Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2833/05.2TTLSB.1.L1-4
Relator: MANUELA FIALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCIDENTE DE REVISÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: 1– Deduzido incidente de revisão da pensão em processo emergente de acidente de trabalho ao qual é aplicável a Lei 100/97 de 13/09, se as circunstâncias invocadas convencerem que o prazo de 10 anos subsequente à sentença que fixou a pensão (reportado no Artº 25º/2) revelou alterações constantes, então tal prazo não deve ser extintivo do direito à revisão.

2– Do mesmo modo, se se alega que a lesão determinante do agravamento é superveniente.

3– A norma em causa não é ofensiva da CRP se, durante aquele período de 10 anos não tiver sido formulado qualquer pedido de revisão ou quando, tendo-o sido, a situação não se revelou como agravada.

(Elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


O MINISTÉRIO PÚBLICO, ao abrigo e nos termos do artigo 3º, nº. 1, alínea f) do Estatuto do Ministério Público, notificado da sentença na qual se indefere o pedido de exame de revisão formulado pelo sinistrado com o invocado fundamento de que estaria extinto o direito do mesmo, vem interpor recurso de tal sentença.

Pede que a mesma seja revogada e substituída por outra que admita o requerimento para exame de revisão apresentado pelo sinistrado.

Conclui como segue:
1.– A norma do artigo 25º da Lei 100/97, de 13 de Setembro, quando interpretada no sentido de limitar o exercício do direito a requerer exames de revisão ao prazo de 10 anos posteriores à data da fixação do direito a pensão, é manifestamente inconstitucional por violar o disposto no artigo 59º, nº 1, alínea f) da Constituição da Republica Portuguesa.
2.– Com efeito, não existem razões cientificas e ou clinicas que fundamentem uma tal limitação temporal…, muito menos que se opere uma diferenciação entre situações de acidentes de trabalho (limitação a 10 anos) e situações de doença profissional (sem limitação).
3.– A atual Lei de Acidentes de Trabalho (Lei 98/2009, de 4 de Setembro), traduzindo as melhores soluções conformes à Constituição e conformes à natural evolução clinica de sequelas de acidentes de trabalho e de doença profissional já não contempla uma tal limitação.
4.– Logo, o direito a requerer exames de revisão, ao abrigo da aplicação da lei 100/97, de 13 de Setembro, não se extingue ainda que passados 10 anos após a data da fixação da pensão, por não lhe ser aplicável tal limite temporal.

Não foram apresentadas contra-alegações.
*

Eis o que nos revelam os autos:

AAA veio requerer a realização de exame de revisão.

Alegou para o efeito agravamento das lesões decorrentes do acidente.

Foi proferido despacho no qual se consignou:
…” No caso dos autos, como resulta dos autos principais (fls. 88), está em causa um acidente ocorrido em 07.10.2004 (no âmbito do qual lhe foi fixada uma IPP de 5% por decisão de 15 de Dezembro de 2006, transitada em julgado) pelo que a lei aplicável é a Lei 100/97, de 13/09 (aplicável aos acidentes ocorridos a partir de 01/01/2000, nos termos do art. 41º nº 1 al. a), conjugado com os arts. 71º do D.L. 143/99 e 1º do D.L. 382-A/99, de 22/09).
É entendimento deste Tribunal que o art. 59º nº 1 al. f) da Lei Fundamental ao consagrar o direito do trabalhador à “assistência e justa reparação por acidentes de trabalho” não impõe ao legislador infraconstitucional uma proibição de fixação de limites temporais para o exercício do direito à revisão da incapacidade ou capacidade de ganho, mas sim a materialização do seu exercício e a conformação de tal regime com os demais princípios constitucionais.
O entendimento, perfilhado por parte da jurisprudência, que determina a aplicabilidade da solução prevista na Lei 98/2009 (LAT atual) aos pedidos de revisão das incapacidades em acidentes ocorridos no âmbito da lei anterior, assenta na ideia de desconformidade constitucional do prazo preclusivo de 10 anos, por violação dos arts. 59º nº 1 al. f) e 13º da CRP (princípio da igualdade).
Conforme vem sendo afirmado pelo Tribunal Constitucional o princípio da igualdade apenas impõe que situações materialmente semelhantes sejam objeto tratamento idêntico ou baseado em critérios não discriminatórios.
A solução legislativa em vigor à data do acidente, assentava no conhecimento das ciências médicas reveladoras do período médio de consolidação da situação clínica dos sinistrados.
Tendo em consideração o caso dos autos, em que o acidente ocorreu em 2004, sendo-lhe aplicável a LAT anterior, e tendo já decorrido 10 anos sobre a decisão de fixação da incapacidade, julgamos ser inaplicável a solução resultante do regime jurídico da Lei 98/2009 por grave ofensa à certeza e segurança jurídica, perfilhando assim o entendimento recentemente adotado pelo STJ em acórdão proferido no processo 201/1995.2.L1.S1 (não publicado).
Assim, impõe-se declarar extinto o direito do Autor de requerer a revisão da sua capacidade de ganho com base no acidente ocorrido em 07.10.2004.
Pelos fundamentos expostos e ao abrigo do disposto no art. 25º nº 2 da Lei 10/97, indefiro o pedido de exame de revisão.
***

As conclusões delimitam o objeto do recurso, o que decorre do que vem disposto nos Art.º 608º/2 e 635º/4 do CPC. Apenas se exceciona desta regra a apreciação das questões que sejam de conhecimento oficioso.

Nestes termos, considerando a natureza jurídica da matéria visada, é uma única a questão a decidir, extraída das conclusões:
–O direito a requerer exames de revisão, ao abrigo da aplicação da lei 100/97, de 13 de Setembro, não se extingue ainda que passados 10 anos após a data da fixação da pensão, por não lhe ser aplicável tal limite temporal?
***

O DIREITO:

Em discussão nos autos está um incidente de revisão de uma pensão fixada por acidente de trabalho ocorrido em 07/10/2004.

A lei aplicável é, como se diz no despacho recorrido, a Lei 100/97, de 13/09 (aplicável aos acidentes ocorridos a partir de 01/01/2000, nos termos do Artº. 41º/1-a), conjugado com os Artº 71º do D.L. 143/99 e 1º do D.L. 382-A/99, de 22/09).

O alegado agravamento das lesões decorrentes do acidente constitui, em face do Artº 25º/1 da Lei 100/97, fundamento de revisão das prestações.

Dispõe o Artº 25º/2 que a revisão só pode ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data de fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.

No caso concreto a pensão foi fixada por decisão de 15 de Dezembro de 2006, transitada em julgado, tendo o incidente de revisão dado entrada em 13/04/2018.

Decorreram, assim, mais de 10 anos após a data da fixação da pensão.

Donde, em face da Lei 100/97 se extinguiu o direito à revisão.

Alega, porém, o Ministério Público, que por força da jurisprudência que emerge do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 147/06, sendo possível que durante 10 anos se registe uma progressão das lesões, deve rejeitar-se liminarmente a existência de um prazo preclusivo para requerer a revisão. Ali se defendeu que uma interpretação que a não consinta não tem subjacente qualquer fundamento racional e contraria o disposto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição.

E mais alega ainda que o atual artigo 70º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro, traduzindo normativamente a melhor tese de inconstitucionalidade das anteriores soluções legais, não impõe qualquer prazo limite para que tais Exames de Revisão possam ter lugar, naturalmente porque se entendeu que ao agravamento da situação clinica não é passível de se colocar uma barreira, no caso, jurídica, porque antinatural, visto que, como bem se assinala no Acórdão ora em referência, não é concebível que o estado de saúde do sinistrado não pudesse evoluir passados esses dez anos.

Como decidir?
Como ponto de partida não poderemos deixar de equacionar que segundo a normalidade das coisas, um prazo de 10 anos é suficientemente dilatado para permitir considerar como consolidada a situação clínica do sinistrado. Donde, a não ser que se invoquem especiais razões ou factos, o juízo que se efetue sobre a questão que nos ocupa, não pode deixar de passar pela aplicação do regime vigente à data do acidente.

A jurisprudência dos tribunais superiores, a do Constitucional incluída, parece ter acertado caminho no sentido de, por um lado, a aplicação a todas as situações do regime agora constante da Lei 98/2009 ofender gravemente a certeza e segurança jurídicas que devem presidir á aplicação do direito e, por outro, que a norma limitadora do prazo não é, à partida inconstitucional. Desde logo porque o princípio da igualdade, como parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do direito infraconstitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam objeto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes tenham, por sua vez, tratamento diferenciado.

Daí a necessidade, que se nos afigura emergir da jurisprudência constitucional, de ponderar as circunstâncias do caso concreto.

É assim que no Ac. STJ 29/10/2014, Procº 167/1999.3 se decidiu que não é inconstitucional, à luz do princípio da igualdade – não se revestindo, por isso, de flagrante desrazoabilidade –, o entendimento de que, decorridos 10 anos sobre a data da fixação da pensão, sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora do pedido de revisão, se considera consolidada a situação clínica relativa às lesões do sinistrado, sendo, por isso, de considerar extinto o direito do sinistrado a suscitar o incidente de revisão da sua incapacidade por ter transcorrido o prazo de 10 anos entre a data da (última) fixação e o requerimento de exame de revisão. A aplicação ao caso dos Autos do regime introduzido pela NLAT – que, não prevendo qualquer limitação temporal para dedução do pedido de revisão, apenas se dirige aos acidentes ocorridos a partir de 1.1 2010 – ofenderia gravemente a certeza e segurança do direito, sendo inaceitável que a parte responsável/seguradora se pudesse ver confrontada com o ressurgimento de um direito que estava já juridicamente extinto à luz da Lei aplicável.

No mesmo sentido o Ac. do STJ de 5/11/2013, Procº 858/1997.2 e Ac. RP de 2/06/2014, Procº 358A/2000.

É certo que o Ac. TC nº 280/2011 (www.tribunalconstitucional.pt) julga inconstitucional, por violação do artigo 13.º da Constituição, a norma do n.º 2 da Base XXII, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas, mas nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse prazo de dez anos tenham ocorrido atualizações da pensão por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado[1]

Entendimento também subjacente ao Ac. do TC nº 433/2016 que julga inconstitucional, por violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, a norma contida nos números 1 e 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de agosto de 1965, quando interpretada no sentido de estabelecer um prazo preclusivo de dez anos, contados da fixação original da pensão, para a revisão da pensão devida a sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento superveniente de lesões sofridas, nos casos em que, desde a fixação da pensão e o termo desse prazo de dez anos, apesar de mantida a incapacidade, a entidade responsável fique judicialmente obrigada a prestar tratamentos médicos ao sinistrado[2].

Já o Ac. TC nº 411/2011 (idem) não julga inconstitucional a norma constante do n.º 2 do artigo 25.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, interpretada no sentido de permitir a revisão da prestação devida por acidente de trabalho apenas nos dez anos posteriores à data da fixação da pensão inicial, caso não tenha havido revisões anteriores procedentes. Jurisprudência que manteve no Ac. TC 621/2015 (idem) que não julga inconstitucional a norma do artigo 24.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, na parte em que estatui que a revisão das pensões por incapacidade permanente só pode ser requerida dentro de cinco anos posteriores à data da fixação da pensão. Ou ainda o Ac TC nº 583/2014 (idem) onde se pondera que “…Inexistindo qualquer circunstância que afaste, de modo irrecusável, a presunção de estabilização da situação clínica do sinistrado, inexistem motivos para manter o julgado de inconstitucionalidade da norma do artigo 25.º, n.º 2, da LAT que, como vimos, tem como ratio a presunção de que findo o período de dez anos se pode ter por adquirida a estabilização das lesões do sinistrado.”

No mesmo sentido, podemos ver o Ac. TC 694/2014 (idem) que alerta para o seguinte:
“… Não existe um fator racional e objetivo de distinção no que toca ao regime de revisão de pensões por acidentes de trabalho relativamente às doenças profissionais evolutivas se as sequelas do acidente se presumirem evolutivas por ocorrência de agravamentos no decurso de 10 anos posteriores à data da fixação da pensão. O caráter evolutivo ou não evolutivo do acidente ou da doença profissional é que dita a diferença de regimes. Como se decidiu nos Acórdãos nºs 147/06 e 280/11, só haverá violação do princípio da igualdade, por comparação com o regime das doenças profissionais, se não for permitido ao sinistrado por acidentes de trabalho requerer a revisão da pensão nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o termo do prazo de dez anos tiver ocorrido atualizações da pensão por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas, situação em que se presume o caráter evolutivo da lesão[3].

…No presente caso, a pensão foi fixada em 23 de maio de 1990 e o sinistrado só 22 anos após – em 9 de maio de 2012 – veio requerer exames médicos de revisão, invocando o agravamento das lesões. Não tendo havido nos primeiros 10 anos após aquela data atualizações intercalares de pensões, presume-se estabilizada a situação de incapacidade resultante do acidente de trabalho, não se verificando sequer qualquer circunstância que afaste, de modo irrecusável, essa presunção, como se verificou no caso excecional em que se permitiu a revisão da pensão por agravamento da lesão detetado após os 10 anos (cfr. Acórdão nº 161/2009).”

Assim, analisada a jurisprudência constitucional, o que dela emerge é que se as circunstâncias convencerem que o prazo de 10 anos revelou alterações constantes, então tal prazo não deve ser extintivo do direito à revisão. Ou, do mesmo modo, se se alega que a lesão determinante do agravamento é superveniente.

Já não se poderá ter a norma infraconstitucional como ofensiva da CRP se, durante o período de 10 anos, não tiver sido formulado qualquer pedido de revisão ou quando, tendo-o sido, a situação não se revelou como agravada.

Vai neste sentido também a jurisprudência dos tribunais superiores, de que se destaca o Ac. da RP de 15/12/2016, Procº 605/03.8TOAZ cuja síntese ali efetuada é bem reveladora do que vimos afirmando, ou seja, da necessidade de, casuisticamente, se apreciarem as situações em presença.

E, como ali bem se pondera sendo a jurisprudência reiteradamente uniforme no sentido nela apontado – da inaplicabilidade do art. 70º, nº 3, da Lei 98/2009 e da não inconstitucionalidade do art. 25º, nº 2, da Lei 100/97 -, também nós entendemos ser de a sufragar, tanto mais atento o disposto no art. 8º, nº 3, do Cód. Civil.

Assim, e retornando ao nosso caso, compulsado o requerimento apresentado para iniciar o incidente nada mais se diz senão que se solicita a revisão por se terem vindo a agravar as lesões do acidente.

Alegação que, em face do regime legal e da interpretação constitucional propugnada no recurso é manifestamente insuficiente para fundamentar a prossecução do incidente.

Improcede, pois, a apelação.
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Em conformidade com o exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando, em consequência, a decisão recorrida.
Notifique.
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LISBOA, 2018-09-12



MANUELA BENTO FIALHO
SÉRGIO ALMEIDA
FRANCISCA MENDES


[1]Sublinhado nosso
[2]Idem
[3]Idem