Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
Processo: |
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Relator: | ANTÓNIO VALENTE | ||
Descritores: | DIVÓRCIO BENEFÍCIO EM CONSIDERAÇÃO DO ESTADO DE CASADO | ||
Data do Acordão: | 07/07/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
Sumário: | - Tendo o Autor, no decurso do casamento com a Ré, em regime de separação de bens, adquirido um imóvel com vista à habitação própria e permanente do agregado familiar, e tendo o mesmo Autor admitido que a Ré outorgasse com ele a escritura de compra e venda, enquanto compradora, apesar de todos os encargos com o preço e demais encargos da aquisição terem sido exclusivamente suportados pelo Autor marido, há que entender estarmos perante um benefício para a Ré mulher concedido em consideração do estado de casados. - Ocorrendo o divórcio, posteriormente à entrada em vigor da Lei nº 61/2008 de 31/10, é lícito ao Autor peticionar o pagamento pela Ré de metade das despesas que teve com a aquisição do imóvel, nos termos do art. 1791º nº 1 do Código Civil. (sumário elaborado pelo relator) | ||
Decisão Texto Parcial: | |||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
O Autor J... intentou a presente ação declarativa de condenação peticionando que seja reconhecido o enriquecimento sem causa da Ré A… à sua custa e que seja a mesma condenada a pagar-lhe € 135.843,94 ou, subsidiariamente, que seja reconhecida a nulidade da doação entre casados celebrada entre ambos, condenando-se a Ré a restituir-lhe € 135.843,94 em consequência dessa mesma nulidade, ou, subsidiariamente ainda, que seja reconhecida a perda do benefício de € 135.843,94 obtido pela Ré em virtude do casamento desta com o Autor, sendo ordenada a sua restituição. Para o efeito alegou, em síntese, que: Casou com a Ré em 05.06.2004 no regime de separação de bens, estando pendente ação de divórcio; Na pendência do casamento, adquiriu um imóvel, para o que pagou, para além do preço, no montante de € 256.500,00, a quantia de € 1.805,00 relativo a opções de acabamento do imóvel, a quantia de € 1.139,69 relativos a juros, € 9.677,50 pelo pagamento de IMT, € 2.565,70 relativos a imposto de selo, honorários notariais e despesas com conservatória; No entanto, a escritura pública de aquisição do imóvel foi também outorgada pela Ré, na qualidade compradora juntamente com o Autor, e a propriedade do imóvel foi registada também a ser favor, apesar de não ter suportado qualquer custo relativo à aquisição do imóvel, o que sucedeu apenas em virtude da chantagem psicológica e emocional a que sujeitou o Autor, obtendo assim uma atribuição patrimonial indevida, um benefício ilegítimo justificado apenas pelo facto de estar casada com o Autor e ser projetada a continuação da vida em comum. A Ré contestou, impugnando parcialmente os factos alegados pelo Autor, alegando que o mesmo bem sabia que a mesma não tinha capacidade económica para adquirir um imóvel quando outorgou a escritura e que a mesma não lhe ficava devedora de qualquer quantia por esse facto, considerando no entanto que não existiu qualquer doação e tão pouco que esteja enriquecida em detrimento do Autor, alegando ainda que este apenas aceitou que a mesma outorgasse a escritura pública de aquisição do imóvel na qualidade de compradora para a compensar pelo auxilio que lhe proporcionou para ultrapassar um problema de disfunção erétil e por lhe ter dado estabilidade pessoal e familiar e lhe ter proporcionado a paternidade. Deduziu ainda pedido reconvencional peticionando a condenação do Autor a restituir-lhe o montante de € 34.501,06 e juros de mora à taxa legal desde a notificação da reconvenção e que, caso a ação proceda, seja admitida a compensação do crédito do Autor com o da Ré, este no valor de € 129.402,59 e juros de mora à taxa legal desde a notificação da contestação ou, caso a ação improceda, seja também condenado a pagar-lhe o montante de € 129.402,59 e juros de mora à taxa legal desde a notificação da reconvenção. Para o efeito alegou, em síntese e no que releva, ter transferido para contas do Autor € 34.501,06 para que ele o aplicasse e obtivesse proveitos e depois restituísse, o que não fez, e que ela contribuiu de modo excessivo para os encargos da vida familiar, já que ela suportou 75% desses encargos (no valor de € 166.384,26) enquanto o Autor apenas suportou 25%, quando, sendo as possibilidades económicas do Autor quatro vezes superiores às suas, ela apenas deveria suportar 1/6 do total das despesas, ou seja, € 36.981,67, e que assim consumiu nos encargos da vida familiar a quase totalidade dos rendimentos que auferiu enquanto viveu matrimonialmente com o Autor, nada despendendo em proveito próprio. Contabilizou aqueles que considera terem sido as despesas familiares que suportou, mensalmente, entre Maio de 2005 e Maio de 2013. O Autor replicou, impugnando de forma motivada a factualidade alegada pela Ré em sede de pedido reconvenciona1, alegando e enumerando várias despesas que alega ter suportado e várias transferências de dinheiro para a conta da Ré, concluindo pela improcedência dos pedidos reconvencionais. O processo seguiu os seus termos, realizando-se jukgamento e vindo a ser proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 135.843,94, julgando a reconvenção improcedente e dela absolvendo o Autor. Foram dados como provados os seguintes factos: 1) O Autor e Ré casaram em 05.06.2004, no regime da separação de bens, decidido por ambos em convenção antenupcial; 2) No dia 29.09.2006 foi celebrada escritura pública mediante a qual a G... S.A, em representação da "F...", declarou vender, e o Autor e a Ré declararam comprar, pelo preço total de € 256.500,00, já pago: a) a fração autónoma designada pela letra "v", correspondente ao Terceiro E, Bloco B, para habitação, com a arrecadação vinte oito e os estacionamentos setenta e quatro e setenta e cinco, no piso menos um, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal designado por Lote Quatro, sito em Carnaxide, na Quinta de Alfragide de Cima e Casal do Canas, freguesia de Carnaxide, concelho de Oeiras, descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o nº 6530, e inscrição matricial P11165, pelo preço de € 249.800,00, destinada à habitação própria e permanente do Autor e da Ré; b) 6,7 mil avos indivisos do prédio Urbano designado por Lote 8, sito em Carnaxide, na Quinta de Alfragide de Cima e Casal do Canas, freguesia de Camaxide, concelho de Oeiras, composto de edifício destinado a serviços, com um piso, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras, sob o nº 6534, e inscrição matricial P11167, pelo preço de € 6.700,00; 3) A referida escritura foi antecedida de contrato-promessa, outorgado em 13.12.2004, pelo Autor, em nome próprio e sem intervenção da Ré, e pela sociedade "F...", mediante o qual o Autor prometia comprar e a referida sociedade prometia vender a fração e os avos indivisos referidos na aludida escritura pública, pelo preço de € 256.500,00, aí sendo definidas condições e prazos de pagamento; 4) A propriedade da fração autónoma e dos 6,7 mil avos indivisos referidos em 2) encontra-se registada junto da 2.a Conservatória do Registo Predial de Oeiras a favor do Autor e da Ré em compropriedade de partes iguais; 5) Para além de ter suportado a expensas suas, entre a data da celebração do contrato-promessa e o dia da celebração da escritura, o pagamento da totalidade do preço de aquisição da fração e dos avos indivisos referidos em 2), no montante de € 256.500,00, o Autor suportou ainda, também a expensas suas, o pagamento das seguintes quantias: - € 1.805,00 relativos a opções de acabamento no imóvel; - € 1.139,69 a título de juros; - € 4.838,75 relativo a IMT pela parte de 50% cuja propriedade ficou a seu favor declarada; - € 4.838,75 relativo a IMT pela parte de 50% cuja propriedade ficou declarada a favor da Ré; - € 2.565,70, relativos a custos de formalização do negócio, respetivamente, a € 2.082,00 de imposto de selo, € 392,31 de honorários notariais, e € 9,00 relativos a despesas com a Conservatória dos Registos Centrais; 6) A Ré não suportou ou comparticipou o pagamento de qualquer das quantias referidas em 5); 7) O Autor aceitou que a Ré outorgasse a escritura referida em 2) na qualidade de compradora do imóvel e, consequentemente, que o direito de propriedade sobre os bens aí adquiridos fosse também registado em nome da Ré, no pressuposto da continuidade da vida em comum que faziam enquanto casados; 8) Por sentença proferida em 14.07.2014 foi decretado o divórcio entre Autor e Ré, aí se declarando que, para efeitos do divórcio, a cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges, retroage à data de 23.05.2013; 9) Do casamento entre a Ré e o Autor existem 2 filhos: M..., nascida em 1 de Abril de 2005, e N..., nascido em 22 de Junho de 2007; 10) A Ré é licenciada em Medicina Veterinária; 11) O Autor é licenciado em Engenharia Mecânica; 12) O Autor foi titular de um fundo no estrangeiro sob gestão de G..., que, à data de 15.02.2013, tinham o valor de € 26.253,02. Inconformada, recorre a Ré, concluindo que: - O A. alegou em 41 ° da petição inicial que "A R. não possuía, sequer, capacidade económica para adquirir qualquer um dos imóveis" e a R. em 13° da contestação aceitou este facto e alegou em 14° Situação essa que o A. então bem conhecia e em 15° que E foi nessa plena consciência que o A. outorgou com a ré e o F... a escritura de 29-9-2006. - Nos arts. 61°, 62° e 76° da petição o A. alegou os factos essenciais - que a R. aceitou - de que não existiu doação, de que não existiu da sua parte animus donandi. Pois, 25° A R. aceita a afirmação do A. (76°) de que não ocorreu uma doação entre as partes. 26° O A. nada quis doar à ré. 27° O A. nada doou à R .. 