 de junho de 2010, “nem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos nos artigos 483º e seguintes do Código Civil, maxime, a existência de um facto ilícito, culposo e danoso decorrente do exercício da sua atividade de manutenção de equipamentos industriais”.
Verifica-se, em face do exposto, plena inteligibilidade do decidido e, bem assim, decorre da sentença recorrida a sua integral conformidade com os pressupostos em que assentou.
Questão diversa é a de saber se, na realidade, os pressupostos em que assentou a decisão, de facto, se verificam.
Contudo, essa questão não comporta a apreciação de qualquer nulidade da sentença, mas, importará, quando muito, numa incorreta aplicação do direito.
É que, na realidade, “as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04-10-2018, processo 1716/17.8T8VNF.G1, relatora EUGÉNIA CUNHA).
A recorrente pode, ou não, concordar com o decidido, mas isso já será questão atinente ao mérito do recurso, sem que se possa considerar nula a decisão proferida.
Nestes termos, conclui-se, não se verificar a nulidade invocada.
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II) Impugnação da Matéria de Facto requerida pela apelante:
Vem a autora requerer seja aditada aos factos provados a factualidade que identifica.
Sobre a temática da impugnação da matéria de facto, dispõe o artigo 640º, nº 1, do Código de Processo Civil que:
“Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
No que toca à especificação dos meios probatórios, “quando os meios probatórios invocados tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (artigo 640º, nº 2, al. a) do Código de Processo Civil).
Quanto ao cumprimento deste ónus impugnatório, o mesmo deve, tendencialmente, fazer-se nos seguintes moldes: “(…) enquanto a especificação dos concretos pontos de facto deve constar das conclusões recursórias, já não se afigura que a especificação dos meios de prova nem, muito menos, a indicação das passagens das gravações devam constar da síntese conclusiva, bastando que figurem no corpo das alegações, posto que estas não têm por função delimitar o objeto do recurso nessa parte, constituindo antes elementos de apoio à argumentação probatória” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-02-2015, Processo 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Assim, aos concretos pontos de facto, concretos meios probatórios e à decisão deve o recorrente aludir na motivação do recurso (de forma mais desenvolvida), sintetizando-os nas conclusões.
As exigências legais referidas têm uma dupla função: Delimitar o âmbito do recurso e tornar efectivo o exercício do contraditório pela parte contrária (pois só na medida em que se sabe especificamente o que se impugna, e qual a lógica de raciocínio expendido na valoração/conjugação deste ou daquele meio de prova, é que se habilita a contraparte a poder contrariá-lo).
O recorrente deverá apresentar «um discurso argumentativo onde, em primeiro lugar, alinhe as provas, identificando-as, ou seja, localizando-as no processo e tratando-se de depoimentos a respectiva passagem e, em segundo lugar, produza uma análise crítica relativa a essas provas, mostrando minimamente por que razão se “impunha” a formação de uma convicção no sentido pretendido» (Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 17-03-2014, Processo nº 3785/11.5TBVFR.P1, relator ALBERTO RUÇO).
Os aspectos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (cfr. Ac. do STJ de 28-04-2014, P.º nº 1006/12.2TBPRD.P1.S1, relator ABRANTES GERALDES).
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º, n.º 1 do C.P.C., dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º, nº 3 do C.P.C. (cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães de 19-06-2014, P.º n.º 1458/10.5TBEPS.G1, relator MANUEL BARGADO).
A cominação da rejeição do recurso, prevista para a falta das especificações quanto à matéria das alíneas a), b), e c) do n.º 1, ao contrário do que acontece quanto à matéria do n.º 2 do art. 640.º do CPC (a propósito da «exatidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso»), não funciona automaticamente, devendo o Tribunal convidar o recorrente a suprir a falta de especificação daqueles elementos ou a sua deficiente indicação (cfr. Ac. do STJ de 26-05-2015, P.º n.º 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE).
Dever-se-á usar de maior rigor na apreciação da observância do ónus previsto no n.º 1 do art. 640.º (de delimitação do objecto do recuso e de fundamentação concludente do mesmo), face ao ónus do n.º 2 (destinado a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado em exigência ao longo do tempo, indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes) (neste sentido, Ac. do STJ de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO).
O ónus atinente à indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, pelo que a falta de indicção, com exactidão, só será idónea a fundamentar a rejeição liminar se dificultar, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, ou o exame pelo tribunal, sob pena de ser uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável (cfr. Acs. do STJ, de 26-05-2015, P.º nº 1426/08.7CSNT.L1.S1, relator HÉLDER ROQUE, de 22-09-2015, P-º nº 29/12.6TBFAF.G1.S1, relator PINTO DE ALMEIDA, de 29-10-2015, P.º n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1, relator LOPES DO REGO e de 19-01-2016, P.º nº 3316/10.4TBLRA-C1-S1, relator SEBASTIÃO PÓVOAS).
A apresentação de transcrições globais dos depoimentos das testemunhas não satisfaz a exigência determinada pela al. a) do n.º 2 do art. 640.º do CPC (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 405/09.1TMCBR.C1.S1, relatora MARIA DOS PRAZERES BELEZA), o mesmo sucedendo com o recorrente que procede a uma referência genérica aos depoimentos das testemunhas considerados relevantes pelo tribunal para a prova de quesitos, sem única alusão às passagens dos depoimentos de onde é depreendida a insuficiência dos mesmos para formar a convicção do juiz (cfr. Ac. do STJ de 28-05-2015, P.º n.º 460/11.4TVLSB.L1.S1, relator GRANJA DA FONSECA).
Nas conclusões do recurso devem ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação, bastando quanto aos demais requisitos desde que constem de forma explícita da motivação (neste sentido, Acs. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES, de 01-10-2015, P.º nº 824/11.3TTLRS.L1.S1, relatora ANA LUÍSA GERALDES, de 11-02-2016, P.º nº 157/12-8TVGMR.G1.S1, relator MÁRIO BELO MORGADO).
Note-se, todavia, que atenta a função do tribunal de recurso, este só deverá alterar a decisão sobre a matéria de facto se concluir que as provas produzidas apontam em sentido diverso ao apurado pelo tribunal recorrido. Ou seja: “I. Mantendo-se em vigor, em sede de Recurso, os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pelo Tribunal da Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser efectuado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados. II: Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação, quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança, no sentido de que os depoimentos prestados em audiência final, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 14-06-2017, Processo 6095/15T8BRG.G1, relator PEDRO DAMIÃO E CUNHA).
A insuficiência da fundamentação probatória do recorrente não releva como requisito formal do ónus de impugnação, mas, quando muito, como parâmetro da reapreciação da decisão de facto, na valoração das provas, exigindo maior ou menor grau de fundamentação, por parte do tribunal de recurso, consoante a densidade ou consistência daquela fundamentação (neste sentido, Ac. do STJ de 19-02-2015, P.º nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, relator TOMÉ GOMES).
Contudo, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação for insusceptível de, face às circunstância próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica para a solução da causa ou mérito do recurso, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inconsequente” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 15-09-2015, Processo 6871/14.6T8CBR.C1, relator MOREIRA DO CARMO), sob pena de se praticar um acto inútil proibido por lei (cfr. artigo 130.º do CPC).
Estas as linhas gerais em que se baliza a reapreciação da matéria de facto na Relação.
Vejamos, pois, a isso nada obstando, as questões que, neste âmbito, foram suscitadas pela autora/apelante.
