Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2049/17.5YRLSB-8
Relator: ISOLETA COSTA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
FALTA DE INTERESSE EM AGIR
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A acção de revisão de sentença estrangeira é uma acção de simples apreciação destinada  a verificar se a sentença estrangeira está em condições de produzir efeitos como acto jurisdicional na ordem jurídica portuguesa [art. 10º, nº 3, al. a), do C.P.C.].

Nestas acções, o requisito processual do interesse em agir  resulta da necessidade de,   aquele,  a quem,  a sentença a rever,  a atribui direitos,  ficar numa posição de no território nacional os poder exercer,  impondo esta sentença ao demando, que na mesma ficou obrigado ao reconhecimento de tais direitos.

Se,  numa sentença, proferida por tribunal estrangeiro, nenhum direito é atribuído à requerente, tendo a decisão proferida sido de improcedência, relativamente à sua pretensão, inexiste o apontado requisito do interesse em agir, o que conduz à absolvição da instância que nos termos das disposições conjugadas dos artigos 30º nº 2,  577º e) e 578º, todos do Cód. Proc. Civil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I
R, de nacionalidade jordana intentou contra B, também de nacionalidade jordana e com domicilio na Arábia Saudita, a presente acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira, pedindo a confirmação da sentença que decretou  custódia do menor BADR nascido na Jordânia a 6/2/2009 e filho de ambos.

Citado o requerido, deduziu oposição, alegando,
A ineptidão da petição inicial porquanto regulando a sentença os direitos a serem exercidos na Jordânia não pode esta ser usada contra o requerido em Portugal, pelo que falta um dos requisitos essenciais à revisão.
A ininteligibilidade da sentença no que respeita ao segmento da decisão em que se define o direito do requerido de impedir a viagem do menor sob quaisquer nomes que ele queira, que seja referido um nome único para o mencionado menor, BADR em qualquer língua que  o autor  deseje.
A falta de interesse  em agir da requerente uma vez que a sentença a rever regula o direito de custódia da requerente na Jordânia.
Que o requerido tem a tutela do menor e a mãe a custódia o que significa, face à lei do reino que ao requerido assiste o poder de gestão dos actos  mais significativos da vida do menor e à mãe o acompanhamento das questões do dia a dia.
Foi cumprido o disposto no artº 982º do cpc, tendo o requerido sustentado o teor da oposição deduzida.
O tribunal é o competente.

Da ineptidão da petição inicial:

Os requisitos legalmente exigidos para a confirmação estão previstos no artigo 980º do Código de Processo Civil, segundo o qual:
Para que a sentença seja confirmada é necessário:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a excepção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português, excepto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a acção, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.

Sustenta  o requerido que inexiste causa de pedir porque a sentença revidenda não é exequível em Portugal, já que em face do disposto no artº 979º do cpc  o pedido de revisão da sentença estrangeira «visa a pessoa contra quem se pretende fazer  valer»
Esta norma tem por finalidade o estabelecimento da competência relativa do tribunal, não admitindo  a interpretação que do seu teor parcial o requerido faz.
Entendemos que  estando junta aos autos a sentença que se pretende rever existe titulo e como tal causa de pedir.
A questão suscitada enquadra-se melhor na matéria da legitimidade e do interesse em agir, pelo que nesta parte não se acolhe a oposição.

Da falta de interesse em agir:
O interesse processual, a necessidade de tutela judicial, constitui um pressuposto processual inominado, a sua ausência, no caso dos autos, conduz à absolvição da instância, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 30º nº 2,  577º e) e 578º, todos do Cód. Proc. Civil.
«O autor tem interesse processual, quando a situação de carência, em que se encontre, necessite da intervenção dos tribunais» A Varella, in  Manual de Processo Civil 2º ed pg 180. Supõe uma necessidade ponderosa e justificada deste recurso, não sendo suficiente uma situação subjectiva de duvida ou incerteza do direito, ou do facto, exigindo-se que esta seja objectiva.
Nas acções de simples apreciação  o apuramento do interesse processual reveste maior acuidade.
«Destinando-se essas acções a “obter unicamente a declaração da existência ou inexistência dum direito ou dum facto” [art. 10º, nº 3, al. a), do C.P.C.], tem-se entendido que não basta qualquer situação subjectiva de dúvida ou incerteza acerca da existência do direito ou do facto, para que haja interesse processual na acção» Cfr.,A Varella ibidem  pg 186 e  Anselmo de Castro (in “Direito Processual Civil Declaratório”, vol. I, Coimbra, 1981, p. 117: « igualmente no sentido de que «a interposição da acção de mera apreciação requer um real interesse em agir, consubstanciado num estado de incerteza objectiva que possa comprometer o valor ou a negociabilidade da própria relação jurídica»,
A acção de revisão de sentença estrangeira é uma acção de simples apreciação destinada  a verificar se a sentença estrangeira está em condições de produzir efeitos como acto jurisdicional na ordem jurídica portuguesa vde , ALBERTO DOS REIS (in “Processos Especiais”, Vol. II, 1956, p. 204) e MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA-DÁRIO MOURA VICENTE (in “Comentário à Convenção de Bruxelas de 27 de Setembro de 1968 Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial”, 1994, p. 141), todos citados na nota 40 ao Ac deste Tribunal de 10.05.2011 1105/10.5TYRLSB-1, Rui Vouga e Ac do STJ de 21.02.2006 pr 05B4168, dgsi

Posto isto, vejamos os factos:
No tribunal legal de Sweileh / Reino Hachemita da Jordânia em 8.02.2016, foi proferida sentença, confirmada em recurso por decisão de 30.03.2016,  já transitada, no processo 2160/2015, de custódia de menor (recusa) BADR,  em que são: autor o aqui,  requerido, Beshr Bakheet e ré a, ora, requerente, Rola Moh´d Quba’a.
Na referida sentença decretou-se «recusar o apelo do mencionado autor BESHR que incluía o seu pedido de custódia do mencionado filho menor, BADR a sua mãe, a mencionada ré Rola, pelas razões acima mencionadas. Esta é uma sentença de recusa»
Consta dos seus fundamentos que: «a convicção de que a mãe tenha o direito de custódia do menor na Jordânia (o tribunal verificou que a mãe  a Ré, tem o direito de custódia do menor na Jordânia) (…) a avó do mencionado menor, IBTISAM, avó materna cuida do menor durante  s viagens da sua mãe por motivos de estudo».
E bem assim que: «o Tribunal declarou o direito do Autor de impedir a viagem do menor sob quaisquer nomes que ele queira (…)»
Do teor da  sentença, se retira que como na mesma se contém, esta é  de recusa o que equivale a improcedência do pedido formulado pelo ali autor.
Neste sentido não se pode dizer que tenha havido uma decisão a reconhecer qualquer direito à requerente que possa ser exercido em território nacional no confronto com o requerido.
Esta,  será uma situação equiparável àquela em que um cônjuge requeira a revisão de sentença estrangeira que negou o pedido de divórcio intentado pelo seu cônjuge.

É que a sentença não atribui a  custódia do menor, limitando-se a declarar  que «foi confirmado pelo tribunal  que essa, no reino da Jordânia,  terá sido atribuída à mãe».
A isto acresce que a sentença declarou o direito do pai impedir a viagem do menor o que vale por dizer que a mesma não pode ser oposta ao  pai no território nacional.
«Sendo uma sentença um acto pelo qual se definem direitos, a atribuição de eficácia a uma sentença estrangeira  coloca aquele a quem ela atribui direitos numa posição de no território nacional a fazer impor a quem aquela sentença constitui na obrigação de reconhecer aqueles direitos» Ac do TRE de 8.11.2012. pr 75/11.7YREVR.dgsi
No caso “sub judice”,  e por recurso aos conceitos supra, não se identifica qual o interesse directo da ora Requerente na confirmação da sentença em questão, já que nenhum direito constitui que possa ser exercido pela mesma no território nacional.
É que «se da petição inicial não resultar o estado de incerteza objectiva referida, o autor não dispõe do necessário interesse em agir» Ac. do STJ de 3/5/1995 (in Col. Jur. 1995, tomo 2, p. 61) in nota 39 ao citado ac deste TRl de 10.05.2011.
Assim sendo, falta à ora Requerente interesse em agir, tal como vem sustentado na oposição deduzida
A falta de interesse processual é uma excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição do réu da instância.
                                                   ***
Segue deliberação:
Verificando-se a excepção dilatória de falta de interesse em agir por parte da Requerente, absolve-se o Requerido da instância.
Custas a cargo da Requerente.

Lisboa, 13 de Setembro de 2018

Isoleta de Almeida Costa

Carla Mendes

Octávia Viegas