Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2527/10.7TBPBL.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
COMUNICAÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS
CLÁUSULAS NULAS
ASSINATURA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/28/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIAL PROCEDÊNCIA
Sumário: I - Dar notícia de cláusulas contratuais gerais (que estão na página que se assina ou no verso dela) não é fazer a comunicação das mesmas exigida pelo art. 5 da LCCG. E a falta dessa comunicação implica a exclusão de tais cláusulas contratuais gerais do contrato em causa [art. 8/a) da LCCG].
II – A cláusula em que o aderente declara conhecer e aceitar as cláusulas contratuais gerais constantes do verso do documento que está assinar é uma cláusula de confirmação que não substitui a necessidade de comunicação de tais cláusulas, pelo que, não se provando esta, tais ccg serão excluídas também por força do art. 8/d) da LCCG.
(da responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

“A” intentou em 24/12/2010 a presente acção contra a Massa Insolvente de “B”, Comercialização de Cartões de Desconto, SA, e o “C” – Instituição Financeira de Crédito, SA, pedindo que (transcreve-se ipsis verbis) “os réus fossem condenados a:
a) reconhecer das nulidades deduzidas, dos contratos, considerando-se sem efeito os contratos celebrados, referidos na petição inicial, sendo os mesmos nulos.
b) reconhecer da nulidade do contrato de crédito e de cartão k club e outros mais que o autor haja celebrado com os réus, por ele e do contrato de associação, crédito, com consequente condenados os réus à devolução ao autor das prestações, pagas pelo autor aos réus, no montante total de 5472€.
c) a indemnizar o autor pelos danos morais, da quantia de 5000€, acrescido de juros desde 11/04/2010 até integral pagamento.
d) reconhecer que o contrato foi resolvido pelo autor a 11/04/2010, devidamente, por culpa dos réus, com o fundamento aí explanado no doc. 1.”
Alega para o efeito (faz-se a transcrição quase integral de modo a manter o essencial do que foi alegado pelo autor) que: subscreveu em 06/04/2006 dois documentos cujas cópias recentemente leu, constituindo o primeiro um contrato de associação denominado "Key Club Premium" com o n° ... e o segundo uma proposta de crédito. No primeiro desses documentos, além dos dados manuscritos relativos à sua identificação consta a indicação do nome da 1ª ré. Na proposta do contrato de crédito, além da identificação do autor, no topo esquerdo do impresso consta o logótipo da 2ª ré, com indicação ainda do valor total de 5472€ correspondente à opção "C" da opção de financiamento. Desse plano de pagamento consta ainda que "As prestações deste contrato serão processadas pelo sistema de "débitos directos". Desde 06/04/2006 foram debitadas pela 2ª ré, da conta do autor, 48 prestações no montante de 114€ cada uma. O autor uns dias antes em 2006, havia sido contactado, telefonicamente, para sua casa por um funcionário da 1ª ré, o qual, dando-lhe os "parabéns", lhe comunicou que acabava de ganhar um prémio que podia levantar no Edifício ... em Leiria. Com esse fim, deslocou-se ao referido Edifício, ficando a saber que o prémio em causa consistia num voucher de estadia que lhe dava direito a "(...) dias no ALGARVE e estrangeiro. Para beneficiar do referido prémio, foi comunicado ao autor, que teria de assinar o contrato de associação referido, com indicação de que tal contrato lhe conferia vantagens de desconto e acumulação de pontos. Do impresso do dito contrato constava um destacável com os dizeres “Bónus 10.000 PONTOS". Mais disseram, que a final receberia o montante a investir, seriam restituídos os 5472€ e com juros. Ora entendeu o autor que estava a fazer um investimento, tipo depósito bancário. A proposta de crédito e de cartão foi assinada sem que estivesse ainda preenchida em todos os seus dizeres. Na data da subscrição da proposta de crédito e contrato K club o autor não recebeu exemplar do contrato de crédito e K club. O autor tinha o 6º ano, mal sabe ler e escrever. As cláusulas insertas no verso da proposta dos contratos de crédito e K Club não foram lidas e explicadas ao autor. A 11/04/2010, após ter consultado advogado, o autor verificou que tinha sido enganado, e notificou as rés, com carta com aviso de recepção, que as rés receberam, dando a conhecer os factos, resolvendo o contrato. Em consequência das ofensas referidas o autor sofreu danos não patrimoniais no montante global não inferior a 5.000€.
Depois o autor começa uma parte do seu articulado intitulada das excepções de nulidade dos contratos e sua apreciação jurídica, toda ela em itálico, com o seguinte teor (que se reproduz quase na íntegra):
Entre a 2ª ré e o autor foi celebrado um contrato de financiamento - crédito ao consumo -, formalizado no documento denominado "Proposta de Crédito", o qual teve por intermediária a 1ª ré. Para o efeito, esta sociedade, oferecendo produtos e serviços à ré, celebrou com esta um contrato de associação ao "Key Club" para aquisição de um cartão, o qual, por comportar encargos, levou à subscrição de uma proposta de crédito. O caso configura assim a coexistência de dois contratos distintos e autónomos com ligação funcional entre os mesmos, servindo o crédito para financiar o pagamento dos serviços que é objecto daquele primeiro contrato. O contrato de crédito, como contrato de adesão que é, a par de cláusulas específicas que particularizam cada negócio, contêm ainda cláusulas pré-determinadas que não são passíveis de negociação individualizada e que por isso, apenas caberá ao destinatário aceitar ou não, aplicando-se-lhe o regime das cláusulas contratuais gerais. As assinaturas dos contratantes constam da face do documento e as condições gerais do seu verso. Prescreve o art. 8d) das CCG, que em matéria de cláusulas contratuais gerais, são excluídas as cláusulas que sejam inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contraentes. E, segundo entendimento maioritário da jurisprudência as referidas cláusulas contratuais gerais são nulas por constarem do impresso contratual após a assinatura das partes. Assim, existe nulidade das referidas cláusulas contratuais gerais decorrente do art. 8, das CCG. O citado artigo 6 tem natureza imperativa e impõe, sob pena de nulidade, a efectiva entrega ao autor de um exemplar do contrato no momento da assinatura. No caso, a concessão do empréstimo ao autor pela 2ª ré teve por intermediária, como vimos a 1ª ré. Dos factos provados resulta que, até ao momento da aceitação propriamente dita, concretizada pelo envio pelo correio de um plano de pagamento das prestações apenas valeu como proposta contratual, incompleto nos seus dizeres. Isto para significar que o autor, até ao momento de receber o referido plano, não tinha a possibilidade de analisar as estipulações do contrato. Assim sendo, além da exigência de redução a escrito do contrato de crédito, também a falta de entrega do documento acarreta a nulidade do contrato. A sanção para o incumprimento do prescrito na referida norma é a nulidade do contrato (art. 7/1). Tal regime, alicerça-se na necessidade de tutela do consumidor, a quem, com frequência não é entregue cópia do contrato. Tendo sido celebrado dois contratos, (no mesmo dia), tal pressupõe que a 1ª ré se encontrava na posse dos formulários da proposta de crédito. E, como é sabido, "a existência de uma coligação funcional entre dois ou mais negócios produz efeitos jurídicos relevantes, na medida em que, em virtude dessa dependência funcional, as vicissitudes de um acabam por se repercutir sobre o outro ou outros. Com efeito, se um dos negócios estiver ferido de nulidade, nulo será também o negócio funcionalmente dependente". A declaração de nulidade produz efeito retroactivo e implica a devolução de tudo o que tiver sido prestado (art. 289/1 do Código Civil). Assim, tendo resultado provado que foram debitadas ao autor 48 prestações num valor de 114€ cada uma, deve a 2ª ré e 1ª, restituir-lhe o valor que deste receberam, nada mais havendo a determinar quanto aos efeitos de tal nulidade, por se repercutirem na esfera da intermediária.
A 1ª ré contestou, excepcionando a incompetência relativa, a inutilidade superveniente da lide e a litispendência (dizendo estar pendente uma outra acção com o mesmo objecto), e impugnou quase todos os factos alegados pelo autor, dizendo, no essencial, que o autor celebrou o contrato devidamente informado do que era o cartão key club, como funcionava e quais os serviços que disponibilizava, tendo-lhe sido lidas e explicadas as respectivas cláusulas (e do contrato de crédito) e tendo ele tido tempo e oportunidade para as ler; foi-lhe também entregue um exemplar do contrato key club (e do contrato de crédito). Conclui pela improcedência da acção.
O Banco “C”, SA (assumindo o papel da 2ª ré, apesar do erro de identificação do cabeçalho da pi), deduziu as excepções de incompetência territorial e de abuso de direito, esta com base no facto de o autor ter cumprido 47 das 48 prestações a que estava obrigado pelo contrato de crédito e só agora ter vindo levantar a questão da nulidade dos contratos; e impugnou quase todos os factos alegados pelo autor, dizendo entre o mais que o empregado da 1ª ré prestou ao autor todas as informações essenciais ao seu cabal esclarecimento, tendo sido elucidado de todas as condições dos contratos em causa. Foi-lhe entregue um exemplar do contrato. Diz que o crédito solicitado se destinou ao pagamento do serviço contratado pela 1ª ré.
O autor respondeu defendendo a improcedências das excepções deduzidas.
Por despacho de fls. 89-90, foram declarados competentes para conhecer e decidir a presente acção os juízos cíveis de Lisboa. A fls. 113-116 foi proferido despacho saneador, tendo-se julgado improcedentes as excepções de inutilidade superveniente e de litispendência [para apreciação desta foi mandada juntar uma cópia da injunção que a 1ª ré requereu contra o autor em 23/11/2010, aí invocando o contrato dos autos, que chama de contrato de prestação de serviços e exigindo o pagamento de anuidades durante os anos de 2006 a 2009 (= 310,15€) mais uma indemnização moratória].
Depois de realizado o julgamento, foi a acção julgada improcedente e as rés absolvidas do pedido.
O autor interpôs recurso desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que julgue procedente o pedido -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões [transcrevem-se na íntegra e rectifica-se a numeração]:
“1. O autor impugna os factos dados como não provados na sentença, termos do art. 690-A do CPC, pelo que pretende reapreciação da prova produzida sob a matéria de facto, factos referidos:
2. Mais lhe disseram que, a final, seriam restituídos os 5.472€ e com juros;
3. A proposta de crédito e de cartão foi assinada sem que estivesse ainda preenchida em todos os seus dizeres;
4. O autor mal sabe ler e escrever;
5. O depoimento da testemunha “D”, reafirma o alegado na p.i., devendo ser dado como provados os factos referidos em das conclusões, conforme gravação magnetofónica.
6. Deveria o Sr. juiz ter em conta que deu como não provado: que todas as cláusulas insertas no verso de ambos os contratos não foram lidas detalhadamente explicadas ao autor.
7. A forma de dar como provados factos foi de forma arbitrária.
8. Prova livre não equivale a prova arbitrária, isto é, a prova valorada arbitrariamente, mas a prova apreciada pelo juiz segundo a sua experiência, a sua prudência, o seu bom senso, com inteira liberdade, sem estar vinculado ou adstrito a quaisquer regras, medidas ou critérios legais (ac. STJ, de 77/11/30, BMJ, 271, pag. 181).
9. Pelo que a acção deveria ter sido julgada improcedente.
10. Os réus tinham o ónus de dar como provado: que todas as cláusulas insertas no verso de ambos os contratos não foram lidas detalhadamente explicadas ao autor.
11. Foi violado o art. 374 do CC, ao considerar e validar documento impugnado, não provado por prova testemunhal, ou outra.
12. Foi violado a al. b) do nº 1 do art. 668 do CPC, nomeadamente porque o Sr. juiz não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ao não considerar facto que foi dado como não provado, cujo ónus cabia aos réus.
13. Foi violado art. 8/1d) das CCG, que em matéria de cláusulas contratuais gerais, são excluídas as cláusulas que sejam inseridas em formulários, depois da assinatura de algum dos contraentes.
14. Assim, existe nulidade das referidas cláusulas contratuais gerais, conclui-se pela procedência inerente à mesma decorrente do art. 8.° das CCG.
15. Foram violados os arts. 847, 248, 334 e 496/1 do CC, 1, 2, 4/2, 26, 66/b, 264, 484/1, 661, 664, 665 e 668d) e e) do CPC, 116/1 e 117-B/1 e 2 do CRP.”
A 2ª ré contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.
*
Questões que cumpre solucionar: para além da alteração dos factos, pretendida pelo autor, fica por saber se as cláusulas contratuais gerais existentes nos contratos se devem ter por excluídas dos mesmos e se tal importa nulidade dos contratos, bem como se a sentença contém alguma nulidade; por fim, a considerar procedente alguma das pretensões do autor, fica a questão do abuso de direito, levantada pela 2ª ré na contestação, que sempre teria de ser apreciada por ser de conhecimento oficioso.
*
Apesar da 1ª ré ser a Massa Insolvente da “B”, daqui para a frente ir-se-á sempre referir, por uma questão de simplificação, a “B” ou a Massa Insolvente como a 1ª ré. E a 2ª ré será sempre assim identificada, apesar de à data dos factos ter outro nome.
*
Factos dados como provados na decisão recorrida:
1. A 1ª ré dedica-se ao comércio de cartões de desconto que conferem o acesso a serviços hoteleiros contratados e acessoriamente outros benefícios, descontos, vantagens, regalias e acesso a outros produtos e serviços nas empresas que utilizam a marca “key club”.
2. A 2ª ré é uma instituição de crédito que, em Abril de 2006, tinha a denominação de “E” – Instituição Financeira de Crédito, SA.
3. O autor foi contactado, telefonicamente, para sua casa por um empregado da 1ª ré, o qual, dando-lhe os "parabéns", lhe comunicou que acabava de ganhar um prémio que podia levantar no Edifício ... em Leiria.
4. Com esse fim, no dia 06/04/2006, o autor deslocou-se ao referido Edifício ... em Leiria, ficando a saber que o prémio em causa consistia num voucher de estadia.
5. Nesse mesmo dia, o autor assinou o contrato “key club”, com o número ..., e a “proposta/contrato de crédito”, a que foi, posteriormente, dado o número ..., datada de 06/04/2006, na qual consta, na folha de rosto, no topo esquerdo, o logotipo da sociedade "“E””, com indicação do valor total de 5.472€ correspondente à opção "C" da opção de financiamento (cujas cópias de mostram juntas a fls. 44-45 e 69-70, respectivamente, e cujo teor se dá aqui por reproduzido), fornecendo o bilhete de identidade e o cartão de contribuinte para fotocopiar e um comprovativo de NIB.
[Conforme se vê melhor de fls. 139 e 140 do processo electrónico (no processo em papel a parte de cima destas folhas está cortada), no rosto do contrato key club está escrito que se trata de um contrato de associação. O rosto consta de um primeiro espaço para informação destinada aos serviços, uma segunda parte com os elementos de identificação do autor (nº. de cliente e oferta) e outros dados do mesmo, com quadrículas preenchidas à mão, e uma terceira parte com o seguinte conteúdo e mais ou menos com este aspecto (tudo já impresso à excepção da data e da quadrícula da opção):
Condições do contrato
Data do contrato 06/04/06.
Fornecedor: “B”
Tipo de bem ou serviço: viagens/cartão desconto (Key Club).
Periodicidade do pagamento: mensal.
P.V.P. = Crédito Solicitado: 4.641€.
opções de financiamentonº. de prestaçõesPrazo (meses)valor da prestaçãocrédito concedidovalor total
das prestações
taxa nominalTAEGseguro de vida (obrigatório)
A
B
C
24
36
48
24
36
48
210,58€
146,12€
114,00€
4.641,00€
4.641,00€
4.461,00€
5.053,92€
5.260,32€
5.472,00€
8%8,646%
8,646%
8,645%
29,66€
47,15€
66,13€
A primeira prestação vence-se 30 dias após a assinatura do presente contrato e as restantes ao mesmo dia dos meses subsequentes.
Seguro de vida – a idade do 1º proponente na data da assinatura do contrato deve situar-se entre os 18 e os 67 anos.
Imposto de selo e seguro de vida: custos suportados pelo fornecedor.
Identificação da opção de financiamento/prestações/prazo cujas condições vigoram para este contrato: opção □.

No verso desta única folha constam as denominadas condições gerais do contrato, com, em duas colunas, 37 condições, todas elas com várias linhas.
Na condição 36 consta: o titular do cartão key club premium declara aceitar as condições do contrato das quais teve prévio e atempado conhecimento, tendo-lhe sido entregue um exemplar e prestadas as necessárias informações sobre o conteúdo do mesmo.
Quanto à proposta de crédito, de fls. 69 dos autos tem um campo destinado à identificação do proponente, um outro com a descrição do bem e condições particulares de crédito associadas à aquisição com o seguinte teor:
Fornecedor: “B”
Tipo de bem ou serviço: viagens/cartão desconto (Key Club).
Periodicidade do pagamento: mensal.
P.V.P. = Crédito Solicitado: 4.641€.
opções de financiamentonº. de prestaçõesPrazo (meses)valor da prestaçãocrédito concedidovalor total
das prestações
taxa nominalTAEGseguro de vida (obrigatório)
A
B
C
24
36
48
24
36
48
210,58€
146,12€
114,00€
4.641,00€
4.641,00€
4.461,00€
5.053,92€
5.260,32€
5.472,00€
8%8,646%
8,646%
8,645%
29,66€
47,15€
66,13€
Seguro de vida – a idade do 1º proponente na data da assinatura do contrato deve situar-se entre os 18 e os 67 anos.
Imposto de selo e seguro de vida: custos suportados pelo fornecedor.

Identificação da opção de financiamento/prestações/prazo cujas condições vigoram para este contrato: opção
Data de vencimento das prestações: Em conformidade com o plano de pagamentos acordado, que constitui o anexo 1, que é parte integrante deste contrato.
Conta para débito das prestações: NIB xxxxxxxxxx
Banco xxxxxx Balcão xxxxxxx nº. de anos da conta: 10
Depois um outro campo destinado a instruções de pagamento e declarações do proponente, com 28 linhas divididas por 2 colunas, cada uma com 9 cm de largura e 3 cm de altura, onde constam, entre outras, a declaração que foi reproduzida no ponto de facto 11, a que se segue uma linha com a assinatura do autor, uma destinada à confirmação da assinatura presencial do proponente, feita pelo fornecedor e uma outra destinada à assinatura da 2ª ré.
No verso desta folha, ou seja na fls. 70 dos autos, constam as condições gerais, com 18 condições, em 178 linhas, divididas por 2 colunas, cada um delas com 9 cm de largura e 19 cm de altura todo o conteúdo deste parênteses recto foi colocado por este acórdão, para que possa ser referido de forma a entender-se do que se está a falar – os documentos, recorde-se, foram dados por integralmente reproduzidos].
6. Desde 06/04/2006 foram debitadas pela 2ª ré, na conta indicada pelo autor, 47 prestações no montante de 114€ cada uma.
7. O autor ficou convencido que estava a fazer um investimento.
8. O vendedor da 1ª ré explicou ao autor no que consistia o “cartão key club premium”, como funciona e quais os serviços que disponibiliza, e as condições gerais de aquisição do mesmo.
9. Os contratos foram preenchidos na presença do autor e com base nas informações que facultou.
10. O autor ficou com o original do contrato celebrado com a 1ª ré e com um duplicado do contrato celebrado com a 2ª ré.
11. Nas “[instruções de pagamento e] declarações dos proponentes” vertidas no contrato de crédito, imediatamente antes da assinatura do autor, consta […] “declaramos ter tomado conhecimento e aceite plenamente as condições particulares e gerais do presente contrato, constantes no seu verso e dos seguros que subscrevemos. Mais declaramos que nos foi entregue o exemplar da proposta/contrato que nos é destinado” [completou-se, neste acórdão, o ponto de facto com recurso ao documento que em 5 tinha sido dado por reproduzido]
12. A 1ª ré recebeu da 2ª o valor de 4.641€, referente ao preço do cartão.
13. O autor remeteu à 2ª ré uma carta, em 01/04/2010, solicitando a anulação do contrato de prestação de serviços e do contrato de crédito.
I
Recurso contra a decisão da matéria de facto
Nas conclusões 1 a 8 o autor coloca em causa a decisão de dar como não provados três factos.
Invoca, em sentido contrário, o depoimento da sua mulher.
Os factos em causa são:
- Disseram ao autor que, a final, seriam restituídos os 5.472€ e com juros?
- A proposta de crédito e de cartão foi assinada sem que estivesse ainda preenchida em todos os seus dizeres?
- O autor mal sabe ler e escrever?
Na fundamentação desta decisão recorrida escreve-se o seguinte (por não estar referida a cada ponto de facto ou a cada conjunto de factos com unidade de sentido, transcreve-se toda a fundamentação com excepção da parte referente aos danos por notoriamente nada ter a ver com estes factos):
“A decisão do tribunal quanto à matéria de facto provada fundamentou-se na confissão e na análise conjugada e crítica da prova produzida, designadamente, nos documentos juntos aos autos (cópias dos contratos subscritos, do BI, cartão de contribuinte e cartão visa do autor) e nos depoimentos das testemunhas ouvidas.
A própria testemunha do autor, sua esposa, que deu conta de o acompanhar a Leiria, sabia precisar e diferenciar a existência de um “cartão de crédito” (ainda que depois dissesse que não sabia que era de crédito, pensando ser “multibanco”), que acumulava pontos para ter descontos em compras, e os pagamentos mensais feitos por débito directo numa conta do seu marido, que até foi “lá a baixo ao multibanco” para tirar o respectivo NIB; reconheceu ainda que receberam cartas da ““E”” com o plano de pagamentos, afirmando que “levou a acharem que alguma coisa não estava bem, porque não era da “Key Club” mas “não ligaram a isso” porque como não utilizavam o cartão “não tinham que pagar a anuidade”.
As testemunhas das rés deram conta dos procedimentos habituais dos comerciais, afirmando que é entregue o original do contrato de aquisição do cartão ao cliente e um duplicado do de crédito, sendo certo que o próprio autor afirmou ter procedido à leitura dos contratos, sem que tivesse esclarecido por que via os tinha então obtido, ao que acresce o facto de a sua esposa, apesar de dizer que não se lembrava de terem sido entregues os “contratos”, ter acabado por afirmar que foram ao advogado e levaram “os documentos” que tinham.
A testemunha “F” deu ainda conta de ter sido feito um contacto telefónico com o cliente, em 11/04/2006, no qual a única dúvida posta foi relativa ao funcionamento do sistema de pontos do cartão.
Ficou o tribunal convicto que o autor e a sua esposa ficaram convencidos que estavam a fazer um “investimento”, palavra que certamente terá sido usada pelo vendedor, mas já não que lhes tenha sido afirmado que o valor mensal que lhes era debitado lhes fosse devolvido por inteiro e com juros. A própria expressão da testemunha foi a de que “pensava” que no final recebia tudo por inteiro e, quando lhe foi perguntado como seria feita tal devolução, respondeu não saber, não ter perguntado!
Quanto à matéria de facto não provada, o tribunal assim a considerou porquanto foi feita prova em contrário ou não foi feita prova suficiente.
Na verdade, o ónus da prova relativa à informação sobre as cláusulas contratuais gerais competia às rés, as quais se limitaram a dar conta dos procedimentos habituais, não logrando demonstrar que, no caso concreto, tivessem efectivamente sido todas elas lidas e explicadas, no momento da respectiva assinatura, sem prejuízo de a própria testemunha do autor, sua esposa, ter dado conta que “a conversa com o vendedor foi longa” e que o mesmo “leu aquilo que entendeu”, sabendo claramente que uma coisa era a utilização do cartão outra o “investimento mensal”.”
*
Posto isto.
O depoimento da mulher do autor nada diz quanto à 2ª afirmação de facto colocada em causa pelo autor. Quanto à 3ª, a testemunha nada disse que convencesse minimamente do que dela consta.
Quanto à 1ª afirmação: - Disseram ao autor que, a final, seriam restituídos os 5.472€ e com juros? – a testemunha diz de facto o que aí consta. Mas o que ela diz tem pouco a ver com a lógica das coisas – como é que, comprando-se alguma coisa com esse dinheiro e com ela conseguindo-se descontos, ainda se consegue depois, no fim, reaver a quantia de volta, com juros? – e daí que não tenha a virtualidade de convencer, tanto mais que a mulher do autor está naturalmente interessada na procedência da acção… dada a qualidade em causa e nenhuma outra prova produzida a corroborou.
Não há, por isso, razões para alterar a decisão recorrida quanto a estes três factos.
*
Recurso contra a decisão de Direito
II
Na conclusão 9 o autor diz: “pelo que a acção deveria ter sido julgada improcedente.” Dada a ausência, nesta conclusão, de qualquer outro conteúdo útil, só se pode estar a referir à eventual alteração da decisão de Direito com base na alteração dos factos. Como a pretensão de alteração dos factos é improcedente, esta pretensão de alteração da decisão de Direito também tem de ser improcedente.
III
Na conclusão 10 o autor diz (ou quer dizer) que as rés tinham o ónus de provar que todas as cláusulas insertas no verso de ambos os contratos foram lidas e detalhadamente explicadas ao autor.
É assim, realmente, e por isso mesmo a Srª juíza, na decisão da matéria de facto, não ficando convencida com a prova produzida pelas rés sobre a afirmação do facto em causa, a deu como não provada.
IV
Na conclusão 11 o autor diz que foi violado o art. 374 do CC, ao considerar-se e validar-se documento impugnado, não provado por prova testemunhal, ou outra. Trata-se, sem dúvida, de um lapso, pois que o autor nem sequer identifica qual o documento de que está a falar, isto mesmo tendo em consideração o corpo das alegações.
V
Da exclusão das cláusulas contratuais gerais (= ccg)
Na conclusão 12 o autor diz ter sido violado a al. b) do nº 1 do art. 668 do CPC, nomeadamente porque o Sr. juiz não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ao não considerar facto que foi dado como não provado, cujo ónus cabia às rés.
O art. 659/2 do CPC diz que, depois de identificar as partes e o objecto do litígio, fixando as questões que ao tribunal cumpre solucionar, seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar…. A lei não diz, pois, que na sentença o juiz deve também discriminar os factos que foram considerados não provados no despacho que decidiu a matéria de facto.
Por aqui, pois, não tem qualquer razão o autor, não havendo qualquer nulidade da sentença, e é isto que a 2ª ré também diz nas contra-alegações.
No entanto, o autor está a levantar outra questão, qual seja, a de, na sentença, a Sr.ª juíza não ter, segundo entende o autor, dado o relevo devido ao facto de as rés não terem conseguido provar que “todas as cláusulas insertas no verso de ambos os contratos foram lidas e detalhadamente explicadas ao autor.”
Qual, então, o relevo desta falta de prova?
Tal como a sentença, a 2ª ré, nas contra-alegações, não lhe dá nenhum.
Mas não deve ser assim.
*
O autor celebrou com a 1ª ré um contrato de aquisição (compra e venda: art. 874 do CC) de um cartão de desconto comercializado por esta (factos 1 e 5) e com a 2ª ré celebrou um contrato de crédito ao consumo (art. 2/1 do Dec.-Lei 359/91, de 21/09 atenta a data dos factos - esta celebração resulta da assinatura da proposta deste último contrato, conforme facto 5, conjugada com a posterior execução do mesmo, da qual se pode extrair, implicitamente, que a 2ª ré aceitou aquela proposta; poderia discutir-se a questão de saber se os factos permitem a conclusão de que o autor é um consumidor, mas tal não tem interesse no caso dos autos, já que a aplicação do Dec.-Lei 359/91 não é matéria do recurso, como se verá).
*
De ambos os contratos a que o autor se limitou a aderir, constam inúmeras cláusulas contratuais gerais – elaboradas sem prévia negociação individual para adesão por destinatários indeterminados - , sujeitas por isso à disciplina do Dec.-Lei 446/85, de 25/10 (= LCCG, com as alterações posteriores, entre elas a do Dec.-Lei 220/95, de 31/08).
Se estas cláusulas não tiverem sido comunicadas nos termos do art. 5, as mesmas têm-se por excluídas dos contratos [art. 8/a) da LCCG].
Segundo o art. 5, nºs. 1 e 2, da LCCG, as cláusulas contratuais gerais devem ser comunicadas na íntegra ao aderente e por outro lado essa comunicação deve ser realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
E o ónus da prova dessa comunicação – adequada e efectiva – cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais (art. 5/3 da LCCG).
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As rés tentaram cumprir com este ónus, alegando que todas as cláusulas insertas no verso de ambos os contratos tinham sido lidas e detalhadamente explicadas ao autor, mas não o conseguiram provar.
Como no ponto de facto 8 está dado como provado que o vendedor da 1ª ré explicou ao autor no que consistia o “cartão key club premium”, como funciona e quais os serviços que disponibiliza, e as condições gerais de aquisição do mesmo, poderia pensar-se, a uma primeira leitura deste ponto de facto, que, pelo menos em relação ao 1º contrato, as cláusulas contratuais gerais tinham sido comunicadas na íntegra ao autor. Mas explicar-se as condições gerais de aquisição do cartão, não é comunicar, na íntegra, aquelas concretas cláusulas contratuais gerais que constam do contrato. Tanto mais que a maior parte delas não diz respeito às condições de aquisição do cartão…
E nenhum outro facto existe que permita concluir que as ccg foram comunicadas, na íntegra, ao autor.
Dir-se-ia, pois, que elas se deviam considerar excluídas de qualquer dos contratos, por violação do dever de comunicação nos termos do art. 5 da LCCG.
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No entanto, a sentença recorrida, secundada pela 2ª ré nas contra-alegações) diz o seguinte [numeram-se os §§ para mais simples referenciação]:
1º§ “Defende o autor que as rés não cumpriram o dever de informação sobre as condições gerais dos contratos, afirmando que lhe foi dito que, a final, seriam restituídos os 5.472€ e com juros (o que não logrou provar).
2º§ Contrariamente ao invocado pelo autor, e ainda que não tivesse resultado provado que todas as cláusulas tivessem sido lidas e explicadas, resultou provado que, aquando da assinatura do contrato, foi informado sobre a forma de utilização dos serviços oferecidos pela 1ª ré e respectivas condições gerais de aquisição.
3º§ Acresce que, também contrariamente ao por si invocado, resultou provado que o autor ficou com o original do contrato celebrado com a 1ª ré e com um duplicado do contrato celebrado com a 2ª ré, contratos que foram preenchidos na sua presença e com base nas informações que facultou. E, pese embora o autor invocasse o desconhecimento de ter contratado com a 2ª ré, é também o próprio autor que desde logo a identifica como beneficiária da autorização de débito por si subscrita.
4º§ Ou seja, não se verificam as causas de nulidade invocadas, sendo certo que, relativamente à eventual falta de informação sobre determinada(s) cláusula(s), não alegou o autor expressamente qual(quais) a(s) que não lhe foi(foram) devidamente explicadas e que tivessem tido um efeito contrário ao esperado, nos termos gerais de direito.
5º§ Não basta, para tanto, invocar o desconhecimento “total” do conteúdo contratual, muito menos da “celebração contratual” (art. 18º da pi), sendo certo que o autor não afirma a falta de consciência na celebração dos contratos.”
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Esta fundamentação tem vários equívocos:
Dada a contraposição entre o que é dito na 1ª parte do 1º§ e o que é dito no 2º§, a sentença entende que as rés cumpriram o dever de informação sobre as condições gerais dos contratos, pois aquando da assinatura do contrato, informaram o autor sobre a forma de utilização dos serviços oferecidos pela 1ª ré e respectivas condições gerais de aquisição. E deste modo contradiz-se directamente a afirmação de facto que tinha sido dada como não provada e a fundamentação dessa decisão da matéria de facto:
“Não resultou provado que […] “todas as cláusulas insertas no verso de ambos os contratos foram lidas e detalhadamente explicadas ao autor”.
[…]
Quanto à matéria de facto não provada, o tribunal assim a considerou porquanto foi feita prova em contrário ou não foi feita prova suficiente.
Na verdade, o ónus da prova relativa à informação sobre as cláusulas contratuais gerais competia às rés, as quais se limitaram a dar conta dos procedimentos habituais, não logrando demonstrar que, no caso concreto, tivessem efectivamente sido todas elas lidas e explicadas, no momento da respectiva assinatura […]”
Para além de que este argumento só diz respeito ao contrato de aquisição.
E fala sistematicamente em dever de informação (previsto no art. 6 da LCCG), quando o que estava em causa era o dever de comunicação na íntegra (previsto no art. 5/1 da LCCG).
Para além disto, já se viu que informar o autor sobre a forma de utilização dos serviços oferecidos pela ré e respectivas condições gerais de aquisição não quer dizer que as ccg – e muito menos todas elas - tenham sido comunicadas ao autor.
Quanto ao 3º§, o que se diz só tem a ver com a questão da entrega dos contratos (o que tem a ver com o art. 6 do Dec.-Lei 359/91), não com a comunicação das cláusulas gerais antes da sua assinatura (art. 5 da LCCG). E como é evidente o autor não ajudou a “preencher” as cláusulas contratuais gerais, que já estavam impressas e não foram “preenchidas”. E se se pretende, com esta fundamentação, dizer que tendo o autor ficado com os contratos, podia ter lido as ccg, então não se tem em conta que a leitura teria que ser anterior, não posterior à assinatura do autor.
Quanto aos 4º e 5º§ cai-se no equívoco de se pretender que o autor tem que alegar quais as cláusulas contratuais que não lhe foram explicadas. Ora, são as rés que, querendo prevalecer-se de qualquer cláusula contratual geral, têm que provar tê-la adequado e efectivamente comunicado. Além disso, se o autor alega que as cláusulas não lhe foram comunicadas, está-se a referir a todas e a cada uma delas, não havendo qualquer razão para se dizer que não o pudesse fazer.
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No entanto, poderia dizer-se:
Em relação às ccg do contrato de aquisição, no ponto de facto 5 consta, antes da assinatura do autor, que o titular do cartão key club premium declara aceitar as condições do contrato das quais teve prévio e atempado conhecimento, tendo-lhe sido entregue um exemplar e prestadas as necessárias informações sobre o conteúdo do mesmo.”
E no ponto 11 dos factos provados consta, no rosto do contrato de crédito, imediatamente antes da assinatura do autor, “declaramos ter tomado conhecimento e aceite plenamente as condições particulares e gerais do presente contrato, constantes no seu verso e dos seguros que subscrevemos. Mais declaramos que nos foi entregue o exemplar da proposta/contrato que nos é destinado”.
Não quererá isto dizer que ao autor lhe foram assim comunicadas tais ccg de ambos os contratos ou que o autor pelo menos teve a possibilidade de ter delas conhecimento?
Não. Quer apenas dizer que o autor assinou num caso depois e no outro antes destes dizeres.
Dizeres que eles próprios são conteúdo de cláusulas contratuais gerais que não se podem dizer ter sido comunicadas ao autor.
Pelo que de novo se concluiria no sentido de as cláusulas se terem por excluídas.
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Veja-se melhor:
Mostrar as ccg não é o mesmo que comunicar na íntegra tais cláusulas, o que implica, por força do art. 5/2 da LCCG, algo mais, ou seja, que essa comunicação seja realizada de modo adequado e com a antecedência necessária para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torne possível o seu conhecimento completo e efectivo por quem use de comum diligência.
Como diz Pedro Caetano Nunes – que chama a atenção para a distinção entre a aceitação das cláusulas (art. 4 da LCCG), a sua comunicação (art. 5 da LCCG) e a sua informação (art. 6 da LCCG) -:
“[…] o art. 5 da LCCG da LCCG não pode ser interpretado no sentido de apenas exigir do predisponente que não perturbe uma eventual investigação das cláusulas contratuais gerais pelo aderente. Afasto-me da perspectiva doutrinária que, ao interpretar o art. 5 da LCCG, apenas realça o aspecto da cognoscibilidade. Ao não perturbar uma eventual investigação das cláusulas contratuais gerais, o predisponente não está a contribuir, de todo, para a diminuição dos custos de investigação e da assimetria de informação do aderente. Estará apenas a não agravar esses custos de investigação e essa assimetria de informação [acresce que a referência no art. 5/2 da LCCG à “extensão e complexidade das cláusulas é dificilmente compatibilizável com a perspectiva doutrinária de mera exigibilidade da não perturbação da investigação das cláusulas contratuais gerais pelo aderente. Como interpretar esta proposição normativa, se o que apenas se exige é um comportamento passivo de não perturbação? Será que se pretendeu apenas significar que tal comportamento passivo poder ser mais ou menos dilatado no tempo, em função da variação do tempo de leitura do clausulado? “Leia à vontade que nós estamos abertos o dia todo!” – será apenas isto que o legislador quis exigir do predisponente (ou dos seus auxiliares de negociação)?].
[…]
O art. 5 deve ser interpretado no sentido de onerar o predisponente com especiais exigências de comunicação que tornem saliente a presença das cláusulas contratuais gerais mais desfavoráveis para o aderente, contribuindo, de forma relevante, para a diminuição dos custos de investigação e da assimetria de informação do aderente” (Comunicação de cláusulas contratuais gerais, Estudos em homenagem ao Prof. Doutor CFA, Vol. II, Almedina, 2011, págs. 529/530).
Ora, o autor tinha sido contactado nesse mesmo dia por um empregado da 1ª ré dizendo-lhe que tinha recebido um prémio e para o ir levantar. O autor não vai pois preparado para ir celebrar dois contratos que o iam vincular por um período de tempo e quantia significativos, mas para receber um prémio. Depois, nesse mesmo dia, e estando convencido que ia fazer um investimento, são-lhe dados para assinar dois documentos, um deles constituído por uma folha, que assina no rosto, e um outro constituído por uma folha que vem a assinar no verso. Em ambas estas três páginas, constam uma quantidade enorme de cláusulas, todas elas em letra miudinha e junta, com linguagem técnico-jurídica muito precisa.
Poderá isto, nestas circunstâncias, equivaler à comunicação exigida por lei, nos precisos termos do art. 5 da LCCG? Parece evidente que até a corrente doutrinária e jurisprudencial (também referida adiante) que aceita a mera cognoscibilidade das ccg pelo aderente não admitiria que ela aqui existisse. A situação não é a de alguém que pega no documento onde elas constam, o leva para casa, está um período de tempo com ele em condições de o poder ler, e depois o assina. Como é que o autor poderia entender as renúncias aos direitos que constam das ccg, a eventual substituição do regime supletivo legal por uma série de tais cláusulas, o regime da alteração do contratado, as renovações e as irresponsabilidades cláusuladas, o regime de revogação, as normas relativas à conclusão do contrato, o regime das cláusulas penais, as referências a uma série de Dec.-Leis a que não teria seguramente acesso, os mandatos que estava a conferir e uma série de outras prestações a que ficaria obrigado?
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Note-se que na fundamentação da decisão de facto, transcrita acima, se diz que “o próprio autor afirmou ter procedido à leitura dos contratos” (o que também é invocado pela 2ª ré nas contra-alegações). Ora, como o autor não fez nenhum depoimento de parte, a fundamentação em causa só se pode estar a referir àquilo que foi dito pelo mandatário do autor no articulado da petição inicial. Mas na petição não se diz que o autor tenha lido os contratos antes de os assinar, muito pelo contrário. Portanto, o que a decisão recorrida quer dizer é que o autor entretanto leu os contratos. Só que o facto eventual (eventual porque não consta dos factos provados) de o autor ter lido os contratos, depois de os ter assinado (mais de 4 anos depois, segundo o autor), não tem qualquer relevo para a decisão da causa.
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Por outro lado, aquelas cláusulas correspondem àquilo que Almeno de Sá (CCG e Directiva sobre Cláusulas Abusiva, Almedina, 2ª edição, 2001, págs. 245/251, especialmente, pág. 247) chama de cláusula de confirmação, a qual,
“estando inserida, sem qualquer destaque ou saliência, no próprio texto das condições gerais – e não, por exemplo, em documento separado, com autonomia em relação àquele texto – […] nem sequer poderá ser valorada como índice de verificação de uma comunicação real ou de uma efectiva tomada de conhecimento por parte do aderente. Não é, pois, possível reconhecer-lhe eficácia constitutiva, susceptível de a fazer funcionar como substituto da concordância da contraparte com a vigência das condições gerais tidas em vista pelo utilizador ou como sucedâneo da verificação dos restantes pressupostos legais da incorporação no contrato singular”.
Seria a mesma coisa que alguém, com uma arma apontada à cabeça para assinar um contrato, declarar que o estava a assinar livremente. Esta declaração não poderia valer como prova dessa liberdade, pois que a liberdade dessa declaração teria, por sua vez, de ser provada.
No fundo, e como é sugerido por Fernando Miguel Dias Simões num estudo de meados de 2004, publicado na Revista de Estudos Politécnicos, 2005, Vol II, nº 4, págs. 87-100, especialmente pág. 98, acessível em http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/tek/n4/v2n4a06.pdf (consultada a 01/6/2012), sempre a tal cláusula seria aplicável a qualificação de abusiva com base na al. i) do nº. 1 do anexo à Directiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de Abril de 1993 (Jornal Oficial nº L 095 de 21/04/1993, págs. 29 a 34) […] que refere que são consideradas abusivas as cláusulas que têm como objectivo ou como efeito “declarar verificada, de forma irrefragável, a adesão do consumidor a cláusulas que este não teve efectivamente oportunidade de conhecer antes da celebração do contrato”.
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Especificamente quanto às ccg do contrato de crédito, a questão é ainda mais clara (mas, como resulta do que irá dizendo, tem quase total aplicação às ccg do contrato de aquisição).
Estas ccg (do contrato de crédito), tanto quanto se sabe, nem sequer foram mostradas. Pode-se apenas dizer que se lhes faz referência numa outra ccg que consta antes da assinatura do autor.
Quanto as estas ccg, as do contrato de crédito, a questão não é pois apenas da verificação da hipótese prevista no art. 8/a) da LCCG, mas também da verificação da hipótese prevista no art. 8/d) da LCCG.
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Quanto à justificação desta última norma, diz Dias Simões, estudo citado, pág. 94:
“Num contrato, digamos, normal, ou seja, em que as partes tenham o tradicional equilíbrio, ou, quanto menos, um poder de negociação mínimo – que não existe nos contratos de adesão – é usual que após a assinatura constem do verso dos contratos normas adicionais? Não parece que, em verdade, possamos admitir que sim. O comportamento normal do declaratário é, lido o contrato, pensar no seu conteúdo e assinar. Fazem-se campanhas em prol da informação dos aderentes, para que estes leiam antes de assinar. E ainda lhes vamos exigir que investiguem, à cautela, se depois da assinatura também têm algo sobre o qual devem consentir? Melhor dizendo: para quê assinar a meio do consenso? É especialmente oneroso às empresas colocar a assinatura no final do contrato? Ou, à cautela, pedir ao aderente que assine na folha de rosto mas também no verso? De facto, se o verso serve para colocar cláusulas, também há-de ter espaço, ainda que mínimo, para uma assinatura... A não ser que não interesse ao disponente destas cláusulas que o aderente as conheça...
Poderíamos adoptar quase um princípio de que quod non est in pacta, non est in mundo. O contrato é a expressão gráfica de um consenso de vontades. É o plasmar mecânico e gráfico de vontades. A tinta e o papel emprestam alguma certeza e objectividade perante futuros desentendimentos. Será de exigir que, endossado um cheque, se confirme se no verso não consta a inscrição “aceito que este cheque não tem cobertura?”
[…]
Já quanto ao valor de cláusulas do mesmo tipo daquelas que constam do contrato de crédito, na parte em que fazem referência às ccg existentes no verso do documento que se está a assinar, diz Almeno de Sá (obra citada, págs. 239/240) a propósito de um caso em que a mencionada cláusula estava na última linha do documento, depois dos espaços reservados para a indicação do lugar e data da emissão e para a assinatura do aderente, impressa em caracteres sensivelmente mais pequenos e graficamente muito menores salientes que todo o restante texto do documento:
“[…] É legítimo questionar se, em tais circunstâncias, chegou a haver verdadeiramente “comunicação”, pois uma remissão para o verso, na última linha do documento – para lá, portanto, da própria assinatura da contraparte – e numa impressão gráfica substancialmente menos “visível” do que o resto do texto, não parece que seja suficiente, sem mais, para legitimar a inferência de que o utilizador transmitiu à contraparte a ideia de que o contrato ficava submetido a determinadas cláusulas contratuais. Tornar-se-ía necessário que a referência às condições gerais se apresentasse, no documento, de uma forma “aberta” e inequivocamente detectável, de modo a que o aderente se apercebesse, de facto, da sua existência e assim ficasse aberto o caminho para delas tomar efectivo conhecimento.
Aliás, como princípio geral, pode dizer-se que uma remissão para o verso do documento, localizada para lá da linha prevista para a assinatura da contraparte, não parece suficiente para se terem as condições gerais como efectivamente comunicadas à contraparte, a não ser que tal inserção seja como que “compensada” por um particular realce ou destaque gráfico e assim possa ser tida como um elemento da proposta do contrato claramente reconhecível pelo cliente.”
E mais à frente ainda diz:
“Preocupámo-nos, até aqui, basicamente, com a comunicação em si, separando-a, para efeitos puramente analíticos, da sua adequação ao propósito que a justifica ou legítima. Todavia, como vimos, não basta, a mera “comunicação” para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular. É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do contrato.”
Seguindo Almeno de Sá, diz Dias Simões (estudo citado, págs. 95/97):
“Outro ponto controverso prende-se com a inclusão, na folha de rosto, de uma cláusula remetendo para as normas constantes do verso e confirmando a sua aceitação. Trata-se, como é óbvio, de um passo de cautela do disponente. Pois, sabendo que pode ser confrontado com a natural surpresa do aderente, pretende inserir, desde logo, uma espécie de cláusula de exclusão de responsabilidade pela sua inserção. A coberto da qual se poderá vir defender, dizendo: “mas o aderente até declarou conhecer e aceitar as cláusulas constantes do verso!”
[…]
De facto, estamos – passe o grosseiro exagero – quase perante uma norma de reenvio, que torna aplicável ao contrato como que um regime de uma ordem jurídica estrangeira! Na verdade, à boa moda das normas de conflito de direito internacional privado, o disponente das cláusulas adverte – quanta boa fé! – a outra parte de que o regime aplicável ao contrato não é só aquele que ele tem perante os seus olhos, mas também um outro, escondido no verso da folha ou em anexo. Trata-se, muitas vezes, de um completo salto no desconhecido, de um cheque em branco...
Esta não é, portanto, uma cláusula qualquer. Não é uma norma mais, e apenas, do contrato. É uma norma que remete para outras normas, que amplia o âmbito contratual, e lhe adiciona mais algumas disposições. Não será, por isso mesmo, exigível que seja realçada? […]
É por este motivo que também estas cláusulas, sub-repticia-mente inseridas no contrato, são excluídas do contrato. […]
[…]
Podemos afirmar, absolutamente, que o aderente teve conhecimento desta cláusula de remissão, “afogada no magma tipográfico” (A expressão, de rara eloquência, é de Carlos Alberto da MOTA PINTO, Contratos de Adesão: uma manifestação jurídica da moderna vida económica, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XX (1973), n.ºs 2, 3 e 4, pág. 128)? A Lei de Seguros do Quebec e da Califórnia impõem que certas cláusulas, especialmente importantes, devem ser impressas a vermelho. Alguns autores americanos, parafraseando as referências que também hoje já circulam nos maços de tabaco europeus, referem que nos contratos de adesão – e por maioria de razão, neste tipo de cláusulas – se devia avisar: “atenção, esta cláusula é perigosa para os seus interesses”.
[…]
Retomamos aqui o pensamento de Almeno de Sá: “não basta a mera comunicação para que as condições gerais se considerem incluídas no contrato singular. É ainda necessário que ela seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado.”
Para mais, o ónus da prova da comunicação adequada e efectiva das cláusulas recai sobre o utilizador - n.º 3 do art. 5º. Segundo o mesmo autor, “não é o aderente quem deve, por iniciativa própria, tentar efectivamente conhecer as condições gerais, é ao utilizador que compete proporcionar-lhe condições para tal”.
Ou seja, com a cláusula em questão, poderia ter havido comunica-ção – se o texto da cláusula estivesse minimamente realçado, o que não era o caso – mas, mesmo que ela tivesse ocorrido, tal corresponderia apenas à notícia da existência das ccg, não ao cumprimento das exigências da comunicação prevista pelo art. 5 da LCCG.
E tudo isto serve quer para a cláusula do contrato de crédito quer para a cláusula do contrato key club. Naquele caso, podemos dizer que ao autor pode, quando muito, ter sido dada notícia das ccg. Neste, podemos dizer que o autor viu, pelo menos o “magna tipográfico” das ccg. Em nenhum deles podemos dizer que as rés fizeram a comunicação exigida pelo art. 5 da LCCG.
No mesmo sentido ainda, veja-se Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, Almedina, 2010, 9ª edição, nota 44 da pág. 34, em que depois de dizer que o ac. do TRL de 08/05/2003, publicado na CJ.2003, 3, págs. 73/75, tinha interpretado restritivamente a disposição do art. 8/d) da LCCG, considerando-se não aplicável essa exclusão se o texto do acordo remeter para o formulário colocado depois da assinatura, refere que já no ac. do TRL de 13/05/2003 (mesma CJ, págs. 75/78), se considerou excluídas as cláusulas constantes de formulário colocado no verso do contrato, o que nos [ao autor] parece a interpretação correcta.
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Na sequência disto tudo e de vários acórdãos das Relações neste sentido, o STJ veio a adoptar um entendimento ainda mais exigente (o que se compreende dado que, por um lado, a posição de Almeno de Sá foi tomada num caso concreto em que as condições por ele exigidas não se verificavam e por isso, a título argumentativo, podia dizer que, caso elas se verificassem, então a cláusula de confirmação talvez fosse aceitável; e por outro porque a posição deste autor, desenvolvida, levava exactamente ao resultado da irrelevância das cláusulas de confirmação neste tipo de casos; pois que, como se viu, Almeno de Sá, dizia ser exigível, para além da cláusula de confirmação, que apenas tem o relevo de dar notícia das ccg, que se provasse que estas foram efectivamente comunicadas), não dando qualquer relevo a tais cláusulas como se vê do que se segue.
Assim, o ac. do STJ de 13/01/2005, publicado na base de dados do ITIJ sob o nº. 04B3874:
“Nem se diga que o facto de a parte assinada (a primeira página) fazer referência quer às condições especiais, nela contida, quer às condições gerais, constantes da parte não assinada (segunda página) obstaculiza o sancionamento previsto na alínea d) do artigo 8º do DL 446/85, uma vez que o aderente, se tivesse usado da diligência normal, não podia deixar de conhecer o conteúdo integral do documento (cfr. acórdão da Relação de Lisboa, de 8/5/2003, CJ, ano XXVIII, tomo II, página 74).
A ser assim entendido, manter-se-ia o risco que o legislador pretende evitar e, portanto, ficaria praticamente sem campo de aplicação o normativo sancionatório em apreço.
É prática tradicional e segura a de que se deve assinar só o que se lê e é esta prática que o legislador claramente acolhe, na previsão de que - como acertadamente se argumenta nos acórdãos da Relação de Lisboa, de 21/1/2003 e de 13/5/2003, CJ, ano XXVIII, respectivamente, tomos I e III, páginas 70 e 75 e que estamos a seguir muito de perto - os contraentes apenas atentarão e tomarão consciência do conteúdo do contrato até ao ponto onde apõem, intervindo fisicamente, as suas assinaturas.
Com a exclusão das cláusulas posteriores às assinaturas dos contratantes, sancionada pela alínea d) do artigo 8º do DL 446/85, «ponderou-se que...o circunstancialismo exterior da celebração contratual é manifesto no sentido da inexistência de mútuo consenso das partes sobre o conteúdo das cláusulas» (Cláusulas Contratuais Gerais, página 28, de Almeida Costa e Meneses Cordeiro), ou, pelo menos, «haverá a suspeita de que tais cláusulas não foram lidas ou de que sobre elas não houve acordo» (Meneses Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I - Parte Geral, Tomo I, 2ª ed., página 436).”
Tal como o disse o ac. do STJ de 07/03/2006 (06A038) referenciando e discutindo posições divergentes.
No ac. do STJ de 15/05/2008 (08B357) decide-se, no âmbito de uma acção inibitória, que:
“II - Nos contratos de adesão relativos aos cartões (de crédito e de débito) do banco Y, a assinatura do aderente localiza-se antes das cláusulas contratuais gerais que se encontram apostas em folha imediatamente a seguir; porém, consta dos mesmos contratos em local situado antes da assinatura do aderente, uma declaração em que o aderente afirma ter tomado conhecimento e aceitar as condições de utilização do cartão.
III - A exigência legal de a assinatura se localizar após as cláusulas, para que estas sejam relevantes, sobrepõe-se ao conhecimento manifestado pelo aderente; daí que tais cláusulas, por localizadas após, para além, a seguir à assinatura do aderente, em violação do art. 8d), do DL 446/85, sejam inválidas e excluídas dos contratos, devendo o réu banco Y abster-se da sua futura utilização.”
E fundamenta-se com o seguinte:
“Com esta declaração, situada antes da assinatura, poder-se-ia concluir que o aderente, ao subscrever o contrato, tem conhecimento do conteúdo dessas outras cláusulas, podendo determinar-se segundo o conteúdo dessas mesmas cláusulas.
Porém, de tal declaração apenas se obtém a certeza de que o aderente declarou conhecer essas cláusulas; não que essa declaração corresponda efectivamente à realidade.
E com a exigência de comunicação na íntegra, estabelecida no art. 5º daquele dec.-lei 446/85, pretende-se “assegurar que, após a leitura das cláusulas, o aderente possa aperceber-se, com exactidão, do seu alcance prescritivo” (Sousa Ribeiro em ob. cit., pág. 381) certo que é sobre o proponente que recai o dever de comunicação adequada e efectiva (art. 5º, n.º 3 do dec.-lei 446/85).
A exigência de que a assinatura deve seguir-se a todas as cláusulas (art. 8º, al. d) daquele dec.-lei 446/85) está para além do conhecimento efectivo pelo aderente — não é este conhecimento efectivo que aqui releva; o que releva é a localização das cláusulas para evitar adesões impensadas.
O legislador, ao consagrar tal norma, para além da comunicação que impende sobre o predisponente, pretende exercer um controlo efectivo ao nível da formação do acordo de adesão, considerando que, independentemente do caso concreto e da sua comunicação, as cláusulas para poderem ser válidas devem anteceder a assinatura do aderente (cf. Acórdão do STJ de 27/3/2007, na Revista 279/2007) para afastar o risco de os aderentes apenas atentarem e tomarem consciência do conteúdo do contrato até ao ponto onde apõem, intervindo fisicamente, as suas assinaturas (Acórdão do STJ de 13/1/2005, na Revista 3874/2004).
E na verdade, com uma declaração deste tipo pode impedir-se que o aderente saiba, sem qualquer dúvida, quais as reais cláusulas a que fica sujeito, podendo ser um meio para um predisponente menos escrupuloso inserir no contrato cláusulas que não são objecto de apreciação e reflexão pelo aderente.
Por isso, a exigência legal de a assinatura se localizar após as cláusulas para que estas sejam relevantes se sobrepõe ao conhecimento manifestado pelo aderente — aquela vontade manifestada naqueles termos pelo aderente cede pela necessidade de uma efectiva formação e consciencialização do conteúdo do proposto, certo que legalmente é considerado irrelevante o localizado após a assinatura, tendo em conta que as cláusulas não foram objecto de negociação.
Daí que tais cláusulas por localizadas após, para além, a seguir à assinatura do aderente, em violação daquele art. 8º, al. d), sejam inválidas e excluídas dos contratos, devendo a Ré Banco BA abster-se da sua futura utilização (art. 32º do dec.-lei 446785).”
Ou como se diz no ac. do STJ de 07/01/2010 (08B3798):
“5. Nos termos da al. d) do artigo 8º do Decreto-Lei nº 446/85, têm-se como não escritas as cláusulas contratuais que fisicamente se encontram no verso do documento, após as assinaturas dos contraentes, ainda que, antes dessas assinaturas, haja uma cláusula no sentido de que o mutuário declara ter tomado conhecimento e dado o seu acordo às que constam do verso.
Significa este preceito que se têm como não escritas as cláusulas contratuais que fisicamente se encontram após qualquer uma dessas assinaturas (neste sentido, acórdão deste STJ de 03/05/2007 e de 15/05/2008, www.dgsi.pt, procs.nºs 06B1650 e 08B357).”
E continua este acórdão:
“A Relação, todavia, deu relevância a uma cláusula incluída nos contratos da qual resultava que o mutuário declarava ter tomado conhecimento e dado o seu acordo às cláusulas constantes do verso.
Entende-se, no entanto, que tal cláusula não tem a virtualidade de afastar a sanção da exclusão das cláusulas posteriores à assinatura (neste sentido, o citado acórdão de 15/05/2008 e jurisprudência nele citado). A clara intenção de protecção do aderente, que aliás explica o acentuado formalismo adoptado pelo legislador, conduz a fazer prevalecer a presunção de que há fundadas razões para crer que possa não ter ponderado devidamente o significado das cláusulas posteriores ao acto que exprime a assunção, pelo declarante, da declaração que emitiu: a sua assinatura.”
E depois de citar o ac. do STJ de 13/05/2005, conclui que:
“a mesma lógica de protecção dos aderentes conduz ao conhecimento oficioso do vício em causa.”
Também no ac. do STJ de 08/04/2010 (3501/06.3TVLSB.C1.S1) havia uma cláusula de confirmação, o que não impediu que as ccg postas em causa tivessem sido excluídas, não se dando, por isso, qualquer relevância àquela.
O ac. do TRP de 23/02/2012 (359/06.6TBARC-A.P1) vai no mesmo sentido, dizendo, na esteira de Almeno de Sá, que:
De facto, o contrato insere uma cláusula desse teor, chamada cláusula de confirmação. Para justificar a sua global aceitação por parte do mutuário, o mutuante elimina, na prática, as exigências legais que sobre ele, como utilizador de cláusulas contratuais gerais, impendem quanto àqueles deveres de comunicação e informação. Não basta a existência de uma declaração de concordância ou aceitação do cliente. É necessário que o utilizador tenha procedido à efectiva comunicação das cláusulas contratuais gerais e lhe tenha conferido a possibilidade de um conhecimento real do seu conteúdo. Aquela cláusula, por infringir normas imperativas, sempre seria nula mas fica, em qualquer caso, destituída de qualquer relevância jurídica e, por isso, não surte quaisquer efeitos.”
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Entretanto, o ac. do STJ de 20/10/2011 (1097/04.0TBLLE.E1.S1) veio recentemente recolocar a questão (retomando a posião dos acórdãos das Relações que vão no mesmo sentido, vários deles referenciados nos estudos e acórdãos citados acima).
[A 2ª ré ainda cita, nas contra-alegações, a decisão individual (embora lhe chame acórdão) de 22/12/2008 do TRL, 9523/2008-8, que, por sua vez, invoca o ac. do STJ de 15/03/2005 in C/J do STJ - Ano XIII, Tomo I, págs. 144/146 = 05B282 da base de dados do ITIJ – notar-se-á, entretanto, que este último acórdão julgou que não era suficiente a seguinte referência às condições gerais: “É celebrado o contrato de mútuo constante das Condições Específicas e Gerais seguintes" e aceitou a exclusão das ccg, considerando que a questão era de conhecimento oficioso; e remeteu para o ac. do STJ 3874, já referido acima, que decidiu o contrário quanto à cláusula confirmatória; ou seja, perante a questão concreta que se lhe punha, o ac. não sentiu necessidade de aprofundar a questão, aderindo, por remissão, ao entendimento da invalidade da cláusula confirmatória, apesar de, depois, em dito lateral, ter defendido a validade de um dado tipo da mesma, com um determinado conteúdo].
Voltando ao acórdão do STJ de 20/10/2011, note-se que o respectivo relator admite algumas dúvidas quanto à solução que adopta. Para além de que, no caso aí decidido, se verificam diferenças significativas em relação aos casos em que se decidiu o contrário e principalmente em relação ao caso dos autos, como, por exemplo, o facto de o aderente ser um advogado (ou seja, no que importa, um jurista [no entanto, dando inúmeras razões para não se discriminar o jurista, veja-se Pedro Caetano Nunes, estudo citado, pág. 534)] e de o contrato lhe ter sido enviado, tendo ele assinado depois de ler todo o seu conteúdo (o que dá bem a ideia de o aderente ter tido um período muito significativo de tempo para ler as ccg e em condições de poder perceber o real alcance das mesmas). Quanto à referência que o acórdão faz a uma posição processual tomada com base em direito estrangeiro, diga-se que é comummente aceite que a nossa LCCG é mais protectora do consumidor que o direito estrangeiro (veja-se, por exemplo, Oliveira Ascensão, Cláusulas contratuais gerais, cláusulas abusivas e boa fé, ROA 2000, págs. 573 e segs, espec. págs. 578/579 e 594; Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Tomo I, 1999, Almedina, pág. 369; Almeno de Sá, obra citada, pág. 91).
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Entretanto, como se disse acima, para além do dever de comunicação, existe o dever de informação, imposto pelo art. 6 da LCCG.
O art. 8/b) da LCCG também para a violação deste dever prevê a exclusão das ccg comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efectivo”.
E “o ónus da prova de que foi cumprido o dever de informação compete ao proponente das ccg” (arts. 342/1 do CC e ac. do STJ de 28/04/2009, 2/09.1YFLSB).
Ora, também quanto a este dever as rés não provaram o cumprimento.
Pelo que, também por aqui as ccg de ambos os contratos se teriam de ter por excluídas.
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Em suma, pelas várias razões adiantadas, as ccg devem ter-se por excluídas de ambos os contratos em causa nestes autos.
E assim a conclusão 12ª do recurso contém argumento que deve ser considerado procedente, ou seja, de que não foi dado o devido relevo ao facto de as rés não terem conseguido provar que comunicaram ou informaram, devidamente, as ccg ao autor.
Tal exclusão, que aliás é de conhecimento oficioso, deve ser declarada por este tribunal.
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O que antecede já resolve, por sua vez, a questão que era levantada pela conclusão 13ª do recurso.
Fica por apreciar a questão que é levantada pela 14ª conclusão a qual é, no fundo, a seguinte: a exclusão das cláusulas contratuais gerais implica a nulidade dos contratos em causa?
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Da nulidade dos contratos
Quanto a isto diz o art. 9 da LCCG:
1 - Nos casos previstos no art. anterior, os contratos singulares mantêm-se, vigorando na parte afectada as normas supletivas aplicáveis, com recurso, se necessário, às regras de integração dos negócios jurídicos.
2 – Os referidos contratos são, todavia, nulos quando, não obstante a utilização dos elementos indicados no número anterior, ocorra uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais ou um desequilíbrio nas prestações gravemente atentório da boa fé.
Ou seja, “o art. 9 consagra o princípio da conservação dos contratos singulares” e só quando os dois critérios previstos no nº 1 se revelem “inadequados ou insuficientes para resolver os problemas resultantes da exclusão das cláusulas”, é que se ocorre “a nulidade de todo o negócio jurídico” (Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, pág. 242; Menezes Cordeiro, obra citada, pág. 373, diz que “o princípio básico, no domínio das ccg, é o do maior aproveitamento possível dos contratos singulares”; só no caso em que as soluções de recurso previstas no nº. 1 do art. 9 sejam insuficientes ou conduzam a resultados contrários à boa-fé é que a nulidade é inevitável.)
Em relação ao 1º, o contrato key club, excluídas as ccg o que é que fica?
Embora se possa invocar alguma indeterminação – já que ora se fala em contrato de associação (facto 5), ora em aquisição e serviços (facto 8), ora em contrato de prestação de serviços (facto 13) – a verdade é que se pode dizer que fica o fornecimento de um bem (cartão de desconto), contra o pagamento de um preço (4.641€). Estamos assim perante um contrato – de compra e venda (art. 874 do CC) - em que as prestações principais decorrentes do contrato para ambos os contraentes estão determinadas.
Isto é, embora as ccg do contrato em causa permitam pensar em outros tipos contratuais e em outras prestações contratuais – que aliás estão a ser exigidas numa injunção requerida pela 1ª ré contra o autor -, estas deixam de existir com a exclusão daquelas e o que fica permita apenas falar na compra de um cartão de desconto.
Não se pode, por isso, dizer que há uma indeterminação insuprível de aspectos essenciais.
Por outro lado, para se poder colocar a questão do desequilíbrio de tais prestações (é razoável pagar-se quase 5500€ por um cartão de descontos?), o autor teria que ter alegados os factos pertinentes para se poder responder que não, o que não fez.
Assim, não há razões para considerar nulo este contrato… com base na exclusão das ccg.
E tudo isto é também válido em relação ao contrato de crédito, visto que, excluídas as ccg, quer do verso do documento que o autor assinou, quer mesmo do resto desse documento, fica a obrigação do autor pagar uma mensalidade (de 114€) que se destina a ir restituindo o capital emprestado (de 4.641€) e a pagar os juros do respectivo empréstimo – um contrato de mútuo (art. 1142 do CC), na forma de crédito ao consumo (já referido acima).
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Da nulidade do art. 7/1 do Dec.-Lei 359/91
Por fim, note-se que, servindo as conclusões do recurso para delimitar o âmbito objectivo do mesmo (art. 684/3 do CPC), das conclusões deste recurso não consta nenhuma que ponha em causa a nulidade do contrato por via do art. 7/1 do Dec.-Lei 359/91, nulidade essa que, acrescente-se, não é de conhecimento oficioso.
A questão da nulidade que o autor levantava no recurso só tinha a ver com a nulidade dos contratos por exclusão das ccg (ou seja, só podia ter a ver com a aplicação do art. 9 da LCCG). E, assim sendo, este tribunal não pode conhecer daquela (do art. 7/1 do Dec.-Lei 359/91).
E diz-se isto pelo seguinte.
A parte da petição inicial dedicada à apreciação jurídica, que o autor colocou em itálico e foi transcrita acima, correspondia quase ipsis verbis, tal como grande parte do corpo das alegações do recurso, embora com partes truncadas (designadamente a referência ao art. 7/1 do Dec.-Lei 359/91) a uma sentença do tribunal judicial da Figueira da Foz (que foi publicada, embora sem as respectivas notas, em Janeiro de 2008 no sítio http://www.netconsumo.com/2008/01/deciso-exemplar-do-tribunal-judicial-da.html - con-sultado em 01/06/2012).
Esta sentença, ao que se crê de 2008, julgou um caso muito pareci-do com o dos autos, tendo na fundamentação considerado procedente a ex-cepção decorrente do art. 8 da LCCG (= Dec.-Lei 446/85, com alterações), mas no final declarou a nulidade dos contratos com base no art. 7/1 do Dec.-Lei 359/91, de 21/09 (por falta de entrega de um exemplar do contrato no momento da respectiva assinatura). No mesmo sentido, mas num caso de oposição à execução movida pela 1ª ré contra um aderente, veja-se o ac. do TRL de 24/03/2011 (14148/09.2T2SNT-A.L1-6 da base de dados do ITIJ). Para outro caso parecido, mas em que apenas se excluíram as ccg (como pedido), com o consequente afastamento das obrigações de anuidade para o aderente, pedidas contra ele numa acção especial para o cumprimento de obrigações pecuniárias, veja-se a sentença do TJ da Figueira da Foz de 20/02/2012, publicitado no sítio da http://www.apdconsumo. pt/sentenca_KeyClub.pdf, consultado a 01/06/2012.
Para além disso, essa sentença, baseia-se num facto que não existe no caso dos nossos autos, que é o de, na data da subscrição da proposta de crédito, a aderente não ter recebido um exemplar do contrato de crédito. Ou melhor, considerou-se que até ao momento da aceitação propriamente dita, concretizada pelo envio pelo correio de um plano de pagamento das prestações, a proposta de crédito apenas valeu como proposta contratual, incompleta nos seus dizeres.
Ora, as conclusões do recurso não versaram esta nulidade, nem versaram (agora a título de recurso contra a decisão da matéria de facto) o facto de não entrega do exemplar ou da não entrega do plano de pagamentos.
Pelo que nada disto pode ser conhecido por este tribunal de recurso.
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Quanto ao abuso de direito (questão que também seria de conhecimento oficioso)
Por fim diga-se ainda o seguinte: ao declarar-se a exclusão das ccg não se vai dar guarida a qualquer pretensão exercida com abuso de direito (art. 334 do CC). Desde logo, porque a exclusão das ccg, prevista no art. 8 da LCCG é de conhecimento oficioso, pelo que sempre teria que ser declarada, independentemente de ter sido ou não pedida. E depois porque o autor cumpriu escrupulosamente os contratos no que se refere às obrigações que decorrem da parte subsistente dos mesmos. São só as obrigações emergentes das ccg aqui em causa que ficarão afastadas com a exclusão que agora será declarada. E quanto a estas, não só nunca tinham sido cumpridas, uma que fosse, como nem sequer há notícia de o autor ter tido delas conhecimento, pelo que nunca se poderia dizer que o autor tivesse dado sinais, à 1ª ré, de se ter conformado com a existência delas, pelo que nem sequer teria sentido invocar qualquer comportamento contraditório com esses sinais.
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(…)
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Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, acrescentando-se à sentença recorrida, o seguinte: declaram-se excluídas dos dois contratos que o autor celebrou com as rés as respectivas cláusulas contratuais gerais (que são, em relação ao contrato k club, todas as que constam do verso do documento assinado pelo autor, e em relação ao contrato de crédito, todas as que constam do verso do documento assinado pelo autor, mais todas aquelas que constam do rosto desse documento no campo destinado às instruções de pagamento e declarações do aderente).
Custas pelo autor (em 50% - sem prejuízo do concedido apoio judiciário) e pelas rés (nos outros 50%).

Lisboa, 28/06/2012

Pedro Martins
Sérgio Silva Almeida
Lúcia Celeste da Fonseca Sousa