Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
23712/12.1T2SNT-A.L1-7
Relator: LUÍS FILIPE PIRES DE SOUSA
Descritores: DOCUMENTOS
APRESENTAÇÃO
OPORTUNIDADE
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A impossibilidade da prévia apresentação de documentos tem de ser apreciada segundo critérios objetivos e de acordo com padrões de normal diligência.
- Em sede de obtenção de prova documental, há que fazer uma distinção entre documentos arquivados e disponíveis juntos de entidades públicas, por um lado, e documentos detidos por particulares, por outro.
- Num contexto de grave inobservância do princípio da autorresponsabilidade das partes conexo com o seu ónus probatório, e tratando-se de documentos de obtenção fácil ou previsível, não colhe razão de ser a invocação do princípio do inquisitório para suprir a incúria grave dos autores na junção tempestiva dos documentos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 7ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
RELATÓRIO
Em 2.10.2012, os autores instauraram esta ação  contra os réus, formulando – como primeiro pedido – o seguinte: deve a ação de reivindicação ser julgada procedente por provada e, em consequência, reconhecido aos AA. o seu direito de propriedade sobre os 51 m2 de logradouro do imóvel descrito sob o n.º3010 na 2.ª Conservatória do Registo Predial de S..  Fundamentando tal pretensão, alegam designadamente que compraram o prédio em 2011, com uma área total de 137 m2, sendo a área de logradouro comprada de 51 m2. Todavia, posteriormente, apuraram que o logradouro só tem 40 m2, estando 11 m2 ocupados com construções de armazenamento de alguns réus.
Em 28.1.2019, estando o julgamento agendado para o dia seguinte, o autor apresentou o seguinte requerimento:
«A. e outra, AA. Nos autos à margem referenciados vêm nos termos dos arts 423º e ss do CPC proceder à junção dos seguintes documentos:
Doc.1- Cópia de Pedido de Alterações apresentado em 1934 por G.C. junto da CMS., respeitante ao seu imóvel correspondente ao prédio urbano nº2.../198505020, 2ª Conservatória Predial de S., melhor identificado no art.13º da PI.
Doc. 2- Cópia de Requerimento de Pedido de Parecer do Sr. Arq. Urbanista apresentado em 1948 por A.P. junto da CMS., proprietário do prédio que, então, confina com do prédio dos RR, a Norte e Poente.
Ambos os documentos, nomeadamente as plantas nelas ínsitas, destinam-se a fazer prova da “composição do prédio pertencente aos AA” (tema da prova 1.); da “composição do prédio dos RR., Reconvintes” (tema da prova 4.) e, finalmente da “Ocupação pelos 1ºs a 4ºs RR do logradouro em litígio” (tema da Prova 2), pelo menos, até 1948, data do Doc.2, ora junto.
Assim,
A fls 9 e 10 (mais visível na fl.10) do Doc.1, ora junto, consta uma planta que representa o logradouro dos prédios dos AA e RR em 1934.
Desta representação resulta que todo o espaço disponível à frente da parede/fachada posterior (traseiras) das casas dos AA. e RR, cuja entrada se fazia pelo nº98 da Rua H.S., (o logradouro) se encontrava descoberto, não apresentando nenhuma construção à exceção de um telheiro encostado no final da parede traseira da casa dos RR.
No Doc.2 ora junto a fls 3 e 4 constam 2 (duas) plantas de onde resulta que em 1948 (data deste requerimento camarário), a realidade do logradouro dos prédios dos AA. E RR. se mantinha inalterada, isto é, todo o espaço disponível à frente das fachadas posteriores (paredes traseiras) da entrada pelo nº98 da R. H.S. dos referidos prédios se encontrava livre e descoberto, não contendo qualquer construção, à exceção de um telheiro coberto pertencente aos RR., como já supra referido.
