Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
473/1999.L1-6
Relator: MARIA MANUELA GOMES
Descritores: CESSAÇÃO DAS RELAÇÕES PATRIMONIAIS
REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/02/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - As relações patrimoniais do casal, decorrentes do regime de bens do casamento, cessam na data da sentença estrangeira que decretou o divórcio e não aquando da sua revisão e confirmação em Portugal.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

           
Relatório:


1. No processo de inventário para partilha dos bens deixados por R... falecido no dia 28 de Novembro de 1998, em que é cabeça-de-casal D..., representado pela mãe A..., requerido por R..., filho mais velho do inventariado (e no qual foi, depois, incorporado um outro processo de inventário requerido por M..., ex-mulher do falecido R...), prestadas as declarações do cabeça de casal e apresentadas sucessivas relações de bens – fls. 71, 128 a 138 – foram as mesma objecto de reclamação.

Perante isso foi, por despacho de fls. 364, ordenada a exclusão de algumas verbas – 44 a 65 – e ordenado ao cabeça-de–casal a apresentação de nova relação, com as concretizações e correcções indicadas.

O cabeça-de-casal veio então apresentar nova relação de bens, junta de fls. 392 a 403 e prestou os esclarecimentos pedidos, sobretudo referentes aos imóveis relacionados sobre os nºs 85 a 89, ditos doados ao interessado R...

Levantadas dúvidas sobre se o imóvel inscritos no artigo 1957 da matriz predial respectiva seria bem comum do seu primitivo casal, bem como sobre a data de construção dos imóveis nele erigidos e ainda sobre a existência de alguns móveis reclamados, juntos vários documentos (fls. 504 a 545 e fls. 554) e inquiridas as testemunhas indicadas, veio o incidente de reclamação da relação de bens a ser decidido conforme despacho de fls. 576 a 580, o qual, basicamente, para além de remeter para os meios comuns as questões atinentes às verbas 4, 5, 6, 8, 9,10,12, 13, 14, 19, 20, 21, 22, 45, 47, 48, e ainda as nºs 11, 15 e 16 tidas como litigiosas, na parte excedente a 2 971 355$00, julgou parcialmente procedente a reclamação apresentada pela ex-mulher do falecido M... e ordenou que fossem “relacionados os bens descritos nas verbas nºs 86 e 89º como bens comuns do casal dissolvido e como tal partilhados”.

E, logo de seguida, designou dia para a conferência de interessados.

Do assim decidido, recorreram, no dia 11.03.2004, o cabeça-de-casal D... e a interessada V..., recurso que foi admitido como Agravo, a subir “nos autos, com os agravos interpostos de despachos proferidos na causa principal e tem efeito devolutivo – artigo 738º, nº1, alínea b) in fine e 740º a contrario do CPC.” (cfr. fls. 597).

Os recorrentes alegaram e, no final, formularam as seguintes conclusões:

1. Quanto a primeira questão refira-se que a interessada e o inventariado contraíram casamento, sem convenção nupcial, no dia 22 de Setembro de 1973, na Igreja de Santa Inês, Toronto, Ontário, Canadá, casamento esse que foi transcrito em 6 de Junho de 1983, pelo Consulado Geral de Portugal em Toronto, Ontário, Canada, conforme se pode ver pelo Assento de Casamento católico com o n° 240/1983, passado por aquele Consulado e que se encontra junto aos autos;
2. O regime da comunhão de adquiridos vigora como regime supletivo (... relativamente aos casamentos celebrados depois de 31 de Maio de 1967 (conforme, o art°. 15° da "Lei Preambular" do Código de 1966), e, como regime convencional, quando tenha sido estipulado em convenção antenupcial;
3. O regime previsto no art° 1717, do Código Civil não sofreu alterações, desde a sua entrada em vigor;
4. Pelo que o regime de casamento é o da comunhão de adquiridos, e não o da comunhão geral de bens;
5. Quanto a alínea a) da segunda questão, deverá constar dos factos dados como provados e não consta o seguinte facto: que por sentença proferida em 09.08.1985, no Supremo Tribunal de Ontário, em acção de divorcio intentada pelo inventariado em Setembro de 1983, foi decretado o divorcio entre o inventariado e a interessada, dado que tal facto consta de uma certidão emitida pelo Tribunal da Relação de Lisboa e que se encontra junta aos autos;
6. A alínea b) da segunda questão, pelas mesmas razões, e na sequencia do constante em III destas Alegacões de Recurso, deverá ser reformulada a redacção do primeiro facto  no que a esta parte respeita dado como provado, no sentido de passar a constar que pelo Acórdão de 02.02.88 do Tribunal da Relação de Lisboa, essa sentença foi revista e confirmada em 18.02.88, tendo o inventariado e a interessada sido casados no regime da comunhão de adquiridos;
7. Quanto à alinea c) da segunda questão, a Ma. Juiz "a quo" deu como provada totalidade do prédio inscrito sob o art°. 1957, como bem comum do inventariado e da interessada, quando o que o interessado R... reclamou como pertencendo à comunhão conjugal do inventariado com a interessada, foi apenas parte do mesmo art°. 1957, sendo excluídos dois alpendres e uma garagem, que foram construídos posteriormente.