*
Se devem ser aditados aos factos provados os seguintes factos:
“27) Os trabalhos que a A. desenrolou na Real Bolo consistiram, nomeadamente em trabalhos de soldadura sendo que a incandescência das partículas libertadas que são pingos de metal aquecido podem cair e/ou saltar, sendo a tendência de enrolar, começando a aquecer e a criar uma zona de calor, ficando a remoer para só mais tarde poder atear.”;
“28) A queda das partículas incandescentes é um ato involuntário representando um risco da atividade da A. de manutenção industrial e reparação de equipamentos industriais, porque as partículas incandescentes normalmente vêm em direção ao solo, mas em certas situações podem saltar para qualquer lado, não sendo imediatamente visíveis.”;
“29) O incêndio deflagrou numa zona onde estavam cabos elétricos enrolados a um metro e meio/2 metros da zona onde a A. esteve a fazer os trabalhos de incandescência.”?
Alega a autora que deve ser aditada à matéria de facto provada a factualidade acima referenciada.
Para tanto invoca que o Tribunal não considerou as declarações de parte dos legais representantes da autora, sendo que, os mesmos “mostraram ter conhecimento direto dos factos que descreveram de forma clara e coerente, não sendo tendenciosos pese embora o seu natural interesse na causa”, para além de que, “as circunstâncias que descreveram sobre a forma como o incêndio deflagrou estão corroboradas em prova documental junta aos autos – o certificado de regulação de sinistro – a que a Meritíssima Juiz também não alude”, concluindo que, “em virtude da prova constante dos autos, quer testemunhal (declarações de parte dos legais representantes da A.) quer documental (certificado de regulação de sinistro), deverão ser aditados os quesitos 27º, 28º e 29º aos factos dados provados (…)”.
Nas suas contra-alegações a ré pronunciou-se sobre este segmento do recurso nos seguintes termos:
“Como transparece da sua alegação de recurso, a A. pretende o aditamento aos factos provados da referida matéria para que esta sirva de suporte de facto à tese por si defendida nessa alegação, segundo a qual a sua responsabilidade, para com a sua cliente “Realbolo”, foi pelo risco, e não por factos ilícitos (estratégia esta que, pelas razões que se aduzirão adiante, em sede de aplicação do Direito, está votada ao fracasso, independentemente da decisão que incidir sobre o requerido aditamento daquela matéria aos factos provados).
Na perspectiva da A., a referida matéria, cuja inclusão nos factos provados reclama, é essencial para demonstrar que incorreu em responsabilidade pelo risco perante a sua cliente “Realbolo” e que, por isso, a R. está obrigada a indemnizá-la (a indemnizar a A., entenda-se), na quantia peticionada, ao abrigo da apólice de responsabilidade civil referida no nº 2 dos factos provados.
O art. 5º/1 do CPC dispõe que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir …”.
O art. 552º/1 do CPC estipula que “Na petição, com que propõe a acção, deve o autor: … d) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção.”.
Sucede que a matéria cujo aditamento aos factos provados a A. tem em vista não foi alegada na petição inicial, nem integra, consequentemente, a causa de pedir.
Com efeito, no que ao sinistro e à responsabilidade da A. (para com a sua cliente “Realbolo”) respeita, a causa de pedir restringe-se ao alegado nos arts. 4º, 8º e 11º da p.i., nos quais a A. se limitou a alegar o seguinte:
“4º A aludida empreitada iniciou-se em 19.06.2010, e, nesse mesmo dia, quando a Autora já se encontrava a arrumar o material para dar como encerrados os trabalhos, deflagrou um incêndio na zona onde estes haviam estado a decorrer, e do qual resultaram vários danos.”
“8º Nessa sequência, a Companhia de Seguros Lusitânia considerou que as ora Autora e Ré seriam responsáveis pela ocorrência do sinistro e responsáveis pelo reembolso da quantia que aquela suportou por via do seguro Multiriscos da sua segurada – a Sociedade Real Bolo, e veio a demanda-las judicialmente a que foi atribuído o processo …/…, que correu termos junto do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, no juízo central cível de Almada – Juiz …, …”
 “11º Por sentença transitada em julgado, proferida no aludido processo, acabou por ser celebrado entre a Companhia de Seguros Lusitânia e a ora Autora um acordo de pagamento que pôs termo àquele litígio,”
Verifica-se, pois, que a A. não alegou na petição inicial qualquer facto revelador da sua responsabilidade para com a sua cliente “Realbolo”, seja por factos ilícitos, seja pelo risco. Pelo contrário, em coerência com a sua posição de sempre, reflectida nos nºs 6, 10, 24 e 25 dos factos provados, a A. manteve, no citado art. 4º da p.i., que os trabalhos já se encontravam concluídos aquando do início do incêndio, o que parece afastar o nexo de causalidade entre a empreitada e o sinistro.
Assim, porque não foram articulados na petição inicial, e não são instrumentais, nem complementares ou concretizadores dos que a A. aí alegou, os “factos” que a A. pretende ver aditados à matéria provada, sob os nºs 27, 28 e 29, não podem ser considerados pelo julgador, nem, consequentemente, reflectidos na decisão de facto, nos termos do art. 5º/2 do CPC.
As aspas na palavra “factos” justificam-se porque, em bom rigor, a matéria que a A. pretende ver aditada sob os nºs 27 e 28 não é objectiva, nem concreta, ou seja, não é factual. O carácter genérico da matéria a que a A. atribuiu o nº 27 é denunciado pela sua parte final, onde se diz “… podem cair e/ou saltar, sendo a tendência de enrolar, começando a aquecer e a criar uma zona de calor, ficando a remoer para só mais tarde poderem atear.”. A matéria a que a A. atribuiu o nº 28 é, manifestamente, conclusiva e, igualmente, genérica (“A queda das partículas incandescentes é um ato involuntário representando um risco da actividade da A. de manutenção industrial e reparação de equipamentos industriais, porque as partículas incandescentes normalmente vêm em direcção ao solo, mas em certas situações podem saltar para qualquer lado, não sendo imediatamente visíveis.”.
Já o facto que a A. pretende ver aditado sob nº 29 pouco ou nada acrescenta relativamente a um dos factos por si confessados, alegado no art. 38º da contestação e identificado sob nº iv na acta da sessão de julgamento de 7.2.2019 - “Passado algum tempo após o termo destas operações um dos  funcionários da autora (N…) chamou a atenção que estava qualquer coisa a arder, de imediatoverificaram que existia uma pequena chama junto à zona de entrada de croissants perto do chão e próximo de um conjunto de cabos eléctricos que se encontravam pendurados e caídos no chão; -, cujo aditamento aos factos provados a R. requereu em sede de impugnação da decisão de facto, deduzida subsidiariamente nesta contra-alegação.
Mesmo que a matéria objecto dos aditamentos requeridos pela A. não fosse, como é, genérica, conclusiva ou redundante, as declarações dos seus gerentes, MM… e AM…, em que se desdobrou o depoimento de parte da A., pela forma titubeante, tíbia e vaga como foram prestadas, jamais poderiam, só por si, suportar as requeridas alterações na decisão de facto, ou outras que não as resultantes da sua expressa confissão.