Estes Documentos vêm ajudar a representar o que era já evidente tanto na fotografia do instituto de cartografia datada de 1944 junto como doc. 1 da réplica (junta também pelo perito (PST) como foto1944; Rolo 44.15, Prova 831); bem como na fotografia da campanha de 1953 junta à Réplica como Doc.2., ou seja,
Pelo menos até início da década de 50 do século passado, o logradouro disponível à frente das fachadas posteriores das casas dos AA. e RR. encontrava-se a descoberto (sem construções), à exceção do telheiro pertença dos RR, a que já se aludiu e se encontra representado nas plantas quer do Doc.1, quer do Doc.2 cuja junção ora se requer.
Estas plantas constantes dos Doc.1 e 2, cuja junção ora se requer contrastam com a fotografia datada de 1965 que os AA. juntaram a 07.11.2014 no seu requerimento probatório, que também pode ser encontrada em https://www.google.pt/maps/..., que representa o referido espaço de logradouro já parcialmente ocupado de construções.
A parcial ocupação, por construções feitas pelos RR, do logradouro total resulta à evidência dos Doc.5 e 6 junto pelo Perito Signatário do Tribunal (PST) ao seu relatório pericial a fls dos autos que correspondem, respetivamente, à planta do levantamento topográfico do R/Ch (Doc.5) e levantamento topográfico do 1º andar (Doc.6) do prédio dos RR.
Destes levantamentos topográficos resulta o referido espaço de logradouro dos prédios parcialmente coberto por construções feitas pelos RR. à exceção dos 37, 5 m2 , que ainda hoje se encontra descoberto e relativamente ao qual AA. e RR. reclamam a respetiva propriedade.
Doc.3- certidão de teor predial de todas as descrições e das inscrições do prédio inscrito na matriz sob o art.143, Prédio dos AA.
Doc.4 – certidão de teor predial de todas as descrições e das inscrições do prédio inscrito na matriz sob o art.233, Prédio dos RR.
Já se tinham junto aos autos parte destes registos Doc.2 e Doc.5 com a PI, mas dos mesmos apenas constavam as últimas descrições dos prédios e inscrições.
Ora, a fls 12 do Doc.4 é importante verificar que o prédio dos AA se destacou do prédio inicial descrito sob o nº 15934 (sendo que este art. passou a corresponder apenas ao prédio dos RR ) e, que em 1929 era descrito da forma que se segue:
“2º- Na descrição predial nº15934 foi destacado a parte com os nºs 84,86,88,90 para a Avª H.S composto de lojas, com 4 divisões, 1º andar com 5 divisões e retrete, pateo medindo 51,90 m2 que separadamente se descreve sob o nº 26777 a fls 120 do livro B-66. Apresentação nº11 em 10 de d`Agosto de 1929….”
À data o prédio dos AA foi descrito sob o nº 26777 –Doc.3 fls.2. (os nºs de policia deste prédio foram mais tarde alterados conforme do Doc.3 fls3 e correspondem hoje ao 92,94,96 e 98 da Av. H.S.)
E também a fls12 do Doc.4, mas em 1958, o prédio dos RR era descrito também conforme infra:
“3º O prédio supra 15..., depois dos destaques sofridos e das modificações introduzidas na parte subsistente…consta atualmente de casa de R/Ch e 1º andar para habitação ocupando a área de 80m2, dependência com 26m2 e logradouro com 26m2 situado na R. VC.…e Av. H.S., nº98, vila E., freguesia de S.M.…confronta a Norte e Nascente com M.P., a sul com R. VC. e poente Rua H.S. e está omissa na matriz predial mas pedida a sua inscrição com o valor de…. 06 de dezembro de 1958”
Fácil é constatar que já em 1929 a descrição do prédio dos AA continha a alusão ao Páteo (leia-se logradouro) de cerca de 50m2, mais exatamente 51,9 m2.
E a descrição de 1958 do prédio dos RR., já continha a menção de um logradouro com 26m2 e uma dependência de 26m2 (o telheiro), cuja área somada totaliza exatamente 52m2 ou seja a mesmíssima área do logradouro do prédio dos AA!!!
Da impossibilidade de junção anterior dos presentes documentos:
Os AA. adquiriram o prédio correspondente ao nº98 da R. H.S. e nº2 da R. VC. em setembro de 2011, fazendo fé nos registos prediais e matriciais e nas plantas e informações prestadas pela mediadora que intermediou a transação.
Os AA. não fazem parte da família que originariamente foi proprietária do prédio, não tendo qualquer relação de parentesco ou afinidade com a referida família. Não possuindo conhecidos ou amigos a residirem próximo do prédio que compraram.
Só há escassos dias os mediadores imobiliários com vista a atualizarem a informação para o julgamento informaram os AA. da existência dos documentos ora juntos.
Segundo os mesmos terão encetado uma investigação para compreenderem porque e desde quando os prédios em questão incluíam na respetiva descrição os respetivos logradouros, com que áreas e se estes eram cobertos ou descobertos.
Dessa investigação encetada resultou a existência dos documentos que se anexam, de cuja existência os AA, só tiveram conhecimento há escassos dias a esta parte mas que reputam essenciais para a descoberta da verdade material porque permitem corroborar tais COMO OS REGISTOS FOTOGRAFICOS CADASTRAIS (já juntos aos autos) QUE ATÉ INICÍO da DECADA DE 50 do SÉCULO PASSADO, apenas o espaço de 26m2 do telheiro dos RR. se encontrava construído na área do logradouro comum dos AA. E RR., sendo que os restantes metros do logradouro estavam a descoberto. O que não sucede na atualidade porque outras construções foram feitas e, por isso segundo o perito (PST) o logradouro regista, atualmente, 37,5 m2.
De todas as descrições e inscrições em vigor os AA. requereram certidões que ficaram prontas no passado dia 24.01 (doc. 3 e 4) e dos documentos camarários apenas lograram obter cópias simples porque as certidões camarárias levariam 30 dias a obter (doc.1 e 2).
Ainda sendo,
Nestes termos e nos melhores de Direito, e porque reputam fundamentais estes documentos para a descoberta da verdade material por representarem o espaço do logradouro dos AA. e RR que foram sendo ocupados e cobertos por estes últimos ao longo dos anos requerem os AA. a junção aos autos dos Docs 1 a 4.
Os AA. não tiveram possibilidade de os juntar anteriormente, nas fases processualmente devidas, por desconhecerem que o prédio RR. teria sido objeto de um pedido de alterações em 1934, facto que muito recentemente lhes foi revelado e que desencadeou a necessidade de obtenção dos restantes documentos registais (Doc.3 e 4) com o objetivo de confirmar o constante das plantas junto aos processo camarários (Doc. 1 e 2).
Nesta conformidade deve o douto Tribunal aceitar a junção dos peticionados Docs. 1 a 4 eximindo, pelas razões supra aduzidas, os AA.do pagamento de qualquer multa.»
*
Em 29.1.2019, decorreu sessão de audiência de julgamento, no âmbito da qual foi recalendarizada a audiência de julgamento, «tendo em conta que o ilustre mandatário dos réus não prescinde do prazo para se pronunciar sobre os documentos juntos na presente data e que a ilustre mandatária dos autores pretende confrontar com os mesmos, caso venham a ser admitidos, as testemunhas a inquirir (…)» (fls. 6)
Sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho:
«Fls. 401 verso: Por requerimento remetido a juízo em 28 de Janeiro de 2019 vieram os AA., invocando o artigo 423º do Código de Processo Civil proceder à junção aos autos de diversos documentos.
Notificados para o efeito, vieram os RR. contestantes opor-se à junção, desde logo com fundamento na intempestividade dos mesmos.
Cumpre apreciar e decidir;
Estatui o artigo 423.º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe, Momento da apresentação :
“1 - Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.
2 - Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.
3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”
Tendo os presentes autos dado entrado em juízo antes da entrada em vigor da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, foram os AA. notificados em 29 de Outubro de 2014 – cf. fls. 179 - nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 5º nº 4 da mesma lei para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que haviam apresentado seguindo-se nos termos da Lei, os demais termos do Código de Processo Civil, aplicado por aquela Lei, o atualmente vigente.
Daqui resulta que, caso os AA. o não tivessem feito anteriormente, dispunham do prazo de 15 dias, contados da referida notificação para juntar aos autos os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação, nos temos do nº 1 do artigo 423º do Código de Processo Civil, como aliás vieram fazer nos termos que entenderam por convenientes – cf. requerimento de fls. 182.
Decorrido este prazo, podiam os AA. juntar aos autos os documentos até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, ora, no caso em apreço a audiência final iniciou-se a 29 de Janeiro de 2019, dia imediatamente subsequente ao da apresentação dos documentos, pelo que, face a este preceito a sua junção é manifestamente intempestiva.
Por último, estatui o nºs 3 do citado preceito legal: “3 - Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”
Os AA. a este respeito alegam que não tiveram possibilidade de os juntar anteriormente, por desconhecerem que o prédio dos RR. teria sido objeto de um pedido de alterações em 1934, facto que muito recentemente lhes foi revelado.
Do alegado resulta por um lado que o facto objetivo que leva à requerida junção de documentos é muito anterior à propositura da ação e o facto subjetivo conhecimento dos AA. não se mostra suficientemente fundamentado, dado que nada alegam sobre o motivo da alegada revelação, ou sobre o contexto da mesma.
Tal como vem salientando a Jurisprudência dos Tribunais Superiores a impossibilidade subjetiva da junção de documentos tem de ser aferida de acordo com a diligência do homem médio. Ora, no caso dos autos os AA. nada alegam no sentido de lhes ser impossível conhecer a existência do pedido de alterações de 1934, nem as circunstâncias em que tal veio ao seu conhecimento, pelo que não se tem por preenchida a previsão legal que permite a junção dos documentos apresentados nesta fase processual.
Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Março de 2005, disponível in http://www.dgsi.pt, lendo-se no seu sumário:
“1. Do art.º423º,do CPC de 2013, extrai-se que os documentos podem ser apresentados nos seguintes momentos: a) com o articulado respectivo; b) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final; c) até ao encerramento da discussão em 1ª instância, sendo admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento ou se tornem necessários por virtude de ocorrência posterior.
2. Quando a parte não junta o documento com o articulado respectivo, a par da alegação do facto probando, e só mais tarde o faz, sujeita-se às condições estabelecidas na lei, sendo que, naquela última situação (n.º 3 do referido art.º), deverá demonstrar a impossibilidade da apresentação até então ou que a mesma se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior.
3. Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do requerente, num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do documento.”
Pelo exposto, por intempestivos não se admite a junção aos autos dos documentos apresentados em 28 de Janeiro de 2019, cujos originais foram juntos em audiência de julgamento em 29 de Janeiro de 2019, ordenando, consequentemente o desentranhamento dos originais e a sua restituição aos AA., após trânsito.
Custas do incidente pelos AA. que se fixam em 2 UC’S. – artigo 7º nº 8 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique.»
*
Não se conformando com a decisão, dela apelou o requerente, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
«
· Os autores apresentaram nos autos um requerimento data de 28.1.2019, a requerer a junção de 4 documentos aos autos, que aqui se reproduz para todos e devidos efeitos legais.
· Requerimento que foi submetido a apreciação do doutro tribunal a quo;
· E sobre o qual recaiu o despacho datado de 28.2.2019, que decidiu indeferir o pedido dos autores, aqui apelantes.
· O tribunal a quo determinou o indeferimento do requerimento por falta ade justificação e contextualização da impossibilidade da apresentação tardia dos referidos documentos;
· O indeferimento dos documentos apresentados impossibilitou que o tribunal a quo considerasse na sentença a proferir documentos relevantes que a serem levados em consideração permitiram provar a composição do prédio pertencente aos Autores a composição do prédio do qual fazem parte as frações pertencentes aos reconvintes, a ocupação pelos 1ºs e 4ºs RR do logradouro objeto do litígio, e que indiretamente também seriam relevantes para prova de outros Temas.
· Ainda que assim não se entendesse, sempre seria importante a referida admissão para se lograr obter uma justa decisão da causa, atingir a verdade material dos factos.
· A Mma. Juíza a quo decidiu não admitir a junção aos autos dos documentos, por não se mostrar preenchido o circunstancialismo previsto no art. 423º, nº3 Código de Processo Civil.
· Sucede que o nº3 do art. 423º dispõe que (…)
· Constam do requerimento de junção da prova documental a justificação pela qual os AA pugnaram pela junção naquele momento e não antes por impossibilidade de conhecimento anterior. Isto é, os AA justificaram e contextualizaram a junção dos documentos à época da referida junção.
· Por outro lado, os documentos cuja junção foi requerida provam por si mesmos que os factos articulados pelos AA se encontram titulados por documentos autênticos (certidões prediais e matriciais) que colocam em causa o direito de usucapião alegado pelos réus.
· Pelo que da prova documental indeferida resulta que os AA/apelantes são os legítimos proprietários do logradouro em causa no presente processo.
· Ademais, e uma vez conhecedor da sua existência, o próprio tribunal a quo devida pugnar pelo conhecimento ex officio dos referidos documentos.
· O despacho recorrido rejeitou prova de natureza documental que impunha ser admitida, quer pelos fundamentos aduzidos, quer pela prova plena que enceram em si mesmos, sem necessidade de outras considerações ou prova testemunhal.
Nestes termos e nos mais de direito, deverá o presente recurso ser admitido, por conforme com as disposições legais, e na sequência, ser dado provimento ao alegado pelos ora recorrentes, revogando-se o douto despacho recorrido e substituindo-o por outro que admita a junção dos documentos pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
QUESTÕES A DECIDIR
Nos termos dos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Nestes termos, a questão a decidir consiste na aferição da tempestividade da junção dos documentos.
Corridos que se mostram os vistos, cumpre decidir.
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
A matéria de facto relevante para a apreciação de mérito é a que consta do relatório, cujo teor se dá por reproduzido.
FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
A única questão que está sob apreciação é a da tempestividade da junção dos documentos pelos autores.   
Nos termos do Artigo 423º, nº2, do Código de Processo Civil, as partes só podem juntar documentos até vinte dias antes da data em que se realize a audiência final. Conforme se refere na Exposição de Motivos, «Em consonância com o princípio da inadiabilidade da audiência final, visando disciplinar a produção de prova documental, é estabelecido que os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, assim se assegurando o oportuno contraditório e obviando a intuitos exclusivamente dilatórios.»
Nos termos do nº3 do art. 423º, «Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior
A exceção prevista na segunda parte do nº3 do Artigo 423º reporta-se designadamente à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo do prazo previsto no nº2 do Artigo 423º. Conforme referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Almedina, I Vol., 2013, p. 341, “A apresentação do documento não se torna necessária em virtude de ocorrência posterior quando uma testemunha alude a um facto, ainda que em sentido contrário ao pretendido pelo apresentante, se se tratar de um facto essencial já alegado – ou de um facto puramente probatório. A ocorrência que torna necessária a apresentação deste meio de prova é a pretérita alegação desta matéria, cabendo a situação no nº1 deste artigo.”.
A propósito da norma equivalente do anterior Artigo 524º, nº2, do Código de Processo Civil de 1995/96, a qual se reportava à necessidade de junção de documento “por virtude de ocorrência posterior”, afirma LEBRE DE FREITAS, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, II Vol., p. 427, “Quanto à ocorrência posterior que torna necessário o documento, pode ser uma causa de transmissão do direito litigioso, determinante da habilitação da parte (art. 377), ou a própria sentença, que haja decidido com base em facto novo oficiosamente cognoscível (art. 514) ou em solução de questão de direito não discutida, com desrespeito do princípio do contraditório (art. 3-3) ”.
A jurisprudência tem enfatizado que, para efeitos da aferição da impossibilidade da junção tempestiva dos documentos, só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade do requerente, num quadro de normal diligência, ter tido conhecimento anterior da situação ou da existência do documento (RC 24.3.2015, Fonte Ramos, 4398/11). Ou seja, a impossibilidade da prévia apresentação haverá de ser apreciada segundo critérios objetivos e de acordo com padrões de normal diligência (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.9.2016, Manuel Fernandes, 1203/14, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25.9.2018, Rijo Ferreira, 744/11).
Ora, o objeto do litígio centra-se na titularidade, limites, área e ocupação do logradouro do prédio adquirido pelos autores, em 2011, arguindo os autores que os réus ocupam, indevidamente, 11 m2 do logradouro do prédio dos autores. Logo na petição, os autores identificaram os prédios dos réus confinantes com o dos autores, juntando mesmo certidão da Conservatória do Registo Predial de tais prédios (cf. art. 13º da pi). Tendo os Réus invocado a aquisição da área em litígio por usucapião, é manifesto que os termos em que o litígio ficou configurado impunham aos autores que diligenciassem obter informação documental sobre os termos em que foram ocupados e utilizados os logradouros em causa, ao longo do tempo.
Em sede de obtenção de prova documental, há que fazer uma distinção entre documentos arquivados e disponíveis juntos de entidades públicas, por um lado, e documentos detidos por particulares. Enquanto os primeiros são de acesso público, sabendo-se à partida que tipo de documentos estão arquivados nessas entidades públicas, os segundos são de existência incerta e de obtenção mais difícil.
Revertendo ao caso, sabe-se que a maioria das alterações urbanísticas está, desde há muito tempo, sujeita a licenciamento e/ou comunicação às Câmaras Municipais. Numa linha investigatória documental normal, era previsível que as alterações urbanísticas do prédio dos autores e dos prédios confinantes estivessem espelhadas no arquivo da Câmara Municipal correspondente, como é o caso. Deste modo, a alegada descoberta da existência dos documentos nºs. 1 e 2 nada tem de inusitado porquanto, a existir tal tipo de documentos, os mesmos teriam necessariamente de constar do arquivo do Município.
Os documentos nºs. 3 e 4 constituem certidão do teor predial de todas as descrições e das inscrições do prédio dos autores e do prédio dos Réus. Aqui é ostensivo que as virtualidades probatórias de tais documentos já eram configuráveis no momento de propositura da ação.
Note-se que a ação foi intentada em 2.10.2012 e os autores vêm requerer a junção destes quatro documentos em 28.1.2019, véspera do julgamento, volvidos dois mil trezentos e nove dias após a propositura da ação.
No que tange às certidões (documentos nºs 3 e 4), trata-se de documentos de fácil acesso e de existência segura, não suscitando qualquer dificuldade a sua obtenção. Quanto aos documentos arquivados na Câmara, conforme visto, são documentos de existência previsível e conaturais à realização de operações urbanísticas pelo que, em observância de um esforço de diligência normal, os autores deveriam configurar a utilidade de efetuar essa averiguação junto da Câmara, tanto mais que mediaram anos entre a propositura da ação e o julgamento.
Os autores justificam a superveniência subjetiva alegando que «Só há escassos dias os mediadores imobiliários com vista a atualizarem a informação para o julgamento informaram os AA da existência dos documentos ora juntos. / Segundo os mesmos terão encetado uma investigação para compreenderem porque e desde quando os prédios em questão incluíam na respetiva descrição os respetivos logradouros, com que área e esse estes eram cobertos ou descobertos.»
Esta alegação justifica várias observações. Em primeiro lugar, nos seus termos, os mediadores imobiliários – não sendo partes – tiveram um cuidado mediano e seguiram linhas de investigação documental que, afinal, eram facilmente configuráveis para os autores, partes interessadas. Em segundo lugar, a alegação é feita de forma muito genérica, sem identificar os autores do feito e a data da ocorrência do mesmo. Em terceiro lugar, mesmo que a alegação estivesse devidamente contextualizada e clara, era necessário que os autores indicassem prova para demonstrar a efetiva superveniência subjetiva do conhecimento dos documentos (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.10.2014, Celina Nóbrega, 681/13; artigos 292º e 293º, nº1, do Código de Processo Civil), o que não fizeram.
Numa segunda linha argumentativa, os autores sustentam que «uma vez conhecedor da sua existência, o próprio tribunal a quo devia pugnar pelo conhecimento ex oficio dos referidos documentos».
A jurisprudência, nesta sede, tem-se pronunciado quanto à articulação entre o princípio da autorresponsabilidade das partes e do inquisitório nestes termos.
Refere o Ac. da Relação de Coimbra de 6.6.2017, Arlindo Oliveira, 2890/13, que: «O dever de gestão processual e inquisitório que subjaz a tais preceitos não pode servir para “remediar” a inércia da parte, a quem incumbe a alegação e prova dos factos (a que está inerente a junção/indicação dos respectivos meios probatórios) em que assenta a sua pretensão, só se justificando, em nosso entender, o recurso a estes preceitos quando a parte não tem facilidade em os obter ou os não pode obter, devendo esta justificar a dificuldade de, ela própria obter o documento, como refere Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, 2004, Almedina, a pág. 474, em anotação ao disposto no artigo 535.º do CPC (a que corresponde o actual 436.º).» No Acórdão da Relação de Guimarães de 23.5.2019, Conceição Sampaio, 1345/18, enuncia-se que: «(…) o disposto no artigo 411º do CPC não descaracteriza, nem invalida, o princípio base do processo civil que é o do impulso processual, competindo às partes em toda a sua extensão, nomeadamente no tocante à indicação e realização oportuna das diligências probatórias. / Em suma, o exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio, não comporta uma amplitude tal que o autorizem a colidir quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da auto-responsabilidade das partes e o da preclusão, importando este que, ao longo do processo, as partes estão sujeitas, entre outros ónus, ao de praticar os atos dentro de determinados prazos perentórios.» No Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6.6.2019, Laurinda Gemas, 18561/17, afirma-se que « (…) não poderá o referido princípio [do inquisitório] ser usado para colmatar toda e qualquer “falta” das partes a respeito da apresentação dos meios de prova, pois se assim fosse estaria a fazer-se do mesmo uma interpretação normativa e aplicação prática em colisão com outros importantes princípios, do processo civil e até constitucionais, mormente o dispositivo, a igualdade das partes, a independência do tribunal e a imparcialidade do juiz (20.º e 62.º da CRP).»
Atento o que já ficou dito supra, é manifesto que da parte dos autores houve manifesta incúria no seu ónus probatório de pesquisar e reunir informação documental, cuja pertinência para o litígio era facilmente previsível. Essa incúria prolongou-se por anos e só à boca do julgamento é que, segundo os próprios autores, terá havido terceiros mais previdentes e diligentes que os próprios autores. Acresce que o incidente suscitado pela junção tardia foi determinante do reagendamento da audiência, ou seja, a junção colidiu com o princípio da inadiabilidade da audiência.
Num contexto desta índole, de grave inobservância do princípio da autorresponsabilidade das partes conexo com o seu ónus probatório e tratando-se de documentos de obtenção fácil (o 3º e o 4º) ou previsível (o 1º e o 2º), não colhe razão de ser a invocação do princípio do inquisitório para suprir a incúria grave dos autores.
Termos em que improcede a apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes na vertente de custas de parte (Artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº6 e 663º, nº2, do Código de Processo Civil).

Lisboa, 11.7.2019
Luís Filipe Sousa
Carla Câmara
Higina Castelo