28° A R. não quis aceitar doação do A. 29° A R. não aceitou doação do A. 30° O A. não prestou à R € 135.843.94.31° O A. não entregou à R. € 135.843,94.32° A R. não recebeu do A. € 135.843,94. - A R. não acordou nenhum preço com o F.... - Em 13-12-2004 a R. não devia ao F... € 38.475,00 nem outra quantia. - Em 13-6-2005 a R. não devia ao F... € 38.475,00 nem outra quantia. - Em 9-12-05 a ré não devia € 8.475,00 ao F... nem outra quantia e em 13-12-05 não lhe devia € 30.000,00 nem outra quantia. - A R. não devia ao F... os montantes referidos no art. 24° da p.i. nem parte deles em 12 e 13-6-06. - No acto da escritura pública de 29-9-2006 a R. nada devia ao F... - Nem nada lhe devia nem deve antes dessa data nem posteriormente a ela. - A R. também nada devia ao FlMES UM em 29-6-2006 nem em 27-9-2006. - A ré não acordou com o F... opções de acabamento relativas à construção do imóvel. - Nem nenhum valor delas. - Nem lhe devia quaisquer juros em 27-9-2006 ou noutra data. - A cessação da vida em comum foi causada por actos praticados pelo A. - Foi o A. que impediu com tais actos a continuação da vida em comum. - O A. não impugnou os factos de que a cessação da vida em comum foi causada por actos praticados pelo A. e que foi o A. que impediu com tais actos a continuação da vida em comum (arts. 23° e 24° da contestação). - Tais factos essenciais da causa, agora atrás citados, devem ser discriminados na matéria de facto apurada na causa à qual a sentença indica, interpreta e aplica as normas jurídicas correspondentes. Não o tendo feito a douta sentença apelada violou o disposto no art. 607° do CPC. Acrescem ainda os seguintes: - Factos da contestação pertinentes à acção movida pelo A. que devem ser julgados provados: - A R. conheceu o A. em Agosto de 2002. - Em Agosto de 2003 passaram a viver juntos. - O A. sofria de disfunção eréctil. - Que interferiu vários anos com o seu bem estar. - Pois que o afectava psicológica e fisicamente e frustrava. - A A. ajudou-o a ultrapassar esse problema. - Designadamente, com muita paciência, amor, tacto, sensualidade e compreensão. - O que possibilitou ao A. ultrapassar esse problema. - De ter arrumado e organizado a sua vida. Proporcionando-lhe a vivência de uma vida plena e sexualmente satisfatória. - E a sua ambicionada vontade de ser pai. - Foi assim que em Setembro de 2006 A. e R. tinham a M... com 1 ano e meio e a R. ficou grávida do N... - Foi para compensar a R. daquilo que ela fez por ele, da estabilidade que lhe deu, de ter arrumado e organizado a sua vida, da família harmoniosa que a R. lhe proporcionou e deu, da paternidade que lhe concedeu, foi por tudo isso como retribuição por essa contribuição da R. que em 29-9-2009 o A quis que a R. ficasse comproprietária da casa. - Que o A em Setembro de 2006 quis compensar a A pelo que esta tinha feito por ele e pela vida dele pondo a casa em comum. - Tratou-se de retribuição à R. pelo que esta lhe tinha feito e proporcionado. - Nada tinha que ver com o futuro. - Só tinha que ver com os anos antecedentes de vida em comum. - Não tinha nenhuma ligação nem dependência nem condição de que no futuro continuariam juntos. - Tratou-se de o A recompensar a R. por haver assentado o A, ter arrumado a sua vida errática, tê-la estabilizado, ter resolvido o seu problema de saúde. - Até devido à preparação clínica da R. - Foi por tudo isso como retribuição por essa contribuição da R. que em 29-9-2009 o A quis que a R. ficasse comproprietária da casa. - Retribuição que a R. aceitou. - Pois pelo contrário foi ele que quis desse modo pagar uma dívida que reconhecia ter para com a R. - Era uma situação que na consciência do A não retrocederia. - Pois se tratou dum acto de reconhecimento do A e de contrapartida por aquilo que a R. nos anos precedentes tinha feito por ele. - Foi nesta consciência e neste querer pelas ditas razões que o A decidiu que a R. fosse comproprietária da casa e esta aceitou essa recompensa. - O A tinha plena consciência que os casamentos podem não ser perpétuos. - E fez depender a situação de compropriedade que estabeleceu tão só do período pretérito sem nenhuma dependência nem condição do que fosse o futuro do casamento. - Aquela solução proposta pelo A e aceita pela ré foi na vontade do A recompensa à ré pelo reconhecimento do que ela havia feito pela vida e pela saúde dele até esse momento. - O A fizera antes tentativas goradas de extinção da disfunção eréctil com outras mulheres. - Com exacerbação do seu mal estar gerado por essa condição. - Com a sexualidade e cuidados da R. o A. resolveu o problema de saúde e alcançou o bem estar, saúde e felicidade plenos. - Por a R. lhe ter resolvido o problema de impotência grave de que padecia. - Foi colhendo benefício da formação académica clínica da R. e do interesse e dedicação que esta lhe dedicou na resolução do problema de saúde de que sofria e tanta aflição, pânico e frustração lhe causavam que o A. concretizou essa contrapartida. - Após a separação do casal em 23-5-2013 o A devido a novas dificuldades já teve de recorrer à toma do medicamento Cialis (para tratamento da disfunção eréctil). - É pois de todo falso que a ré nada deu em troca de ser comproprietária. - A ré deu o que o A. entendeu e considerou bastante para lhe retribuir intencionalmente e compensar com a constituição da compropriedade. - Antes da escritura o A disse à ré ser a descrita a razão de assim se constituir a compropriedade. - Na ocasião o A expressou que esta sua intenção concretizada era de todo justa. - Tendo a ré com isso concordado e aceitou. - Não houve uma transmissão gratuita do A para a R pois que houve um correspectivo da parte desta. - Proporcionado ao A pelo resultado das capacidades da A desenvolvidas pela sua formação académica. - O A. recusou firmemente ter efectuado uma liberalidade, alegando que foi coagido. Portanto não teve vontade nem intenção nem espírito de liberalidade. A ré não recebeu do A. um bem de liberalidade. O A. negou-o firme e veementemente. Estamos completamente fora do âmbito art. 1791º. - Tanto a doutrina como a jurisprudência são unânimes na afirmação do âmbito da norma do artigo 1791º, n°1 do Código Civil identificando sempre nela as doações de terceiros, as doações entre esposados e entre côniuges e as deixas testamentárias. - É patente que nem o A. nem a R. agiram com intenção nem espírito de liberalidade. Desde que ambas as partes recusam terminantemente ter feito uma doação a solução teria de ser procurada fora do art. 1791 ° ou seja, não se verificam nem o A. provou "os factos que, segundo o direito substantivo aplicável são constitutivos da pretensão por ele formulada". Porque o art. 1791 ° prevê e exige de ambos uma intencionalidade e aceitação de liberalidade. Não houve animus donandi nem aceitação nem espírito de liberalidade. - Tudo, pois, contrariando peremptoriamente e recusando toda e qualquer intenção ou espírito de liberalidade. Não houve nenhuma intenção das partes de liberalidade. É sempre necessário apurar a intenção. O A. negou a intenção de liberalidade. À norma do art. 1791 ° preside um sentido um fundo de liberalidade que o A. sempre recusou e que de facto jamais existiu. E sendo assim não podemos estar no âmbito do 1791°. - Para se considerar que existe uma liberalidade necessário é ter o acto sido gerado com a autonomia de vontade livre e esclarecida de intenção e espírito de liberalidade. - A R. nega a intenção de liberalidade e indica a razão do acto. O A. alega que foi sujeito a coação moral - "chantagem psicológica e emocional" - por parte da R.. Que foi chantageado para continuar. O A. negou a intenção e o espírito de liberalidade. - O A. confessou nas suas declarações gravadas de 8-7-2015, min. 03:26 que tomou o remédio Cialis. Este medicamento é para tratar a disfunção eréctil, facto este ali também confessado pelo A.. Também não há razão alguma para desvalorizar os depoimentos das quatro testemunhas e as declarações da Ré acerca do problema de saúde do A. - Do facto de não se ter provado a alegada pelo A. "chantagem psicológica e emocional" e a sua cedência a ela não resulta provado o contrário, a intenção e o espírito de liberalidade. Bem pelo contrário, nemo liberalis esse praesumitur (o espírito de liberalidade não se presume). - O benefício previsto e regulado no art. 1791°/1 do Código Civil é uma liberalidade. Por conseguinte estamos dessa norma desenquadrados e o acto realizado não se inscreve na sua previsão e estatuição. - O art. 1791° trata de perda ou conservação, mas a ré não tem os € 135.853,94 para conservar (nem para perder). Para que tivesse que restituir era preciso que os tivesse recebido. É o próprio A. que alega que a Ré não os recebeu. - Não se apurou nem presume uma vontade livremente deliberada de generosidade, uma espontânea e genuína intenção de querer constituir um benefício a favor da Ré. - A R. não tinha nenhum comprometimento de pagar os € 135.853,94, nem com eles se podia comprometer: não os tinha, no que A. e R. estavam de acordo. A Ré não obteve do A. € 135.853,94 - A Ré não interveio de nenhum modo na formação e ajuste do preço da compra e venda que foi ajustado pelo A. e por ele pago, em nome próprio, antes de 29-9-2006 e que a Ré não pagaria. A ré não recebeu do A. dinheiro que lhe deva restituir. Não estamos no âmbito do art. 1791° e se estivéssemos o que esta norma prevê é a reversão ou a conservação do benefício e nem uma coisa nem a outra poderia operar quanto aos € 135.853,94: nem a ré os conserva (pois não os recebeu). Se o A. alega que não entregou à R. os € 135.853,94, que não os recebeu dele e alega que ela não os tinha e ela nos os tem não tem direito que ela lhos restitua. - A R. não obteve do A. os € 135.853,94 que não ingressaram no seu património nem nele eliminaram passivo. Não ocorreu uma deslocação dos € 135.853,94 do património do A. para o da R. A R. não devia os € 135.853,94, não os tinha, não os recebeu, não os perde ipso jure, nem os deve restituir e não os conserva, pois não os tem. Não pode a ré perder aquilo que nunca teve. - A douta sentença aplicou erradamente o disposto no art. 1791º do Código Civil pelo que deve ser revogada e ser julgado improcedente o pedido do A.. - O regime entrado em vigor em 1-12-2008 apenas se aplica aos benefícios obtidos a partir dessa data. Uma interpretação e aplicação diferente da acabada de referir do disposto no art. 1791º e no art. 9º da Lei n° 61/2008, de 31 de Outubro que fizesse perder os benefícios obtidos antes de 1-12-2008 por um cônjuge não declarado único ou principal culpado do divórcio feriria de inconstitucionalidade a norma do actual n° 1 do art. 1791º do Código Civil e a do art. 9º da Lei n° 61/2008, de 31 de Outubro por violação dos princípios constitucionais fundamentais da confiança e da protecção da segurança jurídicas. Se a norma actual do art. 1791º admitisse a interpretação e aplicação que produzisse a perda desse benefício ela violaria os referidos princípios fundamentais do direito constitucional. - A apelante pensa que a douta fundamentação da decisão da matéria de facto não tem razão nas considerações que faz acerca da fé e da credibilidade das testemunhas D. G…., Eng. C... e Dra A... - Mas está claro que a douta decisão está determinantemente influenciada por essa impressão e julgamento negativos sobre a fé e a credibilidade dessas três testemunhas. Que terá de ser aferida pela Relação na renovação desses três depoimentos, pois este é um caso flagrante em que a decisão de facto não pode determinar-se em tão sérias dúvidas acerca da fé e da credibilidade dos depoentes devido à importância e ao relevo das suas declarações - foram as únicas testemunhas do rol da Ré a depor - no apuramento de toda a matéria de facto desta causa. - Com os documentos juntos com a contestação e as respectivas notas, apontamentos e explicações que neles fez constar em trabalho acompanhado com sua mãe G... (arts. 380º e 381° do CCiv.) a R pretende provar, com extratos bancários, a veracidade do somatório de valores apresentados na sua contribuição para o agregado familiar, durante o casamento. - Esses documentos apresentados pela apelante nos autos, o depoimento e as declarações das partes Eng. J... e Dra A..., os depoimentos das testemunhas G..., C..., A..., M... e I... as regras de experiência e as presunções a delas extrair, indicados pela apelante a cada artigo cujos