8. A Ma Juiz, deu como provado mais do que as partes alegaram ao dar como provada a existência da casa, remetendo por simples remissão para o artigo predial.

9. Pelo que deve ser corrigida a matéria de facto dada como provada, acrescentando que a casa de habitação, que foi participada posteriormente a data do divorcio, é hoje parte do art. 1957, excluindo-se, em consequência, da descrição dois alpendres e uma garagem, como pertencentes à comunhão conjugal do inventariado com a interessada.

10.  Quanto a terceira questão, na acção de revisão e confirmação de sentença proferida por tribunal estrangeiro (...), o tribunal limita-se a verificar se a sentença revidenda está em condições de produzir efeitos em Portugal (Prof Alberto dos Reis - Processos Especiais, II, 204).

11.  Trata-se de uma acção declarativa de simples apreciação.

12. As acções de simples apreciação têm por fim obter unicamente a declaração da existência dum direito ou dum facto, como determina a alínea a) do n° 2 do art. 4° do Cod. Proc. Civil.

13. Dai que, limitando-se a reconhecer ou apreciar uma situação pré-existente, ao contrário da acção constitutiva que cria uma situação nova, a acção declarativa de simples apreciação deva produzir efeitos "ex tunc", desde a data em que ocorreu aquela situação, (conforme CJ - Acórdãos Relação do Porto, I, pags. 242 e 243, 1991), nomeadamente desde a data da propositura da acção em que foi proferida;
14. Considerando que por sentença proferida em 09.08.1985, pelo Supremo Tribunal de Ontário, Canadá, foi decretado o divórcio entre o inventariado e a interessada, e que tal acção foi proposta pelo inventariado em Setembro de 1983;
15. Considerando que apenas foi dado como provado que em 18.02.1988, existiam dois prédios urbanos embora os mesmos fossem participados as finanças posteriormente;
16. Considerando que não ficou provado o inicio de cada uma das construções;
17. Considerando que o ónus da prova de tais factos - inicio e conclusão das construções - cabe aos recorridos;
18. Conclui-se que, em Setembro de 1983, tais bens eram próprios do inventariado e não bens comuns da interessada e do inventariado;
19. O mesmo se diga, no caso de se considerar que a revisão e confirmação de sentença proferida por Tribunal estrangeiro produz efeitos não desde a data em que a acção foi proposta, mas desde a data da sentença confirmada, ou seja, 9 de Agosto de 1985;
 20. Constata-se assim, que a douta decisão violou o disposto no art°. 15 do DL nº 47344 de 25/11/66,  art. 1717º do Código Civil, 1094º, n°1 do CPC, n° 2 a) do art. 4º e art. 668º , n° 1, d) do CPC.

Terminaram pedindo a procedência do agravo e a revogação da decisão recorrida.

A ex-mulher do falecido contra alegou. Invocou concordar que o regime de bens do seu primitivo casal era o da comunhão de adquiridos; no mais deveria improceder o recurso, até porque o despacho de fls. 484 a 487 não fora impugnado.

Pediu a manutenção do decidido, com excepção da rectificação do regime de bens do casal.

O tribunal recorrido sustentou o despacho impugnado, sem sequer atender ao pedido de rectificação do dito “lapso”, atinente ao regime de bens do dissolvido casamento do inventariado.

E os autos prosseguiram os seus termos, com a avaliação dos imóveis inscritos nos artigos, urbanos nºs 1925, 1957, 1475, 1958 e 1959 e rústicos artigos 1º Secção B e 42 Secção A (fls. 661, fls. 697 a 703), subsequente conferência de interessados, com o resultado constante da respectiva acta, junta a fls.726 e 727, rectificada nos termos ordenados a fls. 887.

Posteriormente, organizado o mapa de partilha (fls. 924 e seguintes), que não foi objecto de reclamação, em 18.11.2013, foi proferida sentença homologatória da partilha (fls. 931).

Desta, apelaram os interessados D... e V..., limitando o recurso ao decidido quanto às verbas 86 e 89 da relação de bens, objecto de anterior recurso, então ainda de agravo.

Alegaram, que a sentença não tivera em consideração o facto de existir um recurso de agravo relativo às ditas verbas, previamente interposto pelos ora recorrentes e que ficara retido, quando nos termos do art. 1396º nº 1 do CPC, na redacção vigente até 31.12.2007, o mesmo deveria ter subido em separado, nos autos e no momento em que foi convocada a conferência de interessados.

E concluíram pedindo a procedência do agravo, repetindo as conclusões que formularam no âmbito desse recurso (já antes enunciadas), acrescidas das seguintes:

- O tribunal “a quo” proferiu sentença de partilha retendo o recurso de agravo, quando o mesmo deveria ter subido em separado e no momento em que se convocasse a conferência de interessados;
- No caso do recurso de agravo ser favorável aos recorrentes a interessada M... deixará de ter essa qualidade;
- Em consequência sendo de anular todo o processado incompatível com a permanência da mesma nos autos;
- Bem como irá obrigar à marcação de nova Conferência de Interessados com eventuais novas adjudicações e partilha;
- Razão pela qual se recorre da sentença, com o objectivo de impedir o trânsito em julgado da mesma;
- O tribunal violou o disposto no art. 1396º nº 1 do CPC, na redacção vigente até 31.12.2007.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

Matéria de Facto:

2. Com relevo para a decisão do recurso estão provados por documento os seguintes factos:

- O inventariado  R... casou, catolicamente, no dia 22 de Setembro de 1973, com M..., em Toronto, Ontário, no Canadá, sem convenção antenupcial, casamento transcrito no Consulado Geral de Portugal, em Toronto, Canadá, em 1983 (Assento de casamento católico, nº 240, do Ano de 198, do dito Consulado).

- Esse casamento veio a ser dissolvido por divórcio, decretado pelo Supremo Tribunal de Ontário, Canadá, por sentença de 9 de Janeiro de 1985, revista e confirmada por Acórdão desta Relação de Lisboa, de 2 de Fevereiro de 1988, transitado em julgado no dia 18 de Fevereiro desse mesmo ano (averbamentos ao Assento de Nascimento do Inventariado, fls. 23 e certidão deste Tribunal da Relação de Lisboa, constante de fls. 80 e seguintes).

- O inventariado R... faleceu no dia 22.11.1998, no estado de divorciado da dita M...

- Deixou três filhos: R..., nascido no dia 21 de Abril de 1974, também filho da sua ex-mulher M...; D... e V..., nascidos a 19 de Novembro de 1988 e 15 de Março de 1993, respectivamente, também filhos de A...

- No dia 18 de Julho de 1996, no Cartório Notarial de Torres Vedras, por escritura dita de “Partilha e Doação” e em que intervieram, como Primeiro Outorgante R... e como Segundo Outorgante R..., que outorgou por si e como procurador da sua mãe M...,, pelo Primeiro Outorgante e pela representada do Segundo foi declarado, para além do mais, o seguinte:

 “ Que (…) foram casados um com o outro segundo o regime de comunhão de adquiridos. Que pela presente escritura (…) vêm proceder à partilha que foi do dissolvido casal e que é o a seguir devidamente identificado:

“Prédio rústico denominado “Amieira” composto por pinhal e eucaliptal, com a área de doze mil e oitocentos metros quadrados, a confrontar (….), inscrito na respectiva matriz sob o artigo um, da secção Q, com o valor patrimonial de 15.398$00, não descrito na Conservatória do Registo Predial deste concelho, a que atribuem valor igual ao patrimonial.

