Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
562/11.7TCFUN-C.L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
DEPOIMENTO INDIRECTO
CONFISSÃO EXTRAJUDICIAL
PROVA TESTEMUNHAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - Não se verifica a nulidade, por omissão de pronúncia, da sentença proferida em oposição à execução, que, concluindo pela inexistência de título executivo, equaciona a inutilidade do conhecimento de qualquer outro fundamento alegado, relativo àquele. II - O princípio da plenitude da assistência dos juízes circunscreve-se, no domínio do Código de Processo Civil de 1961, ao âmbito dos atos da audiência final, deixando de jogar relativamente à elaboração da sentença. III – No âmbito do novo Código de Processo Civil, posto que o julgamento de facto é feito na sentença (art.º 697º, n.º 4), não faz sentido dizer-se que um juiz conclui o julgamento, mas não elabora a sentença, sendo redundante a disposição do n.º 4 do art.º 605º. IV – Não exclui o processo civil português o chamado depoimento indireto. V. - Tendo a testemunha indireta por fonte uma parte que produziu declarações desfavoráveis a si própria, o chamado relato ex parte contra se, este importa para o processo uma confissão extrajudicial feita a terceiro, a qual é livremente valorável pelo tribunal nos termos do art.º 358º, nº4, do Código Civil.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam neste Tribunal da Relação


I - Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa, que A, requereu contra B, veio a executada deduzir oposição.
Alegando, para tanto e em suma, que inexiste título executivo, na circunstância de o requerimento de injunção, a que foi aposta a fórmula executiva, e assim dado à execução, não ter sido notificado à Oponente, que assim não teve conhecimento “da apresentação da injunção.”.
E nada dever à Exequente, a quem pagou mais do que o montante da alegada dívida exequenda, no âmbito do contrato de mediação celebrado com aquela – como promotora imobiliária – para a promoção e venda das frações habitacionais da Exequente, que referencia.
Para além de os três penhorados prédios da Oponente serem de valor substancialmente superior à quantia exequenda.
Conclui pedindo:
a) se julgue procedente a Excepção dilatória de falta de notificação do Requerimento de Injunção que serve de título executivo à presente ação e, em
conformidade, nos termos do artigo 921° do C.P.C. declarar-se a nulidade dos atos praticados posteriormente ao dito facto, ou, caso assim não se considere;

b) se julgue reconhecida e aceite a caução oferecida pela Oponente, através da Garantia Bancária N° 10321, emitida pelo C, a qual deverá
substituir as penhoras N°s Ap - 2079 de 2011.11.03, AP _. 1320 de 2011.10.24 e 1318 de 2011.10.24, registadas pela Exequente na Conservatória do Registo Predial do ..., pelo que deverá ser ordenado o levantamento e cancelamento
destas;

c) se julgue procedente a presente oposição e, consequentemente, a Oponente absolvida da instância executiva, a qual deverá manter-se suspensa até
decisão final, por força da prestação da caução atrás identificada.

 
Recebida liminarmente a oposição e notificada a exequente, contestou esta, sustentando a improcedência da arguida exceção de inexistência de título executivo, a proporcionalidade das penhoras efetuadas, atentos os ónus e encargos registados antes delas, mais pretendendo que não tendo a oponente deduzido a sua defesa na oposição ao requerimento de injunção, injunção, precludiu a possibilidade de agora invocar os meios de defesa que seriam lícitos invocar naquele processo.
Deduzindo ainda impugnação,
E, não se opondo à requerida prestação de caução, mais sustentando que a garantia bancária a prestar pela oponente terá de ser uma garantia bancária "upon first demand" à ordem da exequente ou do Tribunal e sem qualquer prazo ou validade, sendo que “a única condição de extinção a que tem de estar sujeita é ao pagamento integral do crédito reclamado judicialmente.”.

Houve…”Resposta” da Oponente…sustentando a inexistência de título executivo, e insistindo na idoneidade da caução por si oferecida.

Requerendo a Oponida, a folhas 251, 252, o desentranhamento, por inadmissível, de tal articulado.

E vindo a Oponente, a folhas 255, 256, requerer…o indeferimento do assim requerido pela Oponida.


Por despacho de folhas 258-271, decidiu-se que a referida “resposta” da Oponente apenas seria considerável na parte em que se trata “de matéria de impugnação do teor dos documentos oferecidos pela exequente/oponida em sede de contestação”, tendo-se por não escrito tal articulado, no mais.
E, por igual não ser de considerar em juízo, “por ilegal (…) o articulado apresentado pela executada/oponida (leia-se, oponente) constante de fls. 254 a 257”.

Mais naquele se julgando “válida e idónea a caução prestada pela executada/ oponente, através da garantia bancária junta aos autos a fls. 33 a 34”, com substituição da “penhora de bens imóveis alcançada nos autos de execução por essa caução.”.

Operando-se ainda o saneamento, e dispensando-se a seleção da matéria de facto.

Vindo, realizada que foi a audiência final, a ser proferida sentença que julgando totalmente procedente a oposição à execução determinou “a extinção dos autos de execução a estes apensos, por falta de título executivo.”.

Inconformada, recorreu a exequente, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões: (…)
Contra-alegou a Recorrida, pugnando pela manutenção do julgado.

II – Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.
Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2 do novo Código de Processo Civil, sendo que a execução foi requerida em 16-01-2012, tendo a decisão recorrida sido proferida em 28-10-2013 – são questões propostas à resolução deste Tribunal:
- se a recorrida não foi regularmente notificada para os termos do procedimento de injunção;
- se é de alterar a decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nos termos pretendidos pela Recorrente;
- se ocorreu omissão de pronúncia na decisão recorrida, quanto a outras questões “igualmente suscitadas pelas partes”;
- se a decisão recorrida é nula por violação do princípio da plenitude da assistência do juiz.