factos adiante indicados foram incorrectamente julgados impõem a alteração da douta decisão da 1a instância sobre a matéria de facto. Não é por o teor do depoimento ser colado à verdade alegada pela parte que lhe poderá ser retirada fé e credibilidade e ser desvalorizado ou desconsiderado. - As testemunhas depuseram e a Ré declarou com segurança, clareza e credibilidade esclarecendo e explicando como foram analisados os extractos, deles extraída a razão dos débitos e alegadas as respectivas despesas assim as demonstrando. - Estes meios de prova revelam um conteúdo incompatível com a douta decisão que a esses factos foi dada pela 1ª instância impondo a decisão de provado a esses factos incorrectamente julgados. - A apelante considera que os factos alegados na contestação e reconvenção foram incorrectamente julgados. Identificou nos fundamentos destas alegações a cada facto as passagens concretas da gravação, embora dada a globalidade da recusa de todos os factos pela 1a instância se lhe afigure indispensável a verificação neste recurso de todo o tempo das gravações invocadas. - Deve ser considerada - o que requer - a prova produzida nos autos acima indicada nestas alegações a cada um dos artigos e os respectivos factos - incorrectamente considerados não provados - serem em função dela todos julgados provados. A apelante indica a cada artigo prova que ponderada fundamenta que os factos respectivos sejam julgados provados. - A apelante requer a apreciação e ponderação dessa prova e a consequente resposta que dela resulta de provado aos factos dos artigos da contestação que ora conclui. - A testemunha Dra A... depôs acerca dos problemas íntimos de saúde do A., afirmando-os. - A testemunha I... (enfermeira e actual companheira do A.) disse que o A toma o medicamento Cialis, que o viu tomá-lo. Disse que é um "medicamento que se toma para a disfunção eréctil, ... não é ... , mas que também se pode tomar por uma situação em que eu acho que, os homens às vezes gostam de tomar, porque acham que se sentem mais divertidos". Também o A. confessou que toma esse medicamento. - Enquadram-se na categoria dos encargos da vida familiar as despesas dos cônjuges com o seu vestuário e com a sua alimentação, higiene, aparência física e saúde. Mais: abstraindo do critério do padrão de vida do casal, nem sequer se pode excluir a priori as "necessidades de lazer, de recreio físico e espiritual, de realização e afirmação profissional e de expressão e aquisição espiritual" de cada um dos membros da família. Toma-se, por isso, patente o carácter artificial de uma qualquer tentativa de contraposição rígida entre os encargos familiares e os encargos profissionais (tanto mais que a satisfação destes proporciona, em regra, a obtenção de boa parte dos recursos que permitem a satisfação daqueles) ou individuais. - O direito à compensação estabalecido no art. 1676°, n° 2, do Código Civil tem cariz patrimonial, quer nas suas causas quer no seu cumprimento. É um direito que surge como efeito do divórcio. Não pode ser renunciado em relação ao momento da contribuição consideravelmente excessiva, nem ao momento do divórcio. - A renúncia ao direito à compensação só é válida e eficaz se for realizada somente depois de declarado o divórcio, pois não se saberá antes de findo o casamento qual a verdadeira dimensão do contributo excessivo, da renúncia e do prejuízo patrimonial sofrido e, a admitir-se em momento anterior, estaríamos a desproteger irrazoavelmente o cônjuge contribuinte renunciante quando o legislador lhe quis lançar o manto da sua tutela. - A R. alegou que "Apenas apresentou como contribuições valores referentes a movimentos correspondentes a transações através de multibanco ou on-line, conforme refere no art 137° da contestação "Ela foi contudo superior, pois não guardou registo integral das despesas e encargos familiares que suportou" (artigo 9° do articulado complementar da contestação, apresentado em 30-10-2014). - Os extractos provam valores saídos da conta, débitos nela efectuados, desembolsos. Isto é irrecusável e não foi devidamente ponderado. - O A. aceita os débitos como verdadeiros, que são, que eles ocorreram. Afirmou que "o que nós fazíamos, e isso é aí muito claro de ver aí nos autos", "que aparece aí nos extractos dela (da Ré)", "aparece aí nos extractos dela (da Ré)"; "aquilo que nós vemos pelos extractos"; "e depois percebe-se também, isso dá para ver aí nos extractos". O A aceita os extractos, não impugna os débitos nos extractos, confessa-os e reconhece-os ao aceitar os extractos. - Depois o A diz: bem, mas há uns saltos de pára-quedas .... ou seja, os débitos ocorreram nos extractos, estão ali presentes (o dinheiro saiu), a R. alega as despesas com os encargos da vida familiar o A não lhes indica destino diferente. Não foram para ajudar a irmã Directora de Investigação Clínica, nem os sogros, nem os pais da Ré, que não precisavam e pelo contrário foram estes últimos que a recolheram e aos netos na sua casa, onde hoje ainda se encontra e lhes permitiram subsistir quando em 23-5-2013 desempregada e pela segunda vez foi forçada pelo A a sair de casa com as duas crianças de ambos. - A douta sentença considera que há dúvida sobre o que foi obtido com os débitos. Respeitando as regras de experiência, sem vir indicado em que é que então foram aplicados os bens assim adquiridos há necessidade de remover as dúvidas. - Temos então em dúvida: a identificação e concretização das despesas nos extractos, o que foi adquirido, quantificação dos débitos em conta da A. incluindo as transferências, entidades recebedoras, determinar o montante da despesa realizada, compreensão do seu destino ou qualidade e natureza e imputação ou não a encargos da vida familiar. A R. considera que as dúvidas podem ser removidas através de perícia sobre a compreensão e percepção da natureza dos débitos e da consideração de regras de experiência e presunções. Houve débitos com encargos da vida familiar e deve ser ordenada a perícia às contas. - As partes podem fazer ao perito as observações que entendam e devem prestar os esclarecimentos que o perito julgue necessários; em qualquer estado da causa o tribunal pode requisitar os pareceres técnicos indispensáveis ao apuramento da verdade dos factos; os peritos podem solicitar a prestação de esclarecimentos. Quando a prova produzida pelos litigantes for insuficiente para fixar a quantia devida, incumbe ao juiz completá-la mediante indagação oficiosa, ordenando, designadamente, a produção de prova pericial (360° nº 4). Visa-se a justa composição do litígio (6° nº 1). - A perícia deve ser ordenada para se realizar na 1ª instância: arts 662°, n° 2, als. b) e c) (suprir a deficiência) e n° 3 al. b), 467°, n° 1, 411° e 360°, n° 4. - A R. contribuiu para os encargos da vida familiar com € 166.384,26 e o A. com € 33.522,43. Ou seja, a R. contribuiu com 4,96 vezes mais que o A, sendo certo que os rendimentos deste eram 4,83 superiores aos da Ré. A R. contribuiu em excesso com € 129.402,59 que sacrificou e deles beneficiou o A., que com eles devia ter contribuído, enriquecendo-se o A injustamente à custa da Ré que assim sofreu um prejuízo patrimonial muito importante. - A lei não exige prova documental para prova das despesas. - O documento 45 junto com a contestação demonstra que o A possuía 44 U.P. e resgatou 1 ficando com 43. O valor de I foi € 754,98 e ficou com 43x754,98=€ 32.464,14. O facto alegado no art. 119° da contestação deve considerar-se provado. - O valor de € 17.982,43 pelo A. transferido para a R. não pode ser contado para perfazer € 33.522,43 de contribuições do A para os encargos da vida familiar, nos 118 meses de vida em comum, e simultaneamente para abater às transferências que a R lhe fez. Ou seja, de duas uma: ou é contado para contribuições para encargos da vida doméstica ou é contado para abater às transferências efectuadas pela ré. Contado simultaneamente para ambas as situações é que não pode ser. - As transferências da R. para o A. estão identificadas nos extractos. São irrecusáveis. - Já quanto ao A vêem-se então nesses 97 meses transferências e pagamentos em apenas 63 deles, no total de € 18.376,05 de transferências e de € 17.540,00 de pagamentos. Ou seja, em 34 desses 97 meses não existe nenhuma transferência nem pagamento do A Há portanto que verificar que enquanto a ré identifica nos extractos transferências de € 33.430,06 para o A este alegou e a R. confessou transferências de € 17.982,43 para a Ré e pagamentos no valor de € 17.540,00. - Em 34 desses 97 meses considerados não há nem transferências nem pagamentos pelo A. Apenas há transferências do A em 26 dos 97 meses. E pagamentos do A em apenas 43 dos 97 meses. O A não transferiu em 61 meses, dos 97, e não pagou em 54 meses, dos 97. - Os pagamentos efectuados pela Ré ascenderam a € 166.384,26 e as transferências a € 34.501,06. O A transferiu para a Ré € 17.982,43. É assim destituído de sentido o pretendido pelo A que existiu equilíbrio de contas. - A consideração do A de que despesas com idas ao médico e compra de medicamentos, vestir e calçar são despesas pessoais que não são encargos da vida familiar não é atendível (sendo embora certo que a R. não apresentou nos autos as despesas de roupa e de calçado consigo). - Pode não se ter rendimentos e ter despesas e suportá-las e a R. suportou-as. - A testemunha A... verificou quem são as entidades recebedoras dos débitos nos extractos. - Quando, casada e ao serviço da V... Lda e de reorganização e alteração das actividades desta a R. tinha que ir trabalhar em Madrid. A R. veio a perder o seu emprego nessa empresa em 15-5-2013 porque não pôde ir para Espanha devido a ter de ficar junto do A e dos filhos ainda pequenos do casal (nascidos em 1-4-2005 e 22-6-2007). A R. sacrificou assim o emprego e a sua carreira profissional por razões de atender às necessidades familiares e caiu em consequência no desemprego. - Estes factos decorreram da audiência de discussão e julgamento, depoimento de G... e declarações da R e devem ser considerados na decisão da causa. - A admissão nos autos das declarações conjuntas de IRS de A e R. dos anos de 2004 a 2012, 108 meses dos 118 de vida em comum - encontra-se pendente de recurso quanto à tempestividade da sua apresentação a fls. 1162/1168 nos autos. A douta decisão da sua inadmissibilidade por intempestividade não conheceu da sua necessidade ou não mas eles são necessários. As declarações mostram no total dos 9 anos uma desproporção de rendimentos de R e A de 1 para 4,83. - Os depoimentos e declarações invocados como prova nas presentes alegações foram gravados no sistema integrado de gravação digital disponível na aplicação informática em uso no Tribunal de 1ª instância da presente causa. Subsidiariamente (à matéria de facto provada na acção movida pelo A): Ampliação da matéria de facto pertinente à acção movida pelo A: - Atenta a matéria de facto que foi provada quanto à acção do A e se face a ela a impugnação supra da douta sentença soçobrasse é necessário apurar se foi o A quem impediu a "continuidade da