“Que em face do valor do bem (…) o valor da meação de cada um dos primeiro e representada do segundo outorgantes é do montante de sete mi novecentos e vinte e seis escudos.

“Que tendo acordado em fazer a sua partilha por divórcio, extrajudicialmente, por esta escritura a ela procedem pela forma seguinte:

“Fica adjudicado ao primeiro outorgante R.., o seguinte:

“Todo o prédio atrás devidamente identificado, no correspondente valor de quinze mil novecentos e trinta e oito escudos.

“(…..)

“Que assim dão por concluída a partilha por divórcio, extrajudicialmente, que reciprocamente aceitam (…).

” E pelo primeiro outorgante foi ainda dito:

“Que por esta mesma escritura, e por conta da sua quota disponível, faz doação ao segundo outorgante, seu filho, do seguinte:

“Lote de terreno para construção urbana, com a área de seis mil e quatrocentos metros quadrados, sito no Casal Novo da Amieira, dita freguesia de Campelos, a confrontar…., a desanexar do prédio já atrás devidamente identificado, a que atribuem o valor de cem mil escudos.

“ E pelo terceiro outorgante foi dito: Que aceita a presente doação nos termos exarados. (….)”.

- Na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras, sob o nº 1247/960323, (cota G1) da freguesia de Campelos consta a descrição de um prédio rústico denominado “Amieira”, com 12 800 m2, de pinhal e eucaliptal, inscrito no artigo 1º, secção Q, adquirido a favor de R..., casado com M... na “c. adquiridos”, seguido da seguinte inscrição: “G-2 Ap. 22/960823 - Aquisição a favor de R..., divorciado, Casal da Amieira – por partilha subsequente a divórcio com M..., divorciada”  - Dessa descrição consta ainda, sob o “Av.2. Ap. 23/960823 – Desanexado o nº 1248
- E ainda: “Av.2. Ap. 24/ 960823 – MISTO – Pinhal e eucaliptal e armazém agrícola – 6400 m2 cabendo à parte urbana a a. c. 540m2 – norte R... (….), V.P. 7 681 238$00. Artigos: 1 secção Q e 1475.
“Av.3. Ap. 16/970417 – PREDIO URBANO – armazém agrícola, a. c. 540m2; casa de cave para arrumos, rés-do-chão para habitação, garagem arrecadação, 2 alpendres e logradouro, a. c. 545,7 m2, a. d. 4338,3 m2; barracão amplo, a. c. 400 m2; barracão amplo, a. c. 576 m2 – valor 10 915 840$00 – artigo 1475 e omisso.” ((doc. fls. 676 a 679).

- Na 2ª Repartição de Finanças de Torres Vedras, na Matriz Cadastral Urbana da freguesia de Campelos, do concelho de Torres Vedras, sob o artigo 1475, em nome de R..., estava inscrita, em 8.05.1997, localizada no Casal Novo da Amieira, uma casa de rés do chão para armazém agrícola, com divisão ampla, com a área de 540 m2.

- Na 2ª Repartição de Finanças de Torres Vedras, na Matriz predial Urbana da freguesia de Campelos, do concelho de Torres Vedras, sob o artigo 1957, em nome de R..., estava inscrita, em 14.10.98, localizada no Casal Novo da Amieira, uma casa de dois pisos para habitação, com a área coberta de 545,7 m2 e a área descoberta de 4 338,3 m2 (doc. fls. 34 a 36).

- Na 2ª Repartição de Finanças de Torres Vedras, na Matriz predial Urbana da freguesia de Campelos, do concelho de Torres Vedras, sob o artigo 1958, em nome de R..., estava inscrita, em 14.10.98, localizada no Casal Novo da Amieira, uma casa de rés-do-chão para arrecadação, com a área coberta de 576 m2.

- Na 2ª Repartição de Finanças de Torres Vedras, na Matriz predial Urbana da freguesia de Campelos, do concelho de Torres Vedras, sob o artigo 1959, em nome de R..., estava inscrita, em 14.10.98, localizada no Casal Novo da Amieira, uma casa de rés-do-chão para arrecadação, com a área coberta de 400 m2.

Todavia, o tribunal recorrido fundou a decisão objecto do recurso de agravo, nos seguintes factos aí ditos como provados, mas que pelas razões adiante enunciadas, não poderão ser, sem mais, considerados como tal:

- A interessada e o inventariado divorciaram-se por decisão transitada em julgado em 18.02.88, sendo casados no regime geral de comunhão de bens.

- Há data existiam dois prédios urbanos embora só fossem participados às finanças posteriormente bem como algum mobiliário e electrodomésticos que equipavam um desses imóveis.
- Em Fevereiro de 1988 uma casa de habitação de dois pisos e cave e um armazém estavam concluídos, incluindo as paredes interiores e exteriores efectuadas.

- A casa de habitação foi participada à 2ª repartição de finanças de Torres Vedras posteriormente a data do divórcio, sendo hoje o imóvel descrito na matriz predial respectiva sob o n.° 1957 da freguesia de Campelos.

- O armazém igualmente participado à 2ª repartição de finanças de Torres Vedras em data posterior ao divórcio foi inscrito sob o artigo 1959 da freguesia de Campelos.

- Em Fevereiro de 1988 a casa de habitação tinha algum mobiliário.

O Direito:

3. Embora formalmente estejam interpostos dois recursos – um agravo do despacho que decidiu o incidente da relacionação de bens e uma apelação da sentença homologatória da partilha, em causa verdadeiramente está apenas a matéria do agravo, já que se este fosse improcedente nada mais haveria que decidir, por falta de objecto da apelação.

É que nesta os recorrentes questionam apenas o regime de subida do agravo, face ao disposto no então vigente artigo 1396º do CPC.
Estatuía esse preceito (só revogado pelo artigo 6º nº2 da Lei nº 23/2013, de 5 de Março, e que entrou vigor no 1º dia útil de Setembro seguinte) sob a epígrafe “Regime dos recursos” que:

1 - Nos inventários de valor superior à alçada da Relação, o regime dos recursos é o do processo ordinário, subindo, porém, conjuntamente ao tribunal superior, em separado dos autos principais e no momento em que se convoque a conferência de interessados, os agravos interpostos até esse momento.
2 - Nos inventários cujo valor não exceda a alçada da Relação o regime de recursos é o do processo sumário.”

Daí que, face ao regime então aplicável, o recurso de agravo ora em apreciação devesse ter subido logo, em separado, a quando da prolação do despacho que convocou a conferência de interessados e não ficar retido, como aconteceu.

E os recorrentes podiam, e deviam, ter reagido contra essa retenção.

Efectivamente, a partir de 1951 e até à redacção dada ao anterior Código de Processo Civil, pelo DL nº 303/2007, de 24 de Agosto, o primitivo recurso de queixa, depois denominado reclamação para o presidente do Tribunal Superior que fosse competente para o conhecimento do recurso, abrangia também as decisões que retivessem os agravos, como evidenciava o art. 688º do CPC, na redacção do DL nº 180/96, de 25 de Setembro, então vigente.

Todavia, como lei não sancionava essa inércia, entende-se ser de conhecer agora do recurso retido, sofrendo as partes as consequências desse retardamento e eventual inutilidade de processado, se for caso de anulação.

Agora não podem é os recorrentes pretenderem transformar a violação do dito artigo 1396º do CPC, com a consequente indevida retenção do agravo, em objecto da apelação, como fizeram.

Portanto, em rigor, nos autos está em causa apenas a apreciação do recurso de agravo, indevidamente retido.

Posto isto, vejamos.

4. Vistas as conclusões desse recurso, delimitadoras do objecto do mesmo, as questões a decidir prendem-se:

(i) com alterações de factos dados como provados;
(ii) saber se as verbas constantes sob os nºs 86 e 89 da relação de bens deixados pelo inventariado eram bens próprios ou se, como decidiu o tribunal recorrido, faziam parte dos bens comuns do primitivo casal formado por ele e pela sua ex-mulher M...

4.1. Como é sabido, os Tribunais da Relação, embora sejam competentes para conhecer tanto das questões de direito como das de facto, relativamente a estas últimas só as podem alterar, em três situações: - se o tribunal dispuser da totalidade dos meios probatórios que estiveram na base da decisão recorrida; - se os elementos fornecidos pelo processo (nomeadamente documentais) impuserem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas; - se o recorrente apresentar documento novo superveniente que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou (art. 712º do CPC, vigente ao tempo da decisão).

Ora, no caso, este tribunal não dispõe da totalidade dos meios de prova utilizados, designadamente da prova testemunhal e, consequentemente não pode reapreciar e modificar, se disso fosse caso, os factos dados como provados.

Há, todavia, alguns que, só admitindo prova documental e estando esta nos autos, podem ser, desde já, por nós considerados.

Foi por isso que, anteriormente, deixámos logo enunciados como provados uma série de factos novos, atinentes ao registo civil e predial, por estarem devidamente documentados no processo e se mostrarem dotados de força probatória bastante.

E é daí que derivarão, como veremos a seguir, as pretendidas alterações nos pretensos factos dados como provados pelo tribunal recorrido e, particularmente no primeiro – “A interessada e o inventariado divorciaram-se por decisão transitada em julgado em 18.02.88, sendo casados no regime geral de comunhão de bens” – que resulta contrariado pela prova documental junta e que, portanto, tal como pugnam os recorrentes, tem de ser necessariamente eliminado do elencos dos factos dados como provados pela 1ª Instância.

4.2. O núcleo central do recurso prende-se com a determinação do regime de bens do dissolvido casamento do inventariado e do momento em que devem considerar-se cessadas as relações patrimoniais derivadas desse seu casamento com M...

Em primeiro lugar, e como todos os interessados aceitam, o regime de bens do dito casamento é efectivamente o da comunhão de adquiridos e não da comunhão de bens como referido pela 1ª instância.

Conforme deriva do estatuído no artigo 53º nº1 do Código Civil, os efeitos das convenções antenupciais e do regime de bens são definidos pela lei nacional dos nubentes ao tempo da celebração do casamento.

Ora, sendo o inventariado e a sua ex-mulher, à data do casamento – em 22 de Setembro de 1973 – de nacionalidade portuguesa e não tendo feito convenção antenupcial, não obstante terem casado no estrangeiro, o regime (supletivo) de bens do casal, de acordo com a lei pessoal deles, era o da comunhão de adquiridos, visto o disposto no art. 1717º do C. Civil, como bem defendem os recorrentes e a recorrida aceitou.

Daí que as verbas em causa sejam bens próprios do inventariado ou comuns, apurados que sejam dois factores essenciais, a saber: a data em que cessaram as relações patrimoniais do casal por virtude da dissolução do casamento por divórcio e a data da aquisição pelo inventariado dos imóveis, constantes das mencionadas verbas 86 e 89.

4.2.1. A questão atinente ao momento em que cessaram as ditas relações é exclusivamente jurídica.

Entendeu o tribunal recorrido, que o momento a atender para esse efeito seria o da sentença do processo de revisão da decisão estrangeira que decretou o divórcio.

Alegam os recorrentes que tal ocorreu com a propositura do processo de divórcio.

Vejamos.

Em geral, o reconhecimento de uma sentença estrangeira pressupõe a verificação prévia da sua regularidade, isto é, pressupõe a verificação, no caso concreto, das condições de que segundo a lei do país requerido depende a atribuição de eficácia às decisões de tribunais estrangeiros.

O sistema apresenta duas modalidades, conforme se exija ou não a revisão de mérito.

No nossa ordem jurídica vigora o regime da mera revisão formal – verificação da regularidade da decisão e do processo de que ela constitui o último termo – doutrinariamente conhecido por sistema da delibação ( v. Ferrer Correia, Lições de Direito Internacional Privado, I, 4ª reimpressão da edição de Outubro de 2000, p. 464); a sentença de confirmação opera a recepção na ordem jurídica do foro dos efeitos que a decisão estrangeira produz na ordem jurídica do Estado de origem e, geralmente, confere-lhe força executiva.

A sentença de confirmação não se substitui à sentença estrangeira nem a “nacionaliza” através de uma incorporação do seu conteúdo. A confirmação também não é uma condição legal de eficácia de um mero facto jurídico (a sentença estrangeira). A sentença estrangeira é encarada como um acto jurisdicional, que pode ou não ser reconhecido. A confirmação tem por função conferir à sentença estrangeira um título de eficácia na ordem jurídica interna.” (Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado, III, p. 375/376).

Daqui deriva que o tribunal de reconhecimento nunca se substitui ao tribunal de origem; é a sentença estrangeira que é executada, mas a sentença de confirmação que lhe atribui relevância na ordem jurídica interna não pode deixar de integrar o título e, por último “a confirmação da decisão estrangeira tem efeito retroactivo com ressalva dos direitos de terceiro. Quer isto dizer que os efeitos que a sentença estrangeira produz na ordem jurídica interna retroagem ao momento da sua produção na ordem jurídica do Estado de origem” (autor e obra citados, p. 376; no mesmo sentido Ferrer Correia, obra citada, p. 476).

Em face da doutrina exposta e vistos os factos já provados dúvidas não há que, contrariamente ao entendimento subjacente ao despacho recorrido, as relações patrimoniais do primitivo casal, decorrentes do regime de bens do casamento, cessaram, pelo menos, na data da sentença estrangeira que decretou o divórcio e não aquando da sua revisão e confirmação em Portugal, ocorrida somente em 1988.

E os efeitos do divórcio poderiam mesmo retroagir à data da propositura da acção de divórcio, como invocam os recorrentes, nos termos da parte final do nº 1 do art. 1789º do C. Civil, desde que essa data estivesse devidamente comprovada. Só que não está.

A referência constante da fundamentação do acórdão proferido no processo especial de Revisão (fls. 82) é insuficiente face ao disposto no art. 364º nº 1 do C. Civil (tanto mais que nela há discrepância mesmo relativamente à data da sentença revidenda – indicada como “9/8/85” (fls. 81) enquanto do registo consta “9 de Janeiro de 1985” (fls.254), o que nos leva a supor ter a dita sentença sido objecto de rectificação do lapso).

De qualquer modo, tendo a discussão sido suscitada só em torno da cessação das relações patrimoniais dos cônjuges com referência à data da sentença de divórcio no estrangeiro – que se tem por ser 9 de Janeiro de 1985, conforme resulta do registo civil - e reconhecido pelas razões antes expostas que assim é, impõe-se averiguar se as construções constantes das ditas verbas 86 e 89 existiam, ou não, já nessa data, para depois, em face do que se apurar, se poder concluir se as mesmas são de relacionar (neste caso sempre como direito a metade indivisa) ou se, pura e simplesmente são de considerar bens do inventariado, como defendem os agravantes, com todas as consequências que daí derivarão.

Isto porque, tanto quanto os autos evidenciam, a prova testemunhal produzida assentou no pressuposto (errado) de que a data que relevava era a da revisão da sentença e não a da sentença de divórcio propriamente dita.

Em face de tudo o exposto, impõe-se a revogação do despacho recorrido, na parte objecto do presente recurso e ordena-se a repetição da inquirição das testemunhas indicadas para apuramento dos factos acima mencionados, atinentes às verbas ultimamente relacionadas sob os nºs 86 e 89, tendo por base o alegado nos articulados de reclamação e resposta, constantes, designadamente de “verbas 33 e 36” a fls. 250, de fls. 256 e 257, e dos artigos 42 a 46 da resposta do cabeça-de-casal, constante de fls. 261 e seguintes.

E anula-se todo o processado posterior que seja incompatível, ou venha a revelar-se incompatível, com o resultado das diligências ordenadas.

Procede desta forma, o núcleo essencial do agravo e tem-se por prejudicado o conhecimento da apelação, a qual como se deixou dito, em rigor, não tem sequer objecto autónomo.

Decisão:

5. Termos em que se acorda em conceder provimento ao recurso de agravo e, consequentemente, revogar o despacho recorrido e ordenar a ampliação da matéria de facto em conformidade com a data fixada como momento em que cessaram as relações patrimoniais do primitivo casal do inventariado.
Consequentemente, anulam-se todos os termos processuais posteriores aos articulados de reclamação e resposta, que se mostram ou venham a mostrar incompatíveis com os resultados da prova a produzir no incidente em apreciação.
Custas pelos vencidos/agravados/ apelados.


Lisboa, 2 de Julho de 2015

Maria Manuela B. Santos G. Gomes
Fátima Galante
Gilberto Jorge