Sendo que delas se conhecerá pela ordem da sua precedência lógica, e as duas primeiras, em articulação, dado apresentarem-se imbricadas.
*
Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte:
“A. A Executada é uma sociedade comercial que se dedica exclusivamente à venda dos prédios por ela adquiridos e construídos ou não para esse fim;
B. A sede da oponente é na Rua Serpa Pinto 4, 2º-Esq., no ..., desde 20/12/2007;
C. A Exequente exerce a actividade de mediação imobiliária;
D. O título executivo que serve de base à acção executiva de que estes autos são um apenso é um requerimento de injunção a que foi atribuída força executiva em 12/10/2011;
E. A 30/06/2011, o Balcão Nacional de Injunções enviou à Oponente a notificação do requerimento de injunção que constitui o título exequendo mediante carta registada com aviso de recepção, com o registo CTT nº RP …, para a Rua Serpa Pinto 4, 2º-Esq., no ...;
F. A carta supra referida foi devolvida com a menção de “objecto não reclamado”;
G. A 16/08/2011 e a 01/09/2011 foram realizadas diligências pelos serviços do Balcão Nacional de Injunções, de forma a conhecer a localização da sede da oponente, nomeadamente através de pesquisas nas bases de dados dos serviços de identificação civil e da Direcção - Geral dos Impostos;
H. Das pesquisas resultou que a sede da oponente coincidia com a indicada no requerimento de injunção, local para onde foi dirigida a carta de notificação do requerimento de injunção, mencionada no ponto 5, ou seja, na Rua Serpa Pinto 4, 2º-Esq., no ...;
I. Havendo coincidência de moradas, a 09/09/2011, o Balcão Nacional de Injunções enviou de novo à Oponente a notificação do requerimento de injunção, mediante carta com prova de depósito, com o registo CTT: RP …, para a Rua Serpa Pinto 4, 2º-Esq., no ...;
J. Não obstante, a Oponente não teve efectivo conhecimento do referido requerimento de injunção e apenas soube da pendência da acção executiva dela decorrente quando, em meados do mês de Novembro de 2011, ao obter uma certidão do registo predial do seu prédio sito em São João, freguesia da Sé, concelho do ..., verificou através desta, da existência de uma penhora registada pela Exequente através da AP. 1318, de 2011/10/24, na Conservatória do Registo Predial de ...;
K. No exercício da sua actividade comercial, a Oponente contratou com a Exequente a promoção e venda de parte das fracções habitacionais (vulgo apartamentos) resultantes da construção promovida pela primeira no denominado “Edifício …”, sito no … de Baixo para a Cidade, Freguesia do Caniço, concelho de ...;
L. A Exequente e Oponente acordaram que a comissão de vendas que esta receberia ficasse fixada em 9%;
M. O sobredito contrato de mediação previa que a mediadora imobiliária ficasse com a exclusividade das vendas de parte das fracções autónomas do “...”.
N. Tais promoção e venda foram contratadas e, como tal, aceites pela Oponente, dada a garantia prestada pela Exequente da excelência dos seus serviços, condição que convenceu a Oponente a conceder-lhe a referida exclusividade de comercialização.
O. A Exequente além de se comprometer com o prazo (este meramente previsional) e quantidade referidos no contrato que veio a ser celebrado entre ambas, infra identificado, e no seu Anexo 2, comprometeu-se a iniciar uma campanha de vendas, com o recurso às seguintes iniciativas:
- “Marketing – Este projecto necessita de uma exposição maior que o normal nos media e por via electrónica. Resumem-se assim os meios a aplicar: 1. Mini-website com toda a informação e imagens, que ficaria integrada no “site” da Mediadora e dos seus representantes no estrangeiro; 2. uma brochura completa de alta qualidade, com toda a descrição do empreendimento, estilo de vida, infra-estrutura do local, “masterplan” do empreendimento, comodidades em volta do local, especificações dos materiais e, pelo menos, uma planta para cada tipologia; “layout” do empreendimento, informação sobre transportes para a ilha/local, e imagens 3D. Este trabalho estaria já em curso e a Mediadora interviria para finalizar a versão pretendida. 3. Um local de vendas no empreendimento a ser disponibilizado pela Promotora, que conteria amostras do material, acabamentos, equipamentos e, se possível, uma maqueta do empreendimento.
Este local de vendas seria gerido pela Mediadora e conteria as suas marcas e “logos”. 4. O custo de marketing nos média para o empreendimento seria na ordem de € 94.000. Este custo seria principalmente para anúncios nos média no Reino Unido, Irlanda e na Madeira (nas edições em língua estrangeira). Seriam oportunamente providenciados pormenores das campanha nos média e timing /custos detalhados para cada publicação;
P. No local de vendas no empreendimento, supra referido, nunca foram disponibilizadas as amostras do material, acabamentos, equipamentos do empreendimento uma vez que a Oponente nunca as disponibilizou.
Q. Comprometeu-se ainda a Exequente a estabelecer uma par(e)ceria com uma famosa e reconhecida mediadora imobiliária, sediada em Londres.
R. Tendo em atenção as condições propostas pela Exequente, a Oponente aceitou fixar a comissão de vendas em 9%, desde que aquela cumprisse na íntegra com todas as referidas condições complementares, que implementaria na mediação na venda dos apartamentos do “…”.
S. Assim, em 29 de Maio de 2007, Oponente e Exequente assinaram o sobredito contrato de mediação imobiliária e seus dois anexos, que constituem sua parte integrante.