vida em comum que faziam enquanto casados". Não sendo estes uns autos de divórcio e não se tratando de apurar culpa, é preciso considerar se a acção movida pelo A não constitui ou representa um venire contra factum proprium. - O A diz publicamente que a R é manifestamente incapaz de manter uma vida normal. - Que é incapaz de trabalhar e de tratar de si, e incapaz de tratar dos filhos, que não tem energia, concentração nem interesse em desempenhar as tarefas diárias mais básicas. Que costuma dormir até à hora de almoço, sem mostrar qualquer interesse pelas necessidades básicas dos filhos, Como sejam a sua alimentação e os cuidados de higiene. - Diz publicamente que a R em casa nunca cozinhava. Diz publicamente que é ele quem faz tudo em casa e que a R "não mexe uma palha” e que habitualmente comia todo o pão, iogurtes e fruta que o A comprava para alimentar os filhos menores de ambos. - Diz publicamente que os pais da R têm por hábito descurar a alimentação e a saúde dos netos, de 9 e 6 anos, filhos da R e do A. e que a R não tem capacidade para cuidar diariamente dos filhos nem proporcionar-lhes as condições necessárias ao seu crescimento e desenvolvimento saudáveis. - Que não lhes presta a assistência básica diária de que necessitam. - Diz publicamente que os menores estando com a R estão em risco. - Diz aos menores que a R é pessoa perigosa e que "se passam 1 mês com a vossa mãe, morrem". - O A emite também falsas imputações de abuso pela R de medicamentos de prescrição médica e de álcool. O A subtraiu à R. informação clínica com dados pessoais destinada a ser apresentado a uma comissão de verificação de baixa médica da segurança social e divulgou publicamente estes dados pessoais de modo descontextualizado e não autorizado pela R. - O A tem praticado estes actos pelo menos nos últimos 3 anos. - O A sabe bem que é falso isto que vem narrado e que publicamente propala. Procede deste modo com a intenção de denegrir a imagem da R e de enxovalhar a sua condição de mãe. 66° O A procede com intenção de arruinar a sua condição emocional. - E a verdade é que essas públicas afirmações do A atingem fortemente a personalidade da R. - Que assim sente profundamente desfeita a sua moral e condição de mãe de duas crianças. - O casamento da R e do A deixou progressivamente de reunir condições de afectividade e de equilíbrio emocional. - A R acabou por sair de casa no dia 23/05/2013, por deixar de conseguir conviver nestas condições de mal-estar continuado. Aliás esta foi a segunda vez que a R foi forçada a sair, sob pressão do A e após pedido de divórcio do A à R e agressão do A à R, atirando-lhe uma faca. - Contribuiu também para a decisão da R a falta de afectividade que o A demonstrava sentir em relação aos filhos e a cada vez mais notória falta de relação afectiva dos filhos com o pai. Mesmo quando as crianças tentavam aproximar-se afectivamente do pai, ele mostrava desinteresse neles. Já não existia, à data em que a R. saiu de casa, harmonia familiar e felicidade no lar. A decisão da R foi no sentido de evitar nos filhos os mesmos sacrifícios e o mal-estar que a R há muito sentia. - Nos dias que antecederam a saída da R a 23/05/2013, o A demonstrou uma vez mais uma total falta de cooperação e completo desamparo e auxílio face à situação profissional da R 87° No dia que antecedeu a saída da R. a 23/05/2013, o A. havia insistido durante o dia para que a R. lhe emprestasse dinheiro, muito embora não tivesse problemas financeiros de qualquer espécie e a R. se encontrasse desempregada. 88° O A. referia as "superiores capacidades proactivas, criativas" dos seus colaboradores no trabalho e o facto de serem "muito activos e esforçados". Por oposição "às nulas capacidades de organização, iniciativa e interacção interpessoal" da R. O A. lança à R. que "apenas queres meter-te numa pós-graduação de 1 ano para garantires que não tens de arranjar emprego durante esse tempo", "achas que tens jeito para fazer ensaios clínicos? Tu és uma desorganizada, nem de ti sabes tratar" e "tu arranjas sempre desculpas para não trabalhares". - A R. começou a ouvir comentários do mesmo teor proferidos pelos filhos, antes e após a saída de casa a 23/05/2013. - Tudo indicando que o A. já então denegria a imagem da mãe perante os filhos, criticando diante deles a competência profissional e pessoal da R. Também com frequência o A. sugere às crianças que a mãe é pessoa perigosa e descuidada, e à filha M..., sempre que ela chora, que "vais ficar como a tua mãe". Factos essenciais da reconvenção que devem ser julgados provados: - O A. possui valores mobiliários registados ou depositados na Orey Financial, S.A. no valor de € 32.464,14 (Doc. 45 da contestação). - A R. pagava as despesas correntes da casa (água, e1ectricidadelluz, gás, telefone fixo, televisão, internet, limpeza semanal da casa) e continuou a pagar, mesmo depois de ter saído de casa, para que nada faltasse aos filhos nas semanas alternadas que passam com o A, o pai. - No ano fiscal de 2012, o A. auferiu desse cargo a retribuição ilíquida de € 119.534,83 e líquida de € 73.868: 12 = € 9.961,24 ilíquidos/mês e € 6.155,67 líquidos/mês. - O A apresentou em IRS rendimentos de trabalho dependente dos anos de 2004 a 2012 inclusive no montante de € 559.887,34. - Nos primeiros 5 meses de 2013 o proporcional relativo aos rendimentos de 2012 é de € 49.806,18. Ou seja, de 1-1-2004 a 31-5-2013 o seu rendimento de trabalho dependente foram € 609.693,52. Possui viatura da empresa e é dono de uma outra. - No ano fiscal de 2012, a R. auferiu do seu trabalho para a V... Lda, a retribuição ilíquida de € 27.638,68 e líquida de € 19.414,40: 12 = € 1.617,87 líquidos/mês. - Em 29-4-2013 o R. possuía conta no BES com o saldo a seu favor de € 11.295,04. - A mesma conta possuía em 29-12-2012 o saldo de € 17.294,70. - O A. possui no A..., pelo menos, os seguintes valores mobiliários, UP's BGF G AL HE E2 e FID MultiAset E de valor superior a € 40.000,00. - Os valores que o A. detém no A... somam pelo menos € 110.000,00. - O A. possui valores mobiliários registados ou depositados na O... S.A. são no valor de € 32.464,14. - Nestes valores detidos pelo A andam incluídas importâncias que são pertença da R, no montante de € 34.501,06. - Desde Maio de 2005 até Maio de 2013 a média de contribuição da R. para os encargos da vida familiar foi de € 1.410,04/mês (€ 136.773,42: 97 = € 1410,04/mês). - Entre Agosto de 2003 e Maio de 2005 a sua contribuição mensal foi de idêntico valor, ou seja, 21x 1410,04 = € 29.610,84. - A R. não teve acesso a extractos bancários desse período de 21 meses. - Mas as suas disponibilidades no período não foram inferiores às do período subsequente. - Tendo-as destinado aos encargos da vida familiar. - A ré contribuiu para os encargos da vida familiar entre Agosto de 2003 e o final de Abril de 2005 com não menos de € 29.610,84. - Finda a convivência em 23-5-2013 não lhe sobejaram proventos nem valores. - Senão uma indemnização que então recebeu por cessação do contrato de trabalho. - A R. registou € 136.773,42 dessa contribuição, a que acrescem os € 29.610,84. - A capacidade do A. em todo o período foi no mínimo quatro vezes superior à da R. - A ré transferiu diversos montantes para as contas bancárias do A. - Transferia tudo o que conseguia para as contas bancárias do A. - Em 2007 a R. continuava a pagar a totalidade das despesas domésticas. - Incluindo EDP, SMAS, Gás, TV Cabo e empregada doméstica. - O A. continuou a pressionar a R. para esta pagar todos os encargos da vida familiar. - Alegava procurar acumular uma poupança de € 1 milhão para deixar de trabalhar. - A R. o que lhe sobrava dos encargos da vida familiar transferia para as contas do A. - Em vista de este prosseguir no objectivo referido que perseguia. - A R. pagava as despesas domésticas designadamente de alimentação, saúde, de literatura infantil, roupas e calçado das crianças e de restauração. - O A. pressionava a R. para continuar a fazer transferências bancárias para as contas bancárias do A. caso à R. sobrasse dinheiro no fim do mês. - No início de 2012 a R. recusou-se a transferir mais dinheiro para as contas do A. - Porque tal era impossível face às despesas com encargos da família que suportava. - O que a fez ficar várias vezes com saldo negativo. - E a ter de recorrer a "cash advance" do seu cartão de crédito. - A R. transferia dinheiro para as contas do A. para que este o acumulasse e fizesse a sua aplicação dela obtendo proveitos que reverteriam para o bem estar da família. - Tais transferências eram efectuadas na expectativa de no futuro melhorar a situação económica e patrimonial da ré. - A ré confiava que esses valores lhe seriam no futuro restituídos pelo A. - São valores que somam € 34.501,06 que o A. retém mas que pertencem à R. - De Maio de 2005 a Maio de 2013, a R. contribuiu economicamente para a vida familiar com os montantes indicados nos artigos 197º a 292º das alegações de recurso, de acordo com os elementos probatórios neles mencionados. - Entre Maio de 2005 e Março de 2013 os extractos bancários da R registam € 4.933,35 de pagamentos superiores a € 10,00 efectuados pela R em restaurantes com o A e os filhos. - A R comprou alimentação para a vida familiar no montante de € 10.840,36. - Fez despesas de saúde da família no montante de € 17.621,17. - Nas quais se incluem medicamentos, produtos de higiene, leite e papas para bebé e para toda a família e seguros de saúde. - A R fez levantamentos nas suas contas bancárias no montante de € 15.425,00 contabilizados apenas os superiores a € 100,00. - Tais levantamentos foram destinados a ocorrer aos encargos da vida familiar. - A R. efectuou despesas com reparações de carros, mota e um computador do A; compra de viaturas ao serviço da família no montante de € 24.814,23. - Despendeu em deslocações para levar os filhos às avós que tomavam conta, à creche, à escola, ao médicos, ao hospital, em passeios da família e férias - € 3.731,59. - Com EDP/Água/Gás7TTV Cabo/Empregada Doméstica gastou € 21.729, 84. - Em compras de Natal, de aniversário para o A. (incluindo Pai, Mãe, Irmão, Tio-Avô e primo); dos filhos e compras no Media Market pela R., para a empresa do A. - € 16.610,30. - Na compra de mobiliário e electrodomésticos € 3.276,28. - Em educação e lazer para a vida familiar € 3.936,15. - Com o cartão de credito para despesas familiares € 11.538,00 (inclui apenas 75% das compras efectuadas com o crédito). - Em despesas com o casamento - inclui roupas para ambos, acessórios, viagens de núpcias gastou € 2.117,15. - Totalizando estas despesas e transferências € 171.274,48 (não incluindo esta última). - Durante o casamento a R contribuiu para os encargos da vida doméstica com 75% do custo desses encargos. - A R. contribuiu com € 200.885,32 - € 34.501,06 = € 166.384,26. - O A. contribuiu com apenas 25% do custo desses encargos. - Porém durante o casamento as possibilidades económicas do A. foram pelo menos quatro vezes superiores às da R. Factos do articulado complementar da contestação - A R. apenas apresentou como contribuição