Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
174/18.4JDLSB.L1-5
Relator: PAULO BARRETO
Descritores: AUXÍLIO À IMIGRAÇÃO ILEGAL
FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTOS
TRANSCRIÇÃO NO CERTIFICADO DE REGISTO CRIMINAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I.– Os factos cometidos pelos recorrentes são graves, reveladores de total desrespeito pela ordem jurídica, segurança e estabilidade do estado de direito, sendo o auxílio à imigração ilegal um ilícito que, violando as leis de imigração nacionais e europeias, se traduz num aproveitar da fragilidade de pessoas que tentam fugir à guerra e à miséria, caindo em redes ilegais sem escrúpulos, e, no que tange ao crime de falsificação, este protege a verdade intrínseca do documento enquanto tal, e assim a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental a que acresce, no caso, que as condutas dos arguidos tiveram ainda consequências na credibilidade dos documentos e violação das regras do estado de direito e da permanência de estrangeiros em Portugal.

II.– A exigência de ausência de perigo da prática de novos crimes, emquanto fundamento da não transcrição de uma condenação no registo criminal, é distinta da prognose favorável subjacente à suspensão da execução da pena de prisão. Se assim não fosse, em todas os processos em se aplique esta pena de substituição e verificados os demais pressupostos formais, haveria sempre não transcrição da decisão no registo criminal.

III.– O CRC tem em si uma especial informação sobre o perfil do condenado que, no entanto, passado que seja o tempo de suspensão tem direito à Paz Jurídica, quer para fins administrativos quer para fins particulares e aceitar a omissão de transcrição da condenação no CRC seria apagar um comportamento que tem de ter as suas consequências e, permitir ao recorrente circular, como se não tivesse cometido qualquer ilícito, em serviços públicos ou particulares, tratado ao mesmo nível dos que, no seu CRC, nada têm porque nenhumas circunstâncias, como as que nos autos se provaram, viveram ou fizeram viver.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal (5ª) do Tribunal da Relação de Lisboa:


I–Relatório


No Juiz 1 do Juízo Local Criminal de Sintra, Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, foi proferida sentença decidindo do seguinte modo:
A.1.)-Condeno o arguido FA como coautor material de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido nos termos do disposto no art.º 183.º, n.º 2 da Lei n.º 23/07, de 4 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 29/12, de 9 de Agosto, na pena de um ano de prisão que suspendo na sua execução pelo período de três anos;
A.2.)-Condeno o arguido FA como coautor material de um crime de falsificação de documentos, na forma agravada, p. e p. pelo disposto no artigo 255.º, n.º 1, 256.º, n.º 1 al. a) e f) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros);
A.3.)-Condeno o arguido FA como coautor material de um crime de falsas declarações agravado, p. e p. pelos art.º 348.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros);
A.4.)-Condeno o arguido FA, em cúmulo jurídico, pela prática dos dois crimes mencionados em A.2.) e A.3.) na pena única de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), num total de €1.680,00 (mil seiscentos e oitenta euros);
A.5.)-Condeno a arguida AB como coautora material de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido nos termos do disposto no art.º 183.º, n.º 2 da Lei n.º 23/07, de 4 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 29/12, de 9 de Agosto, na pena de oito meses de prisão que suspendo na sua execução pelo período de dezoito meses;
A.6.)-Condeno a arguida AB como coautora material de um crime de falsificação de documentos, na forma agravada, p. e p. pelo disposto no artigo 255.º, n.º 1, 256.º, n.º 1 al. a) e f) e n.º 3 do Código Penal, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros);
A.7.)-Condeno a arguida AB como coautora material de um crime de falsas declarações agravado, p. e p. pelos art.º 348.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros);
A.8.)-Condeno a arguida AB, em cúmulo jurídico, pela prática dos dois crimes mencionados em A.6.) e A.7.) na pena única de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), num total de €1.200,00 (mil e duzentos euros);
A.9.)-Condeno cada um dos arguidos no pagamento, a título de custas judiciais, de três unidades de conta de taxa de justiça, bem como nos demais encargos a que tenha dado azo, nos termos do artigo 513.º, n.º 1 e 514.º do Código de Processo Penal.
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Inconformado, o arguido interpôs recurso, concluindo do seguinte modo:
1ª- O tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “acima da média”. “Média” é um critério estatístico e não qualitativo, de intensidade. Abaixo da média, na média ou acima da média: é uma apreciação estatística. Não demonstra a intensidade do grau de ilicitude: reduzida, moderada ou elevada. E como demonstrado, tratou-se as provas de demonstrar que se tratada de uma falsificação de documento não grosseira e de indução de erro.
2ª- In casu, não restou comprovado o conhecimento do arguido da falsificação do referido documento.
3ª- Deste modo, não comprovando-se os fatos do crime de falsificação de documento e de falso testemunha também resta ultrapassado a comprovação do crime de auxílio à imigração ilegal .
4ª- Tal não resulta dos factos provados.
5ª- O juiz determinou a medida de transcrição do registo criminal por entender que o arguido não “merecia” o referido beneficio de não inscrição, o que se demonstra totalmente infundamentado e desestruturado”.
6ª- Assim, o tribunal violou o disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 71º do CP.
7ª- O tribunal fixou a pena tendo em consideração modo agravado quando sequer restou provado os fatos de participação nos crimes indicados.
8ª- A pena aplicada ao arguido foi determinada tendo em consideração que ele em julgamento denotou também postura provocatória e rebelde. Tratou-se de apreciar a conduta posterior ao facto, conforme estipula a alínea e) do nº 2 do artigo 71º do CP.
9ª- A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de se atingir a dignidade da pessoa humana, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do Código Penal.
10ª- Há, sim, que considerar o que figura na matéria de facto dada como provada e que se enquadram nomeadamente nas elencadas no nº 2 do artigo 71º do CP”.

Também a arguida veio recorrer da sentença, assim concluindo:
1ª- O tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “acima da média”. “Média” é um critério estatístico e não qualitativo, de intensidade. Abaixo da média, na média ou acima da média: é uma apreciação estatística. Não demonstra a intensidade do grau de ilicitude: reduzida, moderada ou elevada. E como demonstrado, tratou-se as provas de demonstrar que se tratada de uma falsificação de documento não grosseira e de indução de erro.
2ª- In casu, não restou comprovado o conhecimento do arguido da falsificação do referido documento.
3ª- Deste modo, não comprovando-se os fatos do crime de falsificação de documento e de falso testemunha também resta ultrapassado a comprovação do crime de auxílio à imigração ilegal.
4ª- Tal não resulta dos factos provados.
5ª-O juiz determinou a medida de transcrição do registo criminal por entender que o arguido não “merecia” o referido beneficio de não inscrição, o que se demonstra totalmente infundamentado e desestruturado”.
6ª- Assim, o tribunal violou o disposto na alínea d) do nº 2 do artigo 71º do CP.
7ª-O tribunal fixou a pena tendo em consideração modo agravado quando sequer restou provado os fatos de participação nos crimes indicados.
8ª-A pena aplicada à arguida foi determinada tendo em consideração que ele em julgamento denotou também postura provocatória e rebelde. Tratou-se de apreciar a conduta posterior ao facto, conforme estipula a alínea e) do nº 2 do artigo 71º do CP.
9ª- A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sob pena de se atingir a dignidade da pessoa humana, pelo que tal limite encontra consagração no artigo 40º do Código Penal.
10ª- Há, sim, que considerar o que figura na matéria de facto dada como provada e que se enquadram nomeadamente nas elencadas no nº 2 do artigo 71º do CP.
11ª- Nestes termos, deve ser revogada a decisão recorrida, sendo o arguido julgado não culpado pelos fatos não provados, ou alternativamente, sejam as penas fixadas reduzidas por este Tribunal, respeitando-se o grau de culpabilidade para sua apreciação e fixação e ainda seja determinado a não transcrição do registo criminal”.

O Ministério Público apresentou resposta ao recurso da arguida, oferecendo as seguintes conclusões:

 “1.- A Recorrente foi condenada pela prática, em coautoria material, de um crime de auxílio à imigração ilegal, um crime de falsificação de documentos, na forma agravada e um crime de falsas declarações agravado, previstos e punidos, respetivamente, pelos artigos 183º, nº 2 da Lei nº 23/07, de 4 de julho, com redação introduzida pela Lei nº 29/12, de 9 de agosto, na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de 18 meses, 255º, nº 1, 256º, nº 1, al. a) e f) e nº 3 do Código Penal, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 6,00 e 348º-A, nºs 1 e 2 do Código Penal, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 6,00, em cúmulo jurídico pela prática dos dois últimos crimes na pena única de 200 dias de multa à taxa diária de € 6,00, num total de € 1.200,00.
2.- Inconformada com esta condenação, veio a arguida interpor recurso, por não concordar em síntese: com a medida da pena, violando o artigo 71º, nº 2, al. a) do CP ao fixar o grau de ilicitude acima da média; com os factos dados como provados, que resultaram na condenação da arguida dos crimes em apreço e; com o indeferimento da não transcrição da sua condenação no CRC.
3.- Os crimes pelos quais a arguida foi condenada auxilio à imigração ilegal, falsificação de documentos, na forma agravada, falsas declarações agravado, são punidos com penas de 1 a 5 anos de prisão, de 6 meses a 5 anos ou em pena de multa de 60 a 600 dias e de 30 dias a 2 anos de prisão ou com pena de multa de 10 a 360 dias, respetivamente, pelo que a mesma incorre numa pena de prisão compreendida entre o mínimo de 6 meses e o máximo de cinco anos de prisão e multa de 10 dias a 600 dias.
4.-Para determinação da medida concreta da pena é indispensável que se tenham em consideração os critérios estabelecidos no artigo 40º e 71º do Código Penal.
5.- Constitui ainda fim das penas, a ressocialização do agente que cometeu o crime, preparando a sua personalidade para o respeito pelo direito (prevenção especial positiva), pretendendo-se também evitar a prática de futuros crimes (prevenção especial negativa).
6.- Considerando-se em desfavor dos arguidos a intensidade do dolo que se revela elevada, uma vez que que atuaram com dolo direto, o grau de ilicitude dos factos, que ascende a um patamar médio, a ausência de arrependimento sincero, a sua postura processual (não admitiram os factos, tampouco contribuíram para a sua descoberta material), os antecedentes criminais do arguido FA .
7.- A favor dos arguidos militam as seguintes circunstâncias, a ausência de antecedentes criminais quanto à arguida AB, a parca situação económica da arguida AS, a inserção social e familiar dos arguidos, os hábitos de trabalho regular por parte de FA  A. No que se reporta à prevenção geral consideramos que são elevadas as exigências, dado o crescente incremento de situações de auxilio à imigração ilegal, falsificação de documentos e falsas declarações, bem como o alarme social a ele subjacente. No que refere à prevenção especial de socialização, a arguida não averba antecedentes criminais registados no seu CRC.
8.-Sucede que a arguida primeiramente em julgamento remeteu-se ao silêncio, posteriormente, após ter sido produzida toda a prova testemunhal, pronunciou-se quanto aos factos assumiu uma postura de negação, em nada contribuindo para a descoberta da verdade material, desvalorizando toda e qualquer conduta da sua parte, apresentando uma versão dos factos completamente fantasiosa, declarando coisas diversas do arguido FA, designadamente, onde terão conhecido o individuo que referiram tratar-se de JS  e a forma como o conheceram.
9.- Ora, a arguida tendo optado pelo silêncio, prescindiu desde logo, numa primeira fase de dar a sua visão dos factos de que vinha acusada, ficando arredada a confissão espontânea, circunstância que é especialmente relevante para a medida da pena!
10.- A arguida reagiu às perguntas efetuadas e desconfortáveis para a mesma, de forma a que deixou transparecer o seu nervosismo, a sua incoerência no relato da sua versão, não apresentou qualquer sentimento de arrependimento pelos factos cometidos, que repetidamente negou e desvalorizou, pelo que as exigências de prevenção especial positiva que se fazem sentir no caso, são elevadas, razão pela qual a medida da pena é perfeitamente adequada, motivo pelo qual concordamos na totalidade com a decisão recorrida.
11.- A sentença recorrida é justa, a pena aplicada à arguida não merece qualquer censura, na medida em que o tribunal ponderou concretamente todas as circunstâncias que depunham a favor e contra a recorrente, nos termos do artigo 71º do Código Penal, tendo em atenção a culpa do agente e as necessidades de prevenção.
12.- As referidas penas aplicadas encontram-se perto dos limites mínimo legais, não se percebendo os motivos pelos quais vem a recorrente invocar que as mesmas são desadequadas.
13.- A arguida vem invocar que os factos pelos crimes em que foi condenada não se provaram. Ora, não é por acaso que, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 4 do CPP se refere que deve o recorrente “indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. É que só com estas e contextualizadas, se pode fazer um juízo sobre o que disseram e as suas razões de ciência. Apresentar, em parcas linhas, uma síntese do que disseram não vale como elemento probatório, pois que se desconhece a forma como falaram e o contexto em que referiram estar, na altura dos factos. Para efeitos de impugnação da matéria de facto é como se não tivesse dito nada, porque da referida conclusão, sem mais, nenhum juízo se pode fazer.
14.- A recorrente não especifica os concretos pontos de facto que considerava incorretamente julgados (identificando-os um por um), apontando seguidamente as concretas provas que impusessem decisão diversa da recorrida, e bem assim as provas que, nessa medida, deviam ser renovadas.
15.- Em suma, atento o teor da sentença recorrida resulta que todos os factos foram devidamente apreciados pelo tribunal, os quais se revelaram suficientes para a conclusão de direito, não se impondo ao tribunal a quo alargar a investigação a outra factualidade.
16.- Cotejando a factualidade dada como provada com a desenvolvida fundamentação do juízo sobre ela feito, consignadas no texto da decisão recorrida, não se deteta qualquer insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada ou erro na sua apreciação, tudo feito de acordo com o princípio da sua livre apreciação, ínsito no artigo 127º do Código de Processo Penal.
17.- Pese embora a arguida não averbe antecedentes criminais registados no seu CRC, o certo é que a mesma no decurso de audiência de julgamento teve uma postura de não interiorização do desvalor dos factos praticados, refutando-os não os confessando, apesar de confrontada com toda a documentação existente nos autos, demonstrativo de falta de arrependimento genuíno.
18.- O juízo de prognose deverá ter por base as circunstâncias que acompanharam o crime, ou seja, a culpa do agente, as exigências de prevenção e a sua atitude perante os factos pelos quais foi condenado.
19.-Verifica-se, pois, que a recorrente tal como se supra explanou não confessou os factos, repudiou-os apresentando uma versão inverosímil, não demonstrando assim, qualquer arrependimento ou interiorização do desvalor da sua conduta! Não poderá haver um juízo de prognose favorável”.
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Os recursos foram admitidos, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

Uma vez remetidos a este Tribunal, a Exmª Senhora Procuradora-Geral Adjunta deu parecer no sentido da manutenção do decidido.

Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do CPP, não foi apresentada resposta.

Proferido despacho liminar e dispensados os “vistos”, teve lugar a conferência.
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II–A) Factos Provados

Da acusação pública:

1.-Em 17 de Junho de 2015, junto da Conservatória dos Registos Centrais em Lisboa, no âmbito do processo n.º 17 800/2015 e com vista à obtenção da nacionalidade portuguesa, por APF, Advogada, nessa qualidade e com procuração outorgada a seu favor, foi apresentado pedido de junção aquele processo de fotocópia certificada do cartão de identificação Indiano – Aadhaar, titulado por JS, nascido em 1989.
2.-Nessa sequência, em 23 de Setembro de 2015, veio a ser determinada a feitura do registo de nascimento de JS, nascido em 3 de Dezembro de 1989, em Damão Pequeno República da India, filho de ….
3.-O cartão Aadhaar referido em 1. tem aposto código QR, através do qual resulta que o mesmo pertence a um indivíduo de seu nome AJ, nascido em 1980, em Damão e com identificação civil indiano (UID) com o n.º 7... 1... 7.....
4.-No dia 29 de Abril de 2016, junto do Consulado Geral Português em Goa, India, foi pela primeira vez, em nome de JS, solicitada a emissão de cartão de cidadão português, tendo sido emitido a final o cartão de cidadão n.º 3....... 5Z...1, o qual não foi levantado.
5.-Em 20 de Junho de 2018, por cidadão que se identificou com sendo JS, mas cuja real identidade não se logrou de apurar – pessoa doravante designada apenas por “indivíduo B” - junto da Conservatória do Registo Civil de Sintra, foi requisitado inicio do processo de emissão/renovação de cartão de cidadão português que deu origem ao processo n.º 36666131A.
6.-Para tanto, e de modo não concretamente apurado, esse indivíduo B ou terceiro cuja identidade não se logrou de apurar, fabricaram um passaporte emitido pela República da India, com o n.º G5.....5, titulado por JS, no qual apuseram a fotografia do “indivíduo B” cuja identidade, por ora, se desconhece.
7.-Veio a apurar-se que as pessoas retratadas naqueles dois processos de pedido de emissão de cartão de cidadão português e que ambas se arrogaram ser JS, são distintas entre si, ou seja, não correspondem à mesma pessoa, desconhecendo-se qual a real identidade de qualquer uma das mesmas.
8.-Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 20 de Junho de 2018, os arguidos FA  e ASP conheceram o “indivíduo B” que lhes comunicou pretender obter emissão de cartão portuguesa a seu favor em nome de JS, não possuindo, contudo, documentos oficiais verdadeiros em seu nome e/ou em nome do indivíduo JS .
9.-Os arguidos, em termos não concretamente apurados, acordaram em ajudá-lo no processo de obtenção de cartão de cidadão em nome de JS, de modo a que esse lhe fosse entregue como sendo seu e para assim o utilizar em qualquer circunstância da vida em que fosse necessário estar munido de um cartão de cidadão.
10.-Na concretização desse propósito, a que todos os arguidos aderiram, para efectuar todas as diligências necessárias para obter os documentos necessários à instrução do competente pedido junto das competentes entidades oficiais, concebendo um estratagema que passava por arranjar / certificar como original documentação que sabiam ser falsa, com base na qual pudesse o “indivíduo B” (cuja identidade se desconhece) vir a requerer a emissão de documentos de identificação seus e que o identificassem como cidadão com nacionalidade portuguesa, permitindo ainda que assim pudesse circular livremente no Espaço Schegen.
11.-Desde modo, em execução de um plano previamente gizado entre os arguidos FA, ASP e o “individuo B” (cuja identidade não se logrou de apurar), e plano este a que todos aderiram, os arguidos comprometeram-se a obter fotocópia certificada do passaporte indiano n.º G5.....5 de modo a instruir processo de pedido de cartão de cidadão junto da Conservatória do Registo Civil.
12.-Deste modo, o arguido FA (por já conhecer MFT, Advogado) no dia 17 de Junho de 2018, contactou este último, tendo solicitado urgência na certificação de uma fotocópia, o que o mesmo fez pela 01:06.
13.-Tendo certificado que a fotocópia do passaporte n.º …, emitido pela República Indiana a 18-02-2010 e com validade até ao dia 17-02-2020, de que é portador JS, cidadão indiano nascido a 03-12-1989 em Mardamao estava conforme o original.
14.-Após, o arguido FA entregou ao “Indivíduo B” (cuja identidade por ora é desconhecida) a fotocópia do aludido passaporte cuja certificação logrou de obter nos termos supra descritos em 7 e 8.
15.-No dia 20-06-2018, “o indivíduo B”, junto da Conservatória do Registo Civil de Sintra pedido de emissão de cartão de cidadão, apresentou, entre o mais, fotocópia do passaporte indiano n.º … como pertencente a JS, contudo, o mesmo foi na realidade emitido a favor de SV, nascido a 23-11-1987.
16.-Acto contínuo, para que fosse emitido por aqueles serviços um cartão de cidadão com aquela identidade, perante o funcionário público, o “indivíduo B” disse que o seu nome era JS  e exibiu a referida cópia certificada do passaporte referido em 15., fazendo passar-se por JS .
17.-Nesse circunstancialismo de tempo e lugar, o “indivíduo B”, cuja identidade concreta não se logrou de apurar, fez-se acompanhar dos arguidos FA e ASP os quais se apresentaram junto do funcionário da Conservatória do Registo Civil de Sintra na qualidade de testemunhas daquele “indivíduo (B)”.
18.-Todos arguidos, movidos pelo propósito de com isso convencer os serviços daquela conservatória que era mesmo JS  que ali solicitava a emissão de cidadão português, os arguidos FA e ASP testemunhando perante o funcionário público daqueles serviços do IRN, que aquele “indivíduo (B)” era um cidadão português com o nome de JS, solteiro, nascido em 03/12/1989, e tinha como residência estrangeira a sita em Damão, República da India e em Portugal a sita na Praceta …, Amadora.
19.-Actuando, pois, com o propósito de permitir a emissão de cartão de cidadão português a favor do “Indivíduo B” (cuja identidade não se logrou de apurar).
20.-Nessa sequência, visando instruir a emissão de novo cartão de cidadão, o funcionário público, encetou todos os procedimentos para emitir o cartão de cidadão de JS.
21.-Na ocasião, fotografou o “indivíduo B”, recolheu as suas impressões digitais, bem como a sua assinatura, tudo como se a mesma se tratasse de JS.
22.-Factos estes presenciados e abonados como sendo verdade pelos arguidos FA e ASP.
23.-Recorrendo ao aludido estratagema, em comunhão de esforços e vontades, todos os arguidos agiram com intenção de obter a emissão de cartão de cidadão português titulado por JS, fizeram uso de um passaporte emitido pela República Indiana mas em nome de pessoa distinta, tendo para isso adulterado ou mandado adulterar os elementos de identificação e a fotografia aposta, bem sabendo que tal documento tem um especial valor probatório inerente a tal documento e que, desse modo, colocavam em crise a confiança na genuinidade, exactidão e fé pública associadas à informação fornecida naquele documento, para que, posteriormente, o indivíduo B, cuja identidade, por ora, se desconhece, o pudesse apresentar, perante funcionário público da Conservatória do Registo Civil de Sintra, atestando, desse modo, a falsidade de identificação daquele indivíduo como sendo JS, bem sabendo que tal não correspondia à realidade.
24.-Os arguidos FA e ASP sabiam que a emissão de documentos pessoais de identificação dos cidadãos, nomeadamente, o cartão de cidadão e passaporte estão reservados, em exclusivo, às autoridades legalmente creditadas para o efeito e que não podem ser alterados, imitados ou fabricados.
25.-Mais sabiam os arguidos, ao agir desta forma concertada com o “indivíduo B” cuja identidade não se logrou, por ora, de apurar, que a obtenção de cartão de cidadão português, cujos elementos de identificação não correspondiam aquele outro indivíduo, visava o fim último de o mesmo ser detentor de documento que lhe permitisse a sua entrada e permanência ilegal em território português, mas também em qualquer território do Espaço Schengen, não se abstendo de actuar da forma que actuaram.
26.-Sabiam os arguidos que as condutas descritas violavam as leis de imigração, nacionais e europeias para o trânsito daquele “indivíduo B”, uma vez que todos pretenderam que aquele permanecesse em Portugal, onde poderia residir e/ou circular livremente no Espaço Schengen, identificar-se perante toda e qualquer autoridade oficial, sempre que necessário ou lhe fosse solicitado, mediante exibição de cartão de cidadão português, como se tratasse efetivamente de JS, cidadão ao qual fora atribuída a nacionalidade portuguesa, cientes que o mesmo não possuía qualidades nem documento que lhe permitisse alcançar tal desiderato.
27.-Os arguidos FA e ASP, agiram assim deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e visando idêntico fim, bem sabendo que estavam perante funcionário do IRN no exercício das suas funções e que como, ao apresentarem-se como testemunhas em processo de renovação de cartão de cidadão, estavam obrigados a falar com verdade sobre a identidade e demais elementos identificativos do requerente daquele documento, cuja real identidade não se conhece, devendo pois identifica-lo corretamente, designadamente, indicando nome, filiação e data de nascimento verdadeiros, não obstante, atuaram com o propósito concretizado, de não o fazerem, o que quiseram e conseguiram, visando impedir que aqueles apurassem que o indivíduo B não era cidadão português e que não podia por isso ser titular de cartão de cidadão português.
28.-Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e, ainda assim, não se inibiram de a praticar.
29.-Os arguidos negaram a prática dos factos que lhe eram atribuídos.

Das condições pessoais, sociais, familiares, profissionais do arguido FA  A:
30.-FA, nasceu em 15-01-1980, na cidade de Campinas/São Paulo/Brasil, fruto do casamento dos progenitores sendo o mais novo de uma fratria de 3 irmãos.
31.-Teve um processo de desenvolvimento normativo. Iniciou a escolaridade aos 6 anos e concluído o 1º ciclo aos 10 anos, com excelentes avaliações.
32.-O 12º ano é concluído aos 17 anos e por manter o nível de excelência, candidatou-se ao ensino superior ao curso de Educação Física e Desporto.
33.-Paralelamente à frequência universitária, tirou vários cursos, nomeadamente de torneiro mecânico, marcenaria, desenho técnico, secretariado e Policia Militar, o qual não concluiu.
34.-No ano de 2002, e após conclusão do curso superior, o qual frequentou na Cidade de Presidente Prudente, município no interior do estado de São Paulo (o qual dista cerca de 558 quilómetros da capital estadual, São Paulo), FA regressa a casa da mãe numa altura em que o seu progenitor tinha falecido há 4 anos.
35.-Posteriormente, e encontrando-se na fase de procurar trabalho, refere que viu um anúncio para “personal trainer”, para exercer funções num ginásio da Covilhã, o que o levou a imigrar para Portugal.
36.-Ao chegar a Portugal, não foi para a Covilhã, e ficou a residir em casa de amigos em Casal de Cambra.
37.-Em termos laborais, durante cerca de 10 meses desempenhou funções nas áreas da construção civil, de higiene e limpezas e restauração.
38.-No ano de 2003 conseguiu trabalho na área da sua formação académica, tendo desempenhado funções até ao ano de 2016 e vários ginásios da Cadeia Holmes Place, Solinca e na Clinica “Maló Clinic”.
39.-No ano de 2016, por opção, deixa de trabalhar por conta de outrem e inicia atividade por conta própria – “FA personal trainer” -, sendo preparador físico de várias personalidades públicas, as quais não identificou por sigilo profissional.
40.-Em 2005 contraiu matrimónio pela primeira vez, relação que cessou em 2008.
41.-Posteriormente, em 2015 contraiu novo matrimónio, relação que teve o seu termo em 2017.
42.-De uma relação ocasional em 2017, foi pai pela primeira vez.
43.-FA, mantem-se a residir na morada constante dos autos – Rua …Algueirão / Mem Martins, em casa de tipologia T3, arrendada pelo valor de 450€.
44.-O seu agregado familiar é constituído pela atual companheira, AB, pelo filho em comum de 1 ano e 6 meses, e pelos 3 filhos da companheira, atualmente de 15, 11 e 10 anos.
45.-A economia familiar é descrita de vulnerável e de sobrevivência, dado que na sequencia da pandemia provocada pelo SARS Cov 2, FA  não tem tanto trabalho como anteriormente tendo os seus rendimentos diminuído para cerca de metade, auferindo cerca de 800€/mês e a companheira não ter rendimento fixo mensal fazendo trabalhos esporádicos na área das limpezas.
46.-Relativamente aos rendimentos/subsídios auferidos pela companheira, refere desconhecer, deixando transparecer divergências e crises conjugais, cingindo a relação à educação do filho em comum.
47.-Em termos sociais/tempos livres o arguido refere passar muito tempo em casa com o filho, a ouvir pregões evangélicos, a estudar a bíblia e em oração.
48.-FA, não se revê no teor da acusação, não tendo consequentemente, demonstrado face à mesma capacidade crítica e de reflexão nem consciência das repercussões que poderão advir, em caso de condenação.
49.- No âmbito do Processo 872/16.7JFLSB, encontra-se acusado do crime de corrupção, com julgamento agendado para 16-12-2020.
50.-Já foi julgado e condenado no âmbito do Processo n.º 806/09.5GLSNT, pela prática de um crime de desobediência, processo em que lhe foi imposta uma pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 5€, num total de 300€. Esta pena foi substituída por 60 horas de trabalho a favor da comunidade a qual cumpriu.
Das condições pessoais, sociais, familiares, profissionais da arguida AB
51.-AB é a única filha comum dos pais. Tem um irmão uterino, mais novo cinco anos.
52.-Os pais, APF B e FB, separam-se tinha a arguida três anos, tendo esta ficado à guarda da mãe, ainda que ambos os pais apoiassem a sua educação.
53.-A mãe trabalha como segurança e o pai como assistente operacional, em autarquia local.
54.-A arguida descreve uma vida modesta, com as aquisições próprias da infância e da juventude, residindo à data em Moscavide - Loures.
55.-Posteriormente, após a separação da mãe e do padrasto, vieram residir (a sua mãe e dois filhos, para Rio de Mouro-Sintra).
56.- A arguida frequentou no Concelho de Sintra ensino básico ( 2º e 3º ciclo).
57.-Por AB sofrer de dislexia, tal limitou o seu desempenho e motivação escolar/académico, tendo aquela deixado de estudar aos 18 anos, após algumas retenções.
58.-Empregou-se na restauração e iniciou autonomia de vida, ainda que com suporte de ascendentes e colaterais familiares.
59.- Aos 18 anos, foi mãe pela primeira vez, de relacionamento afectivo que não persistiu.
60.-O filho tem na actualidade 15 anos e chama-se AF.
61.-AB, veio posteriormente a estabelecer relação de união de facto e de casamento com AMP da qual resultaram dois filhos, FP e CP, de 12 e 10 anos, respectivamente.
62.-A relação terminou de forma descrita como difícil, numa situação descrita como de abandono, vivida de forma ansiogénica pela arguida e filhos.
63.-Após alguns anos em disputa, foi possível junto ao Tribunal de Família e Menores conseguir o divórcio e a regulação das responsabilidades parentais (fundo de garantia, assegura pensão de alimentos de €100).
64.-Só com a ajuda de familiares e terceiros (acção social – Ser Alternativa) conseguiu superar afectivamente e financeiramente este divórcio.
65.-O seu segundo filho teve alguns problemas de saúde (problemas renais), ora superados, situação que motivou algum absentismo laboral.
66.-A arguida manifesta viver de forma positiva a maternidade, ainda que nem sempre as relações com os pais dos filhos tenham sido gratificantes.
67.-Há cerca de 4 anos, iniciou nova relação afectiva, com FA, mais velho 5 anos, cidadão de origem brasileira e ficou grávida do quarto filho.
68.-A criança tem na actualidade 21 meses e chama-se AA.
69.-O casal faz vida em comum.
70.-AB, ficou desempregada no final do ano de 2019 e ainda não conseguiu inverter situação, em parte devido à situação da Pandemia.
71.-ASP conseguiu através do EFP, completar o 9º ano, frequentando curso CEF de Bar e Mesa, e assim, adquirir a certificação, para a área onde já detinha prática profissional.
72.-Após alguns anos nesta actividade, fez formação e esteve empregada cerca de 2 anos, em Engomadoria, no Centro Comercial Vasco da Gama.
73.-ASP Pereira, fruto de situação de desemprego, é apoiada ao nível da acção social, para custear despesas com habitação e acessos a bens e serviços.
74.-É beneficiaria do Rendimento Social de Inserção, e os filhos recebem Prestação Social para a educação (abono).
75.-Recebe ainda, do fundo de garantia, pensão de alimentos para os dois filhos do meio.
76.-Conjugados os seus rendimentos, em Dezembro de 2020, recebeu €1034, tenho sido, desses valores, canalizados, €539,78, para as despesas com a renda, consumos de água, luz, gás, TV, e passe social. A estes valores acrescem as despesas de alimentação, lazer, saúde e vestuário.
77.-Junto da Associação Ser Alternativa, a arguida e o seu agregado, ainda que de forma descontínua, têm ali apoio/intervenção desde 2013, havendo, por parte da arguida adesão às propostas técnicas.
78.-Os filhos frequentam escolas locais, e parecem estar bem integrados.
79.-Educativamente estes precisam de algum apoio (NEE), na medida em que tal como a arguida revelam dislexia.
80.-FA assegura a mensalidade da creche do filho comum.
81.-O casal apresenta distintas formas de planificar hábitos e rotinas e a arguida refere que embora haja afectos, a relação é por vezes menos investida emocionalmente do que gostaria.
82.-Sente-se um pouco assoberbada com solicitações da vida familiar e cuidados aos filhos, e que nem sempre se consegue accionar para determinar a sua carreira.
83.-Descreve o companheiro como um bom pai.
84.-Ter-se-ão conhecido em um restaurante há quatros anos e a relação floresceu.
85.-Na interação a arguida é expressiva e comunicativa. Revela alguma desejabilidade no discurso, e uma narrativa muito centrada nas vivências pessoais e familiares. Reporta proximidade com familiares e amigos e ser uma pessoa sociável.
86.-Para 2021, a arguida tem projecto retomar formação certificada junto IEFP para completar 12º ano.
87.-Refere ter procurado trabalho para limpezas e trabalhos diversos (prestação de serviços), mas não ter conseguido angariar actividade regular.
89.-AB vivencia alguma ambivalência, face aos factos ora julgados, na medida em que o coarguido é o seu companheiro, pai do seu filho mais novo.
90.-AB, revela noção do interdito e da norma, mas alguma permeabilidade a respostas mais impulsivas em situação de maior escrutínio ou exigência.
91.-A arguida não tem antecedentes criminais conhecidos.
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Inexistem factos não provados.
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III–Objecto do recurso

De acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995 (in D.R., série I-A, de 28.12.1995), o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência dos vícios indicados no nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal.

São os seguintes os fundamentos (iguais) dos recursos dos arguidos: (i) da medida da pena; (ii) não resulta dos factos provados a prática dos crimes de falsificação de documento e de falso testemunho; (iii) da não transcrição do registo criminal.
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IV–Fundamentação
(da medida das penas)

O tribunal a quo motivou as penas concretas do seguinte modo:

“ Pelo crime de falsificação de documentos, na forma agravada, p. e p. pelo disposto no artigo 255.º, n.º 1, 256.º, n.º 1 alíneas a) e f) e n.º 3 do Código Penal, os arguidos incorrem numa pena de prisão de seis meses a cinco anos ou em pena de multa de 60 a 600 dias.
Quanto ao crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido nos termos do disposto no art.º 183.º, n.º 2 da Lei n.º 23/07, de 4 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 29/12, de 9 de Agosto, a moldura penal em que incorrem corresponde a prisão de um a cinco anos.
Por sua vez, o crime de falsas declarações agravado, p. e p. pelos art.º 348.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código Penal é punido com prisão de 30 dias a 2 anos ou em pena de multa de 10 a 360 dias (artigos 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1 do Código Penal).
A determinação da medida concreta da pena faz-se em função da culpa do agente e das exigências da prevenção, tendo em conta todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido - art. 71.º n.º 2 do C.P.
A medida óptima da tutela dos bens jurídicos, será aquela “que não pode ser excedida em nome de considerações de qualquer tipo (…) e abaixo da qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar” – Figueiredo Dias, Direito Penal Português, parte geral, II, “As Consequências Jurídicas do Crime” p. 229.
São considerações de prevenção especial – de ressocialização e integração do agente – que, dentro daqueles limites, e num último momento, acabam por determinar a pena concreta a aplicar.
Tendo presente o que se disse, passemos à determinação concreta das penas a aplicar.
Importará assim considerar o seguinte, em desfavor dos arguidos:
- a intensidade do dolo que se revela elevada, uma vez que actuaram com dolo directo;
- o grau de ilicitude dos factos, que ascende a um patamar médio;
- a ausência de arrependimento sincero;
- a sua postura processual (não admitiram os factos, tampouco contribuíram para a sua descoberta material);
- os antecedentes criminais do arguido FA .
A favor dos arguidos militam as seguintes circunstâncias:
- a ausência de antecedentes criminais quanto à arguida AB;
- a parca situação económica da arguida AS;
- a inserção social e familiar dos arguidos;
- os hábitos de trabalho regular por parte de FA.
Quanto a considerações de prevenção geral, cumprirá ainda atender à danosidade social que a violação do bem jurídico protegido que tais ilícitos acarretam.
No que tange às necessidades de prevenção especial, pesam antecedentes que cada um dos arguidos apresentam.
Em face do exposto, e ponderadas as circunstâncias ora elencadas, reputo como sendo adequado, justo e proporcional condenar os arguidos nas seguintes penas:
O arguido FA, enquanto co-autor material de um crime de falsificação de documento na forma agravada, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
O arguido FA, enquanto co-autor material de um crime de falsas declarações agravado, na pena de 160 (cento e sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
O arguido FA, enquanto co-autor material de um crime de auxílio à imigração ilegal, na pena de um ano de prisão;
A arguida AB, enquanto co-autora material de um crime de falsificação de documento na forma agravada, na pena de 150 (cento e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
A arguida AB, enquanto co-autora material de um crime de falsas declarações agravado, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
A arguida AB, enquanto co-autora material de um crime de auxílio à imigração ilegal, na pena de oito meses de prisão.
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III.4.1.- Do cúmulo jurídico a efectuar e determinação das penas únicas de multa:
Dado que os arguidos foram condenados, no presente processo, pela prática de dois ilícitos criminais, em concurso real e efectivo, em penas de multa importará proceder à realização de cúmulo jurídico, nos termos do disposto no artigo 77.º do Código Penal, por forma a achar a pena única a aplicar.
Nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, a pena aplicável terá como seu limite máximo a soma aritmética das penas concretas aplicadas ao arguido e como limite mínimo a mais elevada daquelas penas.
Assim, no caso dos autos, e quanto ao arguido FA temos como moldura penal abstracta ao cúmulo o limite máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias de multa, resultante da soma das duas penas parcelares e o mínimo em 200 (duzentos) dias, correspondente à mais elevada dessas penas.
Por sua vez, no que concerne à arguida ASP a moldura penal abstracta do cúmulo corresponde ao limite máximo de 270 (duzentos e setenta) dias de multa e o mínimo em 150 (cento e cinquenta) dias.
De acordo com o previsto na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º, na determinação da medida da pena serão considerados, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente.
Ponderando todas as circunstâncias atrás expendidas, entendo como adequado e proporcional condenar o arguido FA na pena única de multa de 280 (duzentos e oitenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), num total de €1.680,00 (mil seiscentos e oitenta euros) e arguida ASP na pena única de multa de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), num total de €1.200,00 (mil e duzentos euros).
Consigna-se que a determinação do quantitativo diário da multa, foi realizada em função da situação sócio-económica da condenada e seus encargos pessoais, nos termos do artigo 47.º, n.º 2 do Código Penal, em que o quantitativo diário deve ser fixado entre €5,00 e €500,00.
* * *

III.5.- Da não substituição das penas de prisão:
Dado período das penas de prisão em que os arguidos forma condenados (um ano o arguido FA e oito meses a arguida AB), assumem relevância abstracta as penas substitutivas actualmente previstas em relação à pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do disposto no artigo 58.º, do Código Penal, ou de multa.
In casu, e atentas as circunstâncias dadas como provadas, concretamente as referentes aos à gravidade da conduta empreendida por ambos, a multiplicadas de tipos de crime que praticaram, os antecedentes criminais dos arguidos e as necessidades de prevenção (especiais e gerais), entendo que não se mostra adequada e suficiente para prevenir o cometimento de novos crimes, a substituição das penas de prisão aplicada por prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 58.º, do referido Código, nem a substituição em pena de multa, por entender que as finalidades não sairiam satisfeitas com tais penas substitutivas, razão pela qual se afasta a sua aplicação.
* * *

III.6.- Da suspensão das penas de prisão:
Fixada as penas, importa, em razão do disposto no art. 50.º, n.º 1, do Código Penal, aquilatar da viabilidade da suspensão da execução das penas de prisão aplicadas aos arguidos.
Nos termos do art. 50.º n.º 1 do Código Penal: "O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida; à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição".
Através desta norma o legislador consagrou um poder-dever do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos, sendo esta uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico (neste sentido, vide Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, 14ª edição, pág. 191 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/06/1996).
Assim, do aludido preceito em análise resulta que a suspensão da execução da pena de prisão – medida de conteúdo reeducativo e pedagógico – configura, para o julgador, um poder-dever, isto é, um poder vinculado, na medida em que deverá ser decretada sempre que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades da punição.
Nas palavras de Leal-Henriques e Simas Santos (in Código Penal, em anotação ao artigo 50.º), “a suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo Tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base um juízo de prognose social favorável ao arguido, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime (...) o tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do réu para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa”.
A verificação dos pressupostos necessários para a suspensão da pena nos moldes descritos, e de acordo com os critérios consagrados, é feita com reporte ao momento da decisão e não ao da prática do crime.
No caso vertente, crê-se que será possível ensaiar uma suspensão da pena de prisão, já que o tipo de crime cometido e a censura e ameaça inerentes a tal suspensão, poderão permitir realizar de forma suficiente as finalidades da punição.
Nessa medida, determino a suspensão da execução da pena de oito meses de prisão, pelo período dezoito meses à arguida AB e, relativamente ao arguido FA  A, a suspensão por três anos da pena de um ano de prisão.
Crê-se que a suspensão da pena nos citados moldes será bastante para satisfazer o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica e servirá igualmente para manter vivo no espírito dos arguidos a censura sobre a sua ilícita conduta, assim se evitando que se instale uma ideia de impunidade dos seus actos”.

Vejamos, então, na perspectiva desta Relação quais as justas penas para os recorrentes.
Razões de prevenção geral estão presentes nestas penas, pois importa alertar os potenciais delinquentes para as penas e, deste modo, tentar evitar que se pratiquem crimes desta natureza que claramente afectam a circulação de pessoas, a fé pública dos documentos, a segurança jurídica e o estado de direito. Cumpre também atender à prevenção especial, na medida em que os arguidos têm de ser alertados para a gravidade dos seus comportamentos, de modo a corrigirem-se, evitando-se assim futuros actos de delinquência. O modelo de prevenção acolhido pelo CP – porque de protecção de bens jurídicos – determina que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. Dentro dessa medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função da reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano. Porém, tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito, do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados - Acórdão do STJ, de 21.10.2009, processo nº 589/08.6PBVLG.S1.

Importa ainda ponderar, no caso em apreço:
- O grau de ilicitude do facto – é de intensidade mediana (no sentido que ocupa situação intermediária), pois as condutas dos arguidos reflectem considerável desvalor em relação à ordem jurídica e à segurança e estabilidade do estado de direito, sendo a imigração ilegal um ilícito grave na medida em que, violando as leis de imigração, nacionais e europeias, há uma aproveitar da fragilidade de pessoas que tentam fugir à guerra e à miséria, caindo em redes ilegais sem escrúpulos; no que tange ao crime de falsificação, este protege a verdade intrínseca do documento enquanto tal (Figueiredo Dias/Costa Andrade, Direito Penal – Questões fundamentais, A Doutrina do Crime, 1996, pg. 23), e assim a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental ( Helena Moniz, O crime de Falsificação de Documentos..., 1999, pg. 41 e ss.).
- O modo de execução – revelador de absoluto desrespeito da fiabilidade dos documentos, da circulação de pessoas e do estado de direito.
- a gravidade das consequências – danos consideráveis na credibilidade dos documentos e violação das regras do estado de direito e da permanência de estrangeiros em Portugal e na Europa.
- A intensidade do dolo – os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e visando idêntico fim, bem sabendo que estavam perante funcionário do IRN no exercício das suas funções e que, ao apresentarem-se como testemunhas em processo de renovação de cartão de cidadão, estavam obrigados a falar com verdade sobre a identidade e demais elementos identificativos do requerente daquele documento, cuja real identidade não se conhece, devendo pois identifica-lo corretamente, designadamente, indicando nome, filiação e data de nascimento verdadeiros, não obstante, atuaram com o propósito concretizado, de não o fazerem, o que quiseram e conseguiram, visando impedir que aqueles apurassem que o indivíduo B não era cidadão português e que não podia por isso ser titular de cartão de cidadão português.
- Os sentimentos manifestados no cometimento do crime – comportamento egoístico e socialmente desajustado.
- Os motivos e fins determinantes – indiferença aos valores de convivência comunitária e ao estado de direito.
- A conduta anterior e posterior ao facto: os antecedentes criminais do arguido.

Ora, resulta da ponderação efectuada que os arguidos, relativamente ao crime de imigração ilegal, só podem ser condenados em penas de prisão e não inferiores à fixada pelo tribunal a quo, o que ocorre por diversas circunstâncias: (i) a prevenção especial; (ii) a prevenção geral; (iii) o grau de ilicitude do facto; (iv) o modo de execução; (v) a intensidade do dolo; (vi) o abalo na confiança do estado de direito e as regras de circulação e permanência em Portugal e na Europa, e (vii) os antecedentes criminais do arguido.
Aqui chegados, considera-se razoáveis e ajustadas as penas de prisão de um ano (para ele) e oito meses (para ela) em que os arguidos foram respectivamente condenados na sentença recorrida.
Relativamente às penas de multa, e fazendo apelo aos critérios e circunstâncias já enunciados, bem como às parcas situações económicas dos arguidos (taxa diária perto do mínimo), são também justas as penas parcelares e únicas em que foram ambos condenados em primeira instância pela prática dos crimes de falsificação de documentos, na forma agravada, e de falsas declarações agravado.
Quanto à requerida substituição das penas de multa por trabalho a favor da comunidade, a gravidade das condutas dos arguidos e as circunstâncias em que foram cometidos os crimes agravados de falsificação e de falsas declarações, levam-nos a concluir que tal substituição não realizaria de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nomeadamente, no caso do arguido já vimos que não foi suficiente para o afastar da delinquência, e, relativamente a ambos, poria em causa os limiares mínimos das expectativas comunitárias ou de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico” – cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português  - As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, pg. 387, § 605.
 Assim se mantém o (bem) decidido pelo Tribunal a quo quanto às medidas das penas.
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(não resulta dos factos provados a prática dos crimes de falsificação de documento e de falso testemunho)

No caso em análise, não tendo os recorrentes cumprido o ónus imposto no art. 412º, nº 3, alínea b) e nº 4, este tribunal superior não pode reexaminar amplamente a matéria de facto fixada pelo Tribunal recorrido, apenas podendo atender ao texto da decisão recorrida para averiguar dos vícios alegados ou outros que sejam de conhecimentos oficioso.

Vejamos a motivação de direito do tribunal recorrido:
“ Apurados os factos, cumpre agora providenciar pela solução jurídica que o caso vertente invoca.
Encontra-se os arguidos acusados da prática, em co-autoria material, de:
a)-1 (um) crime de falsificação de documentos, na forma agravada, p. e p. pelo disposto no artigo 255.º, n.º 1, 256.º, n.º 1 alíneas a) e f) e n.º 3 do Código Penal;
b)- 1 (um) crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido nos termos do disposto no art.º 183.º, n.º 2 da Lei n.º 23/07, de 4 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 29/12, de 9 de Agosto; e de
c)- um crime de falsas declarações agravado, p. e p. pelos art.º 348.º-A, n.ºs 1 e 2 do Código Penal.
* * *

III.1.- Iniciando a análise do primeiro dos ilícitos imputados aos arguidos - crime de falsificação de documento, na forma agravada, previsto e punido pelos artigos 255.º, alínea a) e 256.º, n.º 1, alíneas a) e f) e n.º 3 do Código Penal – importa transcrever o artigo 256.º que, sob a epígrafe de “Falsificação de documento”, preceitua o seguinte:
1- Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime:
a)-Fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo;
b)-Falsificar ou alterar documento ou qualquer dos componentes que o integram;
c)-Abusar da assinatura de outra pessoa para falsificar ou contrafazer documento;
d)-Fizer constar falsamente de documento ou de qualquer dos seus componentes facto juridicamente relevante;
e)- Usar documento a que se referem as alíneas anteriores; ou
f)- Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito; é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. (…)
3- Se os factos referidos no n.º 1 disserem respeito a documento autêntico ou com igual força, a testamento cerrado, a vale do correio, a letra de câmbio, a cheque ou a outro documento comercial transmissível por endosso, ou a qualquer outro título de crédito não compreendido no artigo 267.º, o agente é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 dias. (…)”
O crime em apreço visa acautelar “a segurança e a confiança do tráfico jurídico, especialmente do tráfico probatório”, ou seja, “a verdade intrínseca do documento enquanto tal” e não a protecção do património, nem sequer a confiança na verdade do conteúdo do documento - cfr. Figueiredo Dias e Costa Andrade, Parecer, in CJ, VIII, 3-20 e seguintes - não obstante, as mais das vezes, andar associado com tipos que visam aquela protecção - burla e furto.
Apresenta-se, pois, como um ilícito criminal de perigo abstracto, já que para a respectiva consumação basta que se verifique que a conduta do agente seja “passível de lesão do bem jurídico-criminal aqui protegido, basta que exista uma probabilidade de lesão da confiança e segurança que toda a sociedade deposita nos documentos, e portanto, no tráfico jurídico” – conforme sustenta Helena Isabel GonçA Moniz, in “O Crime de Falsificação de Documentos”, pág. 33.
Assim, não dependerá a consumação do referido crime da verificação, em concreto, do perigo de lesão, nem a efectiva lesão do bem jurídico tutelado, consumando-se com o simples acto de falsificar, usar documento falso ou com a prática de qualquer outra das condutas descritas no n.º 1 do artigo 256.º do Código Penal, uma vez que a partir desse momento verificar-se-á o perigo de lesão do bem jurídico tutelado. Não é, pois, necessário que o agente alcance aquilo que pretendia com a falsificação ou utilização do documento - causar prejuízo a outrem ou ao Estado, ou alcançar para si ou para terceiro um benefício ilegítimo.
Na parte que ora nos interessa, exige o tipo de crime que o agente utilize “fabrique ou elabore documento falso ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo” (alínea a) do n.º 1) ou f) Por qualquer meio, facultar ou detiver documento falsificado ou contrafeito (alínea f), com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo.
E da análise da matéria de facto dada como provada, mostram-se preenchidos, sem margens para dúvidas os elementos do tipo de crime, já que:
6.- Para tanto, e de modo não concretamente apurado, esse indivíduo B ou terceiro cuja identidade não se logrou de apurar, fabricaram um passaporte emitido pela República da India, com o n.º G5.....5, titulado por JS, no qual apuseram a fotografia do “indivíduo B” cuja identidade, por ora, se desconhece. (…)
8.- Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 20 de Junho de 2018, os arguidos FA e ASP conheceram o “indivíduo B” que lhes comunicou pretender obter emissão de cartão portuguesa a seu favor em nome de JS, não possuindo, contudo, documentos oficiais verdadeiros em seu nome e/ou em nome do indivíduo JS.
9.-Os arguidos, em termos não concretamente apurados, acordaram em ajudá-lo no processo de obtenção de cartão de cidadão em nome de JS, de modo a que esse lhe fosse entregue como sendo seu e para assim o utilizar em qualquer circunstância da vida em que fosse necessário estar munido de um cartão de cidadão.
10.- Na concretização desse propósito, a que todos os arguidos aderiram, para efectuar todas as diligências necessárias para obter os documentos necessários à instrução do competente pedido junto das competentes entidades oficiais, concebendo um estratagema que passava por arranjar / certificar como original documentação que sabiam ser falsa, com base na qual pudesse o “indivíduo B” (cuja identidade se desconhece) vir a requerer a emissão de documentos de identificação seus e que o identificassem como cidadão com nacionalidade portuguesa, permitindo ainda que assim pudesse circular livremente no Espaço Schengen.
11.- Desde modo, em execução de um plano previamente gizado entre os arguidos FA, ASP e o “individuo B” (cuja identidade não se logrou de apurar), e plano este a que todos aderiram, os arguidos comprometeram-se a obter fotocópia certificada do passaporte indiano n.º G5.....5 de modo a instruir processo de pedido de cartão de cidadão junto da Conservatória do Registo Civil.
12.-Deste modo, o arguido FA (por já conhecer MFT, Advogado) no dia 17 de Junho de 2018, contactou este último, tendo solicitado urgência na certificação de uma fotocópia, o que o mesmo fez pela 01:06.
13.-Tendo certificado que a fotocópia do passaporte n.º G5.....5, emitido pela República Indiana a 18-02-2010 e com validade até ao dia 17-02-2020, de que é portador JS, cidadão indiano nascido a 03-12-1989 em Mardamao estava conforme o original.
14.-Após, o arguido FA entregou ao “Indivíduo B” (cuja identidade por ora é desconhecida) a fotocópia do aludido passaporte cuja certificação logrou de obter nos termos supra descritos em 7 e 8.
15.- No dia 20-06-2018, “o indivíduo B”, junto da Conservatória do Registo Civil de Sintra pedido de emissão de cartão de cidadão, apresentou, entre o mais, fotocópia do passaporte indiano n.º… como pertencente a JS, contudo, o mesmo foi na realidade emitido a favor de SV, nascido a 23-11-1987.
16.- Acto contínuo, para que fosse emitido por aqueles serviços um cartão de cidadão com aquela identidade, perante o funcionário público, o “indivíduo B” disse que o seu nome era JS  e exibiu a referida cópia certificada do passaporte referido em 15., fazendo passar-se por JS .
17.- Nesse circunstancialismo de tempo e lugar, o “indivíduo B”, cuja identidade concreta não se logrou de apurar, fez-se acompanhar dos arguidos FA e ASP os quais se apresentaram junto do funcionário da Conservatória do Registo Civil de Sintra na qualidade de testemunhas daquele “indivíduo (B)”.
18.-Todos arguidos, movidos pelo propósito de com isso convencer os serviços daquela conservatória que era mesmo JS que ali solicitava a emissão de cidadão português, os arguidos FA e ASP testemunhando perante o funcionário público daqueles serviços do IRN, que aquele “indivíduo (B)” era um cidadão português com o nome de JS, solteiro, nascido em 03/12/1989, e tinha como residência estrangeira a sita em Damão, República da India e em Portugal a sita na Praceta E... A …, - Amadora.
19.- Actuando, pois, com o propósito de permitir a emissão de cartão de cidadão português a favor do “Indivíduo B” (cuja identidade não se logrou de apurar).
20.- Nessa sequência, visando instruir a emissão de novo cartão de cidadão, o funcionário público, encetou todos os procedimentos para emitir o cartão de cidadão de JS .
21.- Na ocasião, fotografou o “indivíduo B”, recolheu as suas impressões digitais, bem como a sua assinatura, tudo como se a mesma se tratasse de JS .
22.- Factos estes presenciados e abonados como sendo verdade pelos arguidos FA e ASP. (…)
24.- Os arguidos FA e ASP sabiam que a emissão de documentos pessoais de identificação dos cidadãos, nomeadamente, o cartão de cidadão e passaporte estão reservados, em exclusivo, às autoridades legalmente creditadas para o efeito e que não podem ser alterados, imitados ou fabricados.
25.- Mais sabiam os arguidos, ao agir desta forma concertada com o “indivíduo B” cuja identidade não se logrou, por ora, de apurar, que a obtenção de cartão de cidadão português, cujos elementos de identificação não correspondiam aquele outro indivíduo, visava o fim último de o mesmo ser detentor de documento que lhe permitisse a sua entrada e permanência ilegal em território português, mas também em qualquer território do Espaço Schengen, não se abstendo de actuar da forma que actuaram. (…)
28.- Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e, ainda assim, não se inibiram de a praticar.”
Os arguidos sabendo que tal identidade era falsa e que não correspondia aos verdadeiros nomes e filiações, agiram com intuito de obter benefício para si a que sabia não ter direito, e em prejuízo da confiança que os documentos autênticos, como são os cartões de cidadão e os passaportes, merecem.
Mais agiram os arguidos de forma livre, deliberada e consciente quanto a estes factos, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
Actuaram com perfeita consciência de que lhe estava vedada tal conduta, de forma intencional, agindo com dolo directo – artigo 14.º, n.º 1 do Código Penal.
Assim, face a tal factualidade dada como provada, dúvidas não restam que estão preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de falsificação de documento, na forma agravada, previsto e punido pelo artigo 256.°, n.º 1, alíneas a), f) e n.º 3, em conjugação com a alínea a) e c), do artigo 255.°, ambos do Código Penal, inexistindo quaisquer causas de exclusão da culpa e ilicitude.
* * *

III.2.- Estão também os arguidos acusados do co-autoria material de um crime de falsas declarações, p. e p. pelo artigo 348.º-A, n.º 2, do Código Penal (por referência ao artigo 524.º do Código Civil).
Tal artigo, com a epígrafe de “falsas declarações” dispõe que:
1- Quem declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.
2- Se as declarações se destinarem a ser exaradas em documento autêntico o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa.”
Sem necessidade de grandes considerações, dada a factualidade tida como provada, estarão inquestionavelmente preenchidos os elementos objectivos do tipo, pois em execução de um plano previamente gizado entre os arguidos FA  Silva A, ASP e o “individuo B” (cuja identidade não se logrou de apurar), os arguidos comprometeram-se a obter fotocópia certificada do passaporte indiano n.º G5.....5 de modo a instruir processo de pedido de cartão de cidadão junto da Conservatória do Registo Civil.
No dia 20-06-2018, junto da Conservatória do Registo Civil de Sintra, para que fosse emitido por aqueles serviços um cartão de cidadão com aquela identidade, o “indivíduo B” disse perante o funcionário público que o seu nome era JS  e exibiu a referida cópia certificada do passaporte referido em 15. dos factos provados, fazendo passar-se por JS. E nesse circunstancialismo de tempo e lugar, o “indivíduo B”, fez-se acompanhar dos arguidos FA e ASP os quais, perante funcionário da Conservatória do Registo Civil de Sintra e na qualidade de testemunhas daquele “indivíduo (B)” declararam que o requerente era um cidadão português com o nome de JS, solteiro, nascido em 03/12/1989, e tinha como residência estrangeira a sita em Damão, República da India e em Portugal a sita na Praceta Engenheiro A …, Amadora. Recorrendo ao aludido estratagema, em comunhão de esforços e vontades, os arguidos tencionavam obter a emissão de cartão de cidadão português titulado por JS, cujos elementos de identificação não correspondiam aquele outro indivíduo.
Acresce que toda essa actuação dos arguidos foi intencional, conscientes de que não procediam em conformidade com as normais penais vigentes, não se abstendo de agir da forma supra descrita, agindo com dolo directo – artigo 14.º, n.º 1 do Código Penal.
Do exposto resultará, necessariamente, a sua condenação pela prática do referido crime pelo qual vinha acusada, p. e p. pelos arts. 348.ºA, n.º 2 do CP, inexistindo qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude.
* * *

III.3.- No que se refere ao crime de auxílio à imigração ilegal igualmente imputado aos arguidos, o artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, apresenta a seguinte redacção:
1— Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional é punido com pena de prisão até três anos.
2— Quem favorecer ou facilitar, por qualquer forma, a entrada, a permanência ou o trânsito ilegais de cidadão estrangeiro em território nacional, com intenção lucrativa, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.
3— Se os factos forem praticados mediante transporte ou manutenção do cidadão estrangeiro em condições desumanas ou degradantes ou pondo em perigo a sua vida ou causando-lhe ofensa grave à integridade física ou a morte, o agente é punido com pena de prisão de dois a oito anos.
4— A tentativa é punível.
5— As penas aplicáveis às entidades referidas no n.º 1 do artigo 182.º são as de multa, cujos limites mínimo e máximo são elevados ao dobro, ou de interdição do exercício da atividade de um a cinco anos.”

A este propósito, e pela sua clareza, citamos a anotação ao artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, cuja redacção é idêntica à do artigo 134.º-A do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, de Júlio A. C. Pereira e José Cândido de Pinho, a páginas 631 do seu “Direito de Estrangeiros – Entrada, Permanência, Saída e Afastamento”, em edição da Coimbra Editora do ano de 2008, onde se esclarece o seguinte:
“A verificação da prática do crime de auxílio à imigração ilegal carece da demonstração de requisitos subjectivos e objectivos. A acção material criminosa reside no “favorecimento” e na “facilitação”. O modo da acção não é definido: qualquer um serve (“por qualquer forma”: n.ºs 1 e 2; podemos incluir aqui, por exemplo, obtenção de documento fraudulento; protecção ao esconderijo ou acolhimento em casa do agente, etc). O objecto da acção é a “entrada”, o “trânsito” (n.º 1) ou a “permanência” (n.º2) ilegais, consoante os casos, noções cuja verificação casuística concreta há-de buscar-se no disposto no art. 181.º, supra. O sujeito activo é qualquer pessoa. O sujeito passivo é um cidadão estrangeiro. O elemento subjectivo consiste na consciência de prestar ilicitamente ajuda a cidadão estrangeiro entrar, permanecer e transitar, ilegalmente, no nosso país. Para a prática do crime não é essencial a obtenção de um benefício económico, embora como resulta do n.º 2, também possa concorrer uma intenção lucrativa, que funcionará como elemento subjectivo que agrava a moldura penal abstracta.”
Ademais, e como – também - se pode ler na aludida anotação: “Para além de prevenir e reprimir os crimes de auxílio à imigração, o preceito também está predestinado a servir de travão ao crime de tráfico de pessoas, dada a conexão parcial dos seus elementos.”
Isto porque, se “é verdade que o crime de tráfico de seres humanos não está fatal e necessariamente relacionado com o crime de auxílio. Isto é, não depende de favorecimento e de facilitação à entrada de estrangeiros ilegais, pois que até ocorre com cidadãos nacionais, com outros residentes legais e até com visitantes de outras nacionalidades”, não é menos certo que “não raras vezes, as pessoas vítimas deste auxílio (em inglês, “human smuggling”) acabam por se tornar concomitantemente vítimas de tráfico de seres humanos, para os mais diversos fins: exploração sexual de mulheres, trabalho e serviços forçados, pornografia infantil e pedofilia, etc, tudo isto em variadíssimas situações de fraude, servidão involuntária e escravatura, entre outras formas de atropelo à dignidade da condição humana.”
Afinal, e como se pode ler, desta feita, em acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de Dezembro de 2009, disponível em www.dgsi.pt, no acto: “singular de ajuda à imigração ilegal (…) está (…) em causa a necessidade de disciplinar a forma como se processa o trânsito de pessoas entre Estados e, nomeadamente, o interesse que tem o estado em que tal fluxo obedeça a regras e disciplinas próprias. O controle da entrada ou saída de pessoas do território nacional deriva também de obrigação comunitárias que o nosso País assumiu por força dos compromissos vigentes. Em causa está não só a necessidade de regulação e controle do estado, como também a de evitar a situação de precariedade social e económica, quando não a própria fragilidade física, em que ficam aqueles que recorrem a instrumentos ilegais para assegurar a sua entrada no espaço nacional”.

No caso concreto, mostra-se provado que,
5.- Em 20 de Junho de 2018, por cidadão que se identificou com sendo JS, mas cuja real identidade não se logrou de apurar – pessoa doravante designada apenas por “indivíduo B” - junto da Conservatória do Registo Civil de Sintra, foi requisitado inicio do processo de emissão/renovação de cartão de cidadão português que deu origem ao processo n.º 36666131A.
6.- Para tanto, e de modo não concretamente apurado, esse indivíduo B ou terceiro cuja identidade não se logrou de apurar, fabricaram um passaporte emitido pela República da India, com o n.º …, titulado por JS, no qual apuseram a fotografia do “indivíduo B” cuja identidade, por ora, se desconhece.
7.- Veio a apurar-se que as pessoas retratadas naqueles dois processos de pedido de emissão de cartão de cidadão português e que ambas se arrogaram ser JS, são distintas entre si, ou seja, não correspondem à mesma pessoa, desconhecendo-se qual a real identidade de qualquer uma das mesmas.
8.- Em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 20 de Junho de 2018, os arguidos FA e ASP conheceram o “indivíduo B” que lhes comunicou pretender obter emissão de cartão portuguesa a seu favor em nome de JS, não possuindo, contudo, documentos oficiais verdadeiros em seu nome e/ou em nome do indivíduo JS .
9.-Os arguidos, em termos não concretamente apurados, acordaram em ajudá-lo no processo de obtenção de cartão de cidadão em nome de JS, de modo a que esse lhe fosse entregue como sendo seu e para assim o utilizar em qualquer circunstância da vida em que fosse necessário estar munido de um cartão de cidadão.
10.- Na concretização desse propósito, a que todos os arguidos aderiram, para efectuar todas as diligências necessárias para obter os documentos necessários à instrução do competente pedido junto das competentes entidades oficiais, concebendo um estratagema que passava por arranjar / certificar como original documentação que sabiam ser falsa, com base na qual pudesse o “indivíduo B” (cuja identidade se desconhece) vir a requerer a emissão de documentos de identificação seus e que o identificassem como cidadão com nacionalidade portuguesa, permitindo ainda que assim pudesse circular livremente no Espaço Schengen.
11.- Desde modo, em execução de um plano previamente gizado entre os arguidos FA  Silva A, ASP e o “individuo B” (cuja identidade não se logrou de apurar), e plano este a que todos aderiram, os arguidos comprometeram-se a obter fotocópia certificada do passaporte indiano n.º … de modo a instruir processo de pedido de cartão de cidadão junto da Conservatória do Registo Civil.
12.-Deste modo, o arguido FA (por já conhecer MFT, Advogado) no dia 17 de Junho de 2018, contactou este último, tendo solicitado urgência na certificação de uma fotocópia, o que o mesmo fez pela 01:06.
13.-Tendo certificado que a fotocópia do passaporte n.º …, emitido pela República Indiana a 18-02-2010 e com validade até ao dia 17-02-2020, de que é portador JS, cidadão indiano nascido a 03-12-1989 em Mardamao estava conforme o original.
14.-Após, o arguido FA entregou ao “Indivíduo B” (cuja identidade por ora é desconhecida) a fotocópia do aludido passaporte cuja certificação logrou de obter nos termos supra descritos em 7 e 8.
15.- No dia 20-06-2018, “o indivíduo B”, junto da Conservatória do Registo Civil de Sintra pedido de emissão de cartão de cidadão, apresentou, entre o mais, fotocópia do passaporte indiano n.º G5.....5 como pertencente a JS, contudo, o mesmo foi na realidade emitido a favor de SV, nascido a 23-11-1987.
16.- Acto contínuo, para que fosse emitido por aqueles serviços um cartão de cidadão com aquela identidade, perante o funcionário público, o “indivíduo B” disse que o seu nome era JS e exibiu a referida cópia certificada do passaporte referido em 15., fazendo passar-se por JS .
17.- Nesse circunstancialismo de tempo e lugar, o “indivíduo B”, cuja identidade concreta não se logrou de apurar, fez-se acompanhar dos arguidos FA e ASP os quais se apresentaram junto do funcionário da Conservatória do Registo Civil de Sintra na qualidade de testemunhas daquele “indivíduo (B)”.
18.-Todos arguidos, movidos pelo propósito de com isso convencer os serviços daquela conservatória que era mesmo JS  que ali solicitava a emissão de cidadão português, os arguidos FA e ASP testemunhando perante o funcionário público daqueles serviços do IRN, que aquele “indivíduo (B)” era um cidadão português com o nome de JS, solteiro, nascido em 03/12/1989, , e tinha como residência estrangeira a sita em Damão, República da India e em Portugal a sita na Praceta E... A …, - Amadora.
19.- Actuando, pois, com o propósito de permitir a emissão de cartão de cidadão português a favor do “Indivíduo B” (cuja identidade não se logrou de apurar).
(…)
23.-Recorrendo ao aludido estratagema, em comunhão de esforços e vontades, todos os arguidos agiram com intenção de obter a emissão de cartão de cidadão português titulado por JS, fizeram uso de um passaporte emitido pela República Indiana mas em nome de pessoa distinta, tendo para isso adulterado ou mandado adulterar os elementos de identificação e a fotografia aposta, bem sabendo que tal documento tem um especial valor probatório inerente a tal documento e que, desse modo, colocavam em crise a confiança na genuinidade, exactidão e fé pública associadas à informação fornecida naquele documento, para que, posteriormente, o indivíduo B, cuja identidade, por ora, se desconhece, o pudesse apresentar, perante funcionário público da Conservatória do Registo Civil de Sintra, atestando, desse modo, a falsidade de identificação daquele indivíduo como sendo JS, bem sabendo que tal não correspondia à realidade.
24.- Os arguidos FA e ASP sabiam que a emissão de documentos pessoais de identificação dos cidadãos, nomeadamente, o cartão de cidadão e passaporte estão reservados, em exclusivo, às autoridades legalmente creditadas para o efeito e que não podem ser alterados, imitados ou fabricados.
25.- Mais sabiam os arguidos, ao agir desta forma concertada com o “indivíduo B” cuja identidade não se logrou, por ora, de apurar, que a obtenção de cartão de cidadão português, cujos elementos de identificação não correspondiam aquele outro indivíduo, visava o fim último de o mesmo ser detentor de documento que lhe permitisse a sua entrada e permanência ilegal em território português, mas também em qualquer território do Espaço Schengen, não se abstendo de actuar da forma que actuaram.
26.- Sabiam os arguidos que as condutas descritas violavam as leis de imigração, nacionais e europeias para o trânsito daquele “indivíduo B”, uma vez que todos pretenderam que aquele permanecesse em Portugal, onde poderia residir e/ou circular livremente no Espaço Schengen, identificar-se perante toda e qualquer autoridade oficial, sempre que necessário ou lhe fosse solicitado, mediante exibição de cartão de cidadão português, como se tratasse efetivamente de JS, cidadão ao qual fora atribuída a nacionalidade portuguesa, cientes que o mesmo não possuía qualidades nem documento que lhe permitisse alcançar tal desiderato.
27.- Os arguidos FA e ASP, agiram assim deliberada, livre e conscientemente, em comunhão de esforços e visando idêntico fim, bem sabendo que estavam perante funcionário do IRN no exercício das suas funções e que como, ao apresentarem-se como testemunhas em processo de renovação de cartão de cidadão, estavam obrigados a falar com verdade sobre a identidade e demais elementos identificativos do requerente daquele documento, cuja real identidade não se conhece, devendo pois identifica-lo corretamente, designadamente, indicando nome, filiação e data de nascimento verdadeiros, não obstante, atuaram com o propósito concretizado, de não o fazerem, o que quiseram e conseguiram, visando impedir que aqueles apurassem que o indivíduo B não era cidadão português e que não podia por isso ser titular de cartão de cidadão português.
28.- Os arguidos agiram livre, deliberada e conscientemente bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal e, ainda assim, não se inibiram de a praticar.”
Da norma incriminadora resulta que o “auxílio à imigração ilegal” assume a natureza de crime de perigo abstracto, na modalidade prevista nos nºs 1 e 2, presumindo a lei que “as situações de favorecimento ou facilitação de entrada, trânsito ou permanência (…) ilegais do cidadão estrangeiro envolvem só por si o perigo de serem violados os direitos fundamentais deste, senão mesmo a sua dignidade como ser humano, a par da política imigratória”(Albano Pinto, Comentário das Leis Penais extravagantes, Org. P.P. Albuquerque, José Branco, I, p. 81).
Basta, pois, a prova de uma das condutas descritas nos nºs 1 e 2 da norma incriminadora para que o agente deva ser punido, pois “o perigo surge como objectivamente imputável à sua realização, sendo por isso inerente à própria conduta” (loc. cit.).
O crime realiza-se independentemente do bem jurídico chegar a ser efectivamente violado. Trata-se de um crime de perigo quanto ao bem jurídico, mas já é um crime material ou de resultado quanto ao objecto da acção.
Perante os factos supra transcritos será de concluir que os arguidos cometeram o crime de auxílio à emigração ilegal pelo qual vinham acusados, previsto e punido pelo artigo 183.º, n.º 2 da Lei n.º 23/07, de 4 de Julho, com a redacção introduzida pela Lei n.º 29/12, de 9 de Agosto e que, consequentemente, se impõe a sua condenação”.

Do exposto resulta à exaustão que estão demonstrados todos os elementos objectivos e subjectivos dos tipos de crimes em que foram condenados os recorrentes, sendo despiciendo repetir tudo o que, a este propósito, se diz no acórdão recorrido.

De qualquer modo, e por que a questão suscitada se pode enquadrar no vício do art.º 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, não deixaremos de abordar esta matéria.

O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal, ocorre quando, da factualidade elencada na decisão recorrida, resulta que faltam elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição e decorre da circunstância do tribunal não se ter pronunciado (dando como provados ou não provados) todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação ou pela defesa, ou tenham resultado da discussão.

Trata-se de um vício que consiste em ser insuficiente a matéria de facto para a decisão de direito. Como refere o Prof. Germano Marques (Curso de Processo Penal, III vol., p. 339) “é necessário que a matéria de facto dada como provada não permita uma decisão de direito, necessitando de ser completada”. Ou seja, é necessário que se verifique uma lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para a decisão de direito.

Como se refere no Acórdão do STJ de 21.06.2007 (Processo 07P2268), a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada é “a insuficiência que decorre da circunstância de o Tribunal não ter dado como provados ou não provados todos aqueles factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados ou resultado da discussão, que constituam o objecto da decisão da causa, ou seja, os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência, bem como todas as soluções jurídicas pertinentes, independentemente da qualificação jurídica dos factos resultantes da acusação ou da pronúncia, segundo o art. 339º, nº 4 do CPP”.

Assim, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada nada tem a ver com a eventual insuficiência da prova para a decisão proferida (questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, enquadrado nos termos do art. 127º do Cód. Proc. Penal, e insindicável em reexame da matéria de direito), sendo que o vício em questão só pode ter-se como existente quando os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão final. 

Ora, lida e analisada a decisão recorrida, não se vê que o Tribunal “a quo” tenha incorrido no vício a que alude a alínea a) do nº 2 do art. 410º do Cód. Proc. Penal. Estão presentes (e provados) todos os factos suficientes para justificar a decisão de direito.
Decai este fundamento dos recursos.
*
(da não transcrição do registo criminal)

Apreciemos.

Sem prejuízo do disposto na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, os tribunais que condenem pessoa singular em pena de prisão até 1 ano ou em pena não privativa da liberdade podem determinar na sentença ou em despacho posterior, se o arguido não tiver sofrido condenação anterior por crime da mesma natureza e sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes, a não transcrição da respetiva sentença nos certificados a que se referem os n.os 5 e 6 do artigo 10.º - art.º 13.º, n.º 1, da Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio (Lei da Identificação Criminal).

O Acórdão do STJ .º 13/2016, de 7 de Outubro, fixou a seguinte jurisprudência: “A condenação em pena de prisão suspensa na sua execução integra o conceito de pena não privativa da liberdade referido no n.º 1 do artigo 17.º da Lei n.º 57/98, de 18 de Agosto, com a redacção dada pela Lei n.º 114/2009, de 22 de Setembro”.

Ora, embora a jurisprudência tenho sido fixada na vigência da Lei n.º 57/98, redacção dada pela Lei n.º 114/2009, entretanto revogada pela Lei n.º 37/2015, de 05 de Maio, importa referir que o art.º 13.º, n.º 1, da actual lei (supracitado) não diverge, nesta parte, do regime do revogado art.º 17.º, da Lei n.º 57/98. Em ambas é necessário o pressuposto formal “pena de prisão até um ano ou em pena não privativa da liberdade”. Isto para dizer que a jurisprudência do Ac. n.º 13/2016 mantém-se actualizada e inexiste qualquer fundamento para a não seguir.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias (Direito Penal Português, p. 331), sendo a suspensão da execução da pena “a mais importante das penas de substituição” – não apenas pela frequência com que é aplicada, mas também pelo âmbito lato de aplicação que comporta – a lei, nos termos do art. 50º do Cód. Penal, exige não só a verificação de um requisito objectivo (condenação em pena de prisão não superior a 5 anos) como também requisitos subjectivos, determinados por finalidades de política criminal, que permitam concluir pelo afastamento futuro do delinquente da prática de novos crimes, através da sua capacidade de se reintegrar socialmente. Em causa já não está a medida da culpa do agente, mas prognósticos acerca das exigências mínimas de prevenção, sendo necessário determinar se existe esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada.

A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena autónoma de substituição em que o condenado se mantém em liberdade, o que, desde logo, afasta o conceito de pena privativa de liberdade.
Acresce que os recorrentes não foram condenados em qualquer dos crimes previstos no artigo 152.º, no artigo 152.º-A e no capítulo V do título I do livro II, do Código Penal, e não sofreram condenação anterior por crime da mesma natureza (ao que cometeram).

Os recorrentes têm, pois, razão, no que tange à verificação dos pressupostos formais necessários à sua pretensão.

Passemos ao requisito material: “sempre que das circunstâncias que acompanharam o crime não se puder induzir perigo de prática de novos crimes”.

Uma primeira nota para referir que esta exigência de ausência de perigo da prática de novos crimes é distinta da prognose favorável subjacente à suspensão da execução da pena de prisão. Se assim não fosse, em todas os processos em se aplique esta pena de substituição e verificados os demais pressupostos formais, haveria sempre não transcrição da decisão no registo criminal.

Subjacente à decisão de suspensão da execução da pena está um juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento do arguido, ou seja, quando se possa prever que o mesmo não cometerá futuros crimes. Pressuposto básico da aplicação da suspensão da execução da pena, é a existência de factos que permitam um juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do agente, em termos de que o tribunal se convença de que a censura expressa na condenação e a ameaça da pena aplicada sejam suficientes para afastar o arguido de uma opção desvaliosa em termos criminais para o futuro. Mas tal juízo tem de se fundamentar em factos concretos que apontem para uma forte probabilidade de inflexão em termos de vida.

A prognose favorável para a aplicação desta medida de substituição é muito concreta. Primeiro, é limitada ao tempo da suspensão da execução da pena. E, depois, assenta na convicção do tribunal de que a censura expressa na condenação e a ameaça da pena aplicada são suficientes para afastar o arguido da delinquência. O tribunal crê fundadamente (em factos concretos) que haverá um efeito de dissuasão junto do arguido. Decorrido, sem revogação, o período da suspensão da execução, é declarada extinta a pena de substituição, tendo a prognose favorável sido concretizada com êxito e, também ela, se extingue. O seu objectivo era evitar o cumprimento de uma pena privativa de liberdade.

Já a identificação criminal é distinta e tem por objecto a recolha, o tratamento e a conservação de extratos de decisões judiciais e dos demais elementos a elas respeitantes sujeitos a inscrição no registo criminal e no registo de contumazes, promovendo a identificação dos titulares dessa informação, a fim de permitir o conhecimento dos antecedentes criminais das pessoas condenadas e das decisões de contumácia vigentes.

E, por isso, é bem distinta a exigência de ausência de perigo da prática de novos crimes necessária à não transcrição no registo criminal. O que o tribunal aqui se convence é de que, ponderadas as circunstâncias excepcionais e muito concretas que acompanharam a prática do crime, inexiste perigo para a prática de novos crimes, daí que nem se justifique manchar o certificado de registo criminal do condenado.

Claro que as informações do registo criminal não são definitivas, a sua vigência vai se alterando consoante diminui a probabilidade de o condenado voltar a delinquir, do tempo decorrido da prática dos crimes ou do cumprimento de pena, da extinção das penas, da natureza das penas. E, elemento muito importante, o acesso ao registo criminal não é igual para todas as entidades e fins que se pretende obter.

Indo ao caso concreto, os arguidos foram condenados pela prática dos crimes de auxílio à imigração ilegal, falsificação de documentos agravada e falsas declarações agravada.

Assim, e relativamente ao preenchimento do requisito material, em que se exige que não decorra das circunstâncias do crime o perigo de prática de novos crimes, importa apurar se das circunstâncias que acompanharam os crimes se pode induzir tal perigo.

Os factos cometidos pelos recorrentes são graves, reveladores de total desrespeito pela ordem jurídica, segurança e estabilidade do estado de direito, sendo o auxílio à imigração ilegal um ilícito que, violando as leis de imigração nacionais e europeias, se traduz num aproveitar da fragilidade de pessoas que tentam fugir à guerra e à miséria, caindo em redes ilegais sem escrúpulos, e, no que tange ao crime de falsificação, este protege a verdade intrínseca do documento enquanto tal, e assim a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório no que respeita à prova documental. Mais, as condutas dos arguidos tiveram consequências na credibilidade dos documentos e violação das regras do estado de direito e da permanência de estrangeiros em Portugal.

Por aqui se vê a gravidade dos crimes cometidos pelos recorrentes.

Face ao exposto, tendo em conta as circunstâncias em que os recorrentes cometeram os diversos crimes, não se vê como concluir pela inexistência de perigo da prática de novos crimes. E, assim, não há como conceder a não transcrição pretendida pela recorrente.

Como se refere no acórdão deste Tribunal da Relação de Lisboa de 26.05.2021, proferido no processo n.º nº 3902/13.0JFLSB-AQ.L1: “É que o CRC tem em si uma especial informação sobre o perfil do condenado que, no entanto, passados que sejam os 5 anos de suspensão tem direito à Paz Jurídica da qual, contudo, não merece ainda gozar, quer para fins administrativos quer para fins particulares; (…) “Aceitar essa omissão seria apagar um comportamento que tem de ter as suas consequências e, permitir ao recorrente circular, como se não tivesse cometido qualquer ilícito, em serviços públicos ou particulares, tratado ao mesmo nível dos que, no seu CRC, nada têm porque nenhumas circunstâncias, como as que nos autos se provaram, viveram ou fizeram viver”.

Improcedem, assim, os recursos.
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V–Decisão

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em negar provimento aos recursos, declarando-os totalmente improcedente.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.



Lisboa, 07 de Setembro de 2021



Paulo Barreto
Manuel Advínculo Sequeira