T. Nos primeiros seis meses de vigência do contrato, a Exequente angariou seis promitentes-compradores, os quais se comprometeram na prometida compra e venda de um apartamento cada.
U. Nos seis meses subsequentes, a Exequente angariou outros dois promitentes-compradores, os quais igualmente se comprometeram na prometida compra de um apartamento cada.
V. A Oponente, nesta altura, já havia pago à Exequente a quantia em concreto não apurada mas correspondente a 50% das comissões que lhe eram devidas pela compras e vendas dos oito apartamentos em causa.
W. Depois de Junho de 2009, a Exequente nunca mais vendeu qualquer apartamento do “...”.
X. A Exequente elaborou websites independentes, em língua portuguesa e inglesa, para publicitar e divulgar as fracções do edifício denominado “...”, sites esses ainda acessíveis através de pesquisas integradas em: http://www....plus.com/...web/index.htm; e no site da …: http://www....co.uk/country/2/development/18;
Y. A Exequente elaborou várias brochuras com informação sobre as fracções do edifício em causa, nomeadamente: a) brochuras comerciais; b) brochuras comerciais em grau 2, ou seja, brochuras mais detalhadas para casos em que já haja potenciais interessados; c) brochuras comerciais, em grau 3, em inglês e português, ou seja, mais pormenorizado ainda do que os anteriores, para esclarecimento integral dos clientes.
Z. A Exequente fez também vários “posters” de publicidade do edifício “...”.
AA. A Exequente publicou ainda anúncios em vários jornais como o “The …”, “The …” e em revistas como a “…”, “…”, “Place …”.
BB. Todos os custos com a publicidade referida nos pontos 24. a 27. foram suportados em exclusivo pela Exequente.
CC. A Oponente nunca efectuou qualquer pagamento à Exequente dos montantes por ela despendidos em Publicidade.
DD. A Exequente acompanhou ainda toda a obra do edifício “...”, de forma a manter-se informada e poder esclarecer os clientes que a procuravam para obter informações.
EE. A Exequente participou em reuniões entre os arquitectos e a Oponente, sugerindo alterações na obra, de forma a tornar as fracções mais atractivas e assim facilitar a sua comercialização.
FF. A Exequente realizou ainda várias reuniões com a Oponente, para a manter informada das diligências que estava a realizar e das questões e respostas dos potenciais interessados.
GG. Numa reunião havida em 27/03/2008, a Exequente estava disposta a abdicar da sua exclusividade contratual, admitindo a realização de parcerias com outras imobiliárias portuguesas, de forma a poder facilitar a venda das fracções do edifício em causa.
HH. A Oponente não pagou antecipadamente o valor da publicidade acordada, nem pagou a totalidade das comissões devidas à Exequente com a realização das escrituras públicas de compra e venda das fracções a clientes que angariou, estando em dívida os restantes 50% que deveriam ter sido pagos aquando da realização de tais escrituras, no montante de € 73.358,47 (a título de capital).
II. A exequente pagou à empresa com quem colaborava em Londres a parte com ela acordada, quando recebeu os 50% iniciais com a celebração dos contratos promessa, só não tendo pago o remanescente, em virtude da oponente também nunca lhe ter pago a quantia cuja cobrança coerciva aqui se pretende.
JJ. Depois de Junho de 2009 não só a Exequente nada mais vendeu. Mais ninguém vendeu, pois a obra não estava concluída e apresentava já atrasos que anteviam que as fracções do prédio ajuizado jamais seriam entregues em tempo.
KK. O Dr. Filipe …, sócio e gerente da Oponente teve necessidade de dirigir uma carta aos compradores das fracções, a justificar os significativos atrasos na obra do edifico “...”.
LL. Os três prédios da propriedade da oponente que foram penhorados nos autos de Execução são os seguintes: a) Fracção autónoma, designada pelas letras BH, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, denominado "...", sito no … para a Cidade, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 5445/20100719, da freguesia do …, concelho de ..., inscrita na matriz urbana sob o nº 6491; b) Prédio Misto, sito no Ribeiro de S. João, descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o nº 1397/20050429, da freguesia de S. Pedro, concelho do ..., inscrito na matriz urbana nº 1897, 2042, 2043, 2045 e na matriz rústica nº 4/2, secção F e 4/3 secção F; c) 1/3 do Prédio urbano, sito na Rua dos …, 90 e 92, descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o nº 1508, da freguesia de S. Pedro, concelho do ..., inscrito na matriz urbana nº 117;
MM. A fracção penhorada identificada na alínea a) do ponto LL. tem duas hipotecas voluntárias registadas a favor do ... – Banco Internacional do ..., uma no valor de € 8.600.000,00 (oito milhões e seiscentos mil euros) e outra no valor de € 3.180.000,00 (três milhões cento e oitenta mil euros) e um arresto a favor da “ILHO - Construções, SA., no valor de € 522.127,80 (quinhentos e vinte e dois mil cento e vinte e sete euros e oitenta cêntimos).
NN. O prédio misto penhorado identificado na alínea b) do ponto LL. tem uma hipoteca voluntária registada a favor do ... – Banco Internacional do ..., no valor de € 1.000.000,00 (um milhão euros).
OO. O 1/3 do prédio urbano penhorado identificado na alínea c) do ponto LL. tem uma hipoteca registada a favor da Fazenda Pública, no valor de € 254.756,01 (duzentos e cinquenta quatro mil setecentos e cinquenta seis euros e um cêntimos).”.
*
Vejamos.