valores referentes a movimentos correspondentes a transações através de multibanco ou on-line, conforme refere no art 137º da contestação. Ela foi contudo superior, pois não guardou registo integral das despesas e encargos familiares que suportou . - As transferências bancárias do A para a R, não são aceites porquanto também não foram contabilizadas nas despesas que a R. apresentou, por ter verificado quando fazia a triagem dos valores nos extratos, que fez pagamentos para o agregado familiar de igual valor ao que tinha recebido antecipadamente. - A douta sentença considera que há dúvida sobre o que foi obtido com os débitos. Respeitando as regras de experiência sem vir indicado em que é que então foram aplicados os bens assim adquiridos há necessidade de remover as dúvidas. - Incumbe (411°) ao juiz requisitar documentos, ordenar perícia, ordenar depoimentos de testemunhas, pode incumbir técnico ou pessoa qualificada, determinar a comparência pessoal das partes e ordenar as diligências necessárias, se não se julgar suficientemente esclarecido (607°, n° 1 e 663°, n° 2). - Temos então em dúvida: a identificação e concretização das despesas nos extractos, o que foi adquirido, quantificação dos débitos em conta da A. incluindo as transferências, entidades recebedoras, determinar o montante da despesa realizada, compreensão do seu destino ou qualidade e natureza e imputação ou não a encargos da vida familiar. A R considera que as dúvidas podem ser removidas através de perícia sobre a compreensão e percepção da natureza dos débitos e da consideração de regras de experiência e presunções. Houve débitos com encargos da vida familiar e deve ser ordenada a perícia às contas. Renovação da prova (art. 662°, n° 2, al. a): - Atento o que acima se encontra fundamentado em II, 7 e concluído em 20ª a 25ª das presentes alegações e na medida em que o douto julgamento da matéria de facto da reconvenção se encontra determinado pela afirmação de severa ausência ou falta de fé e credibilidade dos depoimentos das testemunhas D. M..., Eng. C... e Dra A..., requer seja ordenada a renovação destes depoimentos perante Vossas Excelências. Neste termos e nos mais de direito na procedência das precedentes conclusões deve a douta sentença ser revogada e ser julgada procedente a pretensão reconvencional formulada pela R. O Autor contra-alegou sustentando a bondade da decisão recorrida, mas subsidiariamente refere que, mesmo a considerar-se ter existe uma doação entre casados, a mesma nula por vício de forma, devendo ser restituído tudo o que foi prestado. Cumpre apreciar. Antes de abordarmos o recurso da decisão de mérito, cumpre tomar conhecimento de dois recursos intercalares, um do Autor e outro da Ré. Quanto ao recurso do Autor, o mesmo versa o despacho proferido pelo tribunal a quo (fls. 1147 e seguintes) que o condenou numa multa de € 752,25 (correspondente a 8 UC com dedução de € 63,75 já pagos pelo A) por ter efectuado o pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça, e sua comprovação nos autos, no primeiro dia útil após o termo do prazo. Conclui o recorrente que: - É clarividente - e indiscutido - que do disposto no art. 14.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais resulta um prazo de pagamento da 2.ª prestação de taxa de justiça. - Todavia, da não observância do mesmo não resulta o pagamento de qualquer multa, sendo esta prevista, apenas, no 14.º, n.º 3, do mesmo normativo. - A referida multa destina-se a sancionar, não o acto material de pagamento da segunda prestação de taxa de justiça, mas antes o acto processual de junção aos autos do documento comprovativo, ou o (também) acto processual de comprovação (nos autos, obviamente) do referido pagamento. - É que, caso contrário, a Lei deveria rezar: "se, no momento definido no número anterior, o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça não tiver sido realizado, não tiver sido o documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário não tiver sido junto ao processo, ou não tiver sido comprovada a realização do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a 1 UC nem superior a 10 UC", o que, manifestamente, não é o caso, - Vigorando na ordem jurídica portuguesa um princípio de tipicidade de penas e, também, de multas processuais aplicáveis às partes, - E havendo, assim, sido aplicada ao Recorrente uma multa fora dos casos legalmente admissíveis. - Por outra via, e consoante ensinam COELHO CARREIRA e SALVADOR DA COSTA, não é um prazo de pagamento o que se encontra previsto no art. 14.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais, mas, antes, um prazo para a prática de um acto processual autónomo, motivo pelo qual é aplicável o art. 139.º do Código de Processo Civil, e não o art. 40.º do Regulamento das Custas Processuais. - No mesmo sentido depõe, ainda, o elemento sistemático de interpretação, uma vez que, em rigor, o art. 14.º, n.º 3, do Regulamento das Custas Processuais pressupõe a existência (ou concessão) de um prazo adicional à Parte para a prática de um acto processual pela Secretaria Judicial, o que não se verificou na situação dos autos. - Por fim, tendo a audiência de julgamento tido início a 10.04.2015, e continuado no dia 13.04.2015, há muito que se verificou, também, a preclusão de qualquer irregularidade processual no mesmo âmbito, o que, ad absurdum, sempre denunciaria a absoluta ausência de fundamento na aplicação de referida multa processual ao Recorrente. - Pelo exposto, o Despacho Judicial deve ser objecto da censura, neste se havendo realizado uma inidónea aplicação do Direito, com violação no mesmo âmbito do disposto nos arts. 14.º, n.ºs 2, 3 e 4, 27.º, n.ºs 1 e 6, e 40.º do Regulamento das Custas Processuais; e 139.º, n.º 5, 149º, nº 1, e 199º, n.º 1 , do Código de Processo Civil. Apreciando. A este respeito limitamo-nos a citar as judiciosas considerações de Salvador da Costa, “Regulamento das Custas Processuais Anotado e Comentado” pág. 319: “Prevê o nº 2 deste artigo o pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, e estatui, por um lado, que ele deve ser realizado no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final e, por outro, dever o interessado entregar o documento comprovativo do pagamento ou comprovar, no mesmo prazo, a sua realização (...). “Prevê o nº 3 deste artigo a não entrega, no termo do decêndio referido no número anterior, do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou da concessão do benefício de apoio judiciário, ou a não comprovação do seu pagamento e estatui que a secretaria deve notificar o interessado para, no prazo de dez dias, efectuar o pagamento, acrescido de multa de igual montante, mas não inferior a uma nem superior a dez unidades de conta (...) Rege pois no que concerne às acções declarativas ... em que seja legalmente admitido o pagamento da taxa de justiça em duas prestações, sobre as consequências da omissão de apresentação atempada do documento comprovativo do pagamento da segunda prestação da taxa de justiça ou apenas do próprio pagamento” (sublinhado nosso). Ao caso em apreço, que se reporta ao pagamento da segunda prestação da taxa de justiça, não é aplicável o disposto no nº 5 do art. 139º do CPC, afastado expressamente pelo art. 40º do RCP. O facto de neste último diploma se falar de “prazos previstos para pagamentos” conjuga-se claramente com o disposto no art. 14º nº 2 do mesmo RCP, que preconiza que “a segunda prestação da taxa de justiça deve ser paga no prazo de 10 dias a contar da notificação para a audiência final”. Não só se fixa tal prazo para o pagamento mas igualmente para a comprovação, ou para a junção do documento comprovativo de tal pagamento. O recorre pretende operar uma dicotomia entre “pagamento” e “documento comprovativo do pagamento”. Em seu entender, a multa a que alude o nº 3 do art. 14º terá de se reportar apenas à notificação para juntar documento comprovativo do pagamento. Não podemos aceitar tal posição. O art. 14º nº 3 refere que “a secretaria notifica o interessado para, no prazo de 10 dias, efectuar o pagamento, acrescido de multa (...)”. O que está em causa, como parece evidente, é o pagamento da 2ª prestação da taxa de justiça, é o próprio pagamento. Como o tribunal tem de tomar conhecimento desse pagamento, o documento comprovativo tem de ser junto no mesmo prazo. Mas a sanção dirige-se à falta de pagamento dentro do prazo de 10 dias. A prova do pagamento, enquanto tal, não é constitutiva do pagamento. E o que o art. 14º nº 2 exige é o pagamento dentro do prazo de 10 dias. O documento comprovativo não é mais que um meio de mostrar ao tribunal que o pagamento foi feito. Seria absurdo aplicar uma sanção à falta de pagamento e outra, de natureza jurídica diversa – e eventualmente mais gravosa pecuniariamente – à falta da junção de documento comprovativo do pagamento. Em termos práticos deparamo-nos com um único facto, a exigência do pagamento estabelecida no início do art. 14º nº 2. Se o interessado não mostrar ao tribunal que pagou – e isto porque o tribunal não pode adivinhar se o pagamento foi ou não feito – é notificado para efectuar o pagamento da parte em falta da taxa de justiça e da multa pelo atraso – nº 3 desse art. 14º. O tribunal a quo não criou uma multa nova, limitando-se a aplicar o art. 14º do RCP, que interpretou adequada e sensatamente, sem recorrer a artifícios claramente alheios ao espírito e letra da norma. Tendo o interessado efectuado o pagamento no primeiro dia útil após o referido prazo, o mesmo dia em que juntou o documento comprovativo , nada há a obstar ao despacho recorrido. Além disso, era lícito ao tribunal reformar essa decisão nos termos do art. 613º nºs 2 e 3 do CPC. Improcedendo assim o recurso. Recorre a Ré do despacho proferido a 28/04/2015 (fls. 1094 e seguintes), na parte com o seguinte teor: “Por manifestamente extemporânea face ao disposto no artigo 423° do CP.C, não admito a junção aos autos dos documentos apresentados pela autora, pois não alega qualquer impossibilidade de apresentação dos mesmos no momento próprio - e pelo menos desde a prolação do despacho que delimitou os temas de prova sabia que a prova dos rendimentos era um deles - nem a necessidade de junção dos mesmos emerge de qualquer ocorrência verificada após os vinte dias que antecederam o início da audiência de julgamento, e, por outro lado, o normativo contido no artigo 411 ° do CP.C não serve para que as partes consigam por esse meio contornar norma expressa que regulamenta as condições de admissibilidade de apresentação de documentos, registando-se ainda que toda a jurisprudência citada pela autora é anterior à atual redação da lei processual em vigor.” Conclui a recorrente: - O processo civil pretende alcançar a "justa composição do litígio" (art. 6°, n° 1). Na condução e intervenção no processo devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio (7º, n° 1). Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão mediante processo equitativo (20°, n° 2 da Constituição). - A ré invocou que as declarações conjuntas de IRS do A. e da R. respeitantes aos anos de 2004 a 2012 inclusive são de essencial relevância para o apuramento da verdade material quanto ao objecto dos presentes autos e aos temas 4), 5) e 6) da prova e absolutamente necessários e indispensáveis para a justa composição do litígio. Contêm rendimentos de 9 anos ou 108 dos 118 meses de vida em comum do casal e a necessidade de serem considerados é imperiosa e objectiva para a determinação das possibilidades de cada cônjuge, sendo um dos temas da prova determinar quais os rendimentos auferidos pelo A. e pela R. enquanto viveram matrimonialmente. - O douto despacho apelado não fez ou contém nenhuma avaliação da utilidade ou da necessidade nestes autos das 9 declarações anuais de rendimentos do casal para a descoberta da verdade e a justa composição do litígio: incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (411°) e, por sua iniciativa ou a requerimento de qualquer das partes, requisitar, mesmo às próprias partes, os documentos necessários ao esclarecimento da verdade (436°). - Isto apesar de a ré ter invocado que as declarações conjuntas de IRS do A. e da R. respeitantes aos anos de 2004 a 2012 inclusive são de essencial relevância para o apuramento da verdade material quanto ao objecto dos presentes autos e aos temas 4), 5) e 6) da prova e absolutamente necessários e indispensáveis para a justa composição do litígio. Contêm rendimentos de 9 anos ou 108 dos 118 meses de vida em comum do casal e a necessidade de serem considerados é imperiosa e objectiva para a determinação das possibilidades de cada cônjuge, fundamento de que o douto despacho ora apelado não conheceu. - Apenas na consideração de os documentos serem desnecessários ou inúteis podia o douto despacho deixar de ordenar a junção. Tinha que ter fundamentado ou justificado na sua desnecessidade ou inutilidade, doutro modo devendo ordenar a junção, porque não se deve impedir a descoberta da verdade. Por outro lado, subsidiariam ente, - Não podemos ignorar, nem pôr de lado a verdade, porque não foi revelada até 20 dias antes do início da audiência - a audiência teve início em 10-4-2015, as 9 declarações dos rendimentos anuais e o doc. Lista de códigos de entidades recebedoras constantes nos extractos docs 47 a 561 da contestação foram apresentadas em 14-4-2015 (mais de 20 dias antes da continuação da audiência marcada para 8-5-2015), o A. pronunciou-se sobre a junção em 24-4-2015 o Mmo Juiz proferiu despacho em 28-4-2015 e a audiência tem agora marcação continuada para 29-5-2015. - O actual Código de Processo Civil coloca o direito substantivo no centro da discussão a ter em juízo, o que logo exige uma diferente abordagem da lide, menos focada no puro tecnicismo, outrossim orientada pela busca da solução materialmente adequada ao caso trazido a juízo. - A norma do artigo 423° não diz que é da data em que se inicie a audiência, mas da data em que ela se realize. A discussão já vinha de antes de Setembro de 2013, do Código anterior, e era conhecida do legislador, que nenhuma dificuldade tinha em estabelecer que era da data em que se inicie a audiência se fosse isso que se pretendia. Manteve porém a redacção "da data em que se realize" e vai realizar-se em 29-5-2015. - A data em que a audiência se realiza é logicamente todo o tempo em que a audiência decorre até ser concluída. Nada permite contradizê-lo. - A interpretação e aplicação que foram efectuadas da norma emanada dos arts. 411°, 436° e 423° fere tal norma de inconstitucionalidade por violação do disposto no art. 20°, n° 2 da Constituição. A parte contrária defende a manutenção do despacho recorrido. São três os argumentos oferecidos pela recorrente: A) Os documentos devem ser recebidos pois são essenciais para se obter uma justa composição do litígio, ao abrigo do art. 411º do CPC. B) Os documentos deviam ter sido aceites já que o prazo tem a ver com a data em que se realize a audiência e não com a data em que esta se inicia (para o caso de exitirem, como aqui, várias sessões). C) A interpretação das normas aplicáveis pelo tribunal a quo viola o art. 20º nº 2 da Constituição. Quanto ao primeiro argumento, relembre-se o que se dispõe no art. 423º nº 2 e 3 do CPC: “Se não forem juntos com o articulado respectivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, excepto se provar que não os pôde oferecer com o articulado”. “Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior”. A Ré requereu a junção de tais documentos após o prazo mencionado no nº 2, sem que tenha mostrado que a sua apresentação atempada não fora possível ou que tal apresentação se tenha tornado necessária em virtude de circunstâncias posteriores ao dito prazo. O princípio da descoberta da verdade material, em paralelo com a justa composição do litígio, alargou os poderes de indagação e intervenção do juiz, como se vê dos artigos 6º e 7º do CPC – sendo que esse alargamento já estava presente, em larga medida, no art. 2º do DL nº 108/2006 de 08/06. Invoca a recorrente o disposto no art. 411º do CPC, já que, inserido como está nessa ampliação do âmbito do princípio do inquisitório – mesmo assim, corresponde ao nº 3 do art. 265º do anterior código – deveria ter levado o julgador a ordenar a junção dos documentos, enquanto diligência necessária ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio. Em nosso entender, há que interpretar com algum cuidado, esse âmbito dos poderes inquisitórios, mais a mais quando, como pretende a recorrente, uma tal actvidade do juiz iria directamente contrariar uma norma processual ( o focado art. 423º nº 3). Mais a mais quando o aludido preceito introduziu um novo regime quanto à apresentação de documentos. O que antes era possível, ou seja, junção de documentos até ao encerramento da discussão, com pagamento de multa, salvo se a apresentante demonstrasse que não os pudera apresentar no momento próprio ou que a necessidade da apresentação fora suscitada por ocorrência posterior, passou a não ser admissível: agora, a demonstração das circunstâncias que obstaram à apresentação tempestiva já não representa um meio de livrar a parte do pagamento da multa mas torna-se condição para a própria admissibilidade da apresentação e junção. Perante isto, sendo manifesta a vontade do legislador de disciplinar e enquadrar a junção de documentos em âmbitos processuais delimitados, não se afigura plausível que se venha a obter, com o auxílio do juiz, aquilo que a lei proibe à parte. Ou seja, fazendo uso dos seus poderes inquisitórios, o juiz acabaria por se tornar um auxiliar da parte, colmatando a inércia desta, e isto em flagrante desrespeito pela parte contrária – que apesar de Autor da acção, face à finalidade dos elementos de prova em apreço, seria atingido enquanto reconvindo. Se a Ré reconvinte não pôde apresentar os documentos em causa no prazo legal, bastar-lhe-ia alegar e demonstrar as razões de tal impossibilidade. Não estamos perante documentos que se reportem a situações novas, suscitadas após os articulados, mas antes perante documentos reportados ao âmbito da matéria fáctica da reconvenção. Logo, não pode a Ré pretender que seja o julgador a efectuar aquilo que lhe incumbia a ela, na defesa dos seus interesses enquanto reconvinte. Não se compreende a referência ao art. 20º nº 2 da CRP e a alusão ao direito a um processo equitativo. A Ré teve todo o direito a um processo equitativo, juntou centenas de documentos, teve a oportunidade de organizar a sua prova do modo que bem entendeu. De resto, tal como o Autor. Se não juntou os documentos aqui em causa no momento processual próprio – exigência que é igual para qualquer das partes – e não apresentou sequer qualquer justificação para tal, só se poderá queixar de si própria. Termos em que improcede a apelação, confirmando-se o despacho recorrido. Passamos agora a conhecer do recurso da sentença final. Nas suas longas conclusões – que em grande parte são uma repetição das alegações – A Ré impugna a decisão factual e apresenta igualmente uma diferente qualificação jurídica do negócio consubstanciado na compra e venda do imóvel em que figuram como compradores o Autor e a Ré. Quanto à matéria de facto. Os artigos 296º e 298º da contestação são irrelevantes, face à prova de que Autor e Ré casaram em 05/06/2004, tendo a compra e venda tido lugar em 29/09/2006. Ou seja, face àquilo que interessaria à Ré demonstrar, a convivência prolongada entre ambos, não são necessários outros factos ligados a outro tipo de ligações anteriores. Ao invés, a matéria dos artigos 304º a 320º da contestação constitui um dos pontos centrais da argumentação da Ré. E tudo depende da prova do art. 304º, no qual a Ré afirma que “o Autor sofria de disfunção eréctil”. Ora, para prova disto temos apenas o depoimento de parte da própria Ré. Com efeito, no seu depoimento, a testemunha M..., mãe da Ré, de resto visivelmente incomodada por uma questão tão íntima, acabou por referir que a filha – a ora Ré – lhe tinha referido esse problema do Autor. Também a testemunha A... – irmã da Ré – sabe apenas o que lhe foi dito por esta. Não existe qualquer documento médico comprovativo seja do que for. A testemunha M..., psiquiatra com quem a Ré se andou a tratar, recusou-se a abordar esta questão invocando o sigilo médico. Quanto a C... – pai da Ré – o que sabe é o que lhe foi dito pela mulher M... Ou seja, a base do conhecimento das testemunhas acaba por ser exclusivamente a Ré. E entendemos inaceitável dar como provado um facto alegado pela Ré, impugnado pelo Autor, apenas com base no depoimento de parte da mesma Ré. De resto, temos alguma dificuldade em compreender como a formação da Ré enquanto veterinária lhe tinha sido útil no tratamento da disfunção eréctil do Autor. Tal tratamento não passou por medicação, já que a Ré nunca aconselhou o Autor a tomar medicamentos próprios para tal disfunção nem o viu tomá-los. Como muito outros problemas que se reflectem fisiologicamente, a disfunção eréctil – e estamos perante matéria do conhecimento comum – pode ter origem estritamente fisiológica ou derivar de problemas do foro psicológico ou neurológico. Não vemos que, neste último caso, a Ré estivesse habilitada pela sua prática veterinária em animais, a conduzir uma terapia para tais problemas psicológicos ou neurológicos. Se a disfunção tinha uma origem fisiológica, na própria próstata, não vemos como “pelo toque” - baseado na sua experiência com gatos e cães – a Ré estivesse apta a restituir ao Autor a plenitude da sua saúde sexual. A mãe da Ré M... aludiu à confidência que a filha lhe teria feito sobre a “disfunção eréctil” do genro. Contudo, durante o próprio depoimento e confrontadas as datas, verifica-se que que a Ré engravidou um ou dois meses depois. Sendo certo que a disfunção eréctil não é sinónimo de infertilidade, parece manifesto que alguém com disfunção eréctil será confrontado com sérios problemas “logísticos” para engravidar a companheira. E não estamos perante qualquer situação de reprodução assistida. A actual namorada do Autor, I..., enfermeira, afirmou que o Autor não padece de qualquer problema