Os segmentos do depoimento de parte transcritos pela A. na sua alegação de recurso são disso elucidativos:
O gerente MM… declarou “…, porque a soldadura estava a ser efectuada a cerca de 3 metros de altura quando cai para o chão, cai nos cartões mas pode espalhar e a incandescência o problema que tem é que não é uma chama, é um ponto quente, se eventualmente no meio disso tudo… uma dessas fagulhas, incandescências que salte para o lado dos cabos, se os cabos tiverem cobertura de manteiga, que tinham com toda a certeza, pode começar a criar uma zona de aquecimento e por sua vez fazer esse ateamento, mas quer dizer, depois de tudo acautelado isso acontecer, não posso dizer, é um risco real que pode ter acontecido, que nós tenhamos visto essa situação não, …” (passagem da gravação: 01:12:239).
O gerente AM… não foi menos evasivo que o gerente MM…, declarando que “… o foco de incêndio pode ter resultado de várias coisas mas uma delas também pode ter sido uma fagulha da soldadura que nos escapou, pode ter caído para cima dos cabos e ficar a remoer e daí ter pegado o incêndio … é uma possibilidade” (passagem da gravação: 01:55:35). Em, praticamente, todas as respostas, o referido gerente utilizou as palavras “pode” e é “possível” (passagens da gravação: 01:59:28 e 01:59:4510).
Por fim, o “certificado de regulação de sinistro” (elaborado pelo perito da “Lusitânia”, seguradora da “Realbolo”), junto pela A. ao seu requerimento probatório de 15.1.201911, e ao qual esta se refere no art. 16º da sua alegação (“… as circunstâncias da forma como o incêndio deflagrou, que relataram estão corroboradas em prova documental junta aos autos – o certificado de regulação de sinistro – que a Meritíssima Juiz também parece desconsiderar”), é um mero documento particular, cuja força probatória é a prevista no art. 376º/1 do CC, que dispõe que “O documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, …”. Ora, como não poderia deixar de ser, e resulta de uma simples leitura desse relatório, no que respeita às causas do incêndio, o referido perito, que, naturalmente, não assistiu ao sinistro, limitou-se a reproduzir a versão dos factos apresentada pela “Realbolo”, segurada da  “Lusitânia”, contraditória com a versão dos factos da A., reflectida nos nºs 6, 10, 24 e 25 dos factos provados, dos quais resulta que a A. sempre rejeitou qualquer responsabilidade pelo sinistro, tanto que não o participou à R., como, também, resulta do facto provado nº 23.
Por isso, o referido “certificado de regulação do sinistro” nenhuma força probatória tem no que concerne às causas do incêndio, e, também, não pode servir de fundamento aos três aditamentos que a A. pretende ver introduzidas nos factos provados, os quais, na verdade, nada acrescentam quanto a essa causa, atenta a sua vaguidade. Assim, o tribunal “a quo” desconsiderou, e bem, esse relatório. Em suma, porque a matéria que a A. pretende ver aditada aos factos provados não é factual, não foi alegada, é irrelevante e não encontra suporte em meios probatórios credíveis, a impugnação da decisão de facto, que integra o objecto da apelação, deve improceder”.
De acordo com o alegado pela autora, o depoimento dos seus legais representantes e o certificado de regulação do sinistro determinaria que fosse dado como provado que os trabalhos que a autora desenvolveu foram, nomeadamente, “trabalhos de soldadura”, que “a incandescência das partículas libertadas (pingos de metal aquecido) podem cair e/ou saltar tendo tendência de enrolar, começando a aquecer e a criar uma zona de calor, ficando a remoer para só mais tarde poder atear.”, que “a queda das partículas incandescentes é um ato involuntário representando um risco da atividade da A. de manutenção industrial e reparação de equipamentos industriais, porque as partículas incandescentes normalmente vêm em direção ao solo, mas em certas situações podem saltar para qualquer lado, não sendo imediatamente visíveis.” e que “o incêndio deflagrou numa zona onde estavam cabos elétricos enrolados a um metro e meio/2 metros da zona onde a A. esteve a fazer os trabalhos de incandescência.”.
Sucede que, compulsados os autos, verifica-se que a autora não alegou tal factualidade nos autos.
E a sua expressão é, relativamente à causa de pedir invocada pela autora, complementar da mesma, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil.
No CPC em vigor – contrariamente ao que sucedia com a matéria de facto inserida na Base Instrutória do anterior CPC de 1961, que deveria conter, como previa a alínea e) do n.º 1 do artigo 508º-A e do artigo 511º, a matéria de facto relevante para a decisão da causa segundo as várias situações plausíveis da questão de direito, e sobre a qual iriam incidir as diligências instrutórias -, na enunciação dos temas da prova não se prevê a quesitação de cada um dos enunciados de facto controvertidos, mas tão-somente se aponta genericamente a controvérsia entre as partes sobre as matérias principais, deixando para a decisão final a descrição dos factos que, relativamente a cada grande tema, tenham sido provados ou não provados.
Ou seja: Não obstante a redacção dada ao artigo 410.º do novo CPC, nos termos do qual a instrução tem por objecto os temas da prova enunciados ou, quando não tenha havido lugar a essa enunciação, os factos necessitados de prova, é sobre os factos constantes dos articulados apresentados pelas partes que a produção de prova e respectivos meios incidirão, como se infere dos artigos 452.º, n.ºs 1 e 2, 454.º, 460.º, 466.º, n.º 1, 475.º, 490.º ou 495.º, n.º 1, do novo CPC, e não sobre os respectivos temas de prova enunciados.
De facto, em primeira linha, a prova incide sobre os factos alegados pelas partes. Quanto aos demais factos – complementares ou concretizadores dos que integram a causa de pedir invocada - e que resultem da instrução da causa, como aquele ora em presença, tais factos só poderiam ser introduzidos no processo no decurso do julgamento em primeira instância, mediante requerimento da parte ou oficiosamente, sendo que, neste último caso, cabe ao juiz anunciar às partes que está a equacionar utilizar esse mecanismo de ampliação da matéria de facto.
Efectivamente, no vigente CPC, distinguem-se os factos essenciais e os factos instrumentais. Os primeiros são os que se mostram decisivos para a procedência da acção – podendo ser essenciais primários (alegados nos articulados) ou essenciais derivados (resultando da instrução da causa e tendo a feição de factos complementares ou concretizadores dos antes alegados) e, quanto a estes, têm de ser observado prévio contraditório para o seu aproveitamento para o processo (cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. b) do CPC). Os segundos não têm tal virtualidade (cfr. artigo 5.º, n.º 2, al. a) do CPC).
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 07-11-2017 (processo 1335/13.8TBCBR.C1, relator MANUEL CAPELO):
“I- Os factos complementares ou concretizadores dos essenciais que compõem a causa de pedir nos termos do art. 5º do CPC, para poderem ser tomados em consideração pelo tribunal têm que ser considerados como provados na sentença e previamente a tal ser dado conhecimento às partes que irão ser acrescentados.
II- Para que se possam dar como provados os factos complementares ou concretizadores é necessário que os factos essenciais de que eles sejam complemento ou concretização tenham ficado provados, não sendo de admitir que não sendo provados esses factos essenciais da causa de pedir, se julgue a acção procedente com base nos ditos complementares ou concretizadores mas que afinal substituam os da causa de pedir que não se tenham provado”.
Em qualquer dessas circunstâncias, assiste à parte beneficiada pelo facto complementar e à contraparte a faculdade de requererem a produção de novos meios de prova para fazer a prova ou contraprova dos novos factos complementares (cfr., neste sentido, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Pires de Sousa; Código de Processo Civil Anotado, I Vol., 2018, Almedina, pp. 28-29).
É que: ”1.- Os factos complementares ou concretizadores são aqueles que especificam e densificam os elementos da previsão normativa em que se funda a pretensão do autor - a causa de pedir - ou do reconvinte ou a excepção deduzida pelo réu como fundamento da sua defesa, e, nessa qualidade, são decisivos para a viabilidade ou procedência da acção/reconvenção/defesa por excepção.
2.- Se não forem oportunamente alegados e se nem as partes nem o tribunal, ao longo da instrução da causa, os introduzirem nos autos, garantindo o contraditório, a decisão final de mérito será desfavorável àquele a quem tais factos (omitidos) beneficiavam.
3. Sem prejuízo de às partes caber a formação da matéria de facto, mediante a alegação, nos articulados, dos factos principais que integram a causa de pedir, a reforma do processo civil atribuiu ao Tribunal a assunção de uma posição muito mais activa, por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo.
4. Reconhecendo-se agora ao Juiz, para além da atendibilidade dos factos que não carecem de alegação e de prova a possibilidade de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais, bem como os essenciais à procedência da pretensão formulada, que sejam complemento ou concretização de outros que a parte haja oportunamente alegado e de os utilizar quando resultem da instrução e da discussão da causa e desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e à parte contrária tenha sido facultado o exercício do contraditório.
5. Os factos essenciais, a que se refere o art. 5º nCPC, têm necessariamente de ser complementares ou concretizantes de outros factos essenciais oportunamente alegados em fundamento do pedido ou da excepção.
6. Essa complementaridade ou concretização tem de ser aferida pela factualidade alegada na petição inicial, isto é, pela causa de pedir invocada pelo autor, ou pela factualidade que fundamenta a excepção invocada na contestação.
7. Só são atendíveis os factos essenciais não alegados nos articulados e os instrumentais, desde que tenham sido submetidos ao regime de contraditório e de prova durante a discussão da causa” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23-02-2016, Processo 2316/12.4TBPBL.C1, relator ANTÓNIO CARVALHO MARTINS).
No caso, a apelante não desencadeou tal mecanismo de ampliação fáctica, nem o mesmo foi utilizado oficiosamente pelo tribunal, pelo que está precludida a ampliação da matéria de facto com tal fundamento em sede de apelação, o que corresponderia ao conhecimento de uma questão nova, não se destinando os recursos a criar decisões novas mas a reapreciar questões já decididas.
Note-se que a ampliação da matéria de facto (artigo 662º, n.º 2, al. c), in fine, do Código de Processo Civil) tem por limite a factualidade tempestivamente alegada pelas partes, não constituindo um mecanismo sucedâneo do artigo 5º, n.º 2, al. b), do Código de Processo Civil).
Mas será que é admissível a consideração da factualidade em questão em conformidade com o disposto no artigo 5.º, n.º 1, al. a) do CPC?
Por via deste normativo, o juiz deve considerar os factos instrumentais que resultem da discussão da causa.
Conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12-05-2016 (processo 272/13.0YXLSB.L1-2, relator EZAGÜY MARTINS): “Os factos instrumentais servem para a prova indiciária dos factos essenciais, porquanto através deles se poderá chegar, por via de presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes. Desempenham pois, em exclusivo, uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa”.
Ora, nenhuma destas funções se assinala perante a factualidade visada inserir na matéria de facto provada – como sugerido pela apelante - desempenhando, ao invés, a função de concretização da causa de pedir invocada (e de acordo com a petição inicial esta apenas se restringiu à existência e cobertura do seguro de responsabilidade civil celebrado entre a autora e a ré).
E, nesta medida, não tendo sido oportunamente alegados, nem oportunamente considerados pelo Tribunal a quo, não pode, agora, nesta sede, ser introduzida na matéria assente a factualidade ora mencionada pela autora/apelante.
Improcede, pois, nesta parte a impugnação da matéria de facto deduzida pela autora/apelante.
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III) Do mérito da apelação:
De acordo com o disposto no artigo 637.º, n.º 2, do CPC, “versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar: a) As normas jurídicas violadas; b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada”.
Vejamos, pois, o recurso sobre a matéria de direito apresentado.
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A) Se não devem ser consideradas aplicáveis as condições gerais juntas pela ré aos autos?
Nesta sede, a autora começou por invocar que não devem ser consideradas válidas as condições gerais juntas pela ré.
Muito embora a autora se insurja também contra o seu conteúdo, o que a mesma pretende invocar é, em primeira linha e precisamente, a sua não vigência, ou seja, a sua não aplicabilidade ao seguro dos autos.
De facto, a autora, na sua alegação invocou:
“24º Considerando que as condições gerais juntas pela A. à sua petição têm um clausulado diferente das que a R. junta à sua contestação, sendo que destas constam exclusões não constantes das primeiras
25º Considerando que do depoimento da testemunha arrolada pela R. CS… apenas resulta que o clausulado das condições gerais juntas pela A. aos autos não estavam disponíveis em Dezembro de 2008, tendo só começado a vigorar em Maio de 2009.
26º Do depoimento da testemunha não resulta que as condições que começaram a vigorar, alegadamente em Maio de 2009 tivessem sido entregues à A.
27º Veja-se o que diz o legal representante da R. CO… nas suas declarações de parte em gravação digital 20190207095319_19544906_2871108 (…)
28º Não logrou a R. provar que tais condições tivessem chegado ao conhecimento da A., sendo que conforme resulta do artigo 224º nº2 CC a declaração negocial que tem um destinatário só se torna eficaz logo que chegue ao poder ou é dele conhecida
29º O que apenas contra a Ré poderá ser valorado em face dos critérios de repartição do ónus da prova nos termos do 342º nº1 do CC e 414º do CPC
30º haverá necessidade de demonstrar, em cada caso, que "sem ação ou abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida", não dispensando a concretização do regime "um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não receção da declaração", demonstração que impende sobre a parte que tiver o ónus da interpelação -Neste sentido Ac. STJ de 08.06.2016 – processo 06A1355
31º Donde não devem ser consideradas válidas as condições gerais juntas pela R. aos autos por não terem sido receptícias
32º Tendo inclusive a Meritíssima considerado tal facto como não provado nas alíneas K) e L) do elenco de factos não provados: K) em 17 de dezembro, o mediador tivesse entregue à A. condições gerais referidas em 16) do elenco dos factos provados (condições com a ref. “webdoc RCGP 11.07) L) a A. tivesse recebido do seu mediador as condições referidas em 16)
33º Ora se entende o Tribunal a quo que a R. não logrou provar a entrega das condições gerais que junta à sua contestação e que pretende constituam facto impeditivo do direito invocado pela A., não se entende porque na sua fundamentação de direito o Tribunal a quo não se pronuncia sobre tal questão prejudicando claramente o direito que a A. pretende fazer valer
34º Impunha-se assim decisão diferente que deveria ter ido no sentido de considerar que as condições gerais juntas pela R. não são válidas e por isso inaplicáveis à A. devendo prevalecer o clausulado das que foram juntas pela A. donde não constam quaisquer exclusões contratuais
35º Até porque, sempre a Meritíssima Juiz se deveria pronunciar relativamente à exceção contratual levantada em sede de contestação pela Ré, o que não fez”.
Sobre este ponto, a ré contra-alegou nos seguintes termos:
B) Condições gerais aplicáveis e exclusões contratuais
Mesmo que a A. tivesse provado que o incêndio fora da sua responsabilidade, o que apenas se admite por mero dever de cautela e de patrocínio, os danos dele resultantes, pelos quais a A. responderia nesse caso, encontrar-se-iam excluídos da garantia da apólice, nos termos das respectivas condições gerais.
Está provado que as condições gerais que vigoravam aquando da contratação do seguro são as que foram juntas pela R. à contestação sob doc. 1, ou seja, as condições de fls. 66v. a 70 (facto provado nº 18).
A proceder a impugnação da decisão de facto deduzida subsidiariamente nesta contra-alegação, como se espera se o tribunal “ad quem” chegar a conhecer da mesma, ficará provado que “Em Dezembro de 2008, aquando da subscrição da proposta de seguro, o mediador de seguros entregou à A. as condições gerais de fls. 66v. a 70.”.
Está já provado que, após o recebimento da proposta de seguro referida nos nºs 20 e 21 dos factos provados, a R. enviou à A., que a recebeu, uma carta, datada de 17.12.2008, pela qual lhe comunicou: “Agradecemos a confiança depositada na Victoria ao subscrever o Victoria – Seguros de Responsabilidade Civil.
Juntamos as Condições Particulares que, em conjunto com cópia da Proposta e Condições gerais em seu poder, constituem a documentação da sua apólice. (…)” (facto provado nº 4).
Com essa carta, a R. enviou, efectivamente, as condições particulares da apólice (facto provado nº 22).
Dessas condições particulares resulta que “…Este Contrato de Seguro é estabelecido segundo as Condições Gerais aplicáveis e com base nas declarações prestadas na Proposta …” (facto provado nº 3).
Face aos factos provados, aqui se incluindo, desde já, a factualidade a aditar em resultado da procedência da impugnação da decisão de facto deduzida subsidiariamente nesta contra-alegação, a R. não vislumbra como se poderá questionar a aplicação das condições gerais de fls. 66v a 70 ao contrato de seguro celebrado entre as partes (…).
Por tudo quanto ficou exposto, devem improceder as conclusões M) a X) da alegação de recurso da A.”.
Apreciando:
Liminarmente importa sublinhar que, não obstante as considerações expendidas pela recorrente, a mesma não logrou impugnar, com sucesso, qualquer factualidade atinente à matéria de facto dada como provada pelo Tribunal a quo.
De facto, do elenco factual dado como provado resulta assente, nomeadamente, que as condições gerais do contrato de seguro com a referência “WEBDOC RCGP 11.07”, juntas com a contestação sob doc. 1 – fls. 66vº a 70 – foram pré-elaboradas pela ré e as mesmas vigoravam aquando do início do seguro (26 de dezembro de 2008) (cfr. factos provados n.ºs. 2, 16, 17 e 18).
Para além disso, como resulta dos factos provados 3 e 4, apurou-se que a ré endereçou à autora, que recebeu, uma missiva datada de 17 de dezembro de 2008, que se encontra junto aos autos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, da qual consta, além do mais, o seguinte:
“(...) Assunto: Responsabilidade Civil (...)
Agradecemos a confiança depositada na VICTORIA ao subscrever o VICTORIA – Seguro de Responsabilidade Civil.
Juntamos as Condições Particulares que, em conjunto com a cópia da Proposta e Condições Gerais em seu poder, constituem a documentação da sua Apólice. (...)”.
E, juntamente com essa carta, a ré enviou à autora as condições particulares referidas no facto provado n.º 3. Nestas condições particulares consta, entre outras menções, que o contrato de seguro é estabelecido “segundo as Condições Gerais aplicáveis e com base nas declarações prestadas na Proposta. (...)”.
Por outra parte, não se provou que as condições gerais com a referência “WEBDOC RCP 05.09” oferecidas com a petição inicial sob o doc. 3 e constantes de fls. 7 a 15 vigorassem em dezembro de 2008, nem que tenham vigorado entre 1 de maio de 2009 e 11 de janeiro de 2012, ou que tivessem sido enviadas pela autora à ré.
Também não se provou que a autora tenha recebido do seu mediador as condições gerais referidas no facto provado n.º 16) (as juntas pela ré com a sua contestação) e também não se provou que estas tenham vigorado entre 1 de novembro de 2007 e 31 de dezembro de 2008, mas também não se provou que não estivessem em vigor em Dezembro de 2008.
Importa, todavia, salientar que desta ausência de prova não se podem retirar as conclusões que a apelante invoca, nomeadamente, nos artigos 32.º a 34.º da sua alegação.
É que dizer-se que, não se provou que o mediador de seguros entregou em 17-12-2008 as condições gerais juntas pela ré na sua contestação ou que não se fez prova de que a autora tenha recebido tais condições gerais do mediador (cfr. alíneas k) e l) dos factos não provados) não permite inferir a demonstração probatória da não entrega.
É que, “um facto não provado não se confunde com um facto negativo, não se podendo extrair da factualidade não provada que esteja assente o facto negativo que lhe seja simétrico” (assim, entre outros, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11-04-2019, processo 9477/16.1BCLSB, relatora TÂNIA MEIRELES DA CUNHA).
Na realidade, a inclusão de um determinado facto no rol dos factos não provados apenas permite assumir que o mesmo não se comprovou, sem que daí se possa inferir algum valor positivo para a demonstração de outra factualidade e, nessa medida, como se afirmou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-03-2019 (Processo 19813/16.5T8LSB.L1-7, relatora MICAELA SOUSA), “não pode haver contradição entre uma resposta negativa e uma positiva, na medida em que a primeira nada afirma, limitando-se a ser uma “não existência”, não afirmando a realidade contrária ao perguntado”.
Assim, ao contrário do que preconiza a autora, o Tribunal a quo não referiu entender que a ré não logrou provar a entrega das condições gerais juntas com a contestação, mas apenas que, não se provou o que consta referido nas alíneas k) e l) dos factos não provados.
Ora, sucede que, não se logrou demonstrar alguma factualidade relevante no sentido de que não foi observado quanto à autora o dever de comunicação que impedia sobre a ré a respeito das cláusulas contratuais gerais do seguro dos autos e, nomeadamente, do seu teor.
E não pode esquecer-se que, conforme se assinalou no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 26-10-2017 (processo 838/15.4T8VRL.G1, relator JOSÉ CRAVO), “num contrato de seguro, enquanto contrato de adesão, cabe ao destinatário da cláusula que pretende afastá-la, ou a quem beneficia desse afastamento, o ónus de alegação, competindo ao predisponente, face a tal alegação, alegar e provar o efectivo cumprimento dos deveres de comunicação e informação”.
No caso, a autora, na “resposta” que apresentou nos autos, em 31-08-2018 apenas invocou o seguinte:
“14. As condições gerais da apólice de seguro junta aos autos pela Ré, sob doc. 1 da sua contestação não são verdadeiras, porquanto não são as que estavam em vigor à data dos factos, aliás como pode ser comprovado pela referência inserta no documento lateralmente “WEBDOC RCGP 11.07”, atestando que se trata de um documento emitido em 07/2011, ou seja, data posterior à dos factos, e,
15. tanto assim é que a aqui Ré juntou o documento em vigor e que lhe foi enviado pela Ré, sob Doc. 1 da sua petição inicial, o qual como se pode observar tem a inscrição lateral “WEBDOC RCP 05.09”, documento esse que terá sido emitido em 09/2005, compatível com a celebração da apólice em vigor à data do sinistro”.
Sucede que, como se viu, efectuado o julgamento apurou-se que as condições gerais do contrato de seguro com a referência “WEBDOC RCGP 11.07”, juntas com a contestação sob doc. 1 – fls. 66vº a 70 – foram pré-elaboradas pela ré e as mesmas vigoravam aquando do início do seguro (26 de dezembro de 2008).
Assim, muito embora não se tenha provado que o mediador da autora tenha feito chegar a esta as condições gerais do seguro, não se apurou qualquer outra factualidade que permitisse concluir por uma exclusão do referido clausulado, sendo certo que, se apurou o concreto envio das condições particulares, nas quais se faz referência a que o seguro se rege, também, por condições gerais, sendo estas as que se encontravam em vigor na data da celebração do seguro (as juntas pela ré na sua contestação) e, nessa medida, são plenamente vigentes e aplicáveis ao seguro dos autos.
Por outro lado, sublinhe-se que, a pronúncia da autora sobre esta questão assentou, tão-só, no facto de que, em seu entender, as condições gerais em vigor serem outras que não as juntas pela ré com a contestação, mas a autora, em momento algum, afirmou não ter recebido tais condições (as juntas pela ré com a contestação), limitando-se a afirmar que a ré lhe enviou as condições que juntou com a petição inicial.
Assim sendo, como se assinalou, não existe qualquer facto que permita concluir pela exclusão de consideração do clausulado junto pela ré com a sua contestação, não estando a vigência e aplicabilidade das condições gerais correspondentes afectada de alguma forma.
*
B) Se ocorre omissão de pronúncia sobre a exclusão de responsabilidade da ré, por força do artigo 4º nº 2 das condições gerais, donde consta que “(…) não ficam garantidos (…) d) danos causados a terceiros por fogo, explosão, fumo e água e) danos causados a terceiro por incêndio”?
Alegou ainda a apelante que o Tribunal não se pronunciou, como deveria, sobre a exclusão de responsabilidade da ré relativamente ao seguro dos autos, ou seja, se se verifica, ou não, uma circunstância que determine a não “cobertura” pela ré do sinistro verificado.
A alegação da autora é a seguinte:
“QUANTO À OMISSÃO DE PRONUNCIA SOBRE AS EXCLUSÕES CONTRATUAIS DESIGNADAMENTE O RISCO DE INCÊNDIO
36º Na sua contestação, a Ré levanta a questão de que a sua responsabilidade estaria excluída por força do artigo 4º nº2 das clausulas contratuais gerais que junta donde que consta que “ (…) não ficam garantidos (…) d) danos causados a terceiros por fogo, explosão, fumo e água e) danos causados a terceiro por incêndio”
37º Ora, o contrato de seguro é um contrato bilateral, de execução continuada, aleatório e de adesão, pelo qual uma das partes se obriga a cobrir um risco e, no caso da sua concretização, a indemnizar o segurado pelos prejuízos sofridos.
38º Ocorrido um sinistro, há, no caso de dúvida sobre se o mesmo integra o risco, que precisar o verdadeiro objeto do contrato outorgado, com recurso, nomeadamente, às regras de interpretação do negócio jurídico fixadas nos art.ºs 236º, n.º 1 e 238º, n.º 1, do CC, podendo o intérprete socorrer-se de outros elementos interpretativos que não a apólice, sendo que limitar a análise do contrato de seguro à apólice seria denegar proteção à parte mais fraca.
39º As cláusulas constantes das condições especiais da apólice de seguro estão sujeitas ao regime das cláusulas contratuais gerais, previsto no DL 446/85, de 25/10.
40º Por desvirtuar e esvaziar consideravelmente o conteúdo do contrato de seguro e beneficiar, desmedida e injustificadamente, a posição contratual da seguradora, pondo em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato, não é permitida (devendo ser declarada nula), num contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo da manutenção industrial e reparação de equipamentos para a indústria, a cláusula alegadamente inserta nas “condições especiais” que exclua da respetiva cobertura/garantia os danos decorrentes de danos causados por fogo, explosão, incêndio, fumo e água. Neste sentido o Ac. Relação Coimbra de 30.06.2015 – Processo 20/10.7BPPSC1
41º A Meritíssima Juiz, deixou de se pronunciar sobre questões ou pretensões que devia apreciar e cuja apreciação lhe foi colocada.
42º E note-se que a expressão «questões» prende-se com as pretensões que os litigantes submetem à apreciação do tribunal e as respetivas causas de pedir e não se confunde com as razões (de facto ou de direito), os argumentos, os fundamentos, os motivos, os juízos de valor ou os pressupostos em que as partes fundam a sua posição na controvérsia”.
A ré contra-alegou o seguinte:
“A conclusão Z) dessa alegação, onde a A. diz que “…, sempre a Meritíssima Juiz se deveria pronunciar relativamente à exceção contratual de incêndio ou fogo levantada em sede de contestação pela Ré, o que não fez”, é desprovida de fundamento, pois o conhecimento das exclusões previstas no art. 4º/2 d) e e) das condições gerais de fls. 66v. a 70 ficou prejudicado pela solução dada ao litígio pelo tribunal “a quo”. Com efeito, tendo o tribunal “a quo” entendido, e bem, que a A. não provara a sua responsabilidade pelo incêndio, o mesmo é dizer a verificação do risco garantido pela apólice de seguro (risco esse consistente na eclosão de um sinistro causado culposamente pela R. no exercício da sua actividade), não faria sentido esse tribunal conhecer da questão das invocadas exclusões contratuais, que pressupõem, naturalmente, a prova prévia pela A. da verificação daquele risco, ou seja, de um sinistro enquadrável no objecto da apólice”.
Vejamos:
Na sentença recorrida considerou-se que “nos termos em que a autora configura a presente ação, a questão sub judice consiste em apreciar e decidir sobre a existência do direito da autora, segurada da ré, fundado na cobertura de danos inserta em contrato de seguro de responsabilidade civil, na sequência da verificação de risco seguro”.
Depois de enquadrar a relação jurídica do seguro, apreciando a sua natureza, o Tribunal a quo conclui que “foi celebrado entre as partes um contrato de seguro de responsabilidade civil, titulado pela apólice n.º …, pelo prazo de um ano e seguintes, com início em 26 de dezembro de 2008, mediante o qual a ré assumiu a responsabilidade civil extracontratual da autora decorrente do exercício da sua atividade de manutenção de equipamentos industriais, até ao limite de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), com a franquia de 10% da indemnização a pagar, no valor mínimo de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros)”.
Depois de passar em revista os pressupostos da responsabilidade civil e do direito de indemnização, refere-se na sentença recorrida, acertadamente, que “só a reunião de todos estes pressupostos poderá constituir o lesante e, por via do contrato de seguro, a ré seguradora, na obrigação de indemnizar o lesado, apenas assim surgindo o correspondente direito de crédito deste último à indemnização”, sendo que, à autora caberia a alegação e o ónus da prova dos factos constitutivos do direito por si invocado e à ré a alegação e o ónus da prova da verificação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado.
O Tribunal a quo conclui que “da análise da factualidade apurada é de concluir que a autora não logrou provar, de forma cabal, segura e inequívoca, os factos constitutivos do direito por si invocado, designadamente, nem a ocorrência de um sinistro contemplado no âmbito de cobertura da apólice de seguro em 19 de junho de 2010, nem os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual previstos nos artigos 483º e seguintes do Código Civil, maxime, a existência de um facto ilícito, culposo e danoso decorrente do exercício da sua atividade de manutenção de equipamentos industriais (…)”.
Ora, esta conclusão não merece censura face ao elenco de factos apurados.
De facto, apurou-se que no âmbito da sua atividade, à autora foi adjudicada pela sociedade Real Bolo, Lda, sua cliente, uma empreitada de desmontagem do telhado da estufa de fermentação, montagem de uma estrutura de suporte em cantoneira de inox 304 30x30 e montagem de uma cobertura em chapa de Polycarbonato 25, na sequência da proposta apresentada pela autora em 5 de junho de 2010 e, em 16-07-2010, quando a autora já se encontrava a arrumar o material para dar como encerrados os trabalhos, deflagrou um incêndio na zona onde estes tinham estado a decorrer e do qual resultaram vários danos.
Contudo, como se viu, o risco que a autora tinha transferido para a ré era a sua “responsabilidade civil geral extracontratual” decorrente do exercício da sua atividade de manutenção de equipamentos industriais, até ao limite de € 50 000,00 (cinquenta mil euros), sendo que os danos a considerar, para efeitos do contrato de seguro, são os “Prejuízos indemnizáveis com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, exclusivamente decorrentes de lesões corporais e/ou materiais.”.
Nos termos do n.º 1 do artigo 138.º da Lei do Contrato de Seguro (D.L. n.º 72/2008, de 16 de Abril), “o seguro de responsabilidade civil garante a obrigação de indemnizar, nos termos acordados, até ao montante do capital seguro por sinistro, por período de vigência do contrato ou por lesado”.
Ora, como refere a ré, de acordo com a descrição factual enunciada pela autora na sua petição inicial e na acção referida no ponto 9 dos factos provados verifica-se que a responsabilidade que a autora tivesse para com a cliente “Realbolo” adviria do cumprimento defeituoso de deveres atinentes à empreitada contratada.
Tal não seria, por si só, impeditivo do enquadramento do sinistro no seguro, pois, como se entendeu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31-01-2019 (processo 3843/15.7T8CSC.L1.S1, relatora MARIA DA GRAÇA TRIGO) “na medida em que o objecto do contrato de seguro dos autos respeita à “responsabilidade civil extracontratual, imputável ao segurado (…) no exercício da exploração da sua actividade”, ocorrendo (…) concurso de responsabilidade civil, contratual e extracontratual, deve considerar-se tal evento abrangido pelo contrato de seguro”.
Todavia, certo é que, apesar de tudo e independentemente deste aspecto, o que se verifica é que, efectuado o julgamento, não logrou a autora demonstrar, como lhe competiria, que o sinistro dos autos teve efectivo enquadramento no âmbito da responsabilidade civil extracontratual da autora, a única que se encontrava transferida para a ré por via do seguro dos autos.
Esse ónus incumbia-lhe, em conformidade com o disposto no n.º 1 do artigo 342.º do CC.
Nada se sabe, de concludente, sobre o sinistro e suas concretas causas, sendo que, como se assinala no relatório do sinistro, podem elas ser de diversa índole e, serem, nomeadamente, alheias à autora (v.g. cabos eléctricos que se encontravam pendurados e alguns colocados no chão enrolados entre si, etc), sabendo-se que, de todo o modo, e em qualquer caso, se encontra excluída de cobertura a situação de “incêndio”, tal como decorre do artigo 4.º das condições gerais do contrato de seguro dos autos.
Caberia à autora a demonstração de que o sinistro verificado faria gerar o acionamento das garantias conferidas pelo seguro que contratou com a ré, o que, todavia, no caso, não ocorreu.
Ora, “no âmbito de uma ação em que se pretenda a indemnização pelos danos resultantes de um sinistro coberto por contrato de seguro, incumbe ao segurado o ónus de provar, além da ocorrência e circunstâncias do sinistro, a consequente perda ou dano dos bens segurados, como factos constitutivos que são do direito invocado, nos termos do art.º 342.º, n.º 1, do CC e como decorre, de resto, do artigo 100.º, n.º 2 e 3, do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Dec.-Lei n.º 72/2008, de 16-04” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-2017, processo 5232/13.9TBMTS.P1.S1, relator TOMÉ GOMES).
Assim, não estando demonstrados os pressupostos de responsabilização da autora pelo acidente dos autos – quer fosse por responsabilidade por factos ilícitos ou pelo risco - , não se encontra demonstrado, igualmente, o enquadramento inicial do tipo de responsabilidade segurada pela ré.
Nessa medida, prejudicado fica o conhecimento de quaisquer outros factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela autora.
De facto, “estando certa questão prejudicada por solução já dada pelo tribunal, deixa de ser obrigatória a pronúncia sobre tal questão” (assim, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09-05-2019, processo 9036/09.5T2SNT.L1.S1, relator OLINDO GERALDES).
Entre esses factos – impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado pela autora - encontravam-se os atinentes à verificação de condições de exclusão contratuais de cobertura do seguro dos autos, previstas no art. 4º/2 d) e e) das condições gerais de fls. 66v. a 70 (invocada pela ré, como excepção, na sua contestação), questão cuja apreciação ficou assim prejudicada pela apreciação liminar efectuada pelo Tribunal recorrido.
Assim, não tendo o Tribunal recorrido que conhecer da questão da existência de situação de exclusão contratual de cobertura, não merece qualquer censura o não conhecimento de tal questão, não se vislumbrando qualquer omissão de pronúncia no decidido.
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C) Se o artigo 4.º, n.º 2, als. d) e e) das condições gerais é inválido?
Por fim a apelante considera que o artigo 4.º, n.º 2, als. d) e e) das condições gerais do seguro dos autos se encontra ferido de invalidade, sendo nulas as disposições correspondentes.
Concluiu, nomeadamente, o seguinte:
“AB) Ora, sendo que no contrato de seguro a seguradora, ora recorrida, se obriga a cobrir um risco, ocorrido o sinistro, há, no caso de dúvida sobre se o mesmo integra o risco, que precisar o verdadeiro objeto do contrato outorgado, com recurso, nomeadamente, às regras de interpretação do negócio jurídico fixadas nos art.ºs 236º, n.º 1 e 238º, n.º 1, do CC, podendo o intérprete socorrer-se de outros elementos interpretativos que não a apólice, sendo que limitar a análise do contrato de seguro à apólice seria denegar proteção à parte mais fraca.
AC) Por desvirtuar e esvaziar consideravelmente o conteúdo do contrato de seguro e beneficiar, desmedida e injustificadamente, a posição contratual da seguradora, pondo em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato, não é permitida (devendo ser declarada nula), num contrato de seguro de responsabilidade civil do ramo da manutenção industrial e reparação de equipamentos para a indústria, a cláusula alegadamente inserta nas “condições especiais” que exclua da respetiva cobertura/garantia os danos decorrentes de danos causados por fogo, explosão, incêndio, fumo e água. Neste sentido o Ac. Relação Coimbra de 30.06.2015 – Processo 20/10.7BPPSC1 (…)”.
AH) Admitir a exceção contratual invocada pela R. sempre levaria a um esvaziamento do objecto do seguro celebrado com a A. e potencialmente a um efectivo “não seguro” sem que nomeadamente os elementos disponíveis atinentes às circunstâncias da celebração do contrato relatadas pelos legais representantes da A. e às características da actividade desta, apontem para a pretendida restrição/exclusão da cobertura de incêndio”
Em suma, temos pois que:(…) considerar uma exclusão da cobertura de incêndio para uma actividade do ramo da manutenção industrial e reparação de equipamentos para a indústria onde a iminência de fogo representa cerca de 80% do seu trabalho, seria desvirtuar e esvaziar consideravelmente o conteúdo do contrato de seguro e beneficiar, desmedida e injustificadamente, a posição contratual da seguradora, pondo em perigo a finalidade visada com a celebração do contrato, o que levaria a um esvaziamento do objecto do seguro celebrado com a A. e potencialmente a um efectivo não seguro”.
Ora, muito embora não se possa esquecer que estamos perante um seguro de cariz facultativo, o que não poderia deixar de repousar no espírito do interprete que analisasse uma tal estipulação, certo é que, tendo em conta as considerações expendidas na precedente questão, verifica-se que também esta questão, a da nulidade do artigo 4.º, n.º 2, als. d) e e) das condições gerais do seguro dos autos, se encontra prejudicada na sua apreciação.
É que só faria sentido conhecer da validade ou da invalidade de uma tal cláusula, caso se concluísse que o sinistro dos autos se encontrava enquadrado nas garantias do seguro dos autos, ou seja, se se concluísse que o mesmo teria tido como causa a responsabilidade civil extracontratual da autora, o que, como se viu, não sucedeu.
Assim, mostra-se prejudicado o conhecimento desta questão e, em consequência, a apelação deverá ser julgada integralmente improcedente.
*
IV) Ampliação do objecto da apelação requerida pela apelada, nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do CPC, a título subsidiário (para a hipótese de procedência da apelação):
D) Se deve ser alterada a redação do n.º 15 dos factos provados para: “A ré, através do seu mandatário, recusou a regularização do sinistro.” ou, em alternativa, “A ré, através do seu mandatário, declinou o pagamento à autora do capital seguro indicado no nº 2.”?
E) Se a matéria constante da alínea i) dos factos não provados deve transitar para os factos provados, aditando-se a estes um novo número com a seguinte redacção: “A autora recorreu aos serviços de um mediador de seguros para obter informações e se aconselhar sobre o seguro a contratar.”?
F) Se deve ser aditado aos factos provados que: “O mediador de seguros que interveio na contratação do seguro não tinha poderes de representação da R..”, facto este que é complementar ou concretizador do alegado no art. 24º da contestação e, como tal, pode ser considerado pelo julgador, nos termos do art. 5º/2 a) e b) do CPC?
G) Se devem ser eliminadas as alíneas k) e l) dos factos não provados e incluir nos factos provados que: “Em Dezembro de 2008, aquando da subscrição da proposta de seguro, o mediador de seguros entregou à A. as condições gerais de fls. 66v. a 70.”.?
H) Se deve ser aditado aos factos provados a seguinte factualidade: “A R. disponibiliza aos mediadores de seguros, no portal a eles destinado, as condições gerais (das apólices) vigentes, mas não as que deixaram de vigorar.”, por ser instrumental, ou complementar ou concretizador, da factualidade alegada nos arts. 27º a 32º da contestação, pode ser considerado pelo julgador, nos termos do art. 5º/2 a) e b) do CPC?
I) Se deve ser alterada a redação do ponto 25 dos factos provados para a seguinte: “Do relatório de sinistro, elaborado pelo perito nomeado pela R., na sequência da tomada de declarações aos representantes legais da A., oferecido com a contestação sob doc. 4 e constante de fls. 72 a 74 frente, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, consta, além do mais, seguinte: …”?
J) Se devem ser aditados aos factos provados os factos i) a iv), relativamente ao alegado no art. 38º da contestação, e os factos i) a ix), quanto ao alegado no art. 41º do mesmo articulado?
Apenas tem legitimidade para recorrer a parte principal que tenha ficado vencida. Se a parte dispositiva da sentença contiver decisões distintas é lícito ao recorrente restringir o recurso a qualquer delas e, no caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação.
Nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do CPC, pode ainda o recorrido, na respetiva alegação, a título subsidiário, arguir nulidade da sentença ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, para a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
Ora, de facto, vem a ré, nas suas contra-alegações ampliar o objecto da apelação, nos termos do artigo 636.º, n.º 2, do CPC, a título subsidiário (para a hipótese de procedência da apelação).
Conforme se decidiu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 07-02-2019 (processo 19391/15.2T8LSB.L1-2, relatora GABRIELA CUNHA RODRIGUES): “I - Há que destrinçar claramente o recurso subordinado (artigo 633.º do CPC), o qual implica que a parte ficou vencida em relação ao resultado declarado na sentença, da ampliação do objeto do recurso (artigo 636.º do mesmo diploma), que pressupõe apenas que o fundamento ou os fundamentos invocados para escorar a decisão favorável não foram acolhidos. II - A diversidade de pressupostos e de finalidades leva a que não se possam ser qualificadas como recurso subordinado as alegações complementares apresentadas pela Recorrida segundo o disposto no artigo 636.º.”.
Na realidade, “a ampliação do âmbito do recurso pelo recorrido só é permitida nos exactos termos do art.º 636.º, n.º s 1 e 2, do CPC, prevenindo a hipótese de o recurso interposto pelo recorrente poder ser julgado procedente, e não para impugnar o sentido da decisão na parte em que ficou vencido para o que é necessária a interposição de recurso independente ou subordinado, como previsto no art.º 633.º do mesmo Código” (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-11-2016, processo 2194/13.6TBPNF.P1, relator CURA MARIANO).
No caso, importa sublinhar que, tendo a decisão do Tribunal recorrido julgado integralmente improcedente a acção, não se verificava motivo para recurso subordinado, nem esse foi – diga-se - o desiderato da ré ao contra-alegar.
A ampliação do âmbito do recurso permite ao recorrido introduzir no recurso matérias não trazidas à instância recursiva por parte do recorrente, prevenindo a hipótese do tribunal de recurso aderir in totum aos fundamentos apresentados pelo recorrente (assim, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-10-2017, processo 1891/15.6T8FAR.E1, relator MÁRIO COELHO).
Ora, como se viu, tendo presentes as considerações supra expendidas, não foi isso que sucedeu relativamente à apelação da autora, uma vez que se considerou improcedente a impugnação da matéria de facto arguida, bem como, o mérito da apelação deduzida.
Assim sendo, e uma vez que apenas faria sentido apreciar a ampliação do recurso para a hipótese de o recurso dever proceder, não se encontram verificados os pressupostos que determinariam o conhecimento da matéria da ampliação.
De acordo com o exposto, conclui-se mostrar-se prejudicada a apreciação da mencionada ampliação do recurso, deduzida pela ré.
*
Em conformidade com o exposto, haverá que julgar improcedente a apelação da autora, julgando-se prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso requerido pela ré.
A apelante - atento o seu integral decaimento – suportará a responsabilidade tributária do recurso interposto – cfr. artigo 527.º do CPC.
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5. Decisão:
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Cível, em julgar improcedente a apelação e julgar prejudicado o conhecimento da ampliação do recurso.
Custas da apelação pela autora/apelante.
Notifique e registe.
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Lisboa, 19 de Dezembro de 2019.
Carlos Castelo Branco
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa
Magda Espinho Geraldes