II – 1 – Da omissão de pronúncia na decisão recorrida.
Considera a Recorrente que… quanto a outras questões “igualmente suscitadas pelas partes”, para além da “regularidade da citação da recorrida nos autos de injunção e sobre o título executivo”, nada disse a sentença recorrida, “quando o deveria ter feito”.

É porém evidente a sem razão da Recorrente.

Com efeito, nos termos do art.º 608º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – com lugar paralelo no art.º 660º, n.º 2, do anterior Código de Processo Civil – 2 – “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” (sublinhado nosso).
Por isso mesmo referindo Lebre de Freitas[1] que “Devendo o juiz conhecer de todas as questões que lhe são submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e exceções invocadas e todas as exceções de que lhe cabe conhecer (art. 608-2), o não conhecimento de pedido, causa de pedir ou exceção, cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão, constitui nulidade, já não a constituindo a omissão de considerar linhas de fundamentação jurídica, diferentes da da sentença, que as partes hajam invocado (…).” (ainda e sempre, sendo nosso o sublinhado).
Ora, e precisamente, concluiu-se na sentença recorrida concluiu que “Tudo ponderado verificando-se a falta de notificação da Requerida/Opoente e implicando esta a anulação da fórmula executória e, consequentemente, a inexistência do título dado à execução temos que os autos de execução não podem prosseguir, por falta de título.”.
 E “Em face do ora decidido, torna-se despiciendo ponderar os fundamentos subjacentes à Oposição à Penhora pois que, decretando-se a extinção dos autos de execução, por falta de título, a penhora é, necessariamente levantada.”.
Como também, “Igualmente se mostra despiciendo ponderar qualquer outra alegação efectuada, pois que, estando nós no âmbito de um incidente de oposição à execução e à penhora, nada mais pode neles ser discutido, para além do teor do título executivo e dos fundamentos modificativos, extintivos ou modificativos dos efeitos desse título, ora concluindo-se pela inexistência de título, torna-se inútil conhecer de qualquer outro fundamento alegado quanto ao mesmo.”.

Sendo tal ordem de razões de cristalina evidência e imediata aceitação.
Não se verificando pois a nulidade de sentença cominada no art.º 651º, n.º 1, alínea d), do novo Código de Processo Civil, que, sem nominação, a Recorrente pretendeu substanciar.
Improcedendo, nesta parte, as conclusões daquela.

II – 2 – Da nulidade da sentença por violação do princípio da plenitude da assistência do juiz.
Tal violação ocorreria na circunstância de “todo o processo e respetiva audiência de julgamento” ter sido da responsabilidade de uma senhora Juíza, e a decisão recorrida haver sido proferida por outra.

Logo cumprirá assinalar que se trata de sentença proferida já no domínio de vigência do novo Código de Processo Civil, mas tendo a decisão quanto à matéria de facto, após encerramento da discussão, sido proferida ainda no domínio do anterior Código de Processo Civil de 1961.
Ora, certo que no âmbito do novo Código de Processo Civil, posto que o julgamento de facto é feito na sentença (art.º 697º, n.º 4), “não faz sentido dizer-se que um juiz conclui o julgamento, mas não elabora a sentença”, sendo redundante a disposição do n.º 4 do art.º 605º - epigrafado de “Princípio da plenitude da assistência do juiz” – já as coisas se passavam de forma diferente no domínio do anterior Código de Processo Civil.
  Com efeito, e sob a mesma epígrafe, dispunha-se no art.º 654º daquele Código:
“1 – Só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final.
2 – Se durante a discussão e julgamento falecer ou se impossibilitar permanentemente algum dos juízes, repetir-se-ão os actos já praticados; sendo temporária a impossibilidade, interromper-se-á a audiência pelo tempo indispensável, a não ser que as circunstâncias aconselhem, de preferência, a repetição dos actos já praticados, o que será decidido sem recurso, mas em despacho fundamentado, pelo juiz que deva presidir à continuação da audiência ou à nova audiência.
3 – O juiz que for transferido, promovido ou aposentado concluirá o julgamento, excepto se a aposentação tiver por fundamento a incapacidade física. moral ou profissional para o exercício do cargo ou se, em qualquer dos casos, também for preferível a repetição dos actos já praticados, observado o disposto no número anterior.
O juiz substituto continuará a intervir, não obstante o regresso ao serviço do juiz efectivo.”.

De tal complexo normativo se retirando, como anotam José Lebre de Freitas, A. Montalvão Machado, Rui Pinto,[2] que “O princípio da plenitude da assistência dos juízes circunscreve-se no âmbito dos actos da audiência final, deixando de jogar relativamente à elaboração da sentença, a qual, no caso, designadamente, de transferência do juiz que haja presidido à audiência, cabe ao juiz que o substituir (ac. do STJ de 10.11.92, BMJ, 421, p. 343).”.

Assim, ao tempo da realização da audiência final e da decisão quanto à matéria de facto, a lei de processo não impunha a observância daquele princípio, ou não o entendia como abrangendo a própria elaboração da sentença...
…E quando esta foi proferida, na vigência do novo Código de Processo Civil…já a audiência final tinha sido realizada e fixada a matéria de facto, não tendo a nova lei de processo efeitos retroativos destruidores da eficácia dos atos validamente praticados no domínio do anterior Código de Processo Civil.

Não ocorrendo pois violação do invocado princípio da plenitude da assistência dos juízes.

Com improcedência, também aqui, das conclusões da Recorrente.

II – 3 – Da regularidade da notificação da Requerida para os termos do procedimento de injunção, e da impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.
Não sofre crise tratar-se a matéria de tal regularidade, e na sequência do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 388/2013, in DR 184, Série I, de 2013-09-24 – que “declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, nº 2 do Código de Processo Civil (CPC), na redação do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição” – de legítimo fundamento de oposição à execução.

Isto posto.