de disfunção eréctil. Viu-o tomar o medicamento “CIALIS”, não porque precisasse, mas para tornar o acto sexual “mais divertido” ou seja mais prolongado. De qualquer modo, enquanto durou o casamento entre a o Autor e a Ré esta nunca o viu tomar o medicamento em causa ou qualquer outro reportado à disfunção eréctil. E deve concluir-se que se na compra e venda o Autor decidiu pôr igualmente a Ré como compradora, apesar de ser ele a pagar a totalidade do preço, por reconhecimento por a Ré o ter curado do seu “problema”, então, depois de tal negócio, o Autor já não padecia de disfunção eréctil e portanto o facto de ter tomado CIALIS anos depois é irrelevante. Existe nos autos diversa correspondência trocada entre Autor e Ré e nela nunca a Ré menciona, mesmo indirectamente, qualquer episódio de disfunção eréctil. A psiquiatra da Ré, M..., elaborou o relatório de fls. 862 no qual refere os problemas da Ré, com fobia social desde a adolescência e dois episódios depressivos em 2008 e 2009. Confirmou, em audiência, quando inquirida, que é normal uma pessoa com tendências depressivas denotar menor apetência sexual (além de outros sintomas, como é óbvio). E se referimos estes aspectos é apenas porque de todos eles não resulta qualquer indício que possa sustentar a afirmação da Ré quanto à disfunção eréctil do Autor e ex-marido. Logo, a matéria do art. 304º tinha de ser considerada, como foi, como não provada. E, perante isso, todos os factos dos artigos 305º a 349º perdem a sua razão de ser já que são derivações causais do facto do art. 304º (a disfunção eréctil). Quanto à questão dos extractos bancários. Estamos perante factualidade na qual se centra o pedido reconvencional. A Ré juntou um vasto número de extractos bancários mensais, de Maio de 2005 a Maio de 2013 e que, basicamente, foram organizados por ela e pela sua mãe, a testemunha M... Mas não juntou qualquer recibo. O que os extractos bancários mostram é que foi levantado dinheiro da conta da Ré. A mãe da Ré, no seu longo depoimento, acabou por reconhecer que desconhece o objecto das despesas concretas, já que não assistia às mesmas, baseando-se apenas no que a Ré lhe dizia e nos elementos eventualmente constantes dos próprios extractos. Por exemplo, reportando-nos a Maio de 2005, encontramos um levantamento de € 72,11 com a indicação “Continente”. Serão pois despesas efectuadas em supermercado. Mas que despesas? A Ré afirma que se trata de produtos para a vida familiar. Mas como saber? Podemos estar perante despesas no todo ou em parte destinadas à própria Ré, o que se poderia incluir no conceito de despesas de um membro do agregado familiar mas já retiraria a alegação da Ré de que era ela que providenciava o sustento do agregado familiar em cerca de 75%. Quanto aos € 36,17 em combustível diremos o mesmo. Porquê afirmar que se trata de despesas de combustível para as deslocações da família e não, por exemplo, exclusiva ou parcialmente para as deslocações da Ré? Não basta que a Ré diga que não incluiu as despesas com ela própria. É inaceitável fazer depender a prova de factos controvertidos exclusivamente com base nas declarações de quem alegou tais factos, seja a Ré seja o Autor. Seria transformar factos contestados e controvertidos dos articulados em factos assentes, com a mesma origem: num caso alegação escrita da parte, no outro declarações da mesma parte em julgamento. Voltando aos extractos bancários, eles mostram levantamentos relacionados com despesas de farmácia. Daqui não se pode concluir que se tratasse de medicamentos para os filhos ou produtos de higiene, leite e papas para bebé. Podiam ser remédios ou produtos de higiene ou beleza para a Ré. O que queremos dizer não é que a Ré não tenha contribuído para as despesas do agregado familiar. O problema é que os extractos bancárias atestam as despesas mas não os produtos adquiridos. Teríamos de depender exclusivamente do que nos diz a Ré, já que a mãe nunca assistiu a tais transacções. E esta situação repete-se, extracto após extracto. A Ré alega que o ex-marido, agora Autor, a pressionava para pagar todas as despesas com os encargos familiares e até a transferir para a conta dele o que sobrasse, já que queria alcançar uma poupança de um milhão de euros para poder deixar de trabalhar. Ora, não existe qualquer prova deste facto, salvo, mais uma vez, o depoimento de parte da Ré que o alegou. Nenhuma testemunha afirmou ter ouvido o Autor dizer que queria que a Ré suportasse as despesas com o agregado familiar, fosse com o objecto de juntar um milhão ou com outro objectivo qualquer. A testemunha M..., pai do Autor, afirmou que a Ré não contribuía para os encargos do agregado familiar salvo no que respeita ao pagamento do IMI, electricidade, gás, água e TV Cabo. Assistiu ao filho a efectuar compras no supermercado Pingo Doce, próximo da casa da testemunha, aos sábados. Ia ajudá-lo a pôr as compras no carro dado o volume daquelas. Afirmou que era ele próprio e a mulher, juntamente com os pais da Ré, quem comprava as roupas para as crianças. Falou da quantidade muito exagerada de roupas que a Ré possuía, a tal ponto que quando ele e a mulher pediam roupas para entregar na Junta de Freguesia, que as distribuía aos necessitados, a Ré lhe entregava sacos com roupas dela que já não queria. Uma vez só um dos sacos tinha 14 pares de calças. M..., mãe do Autor, relatou igualmente o episódio com as roupas. Afirmou que o filho e a nora pagavam o colégio dos filhos em partes iguais. Também ela referiu que o filho ia aos sábados ao Pingo Doce fazer um largo número de compras para a família, e que era ela e o marido (bem como os pais da Ré) quem compravam as roupas para os filhos de Autor e Ré. A..., irmã da Ré, no tocante às despesas constantes dos extractos bancários, só sabe o que a mãe – ou a irmã – lhe disseram. Contou um episódio de um jantar num restaurante em que o Autor sugeriu que fosse a testemunha a pagar a conta das cinco pessoas (Autor e Ré, os dois filhos e a testemunha). C..., pai da Ré, limitou-se a ver os extractos bancários mas não participou na respectiva elaboração. Foi umas cinco vezes com a filha fazer compras no supermercado. Como se vê, sendo as testemunhas mais relevantes, familiares muito chegados, pai e mãe do Autor, pai, mãe e irmã da Ré, é normal existir alguma parcialidade, que se compreende, por razões afectivas, mais a mais numa acção deste tipo. Mas da audição dos longos (e por vezes repetidos) depoimentos essa parcialidade não se afigura reportar-se aos factos essenciais, relativamente aos quais de resto, tais testemunhas pouco conhecimento pessoal e directo evidenciaram. Traduz-se mais na invocação de pormenores isolados (o saco com os 14 pares de calças da Ré, a cena do Autor no restaurante quanto ao pagamento da conta) os quais, num período temporal a rondar os dez anos, acabam por ter um relevo quase nulo, não servindo certamente para comprovar que a Ré era esbanjadora ou que o Autor queria que lhe pagassem todas as despesas. O problema aqui não é pois a falta de credibilidade das testemunhas mas sim a falta de conhecimento directo e pessoal dos factos, já que em geral essas testemunhas sabem apenas o que lhes foi dito pelo Autor (os pais dele) ou pela Ré (os pais e irmã dela). As notas manuscritas constantes dos extractos bancários foram apostas pela mãe da Ré, mas seguindo as indicações dadas por esta. De sublinhar, de resto, que o depoimento de parte do Autor, nesta questão, contraria inteiramente o da Ré, afirmando que, tendo-se casado em regime de separação de bens, combinaram que as despesas fixas – colégio dos filhos, condomínio, água, luz, telefone etc. - seriam pagas em partes iguais por cada um. Quanto às compras no supermercado, J... afirmou que era ele que as fazia, com o seu próprio dinheiro e que, em geral, não pedia à Ré que pagasse a parte dela. É claro que o que dissemos quanto a ser inaceitável provar factos apenas com base no depoimento da Ré – que os alegou na reconvenção – é igualmente válido para o Autor – que negou tais factos na resposta. Pretende a recorrente que para possibilitar a identificação e concretização das despesas constantes dos extractos bancários, deve ser ordenada a realização de prova pericial “sobre a compreensão e percepção da natureza dos débitos e da consideração de regras de experiência e presunções”. Como sublinha Rui Pinto – Notas ao Código de Processo Civil, I, pág. 384 e seguintes - “a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem (...)”. Ora, não estamos perante factos que requeiram conhecimentos específicos de especialistas. O problema é outro. Quando se faz referência a um débito por despesas num supermercado, a questão é saber o que foi comprado e a quem se destina o bem adquirido. Papas para bebés, por exemplo, destinam-se obviamente a bebés, mas relativamente a outros produtos o problema é bem mais complexo. Seja como for, nem sequer sabemos o que foi comprado. O mesmo se diga das despesas de farmácia, lojas de roupa, consultas hospitalares etc. Logo, o que está em causa não é o esclarecimento quanto a factualidade que pela sua especificidade escapa ao conhecimento do juiz, mas sim a indicação dos próprios factos. Nestas circunstâncias, não faria sentido qualquer prova pericial. Quanto às testemunhas M..., C... e A..., já dissemos atrás, e depois de ouvida a gravação da prova, que o problema quanto a essas testemunhas não é a falta de credibilidade. O problema reside na falta de conhecimento directo e pessoal dos factos, baseando-se sempre no que lhes foi transmitido pela Ré. Em detalhes essas testemunhas – tal como o pai e a mãe do Autor – podem ter revelado parcialidade, nomeadamente dando um relevo excessivo a pequenos episódios isolados, como já referimos. Mas no essencial, e no caso da recorrente estamos a falar da prova da “disfunção eréctil” do Autor e sua “cura” pela Ré que teria originado a outorga da escritura de compra e venda do imóvel também em nome dela, bem como da prova das despesas da Ré com o agregado familiar que seriam cerca de 75% em relação a apenas 25% do Autor que, ainda por cima, ganhava um vencimento superior, as testemunhas ouvidas não pecaram por falta de credibilidade mas sim por falta de conhecimento dos factos, para lá do que lhes foi dito pela filha e irmã. Sendo assim, não vemos como poderia ter sido diversa a decisão quanto à matéria de facto, pelo que, nesta parte, improcede o recurso. Quanto à matéria mais directamente jurídica. A questão centra-se na qualificação jurídica relativa ao contrato de compra e venda do imóvel, nomeadamente no tocante à presença da Ré enquanto compradora, apesar de o preço ter sido integralmente pago pelo Autor. A recorrente afirma que se tratou de uma retribuição, como recompensa por ter proporcionado ao Autor “a vivência de uma vida plena e sexualmente satisfatória”. Ou seja, por ter contribuído para o curar da “disfunção eréctil”. Não se tendo provado que o Autor padecesse de qualquer “disfunção eréctil” e que a Ré o tenha curado – ou contribuído para curar – a “retribuição” alegada pela recorrente perde o seu fundamento. Na sentença recorrida, o Mº juiz a quo põe de lado a figura da “doação entre casados”, e por razões que nos parecem inteiramente correctas. Não só as partes negam tal doação, como não podia o Autor doar à Ré um imóvel que lhe não pertencia ainda, tal como nunca existiu doação de dinheiro à Ré para que esta pagasse parte do preço. Concluiu-se na dita sentença que estaríamos perante um benefício abrangido pelo disposto no art. 1791º nº 1 do Código Civil, com o seguinte teor: “Cada cônjuge perde todos os benefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge ou de terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estado de casado, quer a estipulação seja anterior quer posterior à celebração do casamento”. Esta redacção veio substituir a anterior, no âmbito da Lei nº 61/2008 de 31/10 que alterou o quadro legislativo referente ao divórcio. Alega a recorrente que a legislação aplicável é a contida na redacção do art. 1791º antes da alteração provocada pela Lei nº 61/2008. Ora, nos termos do art. 9º da aludida Lei nº 61/2008, o regime por ela estabelecido não se aplica aos processos pendentes em tribunal. Os presentes autos deram entrada posteriormente ao início de vigência do referido diploma. De resto, o próprio divórcio teve lugar anos depois de tal entrada em vigor. Logo, é claramente aplicável o regime introduzido pela Lei nº 61/2008. Invoca contudo a recorrente que uma tal interpretação conduz à inconstitucionalidade da norma, por violação dos princípios constitucionais da protecção da confiança e da segurança jurídicas. Discordamos. O que a Lei nº 61/2008 mudou, no tocante ao art. 1791º foi apenas a referência ao cônjuge único ou principal culpado pelo divórcio, o que era inevitável face ao novo regime do próprio divórcio. A nova legislação não diz respeito à constituição e validade da concessão de benefícios, ou de liberalidades, no âmbito do casamento. Diz apenas respeito à sua perda em caso de divórcio. E o divórcio, nos presentes autos, ocorreu vários anos depois da entrada em vigor da mencionada Lei. Não pode haver violação dos princípios de confiança ou segurança jurídicas quando a norma regula os efeitos de um facto jurídico, que na relação entre Autor e Ré, ainda não havia tido lugar . Se o benefício em causa não tem a natureza de retribuição invocada pela Ré, também não se provou que tenha sido obtido por esta mediante coação moral, através de “chantagem psicológica e emocional”. O próprio depoimento de parte do Autor desmente tal chantagem, sendo claro que o mesmo Autor actuou de livre vontade e totalmente consciente quando efectuou a compra e venda do imóvel não só em seu nome mas também em nome da Ré. Na sentença recorrida deu-se como provado, no nº 7 da decisão factual: “O Autor aceitou que a Ré outorgasse a escritura referida em 2), na qualidade de compradora do imóvel e, consequentemente, que o direito de propriedade sobre os bens aí adquiridos fosse também registado em nome da Ré, no pressuposto da continuidade da vida em comum que faziam enquanto casados”. Como fundamento, o Mº juiz a quo menciona o depoimento de parte do Autor e o depoimento do pai deste, Manuel Bexiga. Além disso, salienta que na própria escritura de compra e venda se refere que o imóvel adquirido se destina à sua habitação própria e permanente. Parece-nos que a parte final do aludido nº 7 tem um sentido que resulta exclusivamente das declarações de parte do Autor, já que o pai deste referiu, nesta parte, aquilo que lhe foi dito pelo filho. De sublinhar que o próprio Autor, no seu depoimento, não foi tão taxativo quanto às razões de inclusão da Ré como outorgante da escritura como parece inferir-se da mencionada parte final do facto nº 7. Embora J... tenha feito alusões ao “casamento para o resto da vida”, o mesmo Autor ao tentar explicar a razão de ter convidado a Ré para ser igualmente outorgante da escritura, esclareceu que já desde o tempo em que viviam juntos na anterior casa em Benfica – que lhe pertencia – existia um mal-estar entre ambos já que a Ré não se sentia bem por viver em casa dele por isso implicar que teria de se sujeitar às regras dele. J... referiu, repetidamente, que o que estava na sua mente ao celebrar a escritura juntamente com a Ré foi pôr fim a essas desavenças, a esse mal-estar, e a obter uma maior estabilidade para o casal e a filha já nascida. Note-se que no contrato promessa figura apenas o Autor como promitente comprador. Como já referimos, entendemos que não faz sentido dar como provados factos exclusivamente com base do depoimento da parte a quem aproveitam. Isto aplica-se à Ré, como vimos, mas também ao Autor. Assim, e depois de analisar o (muito vasto) conjunto da prova produzida, entendemos alterar o teor da matéria fáctica no seu nº 7, que passa a ter o seguinte teor: “ O Autor aceitou que a Ré outorgasse a escritura referida em 2), na qualidade de compradora do imóvel e, consequentemente, que o direito de propriedade sobre os bens aí adquiridos fosse também registado em nome da Ré, tendo em atenção que estavam casados e que o imóvel se destinava à habitação própria e permanente do casal e da filha já nascida”. Não se faz assim referência a uma intenção específica, já que esta não decorre em termos probatórios de qualquer outro meio de prova para lá do depoimento de parte. Do que não temos dúvidas é que a outorga da escritura pela Ré só foi aceite pelo Autor por estarem casados e irem viver nessa fracção juntamente com a filha M... (o filho do casal, N..., nasceria a 22/06/2007). Voltando à integração jurídica desta factualidade, e como já dissemos, concordamos com o Mº juiz a quo quando descarta a possibilidade de ter ocorrido uma doação. O que não se poderá colocar seriamente em causa é que, tendo sido o Autor a suportar todas as despesas com a aquisição da fracção – tendo vendido a casa de que era dono em Benfica, para ajudar a tal pagamento – só aceitou que a Ré outorgasse igualmente a escritura de compra e venda, por estarem casados e terem uma filha e irem habitar de forma permanente tal fracção. Outras motivações psicológicas que tenham existido, deveriam ter sido adequadamente comprovadas pelas partes, e não foram. Autor e Ré estavam já casados há mais de dois anos quando ocorreu a compra da fracção. Com a sua nova redacção, o art. 1791º nº 1 do CC já não visa estabelecer uma sanção para o cônjuge culpado – ou principal culpado - pela dissolução do casamento, mas antes impedir que benefícios concedidos tendo em conta o casamento, permanecessem no património do cônjuge beneficiado quando, por qualquer razão, o casamento cessa por divórcio. Não é pois uma questão de culpa, nem ela foi colocada na sentença que decretou o divórcio entre Autor e Ré. Como temos vindo a dizer, existe um benefício para a Ré e que consiste na titularidade do direito de propriedade da fracção em apreço, em conjunto com o ex-marido e ora Autor, quando só este pagou todas as despesas atinentes à compra e registo do imóvel. Também não existem dúvidas que o facto de o Autor ter convidado a Ré a outorgar igualmente a escritura está numa relação indissociável com o estado de casados em que se encontravam na altura, uma vez que o Autor vendeu a sua casa de Benfica para adquirir esta, mais espaçosa, a pensar no aumento do agregado familiar, com a filha já nascida, vindo o segundo filho a nascer no ano seguinte. O regime do casamento é o da separação de bens pelo que, por uma mera questão de senso comum, foi a continuidade do casamento, o nascimento da filha, a perspectiva de finalmente constituir uma família, que presidiram à iniciativa do Autor de fazer a Ré outorgar com ele a escritura de compra e venda – ao contrário do que acontecera com o contrato promessa, celebrado quando Autor e Ré estavam casados há apenas seis meses e sem filhos. O património da Ré foi acrescido com a titularidade conjunta da propriedade do imóvel, para a qual não contribuiu com qualquer verba. Entendemos, tal como na sentença recorrida, que a situação se enquadra na previsão do já mencionado art. 1791º nº 1 do Código Civil, na medida em que estamos perante um benefício recebido em consideração do estado de casado. Cessado o casamento por divórcio, não há já que atender à culpa de qualquer dos cônjuges, a qual, de resto e como dissemos, não integra a sentença de divórcio. Suscita-se apenas a situação objectiva da cessação da relação jurídica que originou a concessão do benefício. Sendo assim e na medida em que o benefício, aquisição com o Autor da propriedade da fracção, tem a dimensão dos custos suportados exclusivamente pelo Autor com tal aquisição, ou melhor, metade dos mesmos, no valor global de € 135.843,94, tem o Autor direito a haver da Ré essa quantia. Quanto ao pedido reconvencional há que considerar que a Ré não logrou fazer prova dos factos que pudessem integrar os requisitos previstos no art. 1676º nºs 1 e 2 do Código Civil, no qual se pode ler que: 1. “O dever de contribuir para os encargos da vida familiar incumbe a ambos os cônjuges, de harmonia com as possibilidades de cada um, e pode ser cumprido, por qualquer deles, pela afectação dos seus recursos àqueles encargos e pelo trabalho despendido no lar ou na manutenção e educação dos filhos”. 2. “Se a contribuição de um dos cônjuges para os encargos da vida familiar for consideravelmente superior ao previsto no número anterior, porque renunciou de forma excessiva à satisfação dos seus interesses em favor da vida em comum, designadamente da sua vida profissional, com prejuízos patrimoniais importantes, esse cônjuge tem direito de exigir do outro a correspondente compensação”. Na medida em que não está provado que a Ré tenha contribuido para os encargos da vida familiar de forma desproporcionada aos rendimentos de cada cônjuge e muito menos que tenha contribuído com cerca de 75% das despesas com o agregado familiar, enquanto o Autor apenas teria contribuído com cerca de 25%, isso quando os rendimentos de cada um eram praticamente inversos, a reconvenção terá de improceder.
Conclui-se assim que: - Tendo o Autor, no decurso do casamento com a Ré, em regime de separação de bens, adquirido um imóvel com vista à habitação própria e permanente do agregado familiar, na altura composto pela Ré e uma filha (vindo a nascer um outro filho meses depois) e tendo o mesmo Autor admitido que a Ré outorgasse com ele a escritura de compra e venda, enquanto compradora, apesar de todas as encargos com o preço e demais encargos da aquisição terem sido exclusivamente suportados pelo Autor marido, há que entender estarmos perante um benefício para a Ré mulher concedido em consideração do estado de casados. - Ocorrendo o divórcio, posteriormente à entrada em vigor da Lei nº 61/2008 de 31/10, é lícito ao Autor peticionar o pagamento pela Ré de metade das despesas que teve com a aquisição do imóvel, nos termos do art. 1791º nº 1 do Código Civil.
Face ao exposto, improcede a apelação, confirmando-se a sentença recorrida. Custas pela recorrente.
LISBOA, 7/7/2016
António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais |