Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
12010/14.6T2SNT-K.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
DECISÃO JUDICIAL
AUDIÇÃO DOS PROGENITORES
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/30/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. Os processos judiciais de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo são legalmente qualificados como processos de jurisdição voluntária e, por isso, o tribunal está legitimado a investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes e, no seu julgamento, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue conveniente e mais oportuna (artigo 100º LPCJP e artigos 986º, 2,e 987º do Código de Processo Civil).

2. De acordo com o estatuído no artigo 126º da Lei 147/99, de 1 de Setembro, ao processo de promoção e protecção são aplicáveis subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recurso, as normas relativas ao processo civil de declarativo comum.

3. Considerando que a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo nada estabelece, nos seus artigos 116º e 117º, quanto à ordem da produção de prova a realizar no Debate Judicial, sempre se poderá recorrer, subsidiariamente, às normas do CPC.

4. Da conjugação do disposto nos artigos 604º, nº 3 e 466º, nºs 1 e 2, ambos do CPC, há que concluir, atenta a natureza subsidiária das declarações de parte, e uma vez que as partes recorrem a tal meio de prova quando se lhes afigura que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do julgador, mais sentido fará a audição das partes no final da produção de prova.

(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA.


I.RELATÓRIO:


No processo de promoção e protecção, na sequência do processo de regulação das responsabilidades parentais, relativamente aos menores CAROL, GUI E DINIS, em que são progenitores,  CRISTINA , residente na Rua …., e DAVID , residente na Rua ….., foi elaborado relatório social pela técnica da Segurança Social, em 06.04.2017 (fls. 3-28).

É o seguinte o iter processual que importa ponderar:
1. Em 07.03.2017, a progenitora, CRISTINA, apresentou alegações, ao abrigo do disposto no artigo 114º da Lei nº 147/99, de 1 de Setembro, requerendo no final, o arquivamento do processo, por infundado, ou, caso assim se não entendesse, fosse o processo cessado com remessa para a pendência de Responsabilidades Parentais com a guarda e responsabilidades sobre os filhos menores para a exponente, com as legais consequências e que fosse produzida a prova que indicou.

E, no final das suas alegações, a progenitora, CRISTINA, indicou as seguintes provas a efectuar:
- Exame pericial: Exame psiquiátrico ao progenitor, dado que o mesmo não o realizou, ao invés da requerida;
- Prova Documental: Junção de Relatórios Psicológicos dos menores e da progenitora;
- Prova testemunhal (serem notificadas): Declarações de parte de  CRISTINA , seguindo-se a identificação de quinze testemunhas. (fls. 96-103).

2. Em 21.04.2017, na sequência do aludido requerimento concernente aos meios de prova apresentados pela progenitora, CRISTINA, foi proferido, o seguinte Despacho (fls. 29-31):
Indicou a progenitora uma declaração de parte e 15 testemunhas:
Nos termos do artigo 126.º da LPCJP (aprovada pela lei 147/99, alterada até à Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro), como direito subsidiário, são aplicáveis ao processo de promoção e proteção “as normas relativas ao processo declarativo comum”.
A regra quanto à prova não está especialmente prevista, aplicando-se pois o regime supra referido.
A progenitora apresentou uma declaração de parte e 15 testemunhas Nos termos do disposto no artigo 511.º-1 do CPC o limite de testemunhas são 10, e nos termos do n.º 3 “consideram-se não escritos os nomes das testemunhas que no rol ultrapassem o número legal”.
Assim, e ao abrigo do disposto no aludido regime, admite-se a prova testemunhal de fls. 1326 até ao 11.º, considerando-se não escrito o 12.º a 16.º.
juntou ainda relatórios psicológicos das crianças e progenitora:
Quanto a estes elementos os mesmos foram rejeitados por nossa decisão, que foi objeto de recurso, admitido com efeito meramente devolutivo, pelo que não podem aqui ser admitidos, sendo assim novamente rejeitados.
Desentranhe.
Quanto à perícia psiquiátrica:
Os fundamentos para ser efetuada uma perícia têm de ser fatos a provar que não estão na disponibilidade do julgador, e não pelos fundamentos invocados, de que a perícia da mãe das crianças foi psiquiátrica e a do pai psicológica.
Aliás, nos termos do disposto 475.º do CPC, a parte deve indicar o objeto da perícia, sob pena de rejeição, que se trata da delimitação do objeto da mesma, que traduz a “enunciação das questões de fato que pretende ver esclarecidas através da diligência”.
Nada é indicado.
Vai assim nos termos da aludida norma rejeitada a perícia pedida.
Ao abrigo do disposto no artigo 6.º e 986.º do CPC, aqui aplicáveis por força do disposto no artigo 126.º da LPCJP (aprovada pela lei 147/99, alterada até à Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro), serão ainda ouvidas ainda em declarações e por depoimento, as seguintes pessoas:
As pessoas indicadas pelas ECJ a fls. 1428:
Da parte da progenitora, a tia materna, ….
Da parte do progenitor, todos os indicados.
(…).
Notifique.

3. Em 24.04.2017, a progenitora foi notificada do aludido despacho (consulta ficheiro informático).
4. Em 10.05.2017, a progenitora apresentou requerimento, no qual procedeu à reorganização do rol de testemunhas que havia apresentado, passando a enumerar as testemunhas, elencando-as de 1 a 10. (fls. 86-90).

Mais invocou no aludido requerimento que: face ao tipo de processo em causa, e tanto mais que, por decisão unilateral do Tribunal, sem haver alegações e requerimento de prova de qualquer interveniente processual, determinou a audição das pessoas referenciadas pela Técnica de Segurança Social (…), tendo em conta a reorganização do rol, requer, também, a produção da seguinte prova testemunhal (a notificar), passando a requerente a elencar mais seis testemunhas, que identificou.

Invocou ainda a progenitora, CRISTINA, o seguinte:
- Não esqueçamos, face ao acima exposto, os princípios orientadores da intervenção processual, estabelecidos no artº 4º da LPCJP e formalismo a adoptar no âmbito do estatuído no artº 100º da mesma Lei e artº 126º da mesma Lei, urgem ser ouvidas as testemunhas arroladas, o que se requer;
- Sem prescindir, dispõe o nº 1 do artº 114º da LPCJP que as partes podem alegar por escrito e apresentarem prova, o que a exponente efectuou, requer-se uma aclaração do Despacho que determinou a não aceitação de prova documental assente em relatórios psicológicos,
- É que o normativo é claro e o momento da junção também, sendo claro o objectivo do pleito, pelo que se estranha a rejeição de elemento de prova fundamental.
- Igualmente se requer a aclaração do despacho de rejeição de perícia psiquiátrica, ambos por obscuridade na sua fundamentação, pois o que se alertou o Tribunal foi de que a perícia apenas tenha sido efectuada a uma das partes (à exponente) e não ao requerido.
- Ora certamente as partes beneficiam do exercício do princípio da igualdade, pelo que também o requerido se deveria sujeitar à mesma perícia, como foi requerido.

5. Em 27.06.2017 foi proferido o seguinte Despacho (fls. 32):
Fls. 1528 e ss
Nos termos do artigo 511.º-4 do CPC também não se aplica, pois não há aqui temas de prova.
As ouvidas só porque são indicadas apenas ocorre no limite legal das 10 testemunhas, e lembre-se que objetivo da lei é impedir uma processualização que dificulte uma boa e célere decisão, como a tramitação deste processo tem sido bem demonstrativa da parte da aqui requerente, atento designadamente a quantidade de requerimentos juntos aos autos.
E quanto a estas testemunhas arroladas para além das 10, no artigo 6.º do requerimento de fls. 1526.º e ss., o tribunal nada sabe sobre o que poderão contribuir para a descoberta da verdade, pelo vai indeferida a sua audição.
Quanto à substituição do rol da requerente pelo indicado a fls. 3.º do requerimento “sub judice”, só pode ser deferido.
Notifique.
(…)
Assim, tudo ponderado, para a realização do debate a que alude o artigo 114.º da LPCJP (aprovada pela lei 147/99, alterada até à Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro), desde já se designa os seguintes dias:
Para audição das testemunhas arroladas pela progenitora e a tia materna …., esta oficiosamente ordenada no despacho de 21-04-2017, designa-se o próximo dia 1-9-2017, às 9.30 horas.
Para audição das demais testemunhas oficiosamente ordenadas no despacho de 21-04-2017, e ainda as professoras do estabelecimento de ensino Agrupamento das Escolas da … indicados a 1428, e a Coordenadora desse mesmo estabelecimento, melhor identificada a fls. 754 do processo principal, oficiosamente agora chamadas ao abrigo do disposto no artigo 986.º do CPC, aqui aplicável por força do artigo 100.º da LPCJP (aprovada pela lei 147/99, alterada até à Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro), designa-se o próximo dia 1-9-2017, às 14 horas.
Para audição dos progenitores, designa-se o próximo dia 7-9-2017 pelas 9.30 horas.
D.N. quanto aos Juízes Sociais, após publicação.
Notifique, cumprindo-se previamente por telefone os patronos o disposto no artigo 151.º do Código de Processo Civil.
Fls. 1569 e ss.: quanto às férias de verão será apreciado na conferência designada na regulação das responsabilidades parentais. Notifique no entanto o requerimento à Patrona nomeada às crianças para querendo se pronunciar.

6. Em 29.06.2017, a progenitora foi notificada do aludido despacho (consulta ficheiro informático).

7. Em 06.07.2017, a progenitora apresentou requerimento de aclaração nos seguintes termos (fls. 91-94):
1.- Conforme resulta de notificação ora recebida foi aprazada data para audição das testemunhas arroladas pela exponente, em sede de Debate Judicial, bem como das pessoas indicadas pela ECJ (em sede de meios probatórios para a elaboração de relatório) e dos progenitores.
2.- Ora, desde logo, face ao fim do presente pleito, independentemente do limite, requer-se a aclaracão do Despacho dado que se o que se procura é apurar o que é melhor para os menores deve-se analisar toda a prova acarreada para os Autos.
3.- Ora dos mesmos resulta que ninguém, com excepção da exponente, carreou prova para os autos, o que é revelador da única pessoa que, de verdade, defende incondicionalmente o interesse dos menores: a mãe destes.
4.- O requerido não alegou nem apresentou uma única testemunha.
5.- O Ministério Publico também não!
6.- A defensora dos menores também não, embora aqui seja normal dado que chegou recentemente aos Autos.
7.- Assim apenas vão ser ouvidas as testemunhas da exponente.
8.- Ora atenta a natureza do pleito, defesa dos interesses dos menores e não uma "célere" decisão num processo que ... dura há anos ...
9.- Assim face ao longo decurso dos autos não se vislumbra fundamento para não serem ouvidas mais 6 pessoas ...
10.- Não é, decerto, a audição de mais 6 pessoas que vai impedir a "boa e célere decisão" ...
11.- Já agora recorda-se que o processo de Promoção foi aberto em 24 de Março de 2015, pelo se estranha a invocação, agora, em Julho de 2017, de uma celeridade processual com não audição de 6 pessoas importantes para a descoberta da verdade material e do melhor para os menores.
12.- Assim sendo impõe-se uma aclaração do Despacho, sem prejuízo da já deferida alteração do Rol como peticionado pela exponente.
13.- Sem prescindir, vão ser ouvidas as testemunhas da exponente, as indicadas pela ECJ e os progenitores.
14.- Ora desde logo, dado que apesar de ser um processo de jurisdição voluntária e serem adoptados procedimentos ao arrepio do usual, não se vislumbra fundamento legal para as partes (os progenitores são partes) de serem ouvidas, após a produção de prova e não antes, tanto mais que deverão assistir à prestação dos depoimentos das testemunhas (arroladas e decididas unilateralmente pelo Tribunal) junto dos seus mandatários, coadjuvando-os.
15.- Assim sendo, sob pena de nulidade, requer-se que os progenitores sejam ouvidos em primeiro lugar, conforme regras constantes no CPC aplicáveis ao presente pleito.
16.- A terminar, refere o Tribunal que entendeu chamar a juízo, para depor, como testemunhas, as indicadas pela ECJ no seu relatório social.
17.- Assim sendo, dado que arrolou quase todas, excepto uma, requer-se que seja, celeremente, dada a data aprazada, justificada a razão de ser da chamada a juízo, como testemunhas, de todas as referenciadas no relatório social com excepção do Companheiro da exponente.
18.- Como é consabido qualquer processo, ainda que jurisdição voluntária, deve ser equitativo, justo e igual entre todos os envolvidos.
19.- Aguarda-se, assim, e em consequência, a justificação do Tribunal a fim de se actuar em conformidade dado os Despachos de 21 de Abril de 2017 e 26 de Junho de 2017 e o disposto no artº 114º nº 1 da LPCJP, sem prejuízo da explicação (e violação) da mesma norma face à prova arrolada (escrita) que ora se reitera.

8. Em 19.07.2017, foi proferido o seguinte Despacho (fls. 33):
Considerando a publicação das listas dos juízos sociais, indique pois a secção em conformidade os dois primeiros, e o terceiro como suplente, seguindo nos demais processos pela respetiva ordem, tendo em conta a intervenção de cada um.
Requerimento de aclaração de 6-7-2017 apresentado pela progenitora:
Pede a aclaração do nosso despacho que indeferiu a audição das testemunhas indicadas para além das 10 legais, invocando um conjunto de argumentos diferentes dos aduzidos por nós, e contestando os usados no nosso despacho.
Isto é, foram aduzidos os fundamentos no despacho e a progenitora não concorda com eles. Mas isso não constitui qualquer aclaração, pelo que nada há a aclarar, já que foram aduzidos de forma clara os fundamentos para o indeferimento do pedido formulado.
Pede a progenitora e invoca também que a ordem da produção de prova não cumpre com o processualmente estabelecido.
De facto assim é, e usou-se essa faculdade, por força do disposto no artigo 6.º e 547.º do CPC, dizemos agora, e porque nunca tivemos a necessidade de o fazer na nossa experiência de 14 anos de FM, precisamente porque as declarações das partes nestes processos são essenciais, e foram sendo reproduzidas ao longo da instrução e aqui também na regulação das responsabilidades parentais, e o que sempre resultava é que se os pais eram ouvidos logo no princípio da produção de prova, como de fato estatui o disposto no artigo 604.º do CPC, aqui aplicável já que o artigo 116.º da LPCJP (aprovada pela lei 147/99, alterada até à Lei n.º 142/2015, de 8 de setembro) apenas manda ouvir os presentes, e a experiência disse-nos em regra sempre tinham de ser ouvidos no fim, face às duvidas e esclarecidos necessários decorrentes da demais produção da mais prova.
Ademais, nas primeiras declarações em regra nada se acrescenta ao que já foi dito  nos  autos, tanto  nas conferências destes autos, como na regulação das responsabilidades parentais, como perante os técnicos que acompanham o caso, ou também através dos articulados dos Patronos.
Daí que se use sempre essa estratégia processual mais eficaz e célere, como o CPC impõe, e optado sempre por ouvir os pais no fim, eliminado uma repetição que, repita-se, em regra sempre ocorre.
Desse modo, também parece certo que nenhum dos pais poderá estar no debate, como nenhuma das testemunhas a ouvir. E seria sempre assim, ainda que se começasse por ouvir os pais, sendo esse parece-nos objetivo deste pedido, pois a possibilidade de serem ouvidos no fim é muito alta, quase certa neste caso, e portanto os pais não podem ouvir os depoimentos das testemunhas, pois dessa forma as suas declarações estariam contaminadas em função dessa imediação.
Por tudo o exposto, vai pois indeferida alteração da ordem da produção de prova consagrada nos autos.
Quanto à audição do companheiro da progenitora, não foi pedido por nenhuma das partes, nem sequer pela progenitora, sendo certo que é também o Mandatário da progenitora, não se percebendo o esclarecimento pedido.
Notifique.
(…)

9. Em 20.07.2017, a progenitora foi notificada do aludido despacho (consulta ficheiro informático).
Inconformada com o assim decidido, a progenitora dos menores interpôs recurso de apelação, em 02.08.2017.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:
i.-No âmbito do presente Processo de Promoção e Protecção de Jovens em Risco encontra-se aprazada nos termos do 114° o Debate Judicial.
ii.-Para tanto, a progenitora alegou e apresentou prova.
iii.-A ECJ apresentou o seu relatório e elencou as fontes probatórias do mesmo.
iv.-O Douto Tribunal, face à prova produzida pela progenitora entendeu rejeitar a anexação aos autos de Relatórios psicológicos dos menores o que motivou um pedido de aclaração do Despacho a que o Tribunal, embora respondendo a demais questões, quanto a esta em concreto nada disse. Ora a realidade é que, face ao disposto nos art° 4, 114°, 116° e 117°, todos da LPCJP, o Tribunal não podia rejeitar e ordenar o desentranhamento dos mesmos dos Autos
Tal decisão é nula!
O decidido viola a lei e a própria Lei Fundamental, como o acesso o direito e à igualdade.
v.-O decidido para além de configurar uma clara omissão de pronúncia gerador de nulidade da decisão nos termos do art° 615° n°1 d) do CPC, dado que não responde ao que foi questionado pela exponente nos requerimentos que ora indefere de forma meramente genérica, decide de forma manifestamente infundada, dado que não foi explicitada com factos, o que configura uma nulidade nos termos da alínea a) do n°1 do artº 615° do CPC.
vi.-Mas mais: a decisão é nula nos termos das alíneas b) d) e e) do nº 1 do art° 615° do CPC.
vii.-É que dos autos, tirando opiniões (não sustentadas) do Meritíssimo Juiz, o Tribunal decide indeferir o requerimento de fl.s 226 e segs sem justificar, de facto e de direito, o porquê. O Tribunal decide indeferir sem justificar, de facto e de direito, o porquê, sem citar a contra parte quanto ao requerido e sem dar as partes possibilidade de alegarem sobre a matéria ou discutirem o tema judicialmente, o que constitui uma violação de lei. Por outro lado, decide sem determinar o pedido como infundado_
A decisão é nula.
viii.-O Tribunal nega a junção de relatório omitindo o que diz a Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, a qual permite tal junção, pois as partes podem produzir a prova que entenderem, competindo ao Tribunal aprecia-la e não rejeitá-la desde logo e muito menos sem fundamentar a rejeição.
ix.-Mutatis mutantis quanto ao indeferimento de pedido de relatório psiquiátrico do progenitor pois o mesmo já foi realizado quanto à progenitora.
x.-Igualmente, face ao supra exposto, sem prejuízo da óbvia violação do dever de falta de Fundamentação, não se vislumbra fundamento para a não audição de todas as testemunhas arroladas.
xi.-Sem prescindir, é nula e de nenhum efeito a preterição para o final da produção de prova da prestação de depoimento das partes, a qual, para além da absoluta inexistência de fundamento legal e factual, impede as partes de estarem em Audiência, junto de seus mandatários, aquando da audição das testemunhas num processo sobre ...os seus filhos. Tal acontecerá, de acordo com o Tribunal, por "estratégia processual ...do próprio Tribunal, o que será um caso...surreal.
xii.-Por fim, a não audição do Companheiro da exponente com audição das demais "fontes probatórias” do relatório da ECJ constitui uma violação ao principio da igualdade e da descoberta da verdade material.
xiii.-Não se está, assim, a fazer justiça mas o procurar defender uma estratégia processual de uma entidade que o seu único propósito seria (ou deveria ser) aplicar a Lei e fazer Justiça!
xiv.-Em face do exposto urge anular o Despacho e decisões em apreço com as demais consequências legais.

Pede, por isso, a apelante, que seja admitido o presente Recurso e em consequência, revogado o Despacho em crise com as demais consequências legais.
O Ministério Público apresentou, em 11.08.2017, contra-alegações, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
i.-O único fundamento para a não audição de todas as testemunhas arroladas é aquele que decorre do disposto no nº1 do art.511º do Código de Processo Civil: “Os autores não podem oferecer mais de 10 testemunhas, para prova dos fundamentos da acção.”
ii.-Não nos parece que seja nula a douta decisão que determina que o depoimento das partes seja efectuado no final da audiência de discussão e julgamento.
Tal decorre, como consta no douto despacho, ora posto em crise, do facto de o depoimento das testemunhas, habitualmente, suscitar a necessidade de inquirir, novamente, as partes, no final da audiência de discussão e julgamento.
Assim, relegando o depoimento das partes para o final, evitar-se-ia ter de as inquirir duas vezes, evitando-se a prática de actos inúteis.
iii.-De facto, a prática tem revelado que, após uma primeira inquirição no início da audiência de discussão e julgamento, o depoimento das diversas testemunhas levanta, habitualmente, questões que impõem nova audição das partes no final de tos os depoimentos.
Ouvindo as partes no final, permite o esclarecimento, nessa altura, de todas as questões suscitadas.
iv.-Para além disso, não se vê absoluta necessidade de – pelo facto de as partes serem apenas ouvidas a final – as mesmas não estarem presentes, “junto de seus mandatários, aquando da audição das testemunhas”, desde logo porque o que vem acontecendo habitualmente é que as partes prestam o seu depoimento no início da audiência de discussão e julgamento (por vezes, meramente formal, uma vez que já se sabe que terão de prestar, novamente, depoimento, a final e, muitas das vezes, sobre questões mais importantes do que aquelas a que são ouvidas no início da audiência de discussão e julgamento).
Após prestarem tal depoimento, ficam presentes, ouvindo o depoimento de todas as testemunhas e, no final, voltam a prestar depoimento, tendo ouvindo o que as diversas testemunhas disseram.
Em suma, salvo o devido respeito pela melhor opinião de VV. Ex.ªs, o douto despacho, ora posto em crise, deve ser mantido nos seus precisos termos. 

Por determinação da relatora, através do despacho de 04.09.2017, o processo baixou à 1ª instância para ser devidamente instruído com os elementos necessários à completa compreensão do recurso e também, complementarmente, para que o tribunal a quo se pronunciasse sobre a arguição de nulidades da decisão, deduzida pela apelante.

Na 1ª instância foi proferido o despacho de 08.09.2017, pugnando pela inexistência das apontadas nulidades (fls. 72).

O processo foi recebido neste Tribunal da Relação sem que haja sido dado cumprimento ao determinado no despacho da relatora, pelo que se reiterou o pedido de remessa dos elementos em falta (fls. 79).

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II.ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:
i)- DAS NULIDADES DA SENTENÇA, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 615º, Nº 1, ALÍNEAS B) e D) DO CPC;
ii)- DA ORGANIZAÇÃO DO DEBATE JUDICIAL, PREVISTO NO ARTIGO 116º DA LEI DE PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
a) Do momento da audição dos progenitores;
b) Das pessoas que deverão ser ouvidas.

III. FUNDAMENTAÇÃO.

A–
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Com relevância para a decisão a proferir, importa ter em consideração a alegação factual referida no relatório deste acórdão, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

B FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

i)-DAS NULIDADES DA SENTENÇA, AO ABRIGO DO DISPOSTO NO ARTIGO 615º, Nº 1, ALÍNEAS B)  E D) DO CPC;

A sentença, como acto jurisdicional, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é decretada, e então torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615º, nº 1 do Código de Processo Civil.

A este respeito, estipula-se no apontado normativo, sob a epígrafe de “Causas de nulidade da sentença”, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613º nº 3  do mesmo diploma que: (…)

Os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem, portanto, a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, (falta de assinatura do juiz), ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado ou é manifestamente ambígua ou obscura (contradição entre os fundamentos e a decisão, ou decisão ininteligível), ou o uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou por não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

A apelante imputa à decisão impugnada, datada de 19.07.2017 que incidiu, nomeadamente, sobre o pedido de aclaração de decisões anteriores, as nulidades decorrentes das alíneas b) e d) do citado normativo, reconduzindo-se tais nulidades a vícios de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, II vol., 793 a 811, ou seja, vícios que enfermam a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam.

Na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, prevê-se a sanção para o desrespeito ao disposto no artigo 607º, nº 3 do mesmo diploma legal, que manda que o juiz especifique os fundamentos de facto e de direito da sentença, sendo, aliás, um imperativo constitucional, uma vez que consta do artigo 205º, n.º 1 da C.R.P. que «as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei».
                             
E, como já referia J. ALBERTO DOS REIS, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, reimpressão (1981), 139, a necessidade de fundamentação da sentença assenta numa razão substancial e em razões práticas. Por um lado, porque a sentença deve representar a adaptação da vontade abstracta da lei ao caso particular submetido ao juiz e, por outro lado, porque a parte vencida tem direito a saber a razão pela qual a sentença lhe foi desfavorável, para efeitos de recurso. E, em caso de recurso, a fundamentação de facto e de direito é também absolutamente necessária para que o tribunal superior aprecie as razões determinantes da decisão.

Mas, seguindo o entendimento doutrinário e jurisprudencial, uma coisa é falta absoluta de fundamentação e outra é a fundamentação deficiente, medíocre ou errada. Só aquela é que a lei considera nulidade. Esta não constitui nulidade, e apenas afecta o valor doutrinal da sentença que apenas corre o risco, a padecer de tais vícios, de ser revogada ou alterada em via de recurso – cfr. designadamente J. A. REIS, ob. cit., 140 e, a título meramente exemplificativo, Acs. STJ de 03.05.2005 (Pº 5A1086) e de 14.12.2006 (Pº 6B4390), acessíveis na Internet, www.dgsi.pt.

Por outro lado, a nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.º, n.º 2 do CPC.
                       
Não pode, na verdade, o Tribunal conhecer senão das questões suscitadas pelas partes, excepto se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento de outras, pelo que a referida nulidade tem de resultar da violação do referido dever.

As questões a que alude a alínea em apreciação, como bem esclarece A. VARELA, RLJ, Ano 122.º, 112, embora reportado ao anterior regime processual civil, mas que nesta parte se mantém inalterável são “(...) todas as pretensões processuais formuladas pelas partes que requerem decisão do juiz, bem como os pressupostos processuais de ordem geral e os pressupostos específicos de qualquer acto (processual) especial, quando realmente debatidos entre as partes …”.

Como escreve ALBERTO DOS REIS, CPC Anotado, Vol. V, 143, a propósito da omissão de pronúncia, “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte”.

E, refere ainda ALBERTO DOS REIS, ob. cit., 54, a propósito do que deverá entender-se por “questões suscitadas pelas partes”, que “para caracterizar e delimitar, com todo o rigor, as questões postas pelas partes, não são suficientes as conclusões que elas tenham formulado nos articulados; é necessário atender também aos fundamentos em que elas assentam. Por outras palavras: além dos pedidos propriamente ditos, há que ter em conta a causa de pedir. Na verdade, assim como uma acção só se identifica pelos seus três elementos essenciais (sujeitos, objecto e causa de pedir), ..., também as questões suscitadas pelas partes só ficam devidamente individualizadas quando se souber não só quem põe a questão (sujeitos) e qual o objecto dela (pedido), senão também qual o fundamento ou razão do pedido apresentado (causa de pedir)”.
                               
Tal significa que questão a decidir não é a argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim as concretas controvérsias centrais a dirimir e não os factos que para elas concorrem.

Apreciar e rebater cada um dos argumentos de facto ou de direito que as partes invocam com vista a obter a procedência ou a improcedência da acção, bem como a circunstância de lhes fazer, ou não, referência, não determina a nulidade da sentença por excesso ou omissão de pronúncia.

É que, como se refere no Ac. do STJ de 06.05.04 (Pº 04B1409), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt, a propósito da omissão de pronúncia, “(...) terá o julgador que identificar, caso a caso, quais as questões que lhe foram postas e que deverá decidir. (....) E se, eventualmente, o juiz, ao decidir das questões suscitadas, tem por assentes factos controvertidos ou vice-versa, qualifica juridicamente mal uma determinada questão, aplica uma lei inapropriada ou interpreta mal a lei que devia aplicar, haverá erro de julgamento, mas não nulidade por omissão de pronúncia”.
                                                                
No caso vertente, as nulidades invocadas pela apelante estão basicamente traduzidas nas seguintes considerações:

a)- Falta de fundamentação e omissão de pronúncia, relativamente aos pedidos de aclaração dos despachos de 21.04.2017, 26.06.2017 e de 19.07.2017.

b)- Falta de fundamentação(e de fundamento legal), quanto à preterição, para o final da produção de prova, da prestação de declarações de ambos os progenitores  (despacho de 19.07.2017)

Vejamos se razão assiste à recorrente:

a)- Não admissão das testemunhas indicadas no rol pela progenitora, para além das 10 primeiras; Desentranhamento de relatórios psicológicos e rejeição do pretendido exame psiquiátrico (Despacho de 21.04.2017, notificado a 24.04.2017); rejeição da reformulação do rol de testemunhas, no que concerne à indicação de mais seis testemunhas para além do limite de 10 (despacho de 27.06.2017, notificado a 29.06.2017)

Está aqui em causa um processo de proteção de crianças e jovens em perigo, cujo diploma fundamental é a Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo (LPCJP) aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01 de setembro, alterada pela Lei n.º 31/2003, de 22.8 e pela Lei n.º 142/2015, de 8.9.

Tal lei regula a intervenção do Estado para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, a qual tem lugar “quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo” (art.º 3.º n.º 1).

Estabelece o artigo 106º do aludido diploma legal, as diferentes fases em que é constituído o processo de promoção e protecção (de crianças e jovens em perigo).

E, na fase de Debate Judicial, as partes interessadas (pais, representante legal, e Ministério Público) são notificadas para alegarem por escrito, querendo, e apresentarem prova, sendo nesta fase obrigatória a nomeação de patrono à criança ou jovem (artigo 103º, nº 2 da LPCJP).

Acresce que decorre do artigo 126º do aludido diploma legal que ao processo de promoção e protecção são aplicáveis, subsidiariamente, com as devidas adaptações, na fase de debate judicial e de recurso, as normas relativas ao processo civil declarativo comum.

No caso vertente, encontrando-se o processo nessa fase, a progenitora veio alegar e apresentar os seus meios de prova, o que sucedeu, em 07.03.2017, incidindo sobre o mesmo o despacho de 21.04.2017, que decidiu dar por não escritos os nomes das testemunhas indicadas no rol, para além de 10, não admitir a prova documental apresentada pela progenitora e rejeitar a pretendida perícia psiquiátrica.

A progenitora foi notificada de tais decisões, em 24.04.2017 e delas não recorreu autonomamente – como poderia, ao abrigo do disposto nos artigos 644º, nº 2, alínea d) e 638º,  nº 1, ambos do CPC ex vi do citado artigo 126º da LPCJP - antes tendo optado, em 10.05.2017, por reformular o rol de testemunhas (arrolando 16 testemunhas) e formular o pedido de aclaração, muito embora nada houvesse a aclarar, uma vez que as decisões se encontram suficientemente fundamentadas (v. pontos 1 a 4 do relatório deste acórdão).

Do pedido de reformulação do rol de testemunhas efectuado no  requerimento  de  10.05.2017,  recaiu  o  despacho  de  27.06.2017  que voltou a não admitir as testemunhas indicadas, para além das primeiras 10, com os fundamentos nele invocados.

Igualmente tal despacho não foi, atempadamente, impugnado pela progenitora que, ao invés, e de novo, veio pedir aclaração, em 06.07.2017 (v. pontos 4 a 7 do relatório deste acórdão).
                             
Ora, não tendo sido impugnadas as decisões judiciais, datadas de 24.04.2017 e 27.06.2017, as mesmas transitaram em julgado, já que inapropriados pedidos de aclaração não têm a virtualidade de suspender o prazo legal de 15 dias para interposição de recurso, pelo que as mesmas transitaram em julgado, não podendo ser colocadas em causa, no recurso de apelação interposto em 02.08.2017.

Assim, no despacho recorrido, datado de 19.07.2017, nada foi aclarado, pois justamente nada havia a aclarar, pelo que inexiste qualquer nulidade do referido despacho com os fundamentos da falta de fundamentação ou de omissão de pronúncia invocados pela apelante e tendo em conta as considerações acima explanadas quanto à posição legal e doutrinária sobre a matéria.

b)- Falta de fundamentação (e de fundamento legal), quanto à preterição, para o final da produção de prova, da prestação de declarações de ambos os progenitores   (despacho de 19.07.2017)

Como acima ficou dito, é entendimento doutrinário e jurisprudencial, que só a falta absoluta de fundamentação e não a fundamentação deficiente, medíocre ou errada, gera a nulidade da decisão.

No caso em apreciação, o Tribunal recorrido, no despacho de 27.06.2017, ao calendarizar a prova a produzir no Debate Judicial, decidiu indicar a última sessão agendada, para a audição dos progenitores, sem qualquer fundamentação.

Porém, na sequência do requerimento da progenitora, datado de 06.07.2017, o Tribunal veio fundamentar, no despacho de 19.07.2017, as razões da opção pela audição dos progenitores em último lugar.

A decisão recorrida, nessa parte, mostra-se suficientemente fundamentada, pelo que não é causa de nulidade da decisão.

Os alegados vícios de conteúdo a que se refere o artigo 615º, n.º 1, alíneas b) e d) do Código do Processo Civil, não se verificam, por conseguinte, na decisão recorrida de 29.07.2017, única que aqui poderia ser apreciada, pelo que improcede o que a tal respeito consta das conclusões da apelante.
                             
Situação diversa é a de saber se houve erro de julgamento, pois como se refere no Ac. do STJ de 21.05.2009 (Pº 692-A/2001.S1), acessível em www.dgsi.pt “Se a questão é abordada, mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “errore in procedendo”.

Importa, então, apurar se há erro de julgamento, sendo certo que a apelante também invoca, o que designa de falta de fundamento legal, para a preterição para o final da produção de prova, da prestação de depoimento das partes.

ii)-DA ORGANIZAÇÃO DO DEBATE JUDICIAL PREVISTO NO ARTIGO 116º DA LEI DE   PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO

a)- Do momento da audição dos progenitores;
b)- Das pessoas que deverão ser ouvidas.

Os processos judiciais de promoção dos direitos e protecção das crianças e jovens em perigo são legalmente qualificados, como resulta do artigo 100º LPCJP, como processos de jurisdição voluntária.

E, por isso, ao abrigo do disposto nos artigos 986º, nº 2 e 987º do Código de Processo Civil, o tribunal pode investigar livremente os factos, coligir as provas, ordenar os inquéritos e recolher as informações convenientes e, no seu julgamento, o tribunal não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue conveniente e mais oportuna.

Como se disse supra, a propósito da nulidade da decisão recorrida, o processo de promoção e protecção é constituído por diversas fases: Instrução; Debate judicial; Decisão; Execução da medida.

A fase da instrução, cujo prazo legal da instrução que é de quatro meses (artigo 109º da LPCJP), é constituída pelo conjunto de diligências que visam conhecer a situação da criança ou jovem e do seu agregado familiar e da existência ou não da situação de perigo, destacando-se das diligências a realizar nesta fase: - a audição (obrigatória) da criança ou do jovem com idade igual ou superior a 12 anos, dos pais, representante legal ou da pessoa que tenha a sua guarda (artigo 107º, nº 1 da LPCJP); a audição de técnicos que conheçam a situação da criança ou do jovem (artigo 107º, nº 2 da LPCJP); informações e relatórios sociais sobre a situação da criança e do jovem e do seu agregado familiar (artigo 108º da LPCJP).

Concluídas as diligências consideradas necessárias, o juiz, ouvido o Ministério Público, declara encerrada a instrução e:
a.-Decide o arquivamento do processo, quando concluir que não se comprova a situação de perigo ou a mesma já não subsiste, sendo, por isso, desnecessária a aplicação de qualquer medida de promoção e protecção (artigos 110º, al. a) e 111º da LPCJP);
b.-Designa dia para realização de uma conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e protecção, caso este se revele provável (artigos 110º, al. b), 112º e 113º da LPCJP); ou,
c.-Determina o prosseguimento do processo para realização de debate judicial, quando se mostre improvável o acordo (artigos 110º, al. c) e 114º da LPCJP).

A fase do debate judicial tem, portanto, lugar nas seguintes situações:
a.-Das diligências realizadas, em sede de instrução, se conclua pela existência da situação de risco para a criança ou jovem que justifique a aplicação de medida de promoção e protecção e seja manifestamente improvável a adesão dos pais, representante legal, de quem tenha a guarda de facto e da criança ou jovem com mais de 12 anos, a acordo de promoção e protecção (artigo 110º, al. c) da LPCJP) ou,
b.-Designado dia para a conferência com vista à obtenção de acordo de promoção ou protecção, por tal se ter afigurado provável, não foi possível a sua obtenção, por falta de consentimento dos pais, representante legal ou de quem tenha a guarda de facto, oposição da criança ou do jovem com mais de 12 anos ou oposição do MP (artigo 114º, nº 1 da LPCJP).

Nestes casos, é ordenado o prosseguimento do processo, com a notificação do MP, dos pais, representante legal ou quem tenha a guarda de facto e da criança com mais de 12 anos para alegarem, por escrito, e apresentarem prova (artigo 114º, nº 1).

O debate judicial é realizado por tribunal colectivo, composto pelo juiz do processo, que preside, e por dois juízes sociais (artigo 115º). E, concluída a produção de prova, o tribunal recolhe para deliberar e profere a decisão, a qual pode ser ditada para a acta imediatamente após a deliberação ou, nos casos mais complexos, suspende o debate e designa dia para a sua continuação, com a leitura da decisão, que deve ser devidamente fundamentada de facto e de direito (artigos 120º, 121º e 122º da LPCJP).

No debate judicial, e dada a sua importância com vista à eventual aplicação de uma medida de promoção e protecção ou à sua desnecessidade, justificando o arquivamento do processo, é o momento por excelência para assegurar o exercício do contraditório, como se prevê no artigo 104º da LPCJP, por forma a uma completa explanação das posições e argumentos que se tenham por decisivos para a definição da situação da criança ou do jovem.

Como resulta do disposto no artigo 107º, nº 1, alínea b) da LPCJP, a audição dos progenitores é obrigatória na fase de instrução, mas, essa obrigatoriedade deixa de ser exigível, quando se entra na fase seguinte, ou seja, na fase de debate judicial.

De harmonia com o disposto nos nºs 1 a 4 do artigo 114º da LPCJP, na fase de debate judicial que precede a decisão, os progenitores apenas terão que ser notificados para, querendo, alegarem por escrito, aduzindo o que, a tal propósito, tiverem por conveniente e apresentarem provas.

No caso vertente, a progenitora/apelante apresentou alegações e arrolou testemunhas, requerendo igualmente a sua audição.

O Tribunal recorrido admitiu o rol de testemunhas apresentado até ao limite legal de 10 e a audição não só da progenitora, como esta havia requerido, mas também do progenitor, o que terá decidido, por certo, em obediência aos princípios do contraditório e da igualdade das partes, para além de determinar, oficiosamente, a audição de pessoas que entendeu deverem ser ouvidas e com ligação aos menores, nomeadamente as indicadas pelas ECJ e as professoras do estabelecimento de ensino que os menores frequentam.

Procedeu igualmente o Exmo. Juiz do Tribunal a quo à calendarização das três sessões que julgou necessárias para a realização do Debate Judicial, deixando para a última sessão agendada, a audição dos progenitores, o que mereceu a impugnação da apelante.

Preconiza a apelante que a audição dos progenitores deveria ter lugar em primeiro lugar, em conformidade com as regras do Código de Processo Civil, aplicável ao presente pleito, uma vez que são partes, defendendo que o decidido viola o disposto nos artigos 116º e 117º da LPCJP.

Dispõe o artigo 116º do citado diploma, sob a epígrafe “
Organização do debate judicial”, que:
1- O debate judicial é contínuo, decorrendo sem interrupção ou adiamento até ao encerramento, salvo as suspensões necessárias para alimentação e repouso dos participantes.
2- O debate judicial não pode ser adiado e inicia-se com a produção da prova e audição das pessoas presentes, ordenando o juiz as diligências necessárias para que compareçam os não presentes na data que designar para o seu prosseguimento.
3- A leitura da decisão é pública, mas ao debate judicial só podem assistir as pessoas que o tribunal expressamente autorizar.

Estatui-se, por seu turno, no artigo 117º da LPCJP, sob a epígrafe “Regime de Provas”: Para a formação da convicção do tribunal e para a fundamentação da decisão só podem ser consideradas as provas que puderem ter sido contraditadas durante o debate judicial.

Pode, pois, concluir-se que nada a referida lei estabelece nos citados normativos, quanto à ordem da produção de prova a realizar no Debate Judicial, pelo que haveria que recorrer, subsidiariamente, às normas do CPC.

O nº 3 do artigo 604º do CPC estabelece a ordem dos actos de prova a realizar no decurso da audiência final. Esta inicia-se com a prestação dos depoimentos de parte, seguem-se a exibição de reproduções cinematográficas ou registos fonográficos, os esclarecimentos verbais dos peritos e a inquirição das testemunhas.

Nada se refere quanto às declarações de parte. E compreende-se que assim seja, já que como preceitua o nº 1 do artigo 466º do CPC, as partes podem requerer, até ao início das alegações orais em 1ª instância, a prestação de declarações sobre factos em que tenham intervindo pessoalmente ou de que tenham conhecimento directo.

É verdade que, nos termos do nº 2 do artigo 466º do CPC se prevê que às declarações de parte se aplica, com as necessárias adaptações o estabelecido na secção anterior, que é, justamente a prova por confissão. Daí que se poderia entender que a prova por declarações de parte seria realizada logo no início da produção de prova, em audiência, designadamente, se houver lugar, simultaneamente, a depoimento de parte e a declarações de parte – v. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, CPC Anot., Vol. 2º, 3ª ed., 309.


Sucede que se tem entendido, na doutrina e na jurisprudência, que a ponderação e apreciação que o juiz terá de efectuar acerca das declarações produzidas pela parte será distinta, consoante a parte declarante tenha assistido, ou não tenha assistido, à audiência final e que o juiz deverá advertir as partes de que a valoração das suas declarações só será a mais favorável se elas não tiverem estado presentes na audiência final.

Contrapõe MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, no blog do IPPC, a propósito de um paper divulgado no Blog (As declarações de parte. Uma síntese de L.F. Pires de Sousa), acessível em https://blogippc.blogspot.pt/2017/04/um-apontamento-sobre-as-declaracoes-de.html?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed:+BlogDoIppc+(Blog+do+IPPC), referindo que “A assistência à audiência final é um direito da parte. Estranho seria que, sendo a regra a publicidade da audiência final (cf. art. 606.º, n.º 1, CPC), a parte fosse precisamente o único sujeito a quem fosse recusado esse direito. Sendo assim dificilmente se compreende que a parte possa sofrer qualquer consequência como resultado do exercício legítimo daquele direito. Aliás, a fiabilidade das declarações da parte aumenta se a parte tiver pleno conhecimento do que se passou na audiência final e se quiser reagir, por sua iniciativa, contra alguma prova nela produzida. Em contrapartida, a ausência da parte da audiência final diminui o conhecimento por esta do que nela se passou e restringe a possibilidade de uma reacção espontânea da parte, o que contribui para aumentar o risco de o requerimento para a prestação de declarações ser apenas um expediente processual. Em conclusão: a circunstância de a parte ter assistido à audiência final pode constituir um factor relevante para a valoração das declarações realizadas pela parte; isso justifica que o juiz pondere essa circunstância no momento da apreciação da prova, mas não que o juiz assuma, a priori, que a presença da parte declarante na audiência final diminui o valor probatório das suas declarações. Por isso, não se justifica nenhuma advertência das partes quanto a uma desvalorização probatória das suas declarações se as mesmas forem realizadas quando a parte declarante tenha assistido à audiência final.

Daqui se infere que na apreciação do que decorre da lei processual civil e que tem sido questionado na doutrina e na jurisprudência, não é tanto a ordem de produção do meio de prova, consistente nas declarações de parte, mas sim do seu valor probatório.

Porém, a prova por declarações de parte não pode ser entendida como qualquer outra prova, posto que nem sequer têm de ser indicada, desde logo, nos articulados, nem sequer na audiência prévia, como decorre do citado artigo 466º, nº 1 do CPC.

A natureza subsidiária ou supletiva da prova por declarações de parte tem sido, por isso, preconizada na doutrina e na jurisprudência, à qual se recorre face à natureza pessoal dos factos a averiguar, e quando se pressinta que os outros meios probatórios usados não terão sido bastantes para assegurar o convencimento do juiz, i.e., perante a necessidade sentida pela parte de oferecer o depoimento próprio, como meio de prova, mormente perante o fracasso da produção de outros meios  – v. neste sentido JOÃO CORREIA/PAULO PIMENTA/SÉRGIO CASTANHEIRA, Introdução ao Estudo e à Aplicação do Código de Processo Civil de 2013, Almedina, 2013, 57, PAULO RAMOS DE FARIA E ANA LUÍSA LOUREIRO, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, Vol. 1, 364, PAULO PIMENTA, Processo Civil Declarativo, Almedina, 2014, 278 e, a título exemplificativo Acs. TRP de 23.03.2015 (Pº 1002/10.4TVPRT.P1) e de 10.09.2015 (Pº 6615/11.4TBVNG.P1), de que foi relator o ora 1º adjunto, e demais jurisprudência neles mencionada,  arestos acessíveis, respectivamente, em www.dgsi.pt e https://outrosacordaostrp.com/2016/02/10/ac-do-trp-de-10092015-proc-661511-4tbvng-p1-valor-dos-depoimentos-das-testemunhas-que-relatam-apenas-o-que-lhes-foi-contado-por-uma-das-partes-valor-das-declaracoes-de-parte-consequencias-d/.

Assim, perante o carácter supletivo deste meio de prova e o seu respectivo campo de aplicação, não se pode deixar de concluir que fará mais sentido que a prova por declarações de parte seja relegada para o final da produção de prova.

É certo que também se poderia defender a prévia audição dos progenitores, por recurso à regra geral contida no artigo 85º, nº 1 da LPCJP (Capítulo VI – Disposições Processuais Gerais aplicadas aos processos de promoção e protecção instaurados nas comissões de protecção ou nos tribunais), como também pelo que decorre do Regime Geral do Processo Tutelar Civil, aprovado pela Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro, dada a proximidade das características especificas existentes entre ambos os diplomas, mormente em relação ao debate judicial (artigo 116º e 117º LPCJP) e à audiência de discussão e julgamento (artigo 29º, nº 1 , alínea a) do RGPTC).

Mas, independentemente da posição que se defenda acerca da ordem do depoimento dos progenitores, enquanto partes no processo de promoção e protecção, no quadro da produção de prova a realizar no Debate Judicial, não se pode olvidar que, nos processos de jurisdição voluntária, o juiz possui a máxima amplitude, tanto na aplicação do direito, como na investigação e avaliação fáctica, sendo certo que, segundo o nº 2 do artigo 986º, do CPC, o julgador só admite provas que considere necessárias e, conforme decorre do artigo 987º do mesmo diploma, nas providências a tomar não está sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.

Sucede, porém, que esta liberdade de subtracção a um enquadramento legal rígido, não obsta nem dispensa o julgador de fundamentação das suas decisões, por forma a justificar a razão pela qual se decidiu em certo sentido e não noutro, sendo a fundamentação das decisões um imperativo legal (art.º 154 do CPC) e constitucional (art.º 205 da CRP).

No caso vertente, a justificação apresentada pelo julgador para ter decidido pela audição dos progenitores em último lugar, ao invés de aplicar o disposto no artigo 604º do CPC, como expressamente se aduziu no despacho de 19.07.2017, afigura-se justificável.

Apelar à regra da experiência para dizer, em suma, que os progenitores sempre teriam de ser ouvidos no fim, “face às duvidas e esclarecidos necessários decorrentes da demais produção da mais prova”, ou invocar que “nas primeiras declarações em regra nada se acrescenta ao que já foi dito nos autos, tanto nas conferências destes autos, como na regulação das responsabilidades parentais, como perante os técnicos que acompanham o caso, ou também através dos articulados dos Patronos. Daí que se use sempre essa estratégia processual mais eficaz e célere, como o CPC impõe, e optado sempre por ouvir os pais no fim, eliminado uma repetição que, repita-se, em regra sempre ocorre”, reflecte plausibilidade e adequação aos fins deste processo de promoção e protecção.

Assim, deverão ser ouvidos os progenitores, no final da produção de prova a produzir no debate judicial e no qual os mesmos deverão estar presentes, ao contrário do que parece sugerir o despacho recorrido, a fim de melhor complementarem e esclarecerem algum facto determinante para a decisão a proferir pelo Tribunal.

Não tem, pois, razão a recorrente, pelo que improcede, nesta parte, a apelação.

Tão pouco razão lhe assiste, quanto à audição do companheiro da progenitora, ora apelante, o qual exerce nos autos a função de advogado da progenitora.

Não só o companheiro da progenitora não foi por esta arrolado, no momento próprio, como testemunha, o que até nem seria curial, o mesmo actuar no processo, enquanto testemunha e mandatário, como também o Exmo. Juiz do Tribunal a quo, no âmbito dos amplos poderes que possui neste processo de jurisdição voluntária, acima evidenciados, não entendeu ser útil ou necessária à sua audição.

Improcede, pois, in totum, a apelação, não se tomando conhecimento das decisões judiciais datadas de 24.04.2007 e 27.06.2017, por se mostrarem transitadas em julgado e mantendo-se o consta do despacho recorrido, datado de 19.07.2017, quer o que, a propósito da ordem de audição dos progenitores no debate judicial, quer a não audição do companheiro da progenitora que exerce nestes autos o patrocínio judiciário desta.

A apelante será responsável pelas custas respectivas, nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.

IV.DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se o despacho recorrido.

Condena-se a apelante no pagamento das respectivas custas.



Lisboa, 30 de Novembro de 2017



Ondina Carmo Alves - Relatora
Pedro Martins
Arlindo Crua