1. Nos termos do art.º 12º, do Anexo a que se refere o art.º 1º do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro:
“1 - No prazo de 5 dias, o secretário judicial notifica o requerido, por carta registada com aviso de recepção, para, em 15 dias, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa de justiça por ele paga, ou para deduzir oposição à pretensão.
2 - À notificação é aplicável, com as devidas adaptações, o disposto nos artigos 231.° e 232.°, nos n.ºs  2 a 5 do artigo 236.° e no artigo 237.° do Código de Processo Civil.
3 - No caso de se frustrar a notificação por via postal, nos termos do número anterior, a secretaria obtém, oficiosamente, informação sobre residência, local de trabalho ou, tratando-se de pessoa colectiva ou sociedade, sobre sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, nas bases de dados dos serviços de identificação civil, da segurança social, da Direcção-Geral dos Impostos e da Direcção-Geral de Viação.
4 - Se a residência, local de trabalho, sede ou local onde funciona normalmente a administração do notificando, para o qual se endereçou a carta registada com aviso de recepção, coincidir com o local obtido junto de todos os serviços enumerados no número anterior, procede-se à notificação por via postal simples, dirigida ao notificando e endereçada para esse local, aplicando-se o disposto nos n.ºs 2 a 4 do artigo seguinte.
5 - Se a residência. local de trabalho. sede ou local onde funciona normal- mente a administração do notificando, para o qual se endereçou a notificação, não coincidir com o local obtido nas bases de dados de todos os serviços enumerados no n.º 3, ou se nestas constarem várias residências, locais de trabalho ou sede, procede-se à notificação por via postal simples para cada um desses locais.
6 - Se qualquer das pessoas referidas no n.º 2 do artigo 236.° do Código de Processo Civil, diversa do notificando, recusar a assinatura do aviso de recepção ou o recebimento da carta , o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver.
7 - Não sendo possível a notificação nos termos dos números anteriores, a secretaria procederá conforme considere mais conveniente, tentando, designadamente, a notificação noutro local conhecido ou aguardando o regresso do requerido.
8 - Não se aplica o disposto nos n.ºs 1 e 2 se o requerente indicar que pretende a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, caso em que se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto no Código de Processo Civil para a citação por solicitador de execução ou mandatário judicial.
9 - No caso de se frustrar a notificação por solicitador de execução ou mandatário judicial, procede-se à notificação nos termos dos n.ºs  3 a 7.
10 - Por despacho conjunto do ministro com a tutela do serviço público de correios e do Ministro da Justiça, pode ser aprovado modelo próprio de carta registada com aviso de recepção para o efeito do n.º 1, nos casos em que o volume de serviço o justifique.”.

Dispondo-se, nos n.ºs 2 a 4 do “artigo seguinte” (12º-A):
“2 - O Funcionário judicial junta ao processo duplicado da notificação enviada.
3 - O distribuidor do serviço postal procede ao depósito da referida carta na caixa do correio do notificando e certifica a data e o local exacto em que a depositou, remetendo de imediato a certidão à secretaria.
4 – Não sendo possível o depósito da carta na caixa do correio do notificando, o distribuidor do serviço postal lavra nota do incidente, datando-a e remetendo­-a de imediato à secretária, excepto no caso de o depósito ser inviável em virtude das dimensões da carta, caso em que deixa um aviso nos termos do n." 5 do artigo 236.° do Código de Processo Civil.
 
Sendo que, como da factualidade apurada resulta – vd. alíneas E, F, G, H e I – e se considerou na sentença recorrida, foram efetivamente observados os procedimentos previstos nos n.ºs 1 a 4, do citado art.º 12º.

Mais se julgando naquela que “pese embora se tenham cumprido todos esses procedimentos, logrando a parte provar que, na altura em que lhe foram enviadas as missivas de notificação não tomou, efectivamente conhecimento de que contra si corria um procedimento de injunção”, não “podemos presumir, a notificação e considerar que, em face do cumprimento dos preceitos legais, a notificação foi regularmente efectuada”.
E, deste modo…considerando ainda que “Interpretar as regras constantes dos artigos 12°, do Decreto-lei 269/98 e 238°, do Código de Processo Civil de outra forma consubstanciaria uma flagrante violação dos direitos constitucionalmente consagrados pelos artigos 18°, n.º 2 e 20°, n.º 1 e n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (princípios da proporcionalidade, da proibição de indefesa e do processo equitativo).”.

Contrapondo a Recorrente que cumpridas todas as formalidades legais da notificação da recorrida, é sobre esta que recai o ónus de alegar e provar o seu desconhecimento do acto, sendo que “no caso em apreço, não foi indicado qualquer tipo de prova ou elemento processual que pudesse demonstrar que a recorrida não teve conhecimento da citação”.
Dest’arte não colocando em crise o entendimento sustentado na sentença recorrida, no tocante à inconstitucionalidade das regras constantes do referido art.º 12º, quando interpretadas no sentido de prevalecer a notificação com o recurso à via postal, com prova de depósito, quando o notificando provou não ter a notificação chegado ao seu conhecimento.
Entendimento subjacente, de resto, ao que tem sido jurisprudência uniforme desta Relação, e de que se citam, a título meramente ilustrativo, os Acórdãos de 31-01-2012,[3] e 19-12-2013.[4] Mas veja-se também o Acórdão da Relação de Évora, de 25-09-2008.[5]

2. Somos assim conduzidos – em ordem ao cabal equacionar da subsistência da presunção de notificação da requerida, no procedimento de injunção em cujo requerimento foi aposta a fórmula executória, e que constitui título executivo, face ao disposto no art.º 21º, n.ºs 1 e 2, do supra referido Anexo – à apreciação da deduzida impugnação da decisão da 1ª instância, quanto à matéria de facto.

2.1. Questiona a Oponente/Recorrente, o consignado na alínea “J” da “Fundamentação de facto” da sentença recorrida.
A saber, que “Não obstante, a oponente não teve efectivo conhecimento do referido requerimento de injunção e apenas sobe da pendência da acção executiva dela decorrente quando, em meados do mês de Novembro de 2011, ao obter uma certidão do registo predial do seu prédio sito em São João, freguesia da Sé, concelho do ..., verificou através desta, da existência de uma penhora registada pela Exequente através da AP. 1318, de 2011/10/24, na Conservatória do Registo Predial de ....”.

Propugnando o não provado de tal factualidade e o provado de que “Foram cumpridos todos os procedimentos exigidos para a notificação da oponente, tendo esta tido efetivo e atempado conhecimento do referido requerimento.”.

E isto, dest’arte, considerando que “Todas as testemunhas ouvidas em tribunal confirmaram que a sede da recorrida era no referido local (Rua Serpa Pinto , n.º 4, 2º, esq.º, no ...), e que era nesse local que recebiam toda a correspondência”, para aquele tendo sido “endereçadas as cartas do Balcão Nacional de Injunções”.
Transcrevendo excertos dos depoimentos de Nélia, Ana, e Manuel, esta última referindo que o sócio gerente da recorrida, Fernando, lhe “confirmou (…) ter recebido as cartas do Balcão Nacional de Injunções”.
 
3. Tendo-se consignado, na fundamentação da decisão da matéria de facto, e no assim ora em causa, como segue:
“O Tribunal fundou-se, assim, nas regras de experiência e na ponderação de toda a prova produzida e o juízo sobre a certeza e a verdade material dos factos (ou não) resultou, sobretudo, dos meios de prova abaixo descritos.
Deste modo, concretizando e em destaque, a testemunha Ana, secretária do Dr. Filipe, Advogado e sócio gerente da executada desde há mais de 12 anos, confirmou, de modo claro e isento aos olhos do tribunal, que a executada só teve conhecimento da pendência da acção executiva apensa e do Processo de Injunção que lhe está subjacente no circunstancialismo descrito no ponto 20°, ao pretender obter uma certidão predial referente a um dos prédios nela penhorados, no âmbito das suas funções.
Já a testemunha João, empresário dos ramos de hotelaria e de automóvel, confirmou ter pretendido comprar 10 apartamentos no edifício "...", tendo primeiramente estabelecido os contactos para tanto com o Eng. Manuel, então sócio gerente da Exequente, cuja empresa tinha "o exclusivo das vendas", que "o levou à , tendo todas as reuniões havidas para o efeito ocorrido no Escritório do Dr. Filipe.
Confirmou também que o mesmo Eng. Manuel, em meados de 2011, levou Marco à sede da Executada, que já estava fechada, deslocação em que os acompanhou, com vista a vendê-la ao dito Marco.
O referido Marco, ouvido como testemunha, confirmou a dita deslocação, seu circunstancialismo e objectivo.
Disse que tal deslocação, ao que se lembra, terá ocorrido em Maio de 2011 e que o foi para ver o escritório da Executada, sito na sua sede, que estava já encerrado, para o comprar e aí instalar um armazém.
Todas as reuniões que teve com a Executada, com vista à compra de apartamentos no "..." ocorreram no Escritório do Dr. Filipe
Já a testemunha Nélia, secretária administrativa na executada de 2003 a 12 de Maio de 2011, altura em que cessou a sua relação laborai com a empresa, pese embora tenha revelado contra ela alguma hostilidade por via de tal cessação, pode o tribunal dar por adquirido, com segurança, que a maioria das reuniões da Executada ocorriam no Escritório do Dr. Filipe; a celebração do contrato ajuizado; o não pagamento das facturas correspondentes à dívida exequenda.
(…)
O engenheiro Manuel, empresário do ramo imobiliário, configura uma testemunha "sui generis". Como ele próprio admitiu em julgamento, é, na realidade sócio e gerente da exequente, apenas tendo renunciado às funções de gerência formalmente, para poder ser ouvido como testemunha. Mais referiu ainda estar de relações cortadas desde há cerca de 6 meses com o Dr. Filipe, sócio gerente da executada e ter boas relações com Fernando de, também sócio e gerente da executada.
Todavia, não obstante o apontado condicionalismo, mostrou-se isento e credível quando se pronunciou sobre o acordado entre as partes, que colhe suporte na literalidade do contrato entre ambas firmado e 2 Anexos que o integram; sobre a exclusividade contratada; sobre a comissão estabelecida; nos custos que a exequente teve com publicidade e forma que esta assumiu; sobre o número de compras e vendas que conseguiram; sobre o montante pago pela executada, correspondente a 500/o do devido e não pagamento do remanescente pela executada por dificuldades económicas; os atrasos na conclusão da obra; o envolvimento alargado e "fora do normal" que a exequente teve na própria edificação do empreendimento e sua divulgação.
Todavia, a apontada testemunha já não teve merecimento quando tentou veicular que a executada foi efectivamente notificada do processo de injunção (tal como a testemunha Maria), o que lhe teria sido dito por Fernando, também sócio e gerente da executada, que lhe confirmou ter recebido a carta de que tal visou.
Mantendo ele boas relações com este sócio e gerente da executada, nada o impedia de, através do seu mandatário, requerer que fosse ouvido como parte, prestando o seu depoimento como tal, onde podia, na primeira pessoa, veicular tal factualidade, assim lhe conferindo força, de modo a que o tribunal a pudesse dar como assente.
Por outro lado, a realidade das coisas — a mundividência dos homens e regras de experiência que resultam do viver em sociedade, que, como vimos, o tribunal deve ter presentes quando aprecia a prova, apontam para que, efectivamente, a executada só tenha tido conhecimento de tal injunção no circunstancialismo e tempo que se deixaram evidenciados.
Basta pensar que, por um lado, de acordo com tais regras de experiência, é de estranhar que a executada, sendo um dos seus sócios e gerente advogado de profissão, não contestasse tal injunção, arriscando-se a fazê-lo apenas nesta sede.
Por outro, tendo resultado do depoimento de testemunhas ouvidas que a sede/escritório da executada estava encerrado desde pelo menos meados de 2011, tal oferece ainda maior credibilidade à tese factual que, a este respeito, foi trazida aos autos pela executada.
(…)” (os sublinhados são, obviamente, nossos).

Sendo pois que está aqui assim em causa, a hipótese contemplada no art.º 640º, n.ºs 1 alínea b) e n.º 2, alínea b), do novo Código de Processo Civil, a saber, ter ocorrido gravação dos depoimentos prestados, sendo impugnada a decisão que, também com base neles, proferida foi.
Certo que, tratando-se de oposição deduzida a execução requerida em 2011, aquando da prolação da sentença recorrida – em 28 de outubro de 2013 – se encontrava já em vigor aquele compêndio normativo, assim aplicável, in casu, e nada diversamente resultando da norma transitória do art.º 7º da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho[6] – em matéria de admissibilidade do recurso e do âmbito deste

4. Ora, tendo-se procedido à reprodução do registo áudio dos depoimentos prestados, confirmam-se os fundamentos expressos na motivação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, assim não sobrepujados pela ordem de considerações a propósito alinhada pela Recorrente.

Com efeito:
A testemunha Ana– trabalhando como Secretária na “..”, escritório de advogados, e com o Dr. Filipe, Advogado e sócio gerente da executada, há mais de 12 anos – cujo depoimento a Recorrente convoca, disse, efetivamente, o que das suas respostas às instâncias do mandatário da oponida, transcreveu a Recorrente, a folhas 8/65, das suas alegações…
…Omitindo porém que imediatamente a seguir, e respondendo à observação/pergunta da Senhora Juíza:
“No fundo o que o senhor Dr. está querendo saber é se iam buscar a correspondência, como é que não souberam de cartas que foram dirigidas, só souberam deste processo com as tais penhoras na certidão?”.
Disse: “Isso já eu não sei responder”.
E, quanto a não ter dúvidas “que pela reação do Dr. Filipe ele só soube nessa altura”, respondeu:
“Foi uma surpresa, foi uma surpresa”.
Mais assumindo, às perguntas do mandatário da opoente, ter sido ela quem tratou das certidões prediais para tratar da escritura do terreno de São João, tendo sido “uma surpresa, sim senhor” a constatação de que “estava lá”, nas certidões, uma penhora.
Tendo o Filipe e o sócio Fernando ficado “surpreendidos que até contataram o senhor engenheiro .... para saber o que era aquela”.
Havendo tido mais tarde uma reunião na ----, com o Dr. Filipe e o engenheiro ...., tendo a testemunha ouvido “gritos lá na receção” e o Dr. Filipe dizer “que aquilo era uma chantagem, uma ordinarice”.
Sendo expressa e reiterada em afirmar que tudo o relativo à … era tratado no escritório onde a testemunha trabalha – do Dr. Filipe, chamando a testemunha o Sr. Fernando para as reuniões – sendo que a … só tinha uma funcionária “mais externa”, a “Nélia”, que “saiu em Maio de 2011”, não sendo substituída, pois “fecharam”.
Referindo-se ao Dr. Filipe como sócio da … e advogado da mesma.
E que o Eng.º Manuel … nunca foi a reuniões na Rua Serpa Pinto, porque se elas tivessem acontecido o Dr. Filipe teria ido lá.

A testemunha Nélia confirmou, na verdade, que o seu local de trabalho, enquanto funcionária da …, “Era na Rua Serpa Pinto”.
Só que essa mesma testemunha mais referiu – do que também parece ter-se esquecido a Recorrente – que exerceu funções de secretária administrativa na … desde 2003… “até ao dia doze de Maio de 2011”, não sabendo o que se passou a partir daí, “porque nunca mais lá fui”.
E que pôs termo ao seu contrato com a Recorrida, “com justa causa”, tendo um “processo” “na Inspeção Regional de Trabalho”, sendo que está atualmente desempregada.
Não sendo as suas relações com os sócios da ... “as melhores, porque eu não saí (…) de livre vontade”.

Tendo-se pois, e por um lado, que esta testemunha apenas saberá do que se passava no local correspondente à sede da ..., em matéria de receção de correspondência, até ao dia 12-05-2011…
E, por outro, que a sua credibilidade deverá ser sopesada tendo presente que se desligou daquela empresa com invocada “justa causa”, não sendo as suas relações com os sócios daquela “as melhores”.

João, que se assume como amigo dos sócios-gerentes da oponente e da oponida, sendo empresário com atividade no ramo automóvel, e de hotelaria, tem um sócio, o Dr. Marco.
Refere ter sido o engenheiro Manuel quem o trouxe à ….
Dando como certo que tendo-se arrastado as negociações com a ... vários meses, nunca teve nenhuma reunião com o Filipe ... e com o Fernando ..., na Serpa Pinto.
Sendo “sempre no escritório do Filipe ...” que se resolviam os problemas da ....
Mais referindo que, “Na altura quando eu andava com aquela negociata do ...”, ao “meio” do ano de 2011, “não sei se foi em Março se foi em Abril”, o engenheiro .... mostrou-lhe, e ao Marco, o “escritório” da Serpa Pinto, que poderia ser para armazém do sócio da testemunha, estando aquele “totalmente fechado”.

Marco ..., igualmente empresário do ramo da hotelaria e automóvel, assume-se como amigo do Dr. Filipe ... e do Eng.º ...., tendo sido este último quem o levou e ao seu sócio, ao contacto com a Sofiteq, “dona do ...”.
Sendo as questões tratadas sempre na sala de reuniões do escritório do Dr. Filipe ....
Tendo ido à “sede” da Sofiteq, na Rua Serpa Pinto, “uma vez”.
Explicando que a cave da loja de sapataria da sua companheira ficou inundada, “tivemos um prejuízo”…e “grande dificuldade” em renovar o seguro, por aquele local ter sido considerado de risco.
Posto o que tinham de encontrar um outro sítio para armazém, e nessa circunstância, “foi aí que em conversa depois com o senhor Manuel…e depois já conhecer o Dr. Filipe e as histórias do ...…que me falaram desse escritório, e eu fui lá ver o escritório”.
Tendo encontrado “um escritório que estava fechado…se bem me recordo (…) Estava fechado. Não tinha ninguém a trabalhar. Mas tinha mobiliário.”.
Situando esta visita “no início de 2011, portanto foi quando já terminou o contrato que eu tinha do seguro, Março, Abril, Maio…mais ou menos por essas datas que eu fui ver…”.
“Eu ... portanto a gente terminou a parte dos saldos ... eu penso que em Abril, Maio. Não quero precisar datas ... foi em Abril, Maio que devo ter ido ... foi quando começou a chegar a nova coleção. E nós queríamos retirar o que tínhamos da coleção de Inverno.”.
Tendo sido a conversa acerca do escritório “talvez um mês antes, dois”.

Manuel Alberto ...., por seu lado, é sócio da oponida/recorrente, assumindo na verdade que renunciou à gerência daquela dois meses antes da audiência final – em Fevereiro – para poder prestar depoimento como testemunha…
Estando de relações cortadas com o Dr. Filipe ..., referindo estar de bem com o outro gerente da ..., Fernando ....
E, assumindo escrever muito através de e-mails, nunca enviou nenhum ao Dr. Filipe ... relativo ao pagamento da dívida exequenda…sendo que era “sempre conversado”.
O conhecimento da notificação da injunção à ..., advém-lhe de conversa que diz ter tido com o senhor Fernando ...: “Exatamente, até disse…” (à pergunta do mandatário da exequente: “Comentou com ele, falaram acerca disso?”), e “Sim, teve conhecimento, falámos do assunto” (à pergunta do mesmo mandatário: “não tem dúvidas nenhuma que esta notificação que foi enviada e da injunção o senhor Fernando ... a recebeu?”.
Tratando-se assim, e no que à receção da notificação do requerimento de injunção respeita, de um depoimento indireto.
Que o processo civil português não exclui, referindo Lebre de Freitas,[7] como postulado do princípio da imediação: “que, quando esteja disponível uma fonte de prova que implique menos ilações no iter probatório (…), a ela se deve recorrer, m vez de a uma outra mais distante do facto fundamental a provar. Assim, por exemplo, não está excluída a inquirição da chamada «testemunha de ouvir dizer», mas o depoimento daquela de quem ela ouviu o relato dos factos a provar tem maior valor probatório.".
Acolhendo Luís Filipe Pires de Sousa[8] – que assim considera propiciar a testemunha indireta “uma narração de segundo grau, tendo uma eficácia probatória bem menor do que a que assiste a uma testemunha direta” – o que refere ser a doutrina e a jurisprudência maioritárias em Itália, relativamente à hipótese, que é a dos autos, de a testemunha indireta ter por fonte uma parte que produziu declarações desfavoráveis a si própria, o chamado relato ex parte contra se.
Entendendo pois que nessa situação “o relato feito pela testemunha importa para o processo uma confissão extrajudicial feita a terceiro, a qual é livremente valorável pelo tribunal nos termos do Artigo 2735º do Código Civil Italiano, equivalente ao nosso Artigo 358º, nº4, do Código Civil.”.
Posição com que se enfileira.

Ora, e desde logo, como bem se assinalou na motivação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto, nenhuma razão foi representada para não haver sido requerido o depoimento de parte de Fernando ...…com quem esta testemunha diz estar de bem…
E a reprodução do registo áudio do depoimento prestado pela mesma testemunha, na parte ora em análise, não afasta o julgamento quanto à sua não credibilidade, formulado, em imediação, na 1ª instância.
Isto, assim, ademais tendo-se presente que, como visto, as testemunhas Ana, Nélia, João e Marco ..., convergiram, em circunstâncias diversas, quanto a estar a “sede” da Recorrida encerrada desde pelo menos Maio de 2011…sendo que a primeira carta para notificação – devolvida com a indicação de não reclamada” – foi enviada pelo Banco Nacional de Injunções, em 30 de Junho de 2011, e a segunda, com prova de depósito (?), em 09 de Setembro de 2011…
Para além de em sentido contrário ao do depoimento da testemunha Manuel Alberto ...., na parte em que refere o que teria sido comentado por Fernando ... quanto à efetiva receção da notificação, ter dito a testemunha Ana que tanto o Filipe ... como o sócio Fernando, perante o registo da penhora efetuada, ficaram “surpreendidos que até contataram o senhor engenheiro .... para saber o que era aquela (interrupção neste ponto por seguimento de pergunta do mandatário da oponente).
*
Improcedem pois, também aqui, as conclusões da Recorrente.

Sendo de manter a decisão da primeira instância quanto à matéria de facto.

E, logo – posto que fundamentando-se o recurso, para além das arguidas “nulidades”, na, assim igualmente improcedente, impugnação daquela decisão – subsistindo a sentença recorrida.
Com o julgamento nela feito da verificação da nulidade de falta de notificação do requerimento de injunção à requerida/oponente, determinante da anulação do processado posterior ao requerimento de injunção, e, logo, da própria fórmula executória, com a consequente invalidade do título dado à execução.
Com a ressalva relativa aos normativos a considerar a propósito, que, atenta a data da aposição da fórmula executória – 20-12-2007 – são os art.ºs 194º n.º 1 alínea a), 195º n.º 1 alínea a), e 201º n.º 1.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.
*

Lisboa, 2014-05-29

Ezagüy Martins

Maria José Mouro
                                   
Maria Teresa Albuquerque

[1] In “A ação declarativa comum - À luz do Código de Processo Civil de 2013”, 3ª ed. Coimbra Editora, Setembro de 2013, pág. 334.
[2] In “Código de Processo Civil, Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, 2001, pág. 634.
[3] Proc. 14072/08.6YYLSB-A.L1-1; Relator: RUI VOUGA, in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
[4] Proc. 3989/10.8TBALM-A.L1-6; Relator: ANTÓNIO MARTINS, no meso sítio da Internet.
[5] Proc. 1109/08-2; Relator : BERNARDO DOMINGOS, in www.dgsi.pt/jtre.nsf.
[6] Cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil”, 2013, Vol. I, Almedina, pág. 23. 
[7] In “Introdução ao processo civil . Conceito e princípios gerais à luz do novo Código” 3ª ed., Coimbra Editora, 2013, pág. 195.
[8] In “Prova testemunhal”, Almedina, 2013, págs. 194-198.

Decisão Texto Integral